Nos últimos dias não andei muito. Aliás, andei quase nada. Tive um problema na perna. Nada grave mas dolorido, incômodo. Pronto Socorro, antiinflamatório, analgésico, repouso, frio, chuva... Â Sábado fui ao cinema com um amigo. Ali no Shopping Frei Caneca. Mancava, andava bem devagar. Fomos de taxi. Digo isto para explicar que o acesso ao elevador, quando se vem da rua, é feito por um saguão com várias portas distribuídas em "L". Várias mesmo. Umas seis ou oito. Â Esperávamos distraídos pelo elevador que nos levaria ao terceiro andar onde ficam os cinemas. Quando finalmente chegou, a porta se abriu do lado oposto do "L", de onde estávamos. Várias pessoas correram até ela. Eu, ajudada por meu amigo, manquitolei devagar em sua direção. Agora, pense na cena: todos, menos nós, já dentro do elevador. Uma jovem passageira, perto da porta, percebe nossa aproximação vagarosa, a meio caminho do saguão. O que faz ela? Segura a porta até nossa chegada? Não. Simplesmente vira as costas, volta-se para dentro do elevador e deixa a porta fechar. Acredita? Â Meu amigo e eu ficamos um instante paralisados no saguão sem acreditar na cena. Começamos a rir ali mesmo. Parecia que o filme já havia começado e estava acontecendo na nossa frente. Era uma comédia, tão caricata foi a atitude de todos, em especial da jovem que virou-nos as costas. Momentos depois, conseguimos entrar num outro elevador, contendo o riso. Duas jovens nitidamente irmãs e um senhor já idoso entraram na nossa frente. Nós por último, de maneira que ficamos junto da porta. Chegamos ao terceiro andar e adivinha o que? As duas jovens irmãs atrás de nós saíram correndo na nossa frente! Até o senhor idoso quase nos atropelou! A estas alturas, o riso não se conteve mais. Explodiu! Até o senhor idoso corria na nossa frente! Estávamos num episódio do Seinfeld, certeza! Daqueles bem politicamente incorretos, daqueles em que George corre na frente da velhinha para comprar a última torta da padaria! Â Pegamos nossos ingressos e chegamos às salas, ainda sob o impacto das cenas mas já acalmados. O saguão do cinema estava lotado - que bom! Não havia uma cadeira, um banco, um lugar para eu me sentar. Meu amigo me deixou apoiadinha num canto de parede e pegou a fila da pipoca. A fila era longa, fiquei ali de pé, tendo ideias: coloquei a mão na perna, exagerei o mancar e fui para perto das cadeiras e dos bancos, para ver se alguém me notava e me cedia lugar. Era um teste, produzia uma cena. Não sei se porque trazia um sorriso leve no rosto, ou se porque exagerava o andar, ou se porque os paulistanos são assim mesmo: todos, sem exceção, pessoas de todas as idades e sexo, fingiram que não me viam. Quase pude ver um monte de Mr. Bean, naquele gesto desengonçado, virando o rosto para o lado oposto, dedilhando o queixo. Ninguém me cedeu lugar. Ninguém! Pode? Â Eu acho que os canais de televisão podiam fazer uma campanha de utilidade pública e, de maneira sistemática, incentivar atitudes cidadãs as mais simples. Aquelas que a gente bem que podia aprender em casa, só que não.
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