Retratos e relatos do cotidiano

Raio de farmácia


Exausta, chego à fila do caixa como quem escapa de um apocalipse zumbi

Por Ruth Manus

Acho que ainda sou bastante jovem, mas já guardo no peito algumas boas dezenas de nostalgias. Dentre elas, destaco a memória de um tempo no qual havia paz... Nas farmácias.

Explico-me. Lembro de uma época, que findou nos últimos cinco anos, na qual nós podíamos entrar numa farmácia, passear pelas gôndolas, dirigir-nos ao balcão, pedir um medicamento, seguir para o caixa, pagar e ir embora. Mas esse tempo acabou.

Agora, uma ida à farmácia tornou-se um evento turbulento e tormentoso, sobretudo se você for uma pessoa simpática. A cortesia e o sorriso nos tornam alvos muito mais fáceis de conversas do tipo “a senhora pode me dar só um minutinho da sua atenção?”, bem como de vendedores empenhados e de suas promoções imperdíveis.

continua após a publicidade

Entramos na farmácia e dois metros depois da porta alguém diz: “Boa tarde senhora, posso ajudar?”, e dizemos: “Não, muito obrigada”. E a pessoa replica: “Tudo bem, meu nome é Vanessa, se precisar de alguma coisa é só me chamar, ok?”. E nós falamos: “Ok, obrigada”. Era para acabar aí.

Mas não. Você encosta num tubo de desodorante e um colega da Vanessa brota do chão dizendo: “Se a senhora levar dois, o terceiro sai com 50% de desconto”. Sorrio. Digo “Ah, legal, bom saber”, embora eu saiba que nunca vou comprar três desodorantes de uma vez só. Eu só gosto de projetos a curto e médio prazo, três desodorantes são uma vida inteira. O Rafael, com seu uniforme da farmácia, olha-me com desprezo por eu abrir mão de uma oportunidade dessas.

Sigo para o balcão para pedir meu remédio da tireoide. Digo o nome e a dosagem. A colega da Vanessa e do Rafael me pergunta se eu conheço o genérico. Digo que conheço, mas a médica mandou tomar esse. Ela pergunta se eu tenho desconto do plano de saúde. Lembro que sim. Procuro a carteirinha. Ela pede meu CPF, eu dito, o sistema falha, dito de novo, ela erra, dito de novo, eu erro, dito de novo, pronto. A Viviane pergunta se eu não preciso de mais nada. Não obrigada. Eu que agradeço.

continua após a publicidade

No caminho, paro para olhar um sabonete para o rosto. É a vez da Cibele. Estou cansada, deixo-a falar. Ela mostra outra marca MA-RA-VI-LHO-SA – como se eles não recebessem comissões ou coisas assim –, diz que será incrível para a minha pele. Eu digo OLHA QUE BACANA e ela diz e o TÔNICO? e eu QUE TÔNICO? e ela diz VOCÊ NÃO USA TÔNICO? digo que não, ela fica chocadíssima, me mostra 1, 2 ,7 tônicos. Mostra também um esfoliante facial, um demaquilante bifásico, uma água micelar, um BB Cream, um protetor FPS60 com cor em versão sérum, que combate os radicais livres e reduz os sinais de expressão, enquanto protege tonalizando a pele e evitando o brilho na zona T, ideal para peles como a minha, que são mistas e com leve tendência acneica, bem como muito importantes para peles jovens que ainda não apresentam rugas, mas cujas linhas já começam a ficar evidentes. Ótimo Cibele, muito obrigada.

Chego à fila do caixa como quem escapa de um apocalipse zumbi, no qual os zumbis usam jalecos brancos, sorriem e recebem um treinamento assustadoramente agressivo para nos vender tudo o que não queremos. Paro atrás da senhora de malha laranja e uma geladeira grita comigo através de um cartaz: GATORADE, DE 5,49 POR 4,99. Estou exausta.

Chego ao caixa. É o Rafael do desodorante. TEM O NOSSO CARTÃO? Opa, mas é claro, não sou nem louca de não ter. CPF. Ok. NÃO QUER APROVEITAR A PROMOÇÃO DO LISTERINE, LEVE UM DE 500ML E GANHE UM MINI? Não obrigada. QUER LEVAR NOSSA REVISTA CUJA RENDA É REVERTIDA PARA PESQUISAS DO CÂNCER? Tá bom, só quero sair daqui. E O DESODORANTE, VALE A PENA HEIN? Obrigada Rafael, hoje é só isso mesmo. OK. CPF NA NOTA? Opa. CPF. De novo. CPF. Obrigada. DE NADA, VOLTE SEMPRE.

