Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Amigo, seja mais egoísta - e cuide da própria vida


Quanta injustiça, quanto nariz empinado e dedos acusadores evitaríamos, se cuidássemos principalmente de nossas próprias vidas

Por Renato Essenfelder
 Foto: Estadão

arte: loro verz

»O egoísmo é uma virtude subestimada. Digo mais: gostaria que fôssemos, todos, um pouquinho mais egoístas.

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Não, não falo, é claro, do sentimento mesquinho que diz que podemos - e devemos - passar por cima de tudo e de todos para satisfazer nossos desejos. Isso é desrespeito, desonestidade, falha de caráter. Falo do egoísmo mais puro e sincero: aquele que, sem desprezar o outro, entende que a sua preocupação primeira deve ser consigo mesmo.

O mundo seria melhor se as pessoas se preocupassem antes com suas próprias vidas. Haveria menos fofoca, menos narizes enfiados nos problemas alheios. Menos dedos apontados ao outro, menos julgamentos. O egoísta contempla o vício do outro com uma estranha benevolência: você não é perfeito, mas isso é problema seu. Tenho de cuidar de minha própria imperfeição.

O egoísta tem seus próprios problemas a enfrentar. Se é legítimo em sua disposição, sabe que a tarefa mais árdua é conhecer a si próprio para reformar a si próprio em direção do que gostaria de ser. Busca a melhor versão de si, nas profundezas da alma, e então trabalha para torná-la palpável, dia a dia, gesto a gesto.

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Não há nada mais nocivo do que um altruísta que nega as virtudes do egoísmo. Um sujeito interessadíssimo na vida do outro, preocupadíssimo em ajudar (ainda que sinceramente) a todos muito antes de ajudar a si próprio. Um afogado que tenta desafogar seus companheiros. Um afogado que quer ensinar a nadar.

Gosto da ideia do egoísta virtuoso, e eu mesmo queria me tornar um. Aquele que conhece suas virtudes e vícios e age obstinadamente em si próprio, para si próprio, buscando a própria felicidade. Que preguiça dos infelizes escritores de auto-ajuda! Que medo dos empobrecidos gurus da prosperidade!

O egoísta sincero, o verdadeiro egoísta, conhece a si próprio e sabe que não é perfeito. Sabe, aliás, como sofre com suas contradições, desejos, limites, privações, incapacidades. Quando você sabe quem é, e se preocupa principalmente com isso, não é capaz de agredir, julgar. Não joga a primeira pedra, porque sabe o que é pecar.

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Só acredito no altruísta-egoísta. O homem que faz o bem porque assim se sente bem e o homem que se aperfeiçoou na arte de ser aquilo que se é. Então o altruísmo vira um compartilhar, um gesto alegre. O homem que é feliz divide sua felicidade com os outros, e quer vê-los também felizes, por pura alegria de viver.

Mas o mundo das aparências, cuja sombra cobre tudo o que nos cerca, conspira. Aponta dedos, evoca Deus, diz que é feio. Nos murais do Facebook, todos são grandes líderes humanitários. Altruístas. Revolucionários das causas alheias. Todos os infelizes, os oprimidos, os coitados, querem decretar os mandamentos da vida boa. Para não olhar para si próprios, esforçam-se em fixar o olhar no outro, prometer a salvação dos outros infelizes, oprimidos e coitados.

Mártires, revolucionários, salvacionistas. Que bom ao mundo se fossem, todos, mais egoístas.«

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»O egoísmo é uma virtude subestimada. Digo mais: gostaria que fôssemos, todos, um pouquinho mais egoístas.

Não, não falo, é claro, do sentimento mesquinho que diz que podemos - e devemos - passar por cima de tudo e de todos para satisfazer nossos desejos. Isso é desrespeito, desonestidade, falha de caráter. Falo do egoísmo mais puro e sincero: aquele que, sem desprezar o outro, entende que a sua preocupação primeira deve ser consigo mesmo.

O mundo seria melhor se as pessoas se preocupassem antes com suas próprias vidas. Haveria menos fofoca, menos narizes enfiados nos problemas alheios. Menos dedos apontados ao outro, menos julgamentos. O egoísta contempla o vício do outro com uma estranha benevolência: você não é perfeito, mas isso é problema seu. Tenho de cuidar de minha própria imperfeição.

O egoísta tem seus próprios problemas a enfrentar. Se é legítimo em sua disposição, sabe que a tarefa mais árdua é conhecer a si próprio para reformar a si próprio em direção do que gostaria de ser. Busca a melhor versão de si, nas profundezas da alma, e então trabalha para torná-la palpável, dia a dia, gesto a gesto.

Não há nada mais nocivo do que um altruísta que nega as virtudes do egoísmo. Um sujeito interessadíssimo na vida do outro, preocupadíssimo em ajudar (ainda que sinceramente) a todos muito antes de ajudar a si próprio. Um afogado que tenta desafogar seus companheiros. Um afogado que quer ensinar a nadar.

Gosto da ideia do egoísta virtuoso, e eu mesmo queria me tornar um. Aquele que conhece suas virtudes e vícios e age obstinadamente em si próprio, para si próprio, buscando a própria felicidade. Que preguiça dos infelizes escritores de auto-ajuda! Que medo dos empobrecidos gurus da prosperidade!

O egoísta sincero, o verdadeiro egoísta, conhece a si próprio e sabe que não é perfeito. Sabe, aliás, como sofre com suas contradições, desejos, limites, privações, incapacidades. Quando você sabe quem é, e se preocupa principalmente com isso, não é capaz de agredir, julgar. Não joga a primeira pedra, porque sabe o que é pecar.

