Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|As notícias de nossa morte foram muito exageradas


A carne é contaminada, o ar é contaminado, a água é contaminada: tudo é contaminado. O ser humano é contaminado. Mas sobrevive.

Por Renato Essenfelder
 

arte: loro verz

 

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»É tudo tão intenso e exagerado. Eu, um animal pequeno, à deriva, às vezes me encolho diante das notícias, a maré violenta de atualidades que me arrasta para longe de mim mesmo. Queria me jogar no mundo, mas o mundo se joga, antes, sobre mim. A carne é contaminada, o ar é contaminado, a água é contaminada: tudo é contaminado. O ser humano é contaminado.

Não, o ser humano é contaminante.

Como se defender de tudo isso: do ar, da água e do alimento? E as pessoas, que dão tanta mancada, como evitar? Eu pergunto ao doutor se devo usar o pneumotórax, mas ele recomenda um tango argentino.O problema, doutor, é que sou tímido.

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Nessas horas penso em reivindicar uma bolsa-poesia. Uma bolsa-oceano, bolsa-bosque, bolsa-solidão. É muito difícil viver quando a vida vale alguma coisa, ou seja, quando a vida se calcula em cifra, em tostões. Eu gostava era viver uma vida sem valor possível: uma vida que não tivesse medida.

Mas elas estão lá: as notícias; as medidas. A carne que vale tanto é submetida a tantos processos para valer outro tanto e enfim ser consumida por pessoas que valem: exatamente aquilo que consomem. Então um punhado de gente lucra.

Minto. Na verdade, todos lucramos com o escândalo. Todos! Só se fala nisso por um dia ou dois. A notícia mais espetacular de todos os tempos da última semana. Depois não era bem isso, deixa disso, foi tudo muito exagerado. Ficou chato. Passemos ao próximo horror. Descobrimos que, como disse Twain, as notícias de nossa morte foram muito exageradas. Ao menos, não precisamos pensar em nós mesmos, na nossa condição.

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Vamos de escândalo em escândalo descobrindo novas ameaças das quais não temos meios de nos defender. O ar, a água, a comida. As pessoas. Sempre algum fator externo, um alien perturbando nossa digestão. E você, que tem certeza de que poderia ser mais e melhor se não fosse ele, ela, isto, aquilo, tanto, tão pouco, encontra uma explicação para a sua... normalidade. São os políticos, os frigoríficos, os comunistas, a polícia, o Estado.

Basta: o espírito é que é fraco; a carne é forte. A carne é muito forte: sobrevive ao descuido, às cem mil especulações-por-minuto de nossas mentes, ao espelho, até ao ácido! A carne é forte, a carne pensa o pensamento certo, deseja o desejo mais justo. O espírito é quem vive de pecado em pecado. É ele quem precisa ser alimentado, educado, fortalecido. A carne já sabe.

Desabafo. Não queria mais me defender das coisas invisíveis, as ameaças de câncer, a salmonella. A carne é forte, sobrevive. Eu queria é esquecer que essas coisas existem e existir eu, apenas osso e carne, em busca da felicidade.«

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arte: loro verz

 

»É tudo tão intenso e exagerado. Eu, um animal pequeno, à deriva, às vezes me encolho diante das notícias, a maré violenta de atualidades que me arrasta para longe de mim mesmo. Queria me jogar no mundo, mas o mundo se joga, antes, sobre mim. A carne é contaminada, o ar é contaminado, a água é contaminada: tudo é contaminado. O ser humano é contaminado.

Não, o ser humano é contaminante.

Como se defender de tudo isso: do ar, da água e do alimento? E as pessoas, que dão tanta mancada, como evitar? Eu pergunto ao doutor se devo usar o pneumotórax, mas ele recomenda um tango argentino.O problema, doutor, é que sou tímido.

Nessas horas penso em reivindicar uma bolsa-poesia. Uma bolsa-oceano, bolsa-bosque, bolsa-solidão. É muito difícil viver quando a vida vale alguma coisa, ou seja, quando a vida se calcula em cifra, em tostões. Eu gostava era viver uma vida sem valor possível: uma vida que não tivesse medida.

Mas elas estão lá: as notícias; as medidas. A carne que vale tanto é submetida a tantos processos para valer outro tanto e enfim ser consumida por pessoas que valem: exatamente aquilo que consomem. Então um punhado de gente lucra.

Minto. Na verdade, todos lucramos com o escândalo. Todos! Só se fala nisso por um dia ou dois. A notícia mais espetacular de todos os tempos da última semana. Depois não era bem isso, deixa disso, foi tudo muito exagerado. Ficou chato. Passemos ao próximo horror. Descobrimos que, como disse Twain, as notícias de nossa morte foram muito exageradas. Ao menos, não precisamos pensar em nós mesmos, na nossa condição.

Vamos de escândalo em escândalo descobrindo novas ameaças das quais não temos meios de nos defender. O ar, a água, a comida. As pessoas. Sempre algum fator externo, um alien perturbando nossa digestão. E você, que tem certeza de que poderia ser mais e melhor se não fosse ele, ela, isto, aquilo, tanto, tão pouco, encontra uma explicação para a sua... normalidade. São os políticos, os frigoríficos, os comunistas, a polícia, o Estado.

