Self-service de humor

Opinião|1840 caracteres


Por Carlos Castelo

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19.

 

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(Michael Schwarzenberger por Pixabay) Foto: Estadão

Este texto tem 1840 caracteres, sem espaços. Cada um deles representa um brasileiro que se foi por causa do Covid-19 no três de março de 2021. Quando transformamos vidas em sinais gráficos, as existências ficam banalizadas como são agora aqui pelo país.

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O curioso é que, mesmo o ser humano vivendo em função de suas máscaras, não as usa durante uma triste pandemia. O porquê é uma intrincada questão. Muitos dizem que o exemplo não vem de cima. E que o de cima é de uma grande baixeza.

1840 mortos falam por eles mesmos. Um número tão expressivo, num só dia, não precisa de nenhum discurso. Nem mesmo o deste texto. Eu só o escrevo para, com todas as letras, visualizar a situação.

Até aqui são 583 caracteres. Ou 583 mortos. Não é nem a metade do total. A tendência é de que, num próximo texto, ao chegarmos nesse parágrafo, os caracteres - assim como os falecidos - sejam em número bem maior.

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Hoje batem-se cabeças no governo sobre a necessidade de lockdown. Se pararmos todos, para a economia. Se não pararmos todos, não param as mortes. A solução parece óbvia, mas nem tudo é óbvio por essas plagas. Temos 259 mil argumentos para defender a ideia de que é preciso baixar velas e se fechar no barco nas horas de intempérie. A nau da Terra Brasilis, entretanto, segue singrando como se estivesse com vento na popa.

O Mercado, mantendo a metáfora naval, lembra as barcaças d'antanho. Com escravos remando e um supervisor batendo o tambor, regulando o ritmo. A percussão do Mercado não pode parar e já está iniciando a execução da Marcha Fúnebre, de Chopin. Mais cadáveres, em breve, serão localizados nas praias próximas.

Mortes em larga escala sempre nos trouxeram grandes ensinamentos. Revolução Francesa, duas guerras mundiais, Hiroshima, Nagasaki, 11 de Setembro. No Brasil, a moral da história não vem porque nunca houve moral em nossa História. O último país a abolir a escravidão continua não enxergando o Outro. O sumiço do vizinho não é conosco, é com o bispo, que está aí para quem quiser se queixar.

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Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19. Aqui são 76 toques. Do lado de fora, nem houve a possibilidade de tocar clarins homenageando-os.

1840 caracteres. 1840 mortes. Fim.

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19.

 

(Michael Schwarzenberger por Pixabay) Foto: Estadão

Este texto tem 1840 caracteres, sem espaços. Cada um deles representa um brasileiro que se foi por causa do Covid-19 no três de março de 2021. Quando transformamos vidas em sinais gráficos, as existências ficam banalizadas como são agora aqui pelo país.

O curioso é que, mesmo o ser humano vivendo em função de suas máscaras, não as usa durante uma triste pandemia. O porquê é uma intrincada questão. Muitos dizem que o exemplo não vem de cima. E que o de cima é de uma grande baixeza.

1840 mortos falam por eles mesmos. Um número tão expressivo, num só dia, não precisa de nenhum discurso. Nem mesmo o deste texto. Eu só o escrevo para, com todas as letras, visualizar a situação.

Até aqui são 583 caracteres. Ou 583 mortos. Não é nem a metade do total. A tendência é de que, num próximo texto, ao chegarmos nesse parágrafo, os caracteres - assim como os falecidos - sejam em número bem maior.

Hoje batem-se cabeças no governo sobre a necessidade de lockdown. Se pararmos todos, para a economia. Se não pararmos todos, não param as mortes. A solução parece óbvia, mas nem tudo é óbvio por essas plagas. Temos 259 mil argumentos para defender a ideia de que é preciso baixar velas e se fechar no barco nas horas de intempérie. A nau da Terra Brasilis, entretanto, segue singrando como se estivesse com vento na popa.

O Mercado, mantendo a metáfora naval, lembra as barcaças d'antanho. Com escravos remando e um supervisor batendo o tambor, regulando o ritmo. A percussão do Mercado não pode parar e já está iniciando a execução da Marcha Fúnebre, de Chopin. Mais cadáveres, em breve, serão localizados nas praias próximas.

Mortes em larga escala sempre nos trouxeram grandes ensinamentos. Revolução Francesa, duas guerras mundiais, Hiroshima, Nagasaki, 11 de Setembro. No Brasil, a moral da história não vem porque nunca houve moral em nossa História. O último país a abolir a escravidão continua não enxergando o Outro. O sumiço do vizinho não é conosco, é com o bispo, que está aí para quem quiser se queixar.

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19. Aqui são 76 toques. Do lado de fora, nem houve a possibilidade de tocar clarins homenageando-os.

1840 caracteres. 1840 mortes. Fim.

