'O clube precisa de mecanismos de fiscalização', aponta especialista


Falta de controle interno e de lisura nos recursos foram problemas responsáveis pela decadência da Portuguesa

Por Cesar Sacheto
Atualização:

A adoção de medidas para garantir uma gestão centrada na transparência, com princípios éticos sólidos, seriedade na captação e utilização de recursos financeiros são atitudes essenciais para a recuperação da marca da Portuguesa. A análise é de Paula Oda, coordenadora de projetos em práticas empresariais e políticas públicas de integridade do Instituto Ethos, que tem como principal plataforma de trabalho o consumo consciente. Para a especialista, a criação de mecanismos de integridade é fundamental no combate à corrupção e na recuperação de qualquer instituição.

Muitas ações tidas como incorretas em agremiações esportivas e empresas são avaliadas como incompetentes ou imprudentes. Mas, no caso da Portuguesa, houve suspeita de corrupção de integrantes da diretoria. Como um clube deve proceder para garantir a lisura em seus negócios? 

Uma questão-chave na prevenção da corrupção é a adoção de mecanismos de controles internos e de princípios de governança. Este caminho pode ser percorrido com a criação de instrumentos que estabeleçam parâmetros de conformidade para as organizações, entre eles Código de Conduta, políticas e procedimentos, ferramentas de gestão para os processos, estabelecimento de conselhos e grupos que acompanhem o trabalho dos dirigentes, a criação de canais de denúncia, entre outras iniciativas. O objetivo é criar mecanismos que favoreçam a transparência e a conformidade em todos os níveis da organização.

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Última grande alegria da torcida da Lusa foi o título do Brasileiro da Série Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entendemos que mecanismos de integridade e transparência são elementos fundamentais no combate à corrupção. Inspirado nisso criamos o projeto "Jogos Limpos dentro e fora dos Estádios", que tinha o objetivo de, a partir da comoção que o esporte promove, debater e contribuir para o aprimoramento desses mecanismos através da temática dos megaeventos esportivos realizados nos últimos anos no país. O que observamos ao longo dos quase seis anos de duração do projeto foi que o ambiente esportivo é uma grande oportunidade de mudanças e, desde então, estamos trabalhando e apoiando iniciativas. 

Neste processo, houveram avanços em outras áreas que também ajudam a incentivar a integridade na área esportiva, com exemplos vindo tanto da iniciativa pública quanto da privada. A alteração da Lei Pelé, ocorrida em 2013, condiciona o investimento público em organizações esportivas a uma série de regras, entre elas limite de mandato de dirigentes, participação de atletas na gestão das entidades e no sistema eleitoral, transparência de documentos e contas na gestão. Quanto ao investimento privado, temos o Pacto Pelo Esporte, iniciativa das empresas patrocinadoras, que tem o objetivo de estimular a adoção de práticas de governança, gestão e transparência pelas entidades que receberão seus recursos. Dessa forma, as duas principais fontes de financiamento do esporte brasileiro convergem para incentivar uma melhor gestão, para o bom uso dos recursos e para o desenvolvimento do esporte.

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Os clubes têm – ou poderiam criar – dispositivos em seus estatutos que possam fiscalizar as ações de dirigentes de um departamento que, diferentemente de outros dentro da entidade, gera milhões em recursos?

Os clubes podem criar sim mecanismos para fiscalizar as ações dos seus dirigentes, sendo esta, uma prática de transparência. A adoção de instâncias de governança, como comitês e conselhos, são exemplos de mecanismos que aprimoram o processo de decisão estratégica e impactam positivamente nos mecanismos de controle, assim como a definição de políticas e procedimentos internos. 

Os princípios da transparência são também elementos fundamentais para estimular a fiscalização, seja ela interna ou externa. A organização deve estar subordinada aos mecanismos de promoção da integridade como um todo, as regras, compromissos e ações de responsabilização devem abranger todos os níveis hierárquicos da organização. Temos exemplos de clubes e entidades esportivas que possuem dispositivos nos estatutos e estruturas, tais como os colocados acima, que possibilitam um melhor acompanhamento do da gestão da entidade como um todo. 

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É possível "blindar" a equipe de futebol das ações dos dirigentes? O caminho seria a separar a administração do clube?