Só acredito no altruísta-egoísta. O homem que faz o bem porque assim se sente bem e o homem que se aperfeiçoou na arte de ser aquilo que se é. Então o altruísmo vira um compartilhar, um gesto alegre. O homem que é feliz divide sua felicidade com os outros, e quer vê-los também felizes, por pura alegria de viver.

Mas o mundo das aparências, cuja sombra cobre tudo o que nos cerca, conspira. Aponta dedos, evoca Deus, diz que é feio. Nos murais do Facebook, todos são grandes líderes humanitários. Altruístas. Revolucionários das causas alheias. Todos os infelizes, os oprimidos, os coitados, querem decretar os mandamentos da vida boa. Para não olhar para si próprios, esforçam-se em fixar o olhar no outro, prometer a salvação dos outros infelizes, oprimidos e coitados.

Mártires, revolucionários, salvacionistas. Que bom ao mundo se fossem, todos, mais egoístas.«

 

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O mundo seria melhor se as pessoas se preocupassem antes com suas próprias vidas. Haveria menos fofoca, menos narizes enfiados nos problemas alheios. Menos dedos apontados ao outro, menos julgamentos. O egoísta contempla o vício do outro com uma estranha benevolência: você não é perfeito, mas isso é problema seu. Tenho de cuidar de minha própria imperfeição.

O egoísta tem seus próprios problemas a enfrentar. Se é legítimo em sua disposição, sabe que a tarefa mais árdua é conhecer a si próprio para reformar a si próprio em direção do que gostaria de ser. Busca a melhor versão de si, nas profundezas da alma, e então trabalha para torná-la palpável, dia a dia, gesto a gesto.

Não há nada mais nocivo do que um altruísta que nega as virtudes do egoísmo. Um sujeito interessadíssimo na vida do outro, preocupadíssimo em ajudar (ainda que sinceramente) a todos muito antes de ajudar a si próprio. Um afogado que tenta desafogar seus companheiros. Um afogado que quer ensinar a nadar.

Gosto da ideia do egoísta virtuoso, e eu mesmo queria me tornar um. Aquele que conhece suas virtudes e vícios e age obstinadamente em si próprio, para si próprio, buscando a própria felicidade. Que preguiça dos infelizes escritores de auto-ajuda! Que medo dos empobrecidos gurus da prosperidade!

O egoísta sincero, o verdadeiro egoísta, conhece a si próprio e sabe que não é perfeito. Sabe, aliás, como sofre com suas contradições, desejos, limites, privações, incapacidades. Quando você sabe quem é, e se preocupa principalmente com isso, não é capaz de agredir, julgar. Não joga a primeira pedra, porque sabe o que é pecar.

Só acredito no altruísta-egoísta. O homem que faz o bem porque assim se sente bem e o homem que se aperfeiçoou na arte de ser aquilo que se é. Então o altruísmo vira um compartilhar, um gesto alegre. O homem que é feliz divide sua felicidade com os outros, e quer vê-los também felizes, por pura alegria de viver.

Mas o mundo das aparências, cuja sombra cobre tudo o que nos cerca, conspira. Aponta dedos, evoca Deus, diz que é feio. Nos murais do Facebook, todos são grandes líderes humanitários. Altruístas. Revolucionários das causas alheias. Todos os infelizes, os oprimidos, os coitados, querem decretar os mandamentos da vida boa. Para não olhar para si próprios, esforçam-se em fixar o olhar no outro, prometer a salvação dos outros infelizes, oprimidos e coitados.

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O mundo seria melhor se as pessoas se preocupassem antes com suas próprias vidas. Haveria menos fofoca, menos narizes enfiados nos problemas alheios. Menos dedos apontados ao outro, menos julgamentos. O egoísta contempla o vício do outro com uma estranha benevolência: você não é perfeito, mas isso é problema seu. Tenho de cuidar de minha própria imperfeição.

O egoísta tem seus próprios problemas a enfrentar. Se é legítimo em sua disposição, sabe que a tarefa mais árdua é conhecer a si próprio para reformar a si próprio em direção do que gostaria de ser. Busca a melhor versão de si, nas profundezas da alma, e então trabalha para torná-la palpável, dia a dia, gesto a gesto.

Não há nada mais nocivo do que um altruísta que nega as virtudes do egoísmo. Um sujeito interessadíssimo na vida do outro, preocupadíssimo em ajudar (ainda que sinceramente) a todos muito antes de ajudar a si próprio. Um afogado que tenta desafogar seus companheiros. Um afogado que quer ensinar a nadar.

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O egoísta sincero, o verdadeiro egoísta, conhece a si próprio e sabe que não é perfeito. Sabe, aliás, como sofre com suas contradições, desejos, limites, privações, incapacidades. Quando você sabe quem é, e se preocupa principalmente com isso, não é capaz de agredir, julgar. Não joga a primeira pedra, porque sabe o que é pecar.

Só acredito no altruísta-egoísta. O homem que faz o bem porque assim se sente bem e o homem que se aperfeiçoou na arte de ser aquilo que se é. Então o altruísmo vira um compartilhar, um gesto alegre. O homem que é feliz divide sua felicidade com os outros, e quer vê-los também felizes, por pura alegria de viver.

Mas o mundo das aparências, cuja sombra cobre tudo o que nos cerca, conspira. Aponta dedos, evoca Deus, diz que é feio. Nos murais do Facebook, todos são grandes líderes humanitários. Altruístas. Revolucionários das causas alheias. Todos os infelizes, os oprimidos, os coitados, querem decretar os mandamentos da vida boa. Para não olhar para si próprios, esforçam-se em fixar o olhar no outro, prometer a salvação dos outros infelizes, oprimidos e coitados.

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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