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19.

 

(Michael Schwarzenberger por Pixabay) Foto: Estadão

Este texto tem 1840 caracteres, sem espaços. Cada um deles representa um brasileiro que se foi por causa do Covid-19 no três de março de 2021. Quando transformamos vidas em sinais gráficos, as existências ficam banalizadas como são agora aqui pelo país.

O curioso é que, mesmo o ser humano vivendo em função de suas máscaras, não as usa durante uma triste pandemia. O porquê é uma intrincada questão. Muitos dizem que o exemplo não vem de cima. E que o de cima é de uma grande baixeza.

1840 mortos falam por eles mesmos. Um número tão expressivo, num só dia, não precisa de nenhum discurso. Nem mesmo o deste texto. Eu só o escrevo para, com todas as letras, visualizar a situação.

Até aqui são 583 caracteres. Ou 583 mortos. Não é nem a metade do total. A tendência é de que, num próximo texto, ao chegarmos nesse parágrafo, os caracteres - assim como os falecidos - sejam em número bem maior.

Hoje batem-se cabeças no governo sobre a necessidade de lockdown. Se pararmos todos, para a economia. Se não pararmos todos, não param as mortes. A solução parece óbvia, mas nem tudo é óbvio por essas plagas. Temos 259 mil argumentos para defender a ideia de que é preciso baixar velas e se fechar no barco nas horas de intempérie. A nau da Terra Brasilis, entretanto, segue singrando como se estivesse com vento na popa.

O Mercado, mantendo a metáfora naval, lembra as barcaças d'antanho. Com escravos remando e um supervisor batendo o tambor, regulando o ritmo. A percussão do Mercado não pode parar e já está iniciando a execução da Marcha Fúnebre, de Chopin. Mais cadáveres, em breve, serão localizados nas praias próximas.

Mortes em larga escala sempre nos trouxeram grandes ensinamentos. Revolução Francesa, duas guerras mundiais, Hiroshima, Nagasaki, 11 de Setembro. No Brasil, a moral da história não vem porque nunca houve moral em nossa História. O último país a abolir a escravidão continua não enxergando o Outro. O sumiço do vizinho não é conosco, é com o bispo, que está aí para quem quiser se queixar.

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19. Aqui são 76 toques. Do lado de fora, nem houve a possibilidade de tocar clarins homenageando-os.

1840 caracteres. 1840 mortes. Fim.

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19.

 

(Michael Schwarzenberger por Pixabay) Foto: Estadão

Este texto tem 1840 caracteres, sem espaços. Cada um deles representa um brasileiro que se foi por causa do Covid-19 no três de março de 2021. Quando transformamos vidas em sinais gráficos, as existências ficam banalizadas como são agora aqui pelo país.

O curioso é que, mesmo o ser humano vivendo em função de suas máscaras, não as usa durante uma triste pandemia. O porquê é uma intrincada questão. Muitos dizem que o exemplo não vem de cima. E que o de cima é de uma grande baixeza.

1840 mortos falam por eles mesmos. Um número tão expressivo, num só dia, não precisa de nenhum discurso. Nem mesmo o deste texto. Eu só o escrevo para, com todas as letras, visualizar a situação.

Até aqui são 583 caracteres. Ou 583 mortos. Não é nem a metade do total. A tendência é de que, num próximo texto, ao chegarmos nesse parágrafo, os caracteres - assim como os falecidos - sejam em número bem maior.

Hoje batem-se cabeças no governo sobre a necessidade de lockdown. Se pararmos todos, para a economia. Se não pararmos todos, não param as mortes. A solução parece óbvia, mas nem tudo é óbvio por essas plagas. Temos 259 mil argumentos para defender a ideia de que é preciso baixar velas e se fechar no barco nas horas de intempérie. A nau da Terra Brasilis, entretanto, segue singrando como se estivesse com vento na popa.

O Mercado, mantendo a metáfora naval, lembra as barcaças d'antanho. Com escravos remando e um supervisor batendo o tambor, regulando o ritmo. A percussão do Mercado não pode parar e já está iniciando a execução da Marcha Fúnebre, de Chopin. Mais cadáveres, em breve, serão localizados nas praias próximas.

Mortes em larga escala sempre nos trouxeram grandes ensinamentos. Revolução Francesa, duas guerras mundiais, Hiroshima, Nagasaki, 11 de Setembro. No Brasil, a moral da história não vem porque nunca houve moral em nossa História. O último país a abolir a escravidão continua não enxergando o Outro. O sumiço do vizinho não é conosco, é com o bispo, que está aí para quem quiser se queixar.

Durante o tempo em que redigi esta crônica partiram 76 brasileiros por Covid-19. Aqui são 76 toques. Do lado de fora, nem houve a possibilidade de tocar clarins homenageando-os.

1840 caracteres. 1840 mortes. Fim.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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