A administração das entidades esportivas deve refletir o seu propósito, que está fortemente relacionado aos resultados esportivos e ao desenvolvimento do esporte ou da modalidade específica. Entendemos que uma boa governança e gestão influencia de forma positiva a realização desses propósitos. A promoção de práticas de governança permite uma melhor relação entre a gestão administrativa da entidade e a gestão esportiva, para que esta esteja focada em sua performance. 

Há uma ferramenta que está em desenvolvimento, o Rating de Entidades Esportivas, iniciativa do Ethos, Atletas pelo Brasil, representando as empresas signatárias do Pacto pelo Esporte, Comitê Olímpico do Brasil, Comitê Paralímpico do Brasil e Comitê Brasileiro de Clubes, que será capaz de auxiliar as entidades a compreenderem as estruturas e o processo de evolução nas melhores práticas de governança, integridade e transparência, permitindo que elas tenham clareza sobre seus desafios e oportunidades de melhoria. Além disso, o rating vai possibilitar a avaliação e parametrização do estágio de desenvolvimento de clubes, confederações e federações e, dessa forma, pode contribuir e estimular um ambiente mais propício para a melhoria do esporte provendo mais segurança aos investidores. 

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Estádio do Canindé é um dos maiores patrimônios da Portuguesa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os presidentes e diretores poderiam – ou deveriam – ser responsabilizados criminalmente por eventuais fraudes?

Atos ilícitos e fraudulentos devem ser devidamente investigados e punidos conforme a lei, incluindo responsabilização legal quando cabível. Por isso a criação de mecanismos que estabeleçam parâmetros de responsabilização é tão importante. Eles podem prevenir os desvios de conduta e também responsabilizá-los. É possível perceber uma tendência para incentivar a responsabilização, em especial com a Lei Anticorrupção. 

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Como sair de uma crise que pode decretar o fim de uma instituição quase centenária que atrai milhares de fãs?

Os caminhos podem ser diversos, mas acreditamos que o primeiro passo seja a renovação interna do clube, em especial na gestão e governança, tendo a integridade como valor primordial, principalmente pelos sucessivos episódios de corrupção. A promoção da integridade passa por diversos estágios e o estabelecimento de um programa de compliance é essencial para garantir que as ações sejam efetivas. Com isso organizado, a Portuguesa pode demonstrar seu esforço coletivo para um processo de transformação, promovendo um novo momento ao time e possibilitando a procura de novos patrocinadores e apoiadores. 

O fato de o clube possuir muitos seguidores em redes sociais e ter apelo comercial pode auxiliar no caminho da reconstrução? Ou somente esse público cativo não é suficiente para despertar o interesse de novos investidores?

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O que temos visto quando observamos a relação com os investidores, em especial com o Pacto pelo Esporte, é que eles estão cada vez mais preocupados com a finalidade dos recursos investidos, que acreditamos ser um processo natural. Para tanto, os investidores têm procurado conhecer mais a fundo as práticas de governança, gestão e integridade das organizações e, em alguns casos, exigir determinadas práticas como pré-requisitos do investimento.

Também vivemos um momento em que o nível de tolerância quanto aos atos de corrupção é extremamente baixo e isso afeta negativamente a própria relação dos torcedores e fãs com o clube. No entanto, o esporte vai além da razão, a paixão dos torcedores é um apelo forte e isso pode ser um grande motivador para um processo de mudança. Demonstrar uma transformação no processo de gestão é capaz de mudar a percepção dos torcedores. 

Portanto, no caso da Portuguesa, acreditamos que um caminho a ser percorrido será uma profunda transformação em sua estrutura e modelo de governança, que demonstre a capacidade de propor um novo modelo de gestão, mais íntegro e transparente, a fim de reconquistar tanto seus torcedores e entusiastas quanto novos investidores e patrocinadores. 

A profunda crise financeira do clube – que teve o estádio colocado em leilão e deve milhões em ações trabalhistas – tem solução? Ou, pelas pendências financeiras, o caminho será mesmo o fechamento de um dos clubes mais tradicionais de São Paulo?

A crise da Portuguesa se arrasta há anos e poucas soluções foram propostas desde o momento em que os primeiros escândalos surgiram, o que contribuiu para o agravamento da crise que levou o time ao patamar que se encontra hoje. O Ethos acredita que ao primeiro passo para uma profunda mudança da instituição deve ser o reconhecimento publicamente das práticas de corrupção, principalmente pela alta liderança, responsabilização dos responsáveis e posteriormente, apresentar seu comprometimento perante à sociedade para evitar comportamentos não-íntegros. Além disso, e talvez a parte mais importante, é elaborar um plano de ação coeso e executável para prevenir as práticas de corrupção, envolvendo toda a organização. 