Basta: o espírito é que é fraco; a carne é forte. A carne é muito forte: sobrevive ao descuido, às cem mil especulações-por-minuto de nossas mentes, ao espelho, até ao ácido! A carne é forte, a carne pensa o pensamento certo, deseja o desejo mais justo. O espírito é quem vive de pecado em pecado. É ele quem precisa ser alimentado, educado, fortalecido. A carne já sabe.

Desabafo. Não queria mais me defender das coisas invisíveis, as ameaças de câncer, a salmonella. A carne é forte, sobrevive. Eu queria é esquecer que essas coisas existem e existir eu, apenas osso e carne, em busca da felicidade.«

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Não, o ser humano é contaminante.

Como se defender de tudo isso: do ar, da água e do alimento? E as pessoas, que dão tanta mancada, como evitar? Eu pergunto ao doutor se devo usar o pneumotórax, mas ele recomenda um tango argentino.O problema, doutor, é que sou tímido.

Nessas horas penso em reivindicar uma bolsa-poesia. Uma bolsa-oceano, bolsa-bosque, bolsa-solidão. É muito difícil viver quando a vida vale alguma coisa, ou seja, quando a vida se calcula em cifra, em tostões. Eu gostava era viver uma vida sem valor possível: uma vida que não tivesse medida.

Mas elas estão lá: as notícias; as medidas. A carne que vale tanto é submetida a tantos processos para valer outro tanto e enfim ser consumida por pessoas que valem: exatamente aquilo que consomem. Então um punhado de gente lucra.

Minto. Na verdade, todos lucramos com o escândalo. Todos! Só se fala nisso por um dia ou dois. A notícia mais espetacular de todos os tempos da última semana. Depois não era bem isso, deixa disso, foi tudo muito exagerado. Ficou chato. Passemos ao próximo horror. Descobrimos que, como disse Twain, as notícias de nossa morte foram muito exageradas. Ao menos, não precisamos pensar em nós mesmos, na nossa condição.

Vamos de escândalo em escândalo descobrindo novas ameaças das quais não temos meios de nos defender. O ar, a água, a comida. As pessoas. Sempre algum fator externo, um alien perturbando nossa digestão. E você, que tem certeza de que poderia ser mais e melhor se não fosse ele, ela, isto, aquilo, tanto, tão pouco, encontra uma explicação para a sua... normalidade. São os políticos, os frigoríficos, os comunistas, a polícia, o Estado.

Basta: o espírito é que é fraco; a carne é forte. A carne é muito forte: sobrevive ao descuido, às cem mil especulações-por-minuto de nossas mentes, ao espelho, até ao ácido! A carne é forte, a carne pensa o pensamento certo, deseja o desejo mais justo. O espírito é quem vive de pecado em pecado. É ele quem precisa ser alimentado, educado, fortalecido. A carne já sabe.

Desabafo. Não queria mais me defender das coisas invisíveis, as ameaças de câncer, a salmonella. A carne é forte, sobrevive. Eu queria é esquecer que essas coisas existem e existir eu, apenas osso e carne, em busca da felicidade.«

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Não, o ser humano é contaminante.

Como se defender de tudo isso: do ar, da água e do alimento? E as pessoas, que dão tanta mancada, como evitar? Eu pergunto ao doutor se devo usar o pneumotórax, mas ele recomenda um tango argentino.O problema, doutor, é que sou tímido.

Nessas horas penso em reivindicar uma bolsa-poesia. Uma bolsa-oceano, bolsa-bosque, bolsa-solidão. É muito difícil viver quando a vida vale alguma coisa, ou seja, quando a vida se calcula em cifra, em tostões. Eu gostava era viver uma vida sem valor possível: uma vida que não tivesse medida.

Mas elas estão lá: as notícias; as medidas. A carne que vale tanto é submetida a tantos processos para valer outro tanto e enfim ser consumida por pessoas que valem: exatamente aquilo que consomem. Então um punhado de gente lucra.

Minto. Na verdade, todos lucramos com o escândalo. Todos! Só se fala nisso por um dia ou dois. A notícia mais espetacular de todos os tempos da última semana. Depois não era bem isso, deixa disso, foi tudo muito exagerado. Ficou chato. Passemos ao próximo horror. Descobrimos que, como disse Twain, as notícias de nossa morte foram muito exageradas. Ao menos, não precisamos pensar em nós mesmos, na nossa condição.

Vamos de escândalo em escândalo descobrindo novas ameaças das quais não temos meios de nos defender. O ar, a água, a comida. As pessoas. Sempre algum fator externo, um alien perturbando nossa digestão. E você, que tem certeza de que poderia ser mais e melhor se não fosse ele, ela, isto, aquilo, tanto, tão pouco, encontra uma explicação para a sua... normalidade. São os políticos, os frigoríficos, os comunistas, a polícia, o Estado.

Basta: o espírito é que é fraco; a carne é forte. A carne é muito forte: sobrevive ao descuido, às cem mil especulações-por-minuto de nossas mentes, ao espelho, até ao ácido! A carne é forte, a carne pensa o pensamento certo, deseja o desejo mais justo. O espírito é quem vive de pecado em pecado. É ele quem precisa ser alimentado, educado, fortalecido. A carne já sabe.

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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