Acho que ainda sou bastante jovem, mas já guardo no peito algumas boas dezenas de nostalgias. Dentre elas, destaco a memória de um tempo no qual havia paz... Nas farmácias.

Explico-me. Lembro de uma época, que findou nos últimos cinco anos, na qual nós podíamos entrar numa farmácia, passear pelas gôndolas, dirigir-nos ao balcão, pedir um medicamento, seguir para o caixa, pagar e ir embora. Mas esse tempo acabou.

Agora, uma ida à farmácia tornou-se um evento turbulento e tormentoso, sobretudo se você for uma pessoa simpática. A cortesia e o sorriso nos tornam alvos muito mais fáceis de conversas do tipo “a senhora pode me dar só um minutinho da sua atenção?”, bem como de vendedores empenhados e de suas promoções imperdíveis.

Entramos na farmácia e dois metros depois da porta alguém diz: “Boa tarde senhora, posso ajudar?”, e dizemos: “Não, muito obrigada”. E a pessoa replica: “Tudo bem, meu nome é Vanessa, se precisar de alguma coisa é só me chamar, ok?”. E nós falamos: “Ok, obrigada”. Era para acabar aí.

Mas não. Você encosta num tubo de desodorante e um colega da Vanessa brota do chão dizendo: “Se a senhora levar dois, o terceiro sai com 50% de desconto”. Sorrio. Digo “Ah, legal, bom saber”, embora eu saiba que nunca vou comprar três desodorantes de uma vez só. Eu só gosto de projetos a curto e médio prazo, três desodorantes são uma vida inteira. O Rafael, com seu uniforme da farmácia, olha-me com desprezo por eu abrir mão de uma oportunidade dessas.

Sigo para o balcão para pedir meu remédio da tireoide. Digo o nome e a dosagem. A colega da Vanessa e do Rafael me pergunta se eu conheço o genérico. Digo que conheço, mas a médica mandou tomar esse. Ela pergunta se eu tenho desconto do plano de saúde. Lembro que sim. Procuro a carteirinha. Ela pede meu CPF, eu dito, o sistema falha, dito de novo, ela erra, dito de novo, eu erro, dito de novo, pronto. A Viviane pergunta se eu não preciso de mais nada. Não obrigada. Eu que agradeço.

No caminho, paro para olhar um sabonete para o rosto. É a vez da Cibele. Estou cansada, deixo-a falar. Ela mostra outra marca MA-RA-VI-LHO-SA – como se eles não recebessem comissões ou coisas assim –, diz que será incrível para a minha pele. Eu digo OLHA QUE BACANA e ela diz e o TÔNICO? e eu QUE TÔNICO? e ela diz VOCÊ NÃO USA TÔNICO? digo que não, ela fica chocadíssima, me mostra 1, 2 ,7 tônicos. Mostra também um esfoliante facial, um demaquilante bifásico, uma água micelar, um BB Cream, um protetor FPS60 com cor em versão sérum, que combate os radicais livres e reduz os sinais de expressão, enquanto protege tonalizando a pele e evitando o brilho na zona T, ideal para peles como a minha, que são mistas e com leve tendência acneica, bem como muito importantes para peles jovens que ainda não apresentam rugas, mas cujas linhas já começam a ficar evidentes. Ótimo Cibele, muito obrigada.

Chego à fila do caixa como quem escapa de um apocalipse zumbi, no qual os zumbis usam jalecos brancos, sorriem e recebem um treinamento assustadoramente agressivo para nos vender tudo o que não queremos. Paro atrás da senhora de malha laranja e uma geladeira grita comigo através de um cartaz: GATORADE, DE 5,49 POR 4,99. Estou exausta.

Chego ao caixa. É o Rafael do desodorante. TEM O NOSSO CARTÃO? Opa, mas é claro, não sou nem louca de não ter. CPF. Ok. NÃO QUER APROVEITAR A PROMOÇÃO DO LISTERINE, LEVE UM DE 500ML E GANHE UM MINI? Não obrigada. QUER LEVAR NOSSA REVISTA CUJA RENDA É REVERTIDA PARA PESQUISAS DO CÂNCER? Tá bom, só quero sair daqui. E O DESODORANTE, VALE A PENA HEIN? Obrigada Rafael, hoje é só isso mesmo. OK. CPF NA NOTA? Opa. CPF. De novo. CPF. Obrigada. DE NADA, VOLTE SEMPRE.