Contudo, nunca é tarde para traçar novos caminhos. Acreditamos que há sim solução para o caso da Portuguesa, que começa com a organização da casa, seguindo os mesmos princípios acima. O combate à corrupção e o incentivo à governança é uma questão primordial para a retomada do clube e da história no futebol brasileiro. 

A adoção de medidas para garantir uma gestão centrada na transparência, com princípios éticos sólidos, seriedade na captação e utilização de recursos financeiros são atitudes essenciais para a recuperação da marca da Portuguesa. A análise é de Paula Oda, coordenadora de projetos em práticas empresariais e políticas públicas de integridade do Instituto Ethos, que tem como principal plataforma de trabalho o consumo consciente. Para a especialista, a criação de mecanismos de integridade é fundamental no combate à corrupção e na recuperação de qualquer instituição.

Muitas ações tidas como incorretas em agremiações esportivas e empresas são avaliadas como incompetentes ou imprudentes. Mas, no caso da Portuguesa, houve suspeita de corrupção de integrantes da diretoria. Como um clube deve proceder para garantir a lisura em seus negócios? 

Uma questão-chave na prevenção da corrupção é a adoção de mecanismos de controles internos e de princípios de governança. Este caminho pode ser percorrido com a criação de instrumentos que estabeleçam parâmetros de conformidade para as organizações, entre eles Código de Conduta, políticas e procedimentos, ferramentas de gestão para os processos, estabelecimento de conselhos e grupos que acompanhem o trabalho dos dirigentes, a criação de canais de denúncia, entre outras iniciativas. O objetivo é criar mecanismos que favoreçam a transparência e a conformidade em todos os níveis da organização.

Última grande alegria da torcida da Lusa foi o título do Brasileiro da Série Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entendemos que mecanismos de integridade e transparência são elementos fundamentais no combate à corrupção. Inspirado nisso criamos o projeto "Jogos Limpos dentro e fora dos Estádios", que tinha o objetivo de, a partir da comoção que o esporte promove, debater e contribuir para o aprimoramento desses mecanismos através da temática dos megaeventos esportivos realizados nos últimos anos no país. O que observamos ao longo dos quase seis anos de duração do projeto foi que o ambiente esportivo é uma grande oportunidade de mudanças e, desde então, estamos trabalhando e apoiando iniciativas. 

Neste processo, houveram avanços em outras áreas que também ajudam a incentivar a integridade na área esportiva, com exemplos vindo tanto da iniciativa pública quanto da privada. A alteração da Lei Pelé, ocorrida em 2013, condiciona o investimento público em organizações esportivas a uma série de regras, entre elas limite de mandato de dirigentes, participação de atletas na gestão das entidades e no sistema eleitoral, transparência de documentos e contas na gestão. Quanto ao investimento privado, temos o Pacto Pelo Esporte, iniciativa das empresas patrocinadoras, que tem o objetivo de estimular a adoção de práticas de governança, gestão e transparência pelas entidades que receberão seus recursos. Dessa forma, as duas principais fontes de financiamento do esporte brasileiro convergem para incentivar uma melhor gestão, para o bom uso dos recursos e para o desenvolvimento do esporte.

Os clubes têm – ou poderiam criar – dispositivos em seus estatutos que possam fiscalizar as ações de dirigentes de um departamento que, diferentemente de outros dentro da entidade, gera milhões em recursos?

Os clubes podem criar sim mecanismos para fiscalizar as ações dos seus dirigentes, sendo esta, uma prática de transparência. A adoção de instâncias de governança, como comitês e conselhos, são exemplos de mecanismos que aprimoram o processo de decisão estratégica e impactam positivamente nos mecanismos de controle, assim como a definição de políticas e procedimentos internos. 

Os princípios da transparência são também elementos fundamentais para estimular a fiscalização, seja ela interna ou externa. A organização deve estar subordinada aos mecanismos de promoção da integridade como um todo, as regras, compromissos e ações de responsabilização devem abranger todos os níveis hierárquicos da organização. Temos exemplos de clubes e entidades esportivas que possuem dispositivos nos estatutos e estruturas, tais como os colocados acima, que possibilitam um melhor acompanhamento do da gestão da entidade como um todo. 

É possível "blindar" a equipe de futebol das ações dos dirigentes? O caminho seria a separar a administração do clube?

