Self-service de humor

Opinião|Ditando e andando


Por Carlos Castelo

Minha primeira vez usando um software de ditado no computador.

 Foto: Estadão
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(Foto: Markus Spiske / Unsplash)

É a primeira vez que estou usando uma ferramenta de ditado no meu computador.

Eu falo daqui do sofá, ele escreve lá na tela. Pena que vocês não podem ver a situação - que, pelo menos para mim, é bastante inusitada.

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Dizem nerds e geeks que a ferramenta pode escrever cinco vezes mais rápido do que o seu autor digitando. Confesso estar mesmo encantado ao perceber a minha voz interagindo com a máquina e escrevendo tudo, ou quase tudo, que ordeno.

Fico imaginando esse recurso no século XIX. Devido à facilidade de redação é bem provável que os livros de Victor Hugo tivessem, em vez de 800 páginas, bem mais de 1600. E o que dizer da Bíblia então? Traria, no mínimo, uns quatro testamentos: pré-histórico, antigo, novo e premium - com versões apócrifas do Apocalipse.

O lado ruim do ditado voz-texto é que só é possível pontuar um discurso na língua inglesa. Para variar, só o Primeiro Mundo tem direito a vírgulas, travessões, dois pontos e parênteses. Os que ficam abaixo do Equador que se contentem usando usando os dedos.

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Outra coisa desagradável, para quem é da velha geração, é a falta de ruídos metálicos vindo do teclado. Explico: quem já trabalhou numa redação, à época das Remington, sabe que o barulho era algo intrinsecamente ligado à qualidade final dos textos produzidos. Havia toda um conluio no momento da criação vinda do encontro dos dedos nas teclas. E hoje, em 2017, com um aplicativo escrevendo por você, ganhasse em praticidade, mas perde-se em dramaticidade.

Agora, com licença, prezado leitor, vou fazer um teste rápido no software. Quero ver o que ele escreve quando eu solfejo:

"Dadadadadadadadá!Dum dê dum dê! Opaleiê, opalaiá!SSSquindum, SSSSquindum, daiê, daiê!"

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Olha só, ele pegou direitinho a levada da minha voz e ainda enfatizou os "ssss" do "ssssquindum". É mesmo de ficar de queixo caído, tamanha capacidade de interpretar e expressar o pensamento da gente.

Agora eu...vou dizer que...humm, parece que deu algum bug na coisa aqui. Ele...não está querendo me...não, espera um minuto, no seu manual diz que eu falo e você transcreve pra tela. Não é o contrário. O quê é isso? Como? Você...olha, se continuar desse jeito eu aperto o shut down e acabou a palhaçada. Vou dizer a frase, você joga no Word. Entendeu? Para, para. Eu estou mandando e se...é isso mesmo? Então eu sou obrigado a...aaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!

 

Minha primeira vez usando um software de ditado no computador.

 Foto: Estadão

(Foto: Markus Spiske / Unsplash)

É a primeira vez que estou usando uma ferramenta de ditado no meu computador.

Eu falo daqui do sofá, ele escreve lá na tela. Pena que vocês não podem ver a situação - que, pelo menos para mim, é bastante inusitada.

Dizem nerds e geeks que a ferramenta pode escrever cinco vezes mais rápido do que o seu autor digitando. Confesso estar mesmo encantado ao perceber a minha voz interagindo com a máquina e escrevendo tudo, ou quase tudo, que ordeno.

Fico imaginando esse recurso no século XIX. Devido à facilidade de redação é bem provável que os livros de Victor Hugo tivessem, em vez de 800 páginas, bem mais de 1600. E o que dizer da Bíblia então? Traria, no mínimo, uns quatro testamentos: pré-histórico, antigo, novo e premium - com versões apócrifas do Apocalipse.

O lado ruim do ditado voz-texto é que só é possível pontuar um discurso na língua inglesa. Para variar, só o Primeiro Mundo tem direito a vírgulas, travessões, dois pontos e parênteses. Os que ficam abaixo do Equador que se contentem usando usando os dedos.

Outra coisa desagradável, para quem é da velha geração, é a falta de ruídos metálicos vindo do teclado. Explico: quem já trabalhou numa redação, à época das Remington, sabe que o barulho era algo intrinsecamente ligado à qualidade final dos textos produzidos. Havia toda um conluio no momento da criação vinda do encontro dos dedos nas teclas. E hoje, em 2017, com um aplicativo escrevendo por você, ganhasse em praticidade, mas perde-se em dramaticidade.

Agora, com licença, prezado leitor, vou fazer um teste rápido no software. Quero ver o que ele escreve quando eu solfejo:

"Dadadadadadadadá!Dum dê dum dê! Opaleiê, opalaiá!SSSquindum, SSSSquindum, daiê, daiê!"

Olha só, ele pegou direitinho a levada da minha voz e ainda enfatizou os "ssss" do "ssssquindum". É mesmo de ficar de queixo caído, tamanha capacidade de interpretar e expressar o pensamento da gente.

Agora eu...vou dizer que...humm, parece que deu algum bug na coisa aqui. Ele...não está querendo me...não, espera um minuto, no seu manual diz que eu falo e você transcreve pra tela. Não é o contrário. O quê é isso? Como? Você...olha, se continuar desse jeito eu aperto o shut down e acabou a palhaçada. Vou dizer a frase, você joga no Word. Entendeu? Para, para. Eu estou mandando e se...é isso mesmo? Então eu sou obrigado a...aaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!