Acho que ainda sou bastante jovem, mas já guardo no peito algumas boas dezenas de nostalgias. Dentre elas, destaco a memória de um tempo no qual havia paz... Nas farmácias.

Explico-me. Lembro de uma época, que findou nos últimos cinco anos, na qual nós podíamos entrar numa farmácia, passear pelas gôndolas, dirigir-nos ao balcão, pedir um medicamento, seguir para o caixa, pagar e ir embora. Mas esse tempo acabou.

Agora, uma ida à farmácia tornou-se um evento turbulento e tormentoso, sobretudo se você for uma pessoa simpática. A cortesia e o sorriso nos tornam alvos muito mais fáceis de conversas do tipo “a senhora pode me dar só um minutinho da sua atenção?”, bem como de vendedores empenhados e de suas promoções imperdíveis.

Entramos na farmácia e dois metros depois da porta alguém diz: “Boa tarde senhora, posso ajudar?”, e dizemos: “Não, muito obrigada”. E a pessoa replica: “Tudo bem, meu nome é Vanessa, se precisar de alguma coisa é só me chamar, ok?”. E nós falamos: “Ok, obrigada”. Era para acabar aí.

Mas não. Você encosta num tubo de desodorante e um colega da Vanessa brota do chão dizendo: “Se a senhora levar dois, o terceiro sai com 50% de desconto”. Sorrio. Digo “Ah, legal, bom saber”, embora eu saiba que nunca vou comprar três desodorantes de uma vez só. Eu só gosto de projetos a curto e médio prazo, três desodorantes são uma vida inteira. O Rafael, com seu uniforme da farmácia, olha-me com desprezo por eu abrir mão de uma oportunidade dessas.

Sigo para o balcão para pedir meu remédio da tireoide. Digo o nome e a dosagem. A colega da Vanessa e do Rafael me pergunta se eu conheço o genérico. Digo que conheço, mas a médica mandou tomar esse. Ela pergunta se eu tenho desconto do plano de saúde. Lembro que sim. Procuro a carteirinha. Ela pede meu CPF, eu dito, o sistema falha, dito de novo, ela erra, dito de novo, eu erro, dito de novo, pronto. A Viviane pergunta se eu não preciso de mais nada. Não obrigada. Eu que agradeço.

No caminho, paro para olhar um sabonete para o rosto. É a vez da Cibele. Estou cansada, deixo-a falar. Ela mostra outra marca MA-RA-VI-LHO-SA – como se eles não recebessem comissões ou coisas assim –, diz que será incrível para a minha pele. Eu digo OLHA QUE BACANA e ela diz e o TÔNICO? e eu QUE TÔNICO? e ela diz VOCÊ NÃO USA TÔNICO? digo que não, ela fica chocadíssima, me mostra 1, 2 ,7 tônicos. Mostra também um esfoliante facial, um demaquilante bifásico, uma água micelar, um BB Cream, um protetor FPS60 com cor em versão sérum, que combate os radicais livres e reduz os sinais de expressão, enquanto protege tonalizando a pele e evitando o brilho na zona T, ideal para peles como a minha, que são mistas e com leve tendência acneica, bem como muito importantes para peles jovens que ainda não apresentam rugas, mas cujas linhas já começam a ficar evidentes. Ótimo Cibele, muito obrigada.

Chego à fila do caixa como quem escapa de um apocalipse zumbi, no qual os zumbis usam jalecos brancos, sorriem e recebem um treinamento assustadoramente agressivo para nos vender tudo o que não queremos. Paro atrás da senhora de malha laranja e uma geladeira grita comigo através de um cartaz: GATORADE, DE 5,49 POR 4,99. Estou exausta.

Chego ao caixa. É o Rafael do desodorante. TEM O NOSSO CARTÃO? Opa, mas é claro, não sou nem louca de não ter. CPF. Ok. NÃO QUER APROVEITAR A PROMOÇÃO DO LISTERINE, LEVE UM DE 500ML E GANHE UM MINI? Não obrigada. QUER LEVAR NOSSA REVISTA CUJA RENDA É REVERTIDA PARA PESQUISAS DO CÂNCER? Tá bom, só quero sair daqui. E O DESODORANTE, VALE A PENA HEIN? Obrigada Rafael, hoje é só isso mesmo. OK. CPF NA NOTA? Opa. CPF. De novo. CPF. Obrigada. DE NADA, VOLTE SEMPRE.