A administração das entidades esportivas deve refletir o seu propósito, que está fortemente relacionado aos resultados esportivos e ao desenvolvimento do esporte ou da modalidade específica. Entendemos que uma boa governança e gestão influencia de forma positiva a realização desses propósitos. A promoção de práticas de governança permite uma melhor relação entre a gestão administrativa da entidade e a gestão esportiva, para que esta esteja focada em sua performance. 

Há uma ferramenta que está em desenvolvimento, o Rating de Entidades Esportivas, iniciativa do Ethos, Atletas pelo Brasil, representando as empresas signatárias do Pacto pelo Esporte, Comitê Olímpico do Brasil, Comitê Paralímpico do Brasil e Comitê Brasileiro de Clubes, que será capaz de auxiliar as entidades a compreenderem as estruturas e o processo de evolução nas melhores práticas de governança, integridade e transparência, permitindo que elas tenham clareza sobre seus desafios e oportunidades de melhoria. Além disso, o rating vai possibilitar a avaliação e parametrização do estágio de desenvolvimento de clubes, confederações e federações e, dessa forma, pode contribuir e estimular um ambiente mais propício para a melhoria do esporte provendo mais segurança aos investidores. 

Estádio do Canindé é um dos maiores patrimônios da Portuguesa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os presidentes e diretores poderiam – ou deveriam – ser responsabilizados criminalmente por eventuais fraudes?

Atos ilícitos e fraudulentos devem ser devidamente investigados e punidos conforme a lei, incluindo responsabilização legal quando cabível. Por isso a criação de mecanismos que estabeleçam parâmetros de responsabilização é tão importante. Eles podem prevenir os desvios de conduta e também responsabilizá-los. É possível perceber uma tendência para incentivar a responsabilização, em especial com a Lei Anticorrupção. 

Como sair de uma crise que pode decretar o fim de uma instituição quase centenária que atrai milhares de fãs?

Os caminhos podem ser diversos, mas acreditamos que o primeiro passo seja a renovação interna do clube, em especial na gestão e governança, tendo a integridade como valor primordial, principalmente pelos sucessivos episódios de corrupção. A promoção da integridade passa por diversos estágios e o estabelecimento de um programa de compliance é essencial para garantir que as ações sejam efetivas. Com isso organizado, a Portuguesa pode demonstrar seu esforço coletivo para um processo de transformação, promovendo um novo momento ao time e possibilitando a procura de novos patrocinadores e apoiadores. 

O fato de o clube possuir muitos seguidores em redes sociais e ter apelo comercial pode auxiliar no caminho da reconstrução? Ou somente esse público cativo não é suficiente para despertar o interesse de novos investidores?

O que temos visto quando observamos a relação com os investidores, em especial com o Pacto pelo Esporte, é que eles estão cada vez mais preocupados com a finalidade dos recursos investidos, que acreditamos ser um processo natural. Para tanto, os investidores têm procurado conhecer mais a fundo as práticas de governança, gestão e integridade das organizações e, em alguns casos, exigir determinadas práticas como pré-requisitos do investimento.

Também vivemos um momento em que o nível de tolerância quanto aos atos de corrupção é extremamente baixo e isso afeta negativamente a própria relação dos torcedores e fãs com o clube. No entanto, o esporte vai além da razão, a paixão dos torcedores é um apelo forte e isso pode ser um grande motivador para um processo de mudança. Demonstrar uma transformação no processo de gestão é capaz de mudar a percepção dos torcedores. 

Portanto, no caso da Portuguesa, acreditamos que um caminho a ser percorrido será uma profunda transformação em sua estrutura e modelo de governança, que demonstre a capacidade de propor um novo modelo de gestão, mais íntegro e transparente, a fim de reconquistar tanto seus torcedores e entusiastas quanto novos investidores e patrocinadores. 

A profunda crise financeira do clube – que teve o estádio colocado em leilão e deve milhões em ações trabalhistas – tem solução? Ou, pelas pendências financeiras, o caminho será mesmo o fechamento de um dos clubes mais tradicionais de São Paulo?

