A esta altura já desapareceram os rumores de que a Copa foi comprada. Logo, contudo, serão substituídos por outros. Eleições, campeonatos, concursos, provas. Afetos. O mundo, afinal, é um imenso supermercado.
É difícil aceitar a ideia de que muitas coisas não têm preço - mas têm valor.
Aprendi desde cedo. Por alguma inexplicável razão, sempre atraí almas perdidas. Em Curitiba, os mendigos atravessavam a rua para me pedir alguma coisa. Olhos fixos em mim, vinham de longe. Farol dos desajustados.
Até hoje é assim.
arte: loro verz
Eu, menino, contava notas de um real na rua, sem pudores, para me certificar de que poderia comprar quadrinhos. Um mendigo me pediu o dinheiro para comprar comida. Constrangido, espantado, entreguei tudo o que tinha em mãos. Em troca, aprendi:
- Nesta vida, você só mostra aquilo que estiver disposto a perder.
Tudo o que anunciamos está maduro para ser perdido. Às vezes, um carro caro postado no Instagram. Às vezes, um amor.
Pediu-me dinheiro, o andarilho. Menos mau. Quando a demanda é material, a solução é simples. É fácil calcular custo e benefício sobre esmolas. Mas quando a demanda é outra, mais abstrata, constrangemo-nos. E se me pedisse atenção? Um abraço?
É confortável viver achando que tudo tem o seu preço, ainda que, assim, nada tenha muito valor. Não aprendemos a lidar com aquilo que não se compra nem se vende.
Na rua Augusta, em São Paulo, uma prostituta pede um cigarro e uns minutos de atenção. As pessoas passam apressadamente; murmuram atropeladamente que estão sem dinheiro, sem tempo, atrasadas. As pessoas em São Paulo estão sempre atrasadas demais. Acelerando em direção ao destino, perdem a viagem. E o destino qual seria, senão morrer? Morrer discretamente, espetacularmente, inesperadamente: morrer.
- Eu não quero o seu dinheiro -, ela repetia. Eu quero que você me escute.
Mas o que ela teria a dizer, e quem estaria disposto a parar e ouvir? Melhor se esmolasse, simplesmente. Se dissesse me dê um real para comprar cachaça.
Mas o mundo é mais complicado do que isso, e, ao contrário do que me disseram, o dinheiro não é seu motor universal.
Todos têm uma história para contar. Mas quantos de nós estamos dispostos a ouvir? Adoramos as redes sociais, onde podemos falar, falar, falar sem intervalos nem interrupções. Sobre tudo. Sobre nada. Há muito de monólogo e pouco de diálogo no grande aquário virtual. Prostitutas pedindo um minuto de atenção para as nossas irrelevâncias fundamentais. Nossas bobagens constituintes.
Seria mais fácil entregar um real. Quem disse, contudo, que viver é descomplicado?
O gorjeio o dinheiro não compra. Nem o amor do passarinho. As coisas que se bastam olham para o céu.
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