 

Minha primeira vez usando um software de ditado no computador.

 Foto: Estadão

(Foto: Markus Spiske / Unsplash)

É a primeira vez que estou usando uma ferramenta de ditado no meu computador.

Eu falo daqui do sofá, ele escreve lá na tela. Pena que vocês não podem ver a situação - que, pelo menos para mim, é bastante inusitada.

Dizem nerds e geeks que a ferramenta pode escrever cinco vezes mais rápido do que o seu autor digitando. Confesso estar mesmo encantado ao perceber a minha voz interagindo com a máquina e escrevendo tudo, ou quase tudo, que ordeno.

Fico imaginando esse recurso no século XIX. Devido à facilidade de redação é bem provável que os livros de Victor Hugo tivessem, em vez de 800 páginas, bem mais de 1600. E o que dizer da Bíblia então? Traria, no mínimo, uns quatro testamentos: pré-histórico, antigo, novo e premium - com versões apócrifas do Apocalipse.

O lado ruim do ditado voz-texto é que só é possível pontuar um discurso na língua inglesa. Para variar, só o Primeiro Mundo tem direito a vírgulas, travessões, dois pontos e parênteses. Os que ficam abaixo do Equador que se contentem usando usando os dedos.

Outra coisa desagradável, para quem é da velha geração, é a falta de ruídos metálicos vindo do teclado. Explico: quem já trabalhou numa redação, à época das Remington, sabe que o barulho era algo intrinsecamente ligado à qualidade final dos textos produzidos. Havia toda um conluio no momento da criação vinda do encontro dos dedos nas teclas. E hoje, em 2017, com um aplicativo escrevendo por você, ganhasse em praticidade, mas perde-se em dramaticidade.

Agora, com licença, prezado leitor, vou fazer um teste rápido no software. Quero ver o que ele escreve quando eu solfejo:

"Dadadadadadadadá!Dum dê dum dê! Opaleiê, opalaiá!SSSquindum, SSSSquindum, daiê, daiê!"

Olha só, ele pegou direitinho a levada da minha voz e ainda enfatizou os "ssss" do "ssssquindum". É mesmo de ficar de queixo caído, tamanha capacidade de interpretar e expressar o pensamento da gente.

Agora eu...vou dizer que...humm, parece que deu algum bug na coisa aqui. Ele...não está querendo me...não, espera um minuto, no seu manual diz que eu falo e você transcreve pra tela. Não é o contrário. O quê é isso? Como? Você...olha, se continuar desse jeito eu aperto o shut down e acabou a palhaçada. Vou dizer a frase, você joga no Word. Entendeu? Para, para. Eu estou mandando e se...é isso mesmo? Então eu sou obrigado a...aaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!

 

Minha primeira vez usando um software de ditado no computador.

 Foto: Estadão

(Foto: Markus Spiske / Unsplash)

É a primeira vez que estou usando uma ferramenta de ditado no meu computador.

Eu falo daqui do sofá, ele escreve lá na tela. Pena que vocês não podem ver a situação - que, pelo menos para mim, é bastante inusitada.

Dizem nerds e geeks que a ferramenta pode escrever cinco vezes mais rápido do que o seu autor digitando. Confesso estar mesmo encantado ao perceber a minha voz interagindo com a máquina e escrevendo tudo, ou quase tudo, que ordeno.

Fico imaginando esse recurso no século XIX. Devido à facilidade de redação é bem provável que os livros de Victor Hugo tivessem, em vez de 800 páginas, bem mais de 1600. E o que dizer da Bíblia então? Traria, no mínimo, uns quatro testamentos: pré-histórico, antigo, novo e premium - com versões apócrifas do Apocalipse.

O lado ruim do ditado voz-texto é que só é possível pontuar um discurso na língua inglesa. Para variar, só o Primeiro Mundo tem direito a vírgulas, travessões, dois pontos e parênteses. Os que ficam abaixo do Equador que se contentem usando usando os dedos.

Outra coisa desagradável, para quem é da velha geração, é a falta de ruídos metálicos vindo do teclado. Explico: quem já trabalhou numa redação, à época das Remington, sabe que o barulho era algo intrinsecamente ligado à qualidade final dos textos produzidos. Havia toda um conluio no momento da criação vinda do encontro dos dedos nas teclas. E hoje, em 2017, com um aplicativo escrevendo por você, ganhasse em praticidade, mas perde-se em dramaticidade.

Agora, com licença, prezado leitor, vou fazer um teste rápido no software. Quero ver o que ele escreve quando eu solfejo:

"Dadadadadadadadá!Dum dê dum dê! Opaleiê, opalaiá!SSSquindum, SSSSquindum, daiê, daiê!"

Olha só, ele pegou direitinho a levada da minha voz e ainda enfatizou os "ssss" do "ssssquindum". É mesmo de ficar de queixo caído, tamanha capacidade de interpretar e expressar o pensamento da gente.

Agora eu...vou dizer que...humm, parece que deu algum bug na coisa aqui. Ele...não está querendo me...não, espera um minuto, no seu manual diz que eu falo e você transcreve pra tela. Não é o contrário. O quê é isso? Como? Você...olha, se continuar desse jeito eu aperto o shut down e acabou a palhaçada. Vou dizer a frase, você joga no Word. Entendeu? Para, para. Eu estou mandando e se...é isso mesmo? Então eu sou obrigado a...aaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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