A crise da Portuguesa se arrasta há anos e poucas soluções foram propostas desde o momento em que os primeiros escândalos surgiram, o que contribuiu para o agravamento da crise que levou o time ao patamar que se encontra hoje. O Ethos acredita que ao primeiro passo para uma profunda mudança da instituição deve ser o reconhecimento publicamente das práticas de corrupção, principalmente pela alta liderança, responsabilização dos responsáveis e posteriormente, apresentar seu comprometimento perante à sociedade para evitar comportamentos não-íntegros. Além disso, e talvez a parte mais importante, é elaborar um plano de ação coeso e executável para prevenir as práticas de corrupção, envolvendo toda a organização. 

Contudo, nunca é tarde para traçar novos caminhos. Acreditamos que há sim solução para o caso da Portuguesa, que começa com a organização da casa, seguindo os mesmos princípios acima. O combate à corrupção e o incentivo à governança é uma questão primordial para a retomada do clube e da história no futebol brasileiro. 

A adoção de medidas para garantir uma gestão centrada na transparência, com princípios éticos sólidos, seriedade na captação e utilização de recursos financeiros são atitudes essenciais para a recuperação da marca da Portuguesa. A análise é de Paula Oda, coordenadora de projetos em práticas empresariais e políticas públicas de integridade do Instituto Ethos, que tem como principal plataforma de trabalho o consumo consciente. Para a especialista, a criação de mecanismos de integridade é fundamental no combate à corrupção e na recuperação de qualquer instituição.

Muitas ações tidas como incorretas em agremiações esportivas e empresas são avaliadas como incompetentes ou imprudentes. Mas, no caso da Portuguesa, houve suspeita de corrupção de integrantes da diretoria. Como um clube deve proceder para garantir a lisura em seus negócios? 

Uma questão-chave na prevenção da corrupção é a adoção de mecanismos de controles internos e de princípios de governança. Este caminho pode ser percorrido com a criação de instrumentos que estabeleçam parâmetros de conformidade para as organizações, entre eles Código de Conduta, políticas e procedimentos, ferramentas de gestão para os processos, estabelecimento de conselhos e grupos que acompanhem o trabalho dos dirigentes, a criação de canais de denúncia, entre outras iniciativas. O objetivo é criar mecanismos que favoreçam a transparência e a conformidade em todos os níveis da organização.

Última grande alegria da torcida da Lusa foi o título do Brasileiro da Série Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entendemos que mecanismos de integridade e transparência são elementos fundamentais no combate à corrupção. Inspirado nisso criamos o projeto "Jogos Limpos dentro e fora dos Estádios", que tinha o objetivo de, a partir da comoção que o esporte promove, debater e contribuir para o aprimoramento desses mecanismos através da temática dos megaeventos esportivos realizados nos últimos anos no país. O que observamos ao longo dos quase seis anos de duração do projeto foi que o ambiente esportivo é uma grande oportunidade de mudanças e, desde então, estamos trabalhando e apoiando iniciativas. 

Neste processo, houveram avanços em outras áreas que também ajudam a incentivar a integridade na área esportiva, com exemplos vindo tanto da iniciativa pública quanto da privada. A alteração da Lei Pelé, ocorrida em 2013, condiciona o investimento público em organizações esportivas a uma série de regras, entre elas limite de mandato de dirigentes, participação de atletas na gestão das entidades e no sistema eleitoral, transparência de documentos e contas na gestão. Quanto ao investimento privado, temos o Pacto Pelo Esporte, iniciativa das empresas patrocinadoras, que tem o objetivo de estimular a adoção de práticas de governança, gestão e transparência pelas entidades que receberão seus recursos. Dessa forma, as duas principais fontes de financiamento do esporte brasileiro convergem para incentivar uma melhor gestão, para o bom uso dos recursos e para o desenvolvimento do esporte.

Os clubes têm – ou poderiam criar – dispositivos em seus estatutos que possam fiscalizar as ações de dirigentes de um departamento que, diferentemente de outros dentro da entidade, gera milhões em recursos?

Os clubes podem criar sim mecanismos para fiscalizar as ações dos seus dirigentes, sendo esta, uma prática de transparência. A adoção de instâncias de governança, como comitês e conselhos, são exemplos de mecanismos que aprimoram o processo de decisão estratégica e impactam positivamente nos mecanismos de controle, assim como a definição de políticas e procedimentos internos. 

Os princípios da transparência são também elementos fundamentais para estimular a fiscalização, seja ela interna ou externa. A organização deve estar subordinada aos mecanismos de promoção da integridade como um todo, as regras, compromissos e ações de responsabilização devem abranger todos os níveis hierárquicos da organização. Temos exemplos de clubes e entidades esportivas que possuem dispositivos nos estatutos e estruturas, tais como os colocados acima, que possibilitam um melhor acompanhamento do da gestão da entidade como um todo. 