Acho que ainda sou bastante jovem, mas já guardo no peito algumas boas dezenas de nostalgias. Dentre elas, destaco a memória de um tempo no qual havia paz... Nas farmácias.

Explico-me. Lembro de uma época, que findou nos últimos cinco anos, na qual nós podíamos entrar numa farmácia, passear pelas gôndolas, dirigir-nos ao balcão, pedir um medicamento, seguir para o caixa, pagar e ir embora. Mas esse tempo acabou.

Agora, uma ida à farmácia tornou-se um evento turbulento e tormentoso, sobretudo se você for uma pessoa simpática. A cortesia e o sorriso nos tornam alvos muito mais fáceis de conversas do tipo “a senhora pode me dar só um minutinho da sua atenção?”, bem como de vendedores empenhados e de suas promoções imperdíveis.

Entramos na farmácia e dois metros depois da porta alguém diz: “Boa tarde senhora, posso ajudar?”, e dizemos: “Não, muito obrigada”. E a pessoa replica: “Tudo bem, meu nome é Vanessa, se precisar de alguma coisa é só me chamar, ok?”. E nós falamos: “Ok, obrigada”. Era para acabar aí.

Mas não. Você encosta num tubo de desodorante e um colega da Vanessa brota do chão dizendo: “Se a senhora levar dois, o terceiro sai com 50% de desconto”. Sorrio. Digo “Ah, legal, bom saber”, embora eu saiba que nunca vou comprar três desodorantes de uma vez só. Eu só gosto de projetos a curto e médio prazo, três desodorantes são uma vida inteira. O Rafael, com seu uniforme da farmácia, olha-me com desprezo por eu abrir mão de uma oportunidade dessas.

Sigo para o balcão para pedir meu remédio da tireoide. Digo o nome e a dosagem. A colega da Vanessa e do Rafael me pergunta se eu conheço o genérico. Digo que conheço, mas a médica mandou tomar esse. Ela pergunta se eu tenho desconto do plano de saúde. Lembro que sim. Procuro a carteirinha. Ela pede meu CPF, eu dito, o sistema falha, dito de novo, ela erra, dito de novo, eu erro, dito de novo, pronto. A Viviane pergunta se eu não preciso de mais nada. Não obrigada. Eu que agradeço.

No caminho, paro para olhar um sabonete para o rosto. É a vez da Cibele. Estou cansada, deixo-a falar. Ela mostra outra marca MA-RA-VI-LHO-SA – como se eles não recebessem comissões ou coisas assim –, diz que será incrível para a minha pele. Eu digo OLHA QUE BACANA e ela diz e o TÔNICO? e eu QUE TÔNICO? e ela diz VOCÊ NÃO USA TÔNICO? digo que não, ela fica chocadíssima, me mostra 1, 2 ,7 tônicos. Mostra também um esfoliante facial, um demaquilante bifásico, uma água micelar, um BB Cream, um protetor FPS60 com cor em versão sérum, que combate os radicais livres e reduz os sinais de expressão, enquanto protege tonalizando a pele e evitando o brilho na zona T, ideal para peles como a minha, que são mistas e com leve tendência acneica, bem como muito importantes para peles jovens que ainda não apresentam rugas, mas cujas linhas já começam a ficar evidentes. Ótimo Cibele, muito obrigada.

Chego à fila do caixa como quem escapa de um apocalipse zumbi, no qual os zumbis usam jalecos brancos, sorriem e recebem um treinamento assustadoramente agressivo para nos vender tudo o que não queremos. Paro atrás da senhora de malha laranja e uma geladeira grita comigo através de um cartaz: GATORADE, DE 5,49 POR 4,99. Estou exausta.

Chego ao caixa. É o Rafael do desodorante. TEM O NOSSO CARTÃO? Opa, mas é claro, não sou nem louca de não ter. CPF. Ok. NÃO QUER APROVEITAR A PROMOÇÃO DO LISTERINE, LEVE UM DE 500ML E GANHE UM MINI? Não obrigada. QUER LEVAR NOSSA REVISTA CUJA RENDA É REVERTIDA PARA PESQUISAS DO CÂNCER? Tá bom, só quero sair daqui. E O DESODORANTE, VALE A PENA HEIN? Obrigada Rafael, hoje é só isso mesmo. OK. CPF NA NOTA? Opa. CPF. De novo. CPF. Obrigada. DE NADA, VOLTE SEMPRE.

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.