Ser mãe é padecer na internet

Opinião|O show de horror da assistência ao parto no Brasil, agora nas telas do cinema


Renascimento do Parto 2 estreia em São Paulo

Por Rita Lisauskas
Imagem real de violência obstétrica no filme 'O Renascimento do Parto 2', de Eduardo Chauvet  

A violência é algo que pode ser bem sutil.

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As primeiras cenas do documentário "O Renascimento do Parto 2", que estreia nessa quinta, 10/05, em São Paulo, mostram um parto normal que ocorreu em algum hospital do Brasil. Desconfiamos que seja no sul do País, pelo sotaque de médicos e enfermeiros. Uma mulher está deitada em uma maca, em trabalho de parto. Ela geme, mas logo é repreendida pelo médico.

- Não faz assim ãh, ãn, não abre a boca!

Uma enfermeira sobe na barriga da gestante. E começa a fazer movimentos ritmados em sua barriga, empurrando o bebê para baixo. A legenda explica: é a manobra de Kristeller, que pode levar a ruptura do períneo e reduzir a oxigenação do bebê. A OMS, Organização Mundial da Saúde, condena a prática. A gestante se contorce de dor. E o médico a repreende novamente.

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-  Tu 'tá' trancando.

A enfermeira continua a empurrar a barriga da gestante, em um movimento que lembra a tentativa de desentupir uma pia com as mãos. O marido pede para que a esposa faça força. Ela explica, chorando, que não dá.

- Ela tá me tirando (a força). Eu não consigo.

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- Tu tá trancando o neném aqui, ó, esbraveja o médico.

Então a enfermeira usa o braço e empurra a barriga da gestante para baixo. Ela berra. O neném nasce. A mãe estica os braços para pegar o filho. É repreendida pelo médico pela terceira vez.

-Não bota a mão! Ih, tu contaminou tudo. Mas tu tá por fora!

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O pediatra leva o bebê para ser examinado, o marido diz que a esposa 'foi linda, incrível'. E ela começa a chorar copiosamente. É acalmada pela equipe, que insiste à "mãezinha" que está tudo bem com o bebê e que isso, afinal, é o que importa.

Em apenas cinco minutos de filme, entendo: o assunto principal de Renascimento do Parto 2 é a violência obstétrica, ou seja, o documentário mostra o constrangimento, a humilhação e os procedimentos aplicados sem o conhecimento ou autorização das gestantes, algo assustadoramente comum no Brasil.  O diretor Eduardo Chauvet conta como ficou alarmado quando percebeu que o nascimento de um bebê pode ser transformado em um momento de terror para muitas mulheres. "Entendi porque muitas pessoas dizem: 'o parto é horrível'. Antes eu me perguntava: 'mas como a chegada de um bebê pode ser ruim?'. E foi quando eu assisti a algumas imagens que recebi de famílias de todo o Brasil que entendi como o nascimento de uma criança pode não ser lindo", conta o brasiliense, formado em produção audiovisual pela Universidade Temple, da Filadélfia, nos Estados Unidos.

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Eduardo Chauvet, diretor de "O Renascimento do Parto 2 Foto: Estadão

Grande parte das imagens de parto, cirurgias e de violência obstétrica que fazem parte do Renascimento do Parto 2 foram enviadas a Chauvet, que também produziu e filmou o Renascimento do Parto 1, ao lado da doula Érica de Paula. "As famílias souberam do segundo filme pelas redes (sociais), pela força do coletivo". E foram as militantes do parto normal humanizado que divulgaram e apoiaram o 'crowdfunding' que, em 2013, arrecadou os cerca de 140 mil reais que permitiram a exibição da primeira parte do filme em mais de 50 cidades - 30 mil pessoas assistiram ao RP 1, que obteve a segunda maior bilheteria  de documentários em 2013. A cultura da cesárea no Brasil e suas consequências foi o tema da primeira parte da trilogia idealizada por Chauvet e Érica. O diretor revela, ainda,  que a terceira parte do documentário, o Renascimento do Parto 3, já tem estreia programada para o final de 2018.

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RP2: Mulher que dá à luz seu filho em casa, na água, junto com o marido. Foto: Estadão

Mas o Renascimento do Parto 2 vai além e mostra também o outro lado da moeda: as mulheres brasileiras estão cada vez mais empoderadas, bem-informadas e organizadas. São elas que são responsáveis pelos momentos mais emocionantes do filme, quando assistimos a partos onde suas escolhas são respeitadas e as crianças chegam ao mundo da forma que suas mães escolheram: em casa ao lado dos filhos mais novos, ou no hospital, com o acesso a diversas formas de alívio para a dor e a presença de seus companheiros, que também emocionam a audiência.

O parto normal humanizado, oferecido a todas as mulheres que procuram o Hospital Sofia Feldman, que atende em Belo Horizonte, pelo SUS, é comparado ao premiado NHS britânico, que recentemente esteve sob os holofotes com o nascimento do terceiro filho da duquesa Kate Middleton, esposa do príncipe William. "Bem que a Kate poderia ter esperado pelo menos mais um pouco para a dar à luz, não?", brinca Eduardo Chauvet, lamentando que o documentário tenha ficado pronto antes de Kate ter o seu terceiro bebê e ficar apenas seis horas no hospital, impedindo que essa discussão tenha sido incorporada pelo filme. Mas quando sua majestade, o bebê, é protagonista de sua história, a agenda médica ou das estreias nos cinemas ficam em segundo plano, ainda bem.

O Renascimento do Parto 2

Ficha Técnica: 2017 | Brasil | Documentário | 91 minutos Direção, roteiro, produção e montagem: Eduardo Chauvet, Produção Executiva: Diogo Moyses, Eduardo Chauvet, Direção de Fotografia: Rafael Morbeck: Direção de Fotografia (cenas Além D'Olhar): Vívian Scaggiante, Pesquisa: Ana Lúcia Keunecke, Eduardo Chauvet, Desenho de Som, Mixagem e Masterização: Marcello Dalla, Produção 808 Filmes Fora da Lata em associação com Merun, Artemis, Além D'Olhar e Mulher sem violência.

Sessões em São Paulo: Cinesystem Morumbi - Espaço Itaú Frei Caneca - Espaço Itaú Augusta - Espaço Itaú Pompéia - Iguatemi Alphaville.

Leia mais: Kate Middleton, por aqui, não teria a menor chance

Leia mais: 'Os médicos não fazem mais parto normal nem em suas próprias esposas', afirma uma das parteiras mais engajadas do Brasil

 

 

 

Imagem real de violência obstétrica no filme 'O Renascimento do Parto 2', de Eduardo Chauvet  

A violência é algo que pode ser bem sutil.

As primeiras cenas do documentário "O Renascimento do Parto 2", que estreia nessa quinta, 10/05, em São Paulo, mostram um parto normal que ocorreu em algum hospital do Brasil. Desconfiamos que seja no sul do País, pelo sotaque de médicos e enfermeiros. Uma mulher está deitada em uma maca, em trabalho de parto. Ela geme, mas logo é repreendida pelo médico.

- Não faz assim ãh, ãn, não abre a boca!

Uma enfermeira sobe na barriga da gestante. E começa a fazer movimentos ritmados em sua barriga, empurrando o bebê para baixo. A legenda explica: é a manobra de Kristeller, que pode levar a ruptura do períneo e reduzir a oxigenação do bebê. A OMS, Organização Mundial da Saúde, condena a prática. A gestante se contorce de dor. E o médico a repreende novamente.

-  Tu 'tá' trancando.

A enfermeira continua a empurrar a barriga da gestante, em um movimento que lembra a tentativa de desentupir uma pia com as mãos. O marido pede para que a esposa faça força. Ela explica, chorando, que não dá.

- Ela tá me tirando (a força). Eu não consigo.

- Tu tá trancando o neném aqui, ó, esbraveja o médico.

Então a enfermeira usa o braço e empurra a barriga da gestante para baixo. Ela berra. O neném nasce. A mãe estica os braços para pegar o filho. É repreendida pelo médico pela terceira vez.

-Não bota a mão! Ih, tu contaminou tudo. Mas tu tá por fora!

O pediatra leva o bebê para ser examinado, o marido diz que a esposa 'foi linda, incrível'. E ela começa a chorar copiosamente. É acalmada pela equipe, que insiste à "mãezinha" que está tudo bem com o bebê e que isso, afinal, é o que importa.

Em apenas cinco minutos de filme, entendo: o assunto principal de Renascimento do Parto 2 é a violência obstétrica, ou seja, o documentário mostra o constrangimento, a humilhação e os procedimentos aplicados sem o conhecimento ou autorização das gestantes, algo assustadoramente comum no Brasil.  O diretor Eduardo Chauvet conta como ficou alarmado quando percebeu que o nascimento de um bebê pode ser transformado em um momento de terror para muitas mulheres. "Entendi porque muitas pessoas dizem: 'o parto é horrível'. Antes eu me perguntava: 'mas como a chegada de um bebê pode ser ruim?'. E foi quando eu assisti a algumas imagens que recebi de famílias de todo o Brasil que entendi como o nascimento de uma criança pode não ser lindo", conta o brasiliense, formado em produção audiovisual pela Universidade Temple, da Filadélfia, nos Estados Unidos.

Eduardo Chauvet, diretor de "O Renascimento do Parto 2 Foto: Estadão

Grande parte das imagens de parto, cirurgias e de violência obstétrica que fazem parte do Renascimento do Parto 2 foram enviadas a Chauvet, que também produziu e filmou o Renascimento do Parto 1, ao lado da doula Érica de Paula. "As famílias souberam do segundo filme pelas redes (sociais), pela força do coletivo". E foram as militantes do parto normal humanizado que divulgaram e apoiaram o 'crowdfunding' que, em 2013, arrecadou os cerca de 140 mil reais que permitiram a exibição da primeira parte do filme em mais de 50 cidades - 30 mil pessoas assistiram ao RP 1, que obteve a segunda maior bilheteria  de documentários em 2013. A cultura da cesárea no Brasil e suas consequências foi o tema da primeira parte da trilogia idealizada por Chauvet e Érica. O diretor revela, ainda,  que a terceira parte do documentário, o Renascimento do Parto 3, já tem estreia programada para o final de 2018.

RP2: Mulher que dá à luz seu filho em casa, na água, junto com o marido. Foto: Estadão

Mas o Renascimento do Parto 2 vai além e mostra também o outro lado da moeda: as mulheres brasileiras estão cada vez mais empoderadas, bem-informadas e organizadas. São elas que são responsáveis pelos momentos mais emocionantes do filme, quando assistimos a partos onde suas escolhas são respeitadas e as crianças chegam ao mundo da forma que suas mães escolheram: em casa ao lado dos filhos mais novos, ou no hospital, com o acesso a diversas formas de alívio para a dor e a presença de seus companheiros, que também emocionam a audiência.

O parto normal humanizado, oferecido a todas as mulheres que procuram o Hospital Sofia Feldman, que atende em Belo Horizonte, pelo SUS, é comparado ao premiado NHS britânico, que recentemente esteve sob os holofotes com o nascimento do terceiro filho da duquesa Kate Middleton, esposa do príncipe William. "Bem que a Kate poderia ter esperado pelo menos mais um pouco para a dar à luz, não?", brinca Eduardo Chauvet, lamentando que o documentário tenha ficado pronto antes de Kate ter o seu terceiro bebê e ficar apenas seis horas no hospital, impedindo que essa discussão tenha sido incorporada pelo filme. Mas quando sua majestade, o bebê, é protagonista de sua história, a agenda médica ou das estreias nos cinemas ficam em segundo plano, ainda bem.

O Renascimento do Parto 2

Ficha Técnica: 2017 | Brasil | Documentário | 91 minutos Direção, roteiro, produção e montagem: Eduardo Chauvet, Produção Executiva: Diogo Moyses, Eduardo Chauvet, Direção de Fotografia: Rafael Morbeck: Direção de Fotografia (cenas Além D'Olhar): Vívian Scaggiante, Pesquisa: Ana Lúcia Keunecke, Eduardo Chauvet, Desenho de Som, Mixagem e Masterização: Marcello Dalla, Produção 808 Filmes Fora da Lata em associação com Merun, Artemis, Além D'Olhar e Mulher sem violência.

Sessões em São Paulo: Cinesystem Morumbi - Espaço Itaú Frei Caneca - Espaço Itaú Augusta - Espaço Itaú Pompéia - Iguatemi Alphaville.

Leia mais: Kate Middleton, por aqui, não teria a menor chance

Leia mais: 'Os médicos não fazem mais parto normal nem em suas próprias esposas', afirma uma das parteiras mais engajadas do Brasil

 

 

 

Imagem real de violência obstétrica no filme 'O Renascimento do Parto 2', de Eduardo Chauvet  

A violência é algo que pode ser bem sutil.

As primeiras cenas do documentário "O Renascimento do Parto 2", que estreia nessa quinta, 10/05, em São Paulo, mostram um parto normal que ocorreu em algum hospital do Brasil. Desconfiamos que seja no sul do País, pelo sotaque de médicos e enfermeiros. Uma mulher está deitada em uma maca, em trabalho de parto. Ela geme, mas logo é repreendida pelo médico.

- Não faz assim ãh, ãn, não abre a boca!

Uma enfermeira sobe na barriga da gestante. E começa a fazer movimentos ritmados em sua barriga, empurrando o bebê para baixo. A legenda explica: é a manobra de Kristeller, que pode levar a ruptura do períneo e reduzir a oxigenação do bebê. A OMS, Organização Mundial da Saúde, condena a prática. A gestante se contorce de dor. E o médico a repreende novamente.

-  Tu 'tá' trancando.

A enfermeira continua a empurrar a barriga da gestante, em um movimento que lembra a tentativa de desentupir uma pia com as mãos. O marido pede para que a esposa faça força. Ela explica, chorando, que não dá.

- Ela tá me tirando (a força). Eu não consigo.

- Tu tá trancando o neném aqui, ó, esbraveja o médico.

Então a enfermeira usa o braço e empurra a barriga da gestante para baixo. Ela berra. O neném nasce. A mãe estica os braços para pegar o filho. É repreendida pelo médico pela terceira vez.

-Não bota a mão! Ih, tu contaminou tudo. Mas tu tá por fora!

O pediatra leva o bebê para ser examinado, o marido diz que a esposa 'foi linda, incrível'. E ela começa a chorar copiosamente. É acalmada pela equipe, que insiste à "mãezinha" que está tudo bem com o bebê e que isso, afinal, é o que importa.

Em apenas cinco minutos de filme, entendo: o assunto principal de Renascimento do Parto 2 é a violência obstétrica, ou seja, o documentário mostra o constrangimento, a humilhação e os procedimentos aplicados sem o conhecimento ou autorização das gestantes, algo assustadoramente comum no Brasil.  O diretor Eduardo Chauvet conta como ficou alarmado quando percebeu que o nascimento de um bebê pode ser transformado em um momento de terror para muitas mulheres. "Entendi porque muitas pessoas dizem: 'o parto é horrível'. Antes eu me perguntava: 'mas como a chegada de um bebê pode ser ruim?'. E foi quando eu assisti a algumas imagens que recebi de famílias de todo o Brasil que entendi como o nascimento de uma criança pode não ser lindo", conta o brasiliense, formado em produção audiovisual pela Universidade Temple, da Filadélfia, nos Estados Unidos.

Eduardo Chauvet, diretor de "O Renascimento do Parto 2 Foto: Estadão

Grande parte das imagens de parto, cirurgias e de violência obstétrica que fazem parte do Renascimento do Parto 2 foram enviadas a Chauvet, que também produziu e filmou o Renascimento do Parto 1, ao lado da doula Érica de Paula. "As famílias souberam do segundo filme pelas redes (sociais), pela força do coletivo". E foram as militantes do parto normal humanizado que divulgaram e apoiaram o 'crowdfunding' que, em 2013, arrecadou os cerca de 140 mil reais que permitiram a exibição da primeira parte do filme em mais de 50 cidades - 30 mil pessoas assistiram ao RP 1, que obteve a segunda maior bilheteria  de documentários em 2013. A cultura da cesárea no Brasil e suas consequências foi o tema da primeira parte da trilogia idealizada por Chauvet e Érica. O diretor revela, ainda,  que a terceira parte do documentário, o Renascimento do Parto 3, já tem estreia programada para o final de 2018.

RP2: Mulher que dá à luz seu filho em casa, na água, junto com o marido. Foto: Estadão

Mas o Renascimento do Parto 2 vai além e mostra também o outro lado da moeda: as mulheres brasileiras estão cada vez mais empoderadas, bem-informadas e organizadas. São elas que são responsáveis pelos momentos mais emocionantes do filme, quando assistimos a partos onde suas escolhas são respeitadas e as crianças chegam ao mundo da forma que suas mães escolheram: em casa ao lado dos filhos mais novos, ou no hospital, com o acesso a diversas formas de alívio para a dor e a presença de seus companheiros, que também emocionam a audiência.

O parto normal humanizado, oferecido a todas as mulheres que procuram o Hospital Sofia Feldman, que atende em Belo Horizonte, pelo SUS, é comparado ao premiado NHS britânico, que recentemente esteve sob os holofotes com o nascimento do terceiro filho da duquesa Kate Middleton, esposa do príncipe William. "Bem que a Kate poderia ter esperado pelo menos mais um pouco para a dar à luz, não?", brinca Eduardo Chauvet, lamentando que o documentário tenha ficado pronto antes de Kate ter o seu terceiro bebê e ficar apenas seis horas no hospital, impedindo que essa discussão tenha sido incorporada pelo filme. Mas quando sua majestade, o bebê, é protagonista de sua história, a agenda médica ou das estreias nos cinemas ficam em segundo plano, ainda bem.

O Renascimento do Parto 2

Ficha Técnica: 2017 | Brasil | Documentário | 91 minutos Direção, roteiro, produção e montagem: Eduardo Chauvet, Produção Executiva: Diogo Moyses, Eduardo Chauvet, Direção de Fotografia: Rafael Morbeck: Direção de Fotografia (cenas Além D'Olhar): Vívian Scaggiante, Pesquisa: Ana Lúcia Keunecke, Eduardo Chauvet, Desenho de Som, Mixagem e Masterização: Marcello Dalla, Produção 808 Filmes Fora da Lata em associação com Merun, Artemis, Além D'Olhar e Mulher sem violência.

Sessões em São Paulo: Cinesystem Morumbi - Espaço Itaú Frei Caneca - Espaço Itaú Augusta - Espaço Itaú Pompéia - Iguatemi Alphaville.

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Imagem real de violência obstétrica no filme 'O Renascimento do Parto 2', de Eduardo Chauvet  

A violência é algo que pode ser bem sutil.

As primeiras cenas do documentário "O Renascimento do Parto 2", que estreia nessa quinta, 10/05, em São Paulo, mostram um parto normal que ocorreu em algum hospital do Brasil. Desconfiamos que seja no sul do País, pelo sotaque de médicos e enfermeiros. Uma mulher está deitada em uma maca, em trabalho de parto. Ela geme, mas logo é repreendida pelo médico.

- Não faz assim ãh, ãn, não abre a boca!

Uma enfermeira sobe na barriga da gestante. E começa a fazer movimentos ritmados em sua barriga, empurrando o bebê para baixo. A legenda explica: é a manobra de Kristeller, que pode levar a ruptura do períneo e reduzir a oxigenação do bebê. A OMS, Organização Mundial da Saúde, condena a prática. A gestante se contorce de dor. E o médico a repreende novamente.

-  Tu 'tá' trancando.

A enfermeira continua a empurrar a barriga da gestante, em um movimento que lembra a tentativa de desentupir uma pia com as mãos. O marido pede para que a esposa faça força. Ela explica, chorando, que não dá.

- Ela tá me tirando (a força). Eu não consigo.

- Tu tá trancando o neném aqui, ó, esbraveja o médico.

Então a enfermeira usa o braço e empurra a barriga da gestante para baixo. Ela berra. O neném nasce. A mãe estica os braços para pegar o filho. É repreendida pelo médico pela terceira vez.

-Não bota a mão! Ih, tu contaminou tudo. Mas tu tá por fora!

O pediatra leva o bebê para ser examinado, o marido diz que a esposa 'foi linda, incrível'. E ela começa a chorar copiosamente. É acalmada pela equipe, que insiste à "mãezinha" que está tudo bem com o bebê e que isso, afinal, é o que importa.

Em apenas cinco minutos de filme, entendo: o assunto principal de Renascimento do Parto 2 é a violência obstétrica, ou seja, o documentário mostra o constrangimento, a humilhação e os procedimentos aplicados sem o conhecimento ou autorização das gestantes, algo assustadoramente comum no Brasil.  O diretor Eduardo Chauvet conta como ficou alarmado quando percebeu que o nascimento de um bebê pode ser transformado em um momento de terror para muitas mulheres. "Entendi porque muitas pessoas dizem: 'o parto é horrível'. Antes eu me perguntava: 'mas como a chegada de um bebê pode ser ruim?'. E foi quando eu assisti a algumas imagens que recebi de famílias de todo o Brasil que entendi como o nascimento de uma criança pode não ser lindo", conta o brasiliense, formado em produção audiovisual pela Universidade Temple, da Filadélfia, nos Estados Unidos.

Eduardo Chauvet, diretor de "O Renascimento do Parto 2 Foto: Estadão

Grande parte das imagens de parto, cirurgias e de violência obstétrica que fazem parte do Renascimento do Parto 2 foram enviadas a Chauvet, que também produziu e filmou o Renascimento do Parto 1, ao lado da doula Érica de Paula. "As famílias souberam do segundo filme pelas redes (sociais), pela força do coletivo". E foram as militantes do parto normal humanizado que divulgaram e apoiaram o 'crowdfunding' que, em 2013, arrecadou os cerca de 140 mil reais que permitiram a exibição da primeira parte do filme em mais de 50 cidades - 30 mil pessoas assistiram ao RP 1, que obteve a segunda maior bilheteria  de documentários em 2013. A cultura da cesárea no Brasil e suas consequências foi o tema da primeira parte da trilogia idealizada por Chauvet e Érica. O diretor revela, ainda,  que a terceira parte do documentário, o Renascimento do Parto 3, já tem estreia programada para o final de 2018.

RP2: Mulher que dá à luz seu filho em casa, na água, junto com o marido. Foto: Estadão

Mas o Renascimento do Parto 2 vai além e mostra também o outro lado da moeda: as mulheres brasileiras estão cada vez mais empoderadas, bem-informadas e organizadas. São elas que são responsáveis pelos momentos mais emocionantes do filme, quando assistimos a partos onde suas escolhas são respeitadas e as crianças chegam ao mundo da forma que suas mães escolheram: em casa ao lado dos filhos mais novos, ou no hospital, com o acesso a diversas formas de alívio para a dor e a presença de seus companheiros, que também emocionam a audiência.

O parto normal humanizado, oferecido a todas as mulheres que procuram o Hospital Sofia Feldman, que atende em Belo Horizonte, pelo SUS, é comparado ao premiado NHS britânico, que recentemente esteve sob os holofotes com o nascimento do terceiro filho da duquesa Kate Middleton, esposa do príncipe William. "Bem que a Kate poderia ter esperado pelo menos mais um pouco para a dar à luz, não?", brinca Eduardo Chauvet, lamentando que o documentário tenha ficado pronto antes de Kate ter o seu terceiro bebê e ficar apenas seis horas no hospital, impedindo que essa discussão tenha sido incorporada pelo filme. Mas quando sua majestade, o bebê, é protagonista de sua história, a agenda médica ou das estreias nos cinemas ficam em segundo plano, ainda bem.

O Renascimento do Parto 2

Ficha Técnica: 2017 | Brasil | Documentário | 91 minutos Direção, roteiro, produção e montagem: Eduardo Chauvet, Produção Executiva: Diogo Moyses, Eduardo Chauvet, Direção de Fotografia: Rafael Morbeck: Direção de Fotografia (cenas Além D'Olhar): Vívian Scaggiante, Pesquisa: Ana Lúcia Keunecke, Eduardo Chauvet, Desenho de Som, Mixagem e Masterização: Marcello Dalla, Produção 808 Filmes Fora da Lata em associação com Merun, Artemis, Além D'Olhar e Mulher sem violência.

Sessões em São Paulo: Cinesystem Morumbi - Espaço Itaú Frei Caneca - Espaço Itaú Augusta - Espaço Itaú Pompéia - Iguatemi Alphaville.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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