É possível "blindar" a equipe de futebol das ações dos dirigentes? O caminho seria a separar a administração do clube?

A administração das entidades esportivas deve refletir o seu propósito, que está fortemente relacionado aos resultados esportivos e ao desenvolvimento do esporte ou da modalidade específica. Entendemos que uma boa governança e gestão influencia de forma positiva a realização desses propósitos. A promoção de práticas de governança permite uma melhor relação entre a gestão administrativa da entidade e a gestão esportiva, para que esta esteja focada em sua performance. 

Há uma ferramenta que está em desenvolvimento, o Rating de Entidades Esportivas, iniciativa do Ethos, Atletas pelo Brasil, representando as empresas signatárias do Pacto pelo Esporte, Comitê Olímpico do Brasil, Comitê Paralímpico do Brasil e Comitê Brasileiro de Clubes, que será capaz de auxiliar as entidades a compreenderem as estruturas e o processo de evolução nas melhores práticas de governança, integridade e transparência, permitindo que elas tenham clareza sobre seus desafios e oportunidades de melhoria. Além disso, o rating vai possibilitar a avaliação e parametrização do estágio de desenvolvimento de clubes, confederações e federações e, dessa forma, pode contribuir e estimular um ambiente mais propício para a melhoria do esporte provendo mais segurança aos investidores. 

Estádio do Canindé é um dos maiores patrimônios da Portuguesa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os presidentes e diretores poderiam – ou deveriam – ser responsabilizados criminalmente por eventuais fraudes?

Atos ilícitos e fraudulentos devem ser devidamente investigados e punidos conforme a lei, incluindo responsabilização legal quando cabível. Por isso a criação de mecanismos que estabeleçam parâmetros de responsabilização é tão importante. Eles podem prevenir os desvios de conduta e também responsabilizá-los. É possível perceber uma tendência para incentivar a responsabilização, em especial com a Lei Anticorrupção. 

Como sair de uma crise que pode decretar o fim de uma instituição quase centenária que atrai milhares de fãs?

Os caminhos podem ser diversos, mas acreditamos que o primeiro passo seja a renovação interna do clube, em especial na gestão e governança, tendo a integridade como valor primordial, principalmente pelos sucessivos episódios de corrupção. A promoção da integridade passa por diversos estágios e o estabelecimento de um programa de compliance é essencial para garantir que as ações sejam efetivas. Com isso organizado, a Portuguesa pode demonstrar seu esforço coletivo para um processo de transformação, promovendo um novo momento ao time e possibilitando a procura de novos patrocinadores e apoiadores. 

O fato de o clube possuir muitos seguidores em redes sociais e ter apelo comercial pode auxiliar no caminho da reconstrução? Ou somente esse público cativo não é suficiente para despertar o interesse de novos investidores?

O que temos visto quando observamos a relação com os investidores, em especial com o Pacto pelo Esporte, é que eles estão cada vez mais preocupados com a finalidade dos recursos investidos, que acreditamos ser um processo natural. Para tanto, os investidores têm procurado conhecer mais a fundo as práticas de governança, gestão e integridade das organizações e, em alguns casos, exigir determinadas práticas como pré-requisitos do investimento.

Também vivemos um momento em que o nível de tolerância quanto aos atos de corrupção é extremamente baixo e isso afeta negativamente a própria relação dos torcedores e fãs com o clube. No entanto, o esporte vai além da razão, a paixão dos torcedores é um apelo forte e isso pode ser um grande motivador para um processo de mudança. Demonstrar uma transformação no processo de gestão é capaz de mudar a percepção dos torcedores. 

Portanto, no caso da Portuguesa, acreditamos que um caminho a ser percorrido será uma profunda transformação em sua estrutura e modelo de governança, que demonstre a capacidade de propor um novo modelo de gestão, mais íntegro e transparente, a fim de reconquistar tanto seus torcedores e entusiastas quanto novos investidores e patrocinadores. 

A profunda crise financeira do clube – que teve o estádio colocado em leilão e deve milhões em ações trabalhistas – tem solução? Ou, pelas pendências financeiras, o caminho será mesmo o fechamento de um dos clubes mais tradicionais de São Paulo?

A crise da Portuguesa se arrasta há anos e poucas soluções foram propostas desde o momento em que os primeiros escândalos surgiram, o que contribuiu para o agravamento da crise que levou o time ao patamar que se encontra hoje. O Ethos acredita que ao primeiro passo para uma profunda mudança da instituição deve ser o reconhecimento publicamente das práticas de corrupção, principalmente pela alta liderança, responsabilização dos responsáveis e posteriormente, apresentar seu comprometimento perante à sociedade para evitar comportamentos não-íntegros. Além disso, e talvez a parte mais importante, é elaborar um plano de ação coeso e executável para prevenir as práticas de corrupção, envolvendo toda a organização. 

Contudo, nunca é tarde para traçar novos caminhos. Acreditamos que há sim solução para o caso da Portuguesa, que começa com a organização da casa, seguindo os mesmos princípios acima. O combate à corrupção e o incentivo à governança é uma questão primordial para a retomada do clube e da história no futebol brasileiro. 

A adoção de medidas para garantir uma gestão centrada na transparência, com princípios éticos sólidos, seriedade na captação e utilização de recursos financeiros são atitudes essenciais para a recuperação da marca da Portuguesa. A análise é de Paula Oda, coordenadora de projetos em práticas empresariais e políticas públicas de integridade do Instituto Ethos, que tem como principal plataforma de trabalho o consumo consciente. Para a especialista, a criação de mecanismos de integridade é fundamental no combate à corrupção e na recuperação de qualquer instituição.

Muitas ações tidas como incorretas em agremiações esportivas e empresas são avaliadas como incompetentes ou imprudentes. Mas, no caso da Portuguesa, houve suspeita de corrupção de integrantes da diretoria. Como um clube deve proceder para garantir a lisura em seus negócios? 

Uma questão-chave na prevenção da corrupção é a adoção de mecanismos de controles internos e de princípios de governança. Este caminho pode ser percorrido com a criação de instrumentos que estabeleçam parâmetros de conformidade para as organizações, entre eles Código de Conduta, políticas e procedimentos, ferramentas de gestão para os processos, estabelecimento de conselhos e grupos que acompanhem o trabalho dos dirigentes, a criação de canais de denúncia, entre outras iniciativas. O objetivo é criar mecanismos que favoreçam a transparência e a conformidade em todos os níveis da organização.

Última grande alegria da torcida da Lusa foi o título do Brasileiro da Série Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entendemos que mecanismos de integridade e transparência são elementos fundamentais no combate à corrupção. Inspirado nisso criamos o projeto "Jogos Limpos dentro e fora dos Estádios", que tinha o objetivo de, a partir da comoção que o esporte promove, debater e contribuir para o aprimoramento desses mecanismos através da temática dos megaeventos esportivos realizados nos últimos anos no país. O que observamos ao longo dos quase seis anos de duração do projeto foi que o ambiente esportivo é uma grande oportunidade de mudanças e, desde então, estamos trabalhando e apoiando iniciativas. 

Neste processo, houveram avanços em outras áreas que também ajudam a incentivar a integridade na área esportiva, com exemplos vindo tanto da iniciativa pública quanto da privada. A alteração da Lei Pelé, ocorrida em 2013, condiciona o investimento público em organizações esportivas a uma série de regras, entre elas limite de mandato de dirigentes, participação de atletas na gestão das entidades e no sistema eleitoral, transparência de documentos e contas na gestão. Quanto ao investimento privado, temos o Pacto Pelo Esporte, iniciativa das empresas patrocinadoras, que tem o objetivo de estimular a adoção de práticas de governança, gestão e transparência pelas entidades que receberão seus recursos. Dessa forma, as duas principais fontes de financiamento do esporte brasileiro convergem para incentivar uma melhor gestão, para o bom uso dos recursos e para o desenvolvimento do esporte.

Os clubes têm – ou poderiam criar – dispositivos em seus estatutos que possam fiscalizar as ações de dirigentes de um departamento que, diferentemente de outros dentro da entidade, gera milhões em recursos?

Os clubes podem criar sim mecanismos para fiscalizar as ações dos seus dirigentes, sendo esta, uma prática de transparência. A adoção de instâncias de governança, como comitês e conselhos, são exemplos de mecanismos que aprimoram o processo de decisão estratégica e impactam positivamente nos mecanismos de controle, assim como a definição de políticas e procedimentos internos. 

Os princípios da transparência são também elementos fundamentais para estimular a fiscalização, seja ela interna ou externa. A organização deve estar subordinada aos mecanismos de promoção da integridade como um todo, as regras, compromissos e ações de responsabilização devem abranger todos os níveis hierárquicos da organização. Temos exemplos de clubes e entidades esportivas que possuem dispositivos nos estatutos e estruturas, tais como os colocados acima, que possibilitam um melhor acompanhamento do da gestão da entidade como um todo. 

É possível "blindar" a equipe de futebol das ações dos dirigentes? O caminho seria a separar a administração do clube?

A administração das entidades esportivas deve refletir o seu propósito, que está fortemente relacionado aos resultados esportivos e ao desenvolvimento do esporte ou da modalidade específica. Entendemos que uma boa governança e gestão influencia de forma positiva a realização desses propósitos. A promoção de práticas de governança permite uma melhor relação entre a gestão administrativa da entidade e a gestão esportiva, para que esta esteja focada em sua performance. 

Há uma ferramenta que está em desenvolvimento, o Rating de Entidades Esportivas, iniciativa do Ethos, Atletas pelo Brasil, representando as empresas signatárias do Pacto pelo Esporte, Comitê Olímpico do Brasil, Comitê Paralímpico do Brasil e Comitê Brasileiro de Clubes, que será capaz de auxiliar as entidades a compreenderem as estruturas e o processo de evolução nas melhores práticas de governança, integridade e transparência, permitindo que elas tenham clareza sobre seus desafios e oportunidades de melhoria. Além disso, o rating vai possibilitar a avaliação e parametrização do estágio de desenvolvimento de clubes, confederações e federações e, dessa forma, pode contribuir e estimular um ambiente mais propício para a melhoria do esporte provendo mais segurança aos investidores. 

Estádio do Canindé é um dos maiores patrimônios da Portuguesa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os presidentes e diretores poderiam – ou deveriam – ser responsabilizados criminalmente por eventuais fraudes?

Atos ilícitos e fraudulentos devem ser devidamente investigados e punidos conforme a lei, incluindo responsabilização legal quando cabível. Por isso a criação de mecanismos que estabeleçam parâmetros de responsabilização é tão importante. Eles podem prevenir os desvios de conduta e também responsabilizá-los. É possível perceber uma tendência para incentivar a responsabilização, em especial com a Lei Anticorrupção. 

Como sair de uma crise que pode decretar o fim de uma instituição quase centenária que atrai milhares de fãs?

Os caminhos podem ser diversos, mas acreditamos que o primeiro passo seja a renovação interna do clube, em especial na gestão e governança, tendo a integridade como valor primordial, principalmente pelos sucessivos episódios de corrupção. A promoção da integridade passa por diversos estágios e o estabelecimento de um programa de compliance é essencial para garantir que as ações sejam efetivas. Com isso organizado, a Portuguesa pode demonstrar seu esforço coletivo para um processo de transformação, promovendo um novo momento ao time e possibilitando a procura de novos patrocinadores e apoiadores. 

O fato de o clube possuir muitos seguidores em redes sociais e ter apelo comercial pode auxiliar no caminho da reconstrução? Ou somente esse público cativo não é suficiente para despertar o interesse de novos investidores?

O que temos visto quando observamos a relação com os investidores, em especial com o Pacto pelo Esporte, é que eles estão cada vez mais preocupados com a finalidade dos recursos investidos, que acreditamos ser um processo natural. Para tanto, os investidores têm procurado conhecer mais a fundo as práticas de governança, gestão e integridade das organizações e, em alguns casos, exigir determinadas práticas como pré-requisitos do investimento.

Também vivemos um momento em que o nível de tolerância quanto aos atos de corrupção é extremamente baixo e isso afeta negativamente a própria relação dos torcedores e fãs com o clube. No entanto, o esporte vai além da razão, a paixão dos torcedores é um apelo forte e isso pode ser um grande motivador para um processo de mudança. Demonstrar uma transformação no processo de gestão é capaz de mudar a percepção dos torcedores. 

Portanto, no caso da Portuguesa, acreditamos que um caminho a ser percorrido será uma profunda transformação em sua estrutura e modelo de governança, que demonstre a capacidade de propor um novo modelo de gestão, mais íntegro e transparente, a fim de reconquistar tanto seus torcedores e entusiastas quanto novos investidores e patrocinadores. 

A profunda crise financeira do clube – que teve o estádio colocado em leilão e deve milhões em ações trabalhistas – tem solução? Ou, pelas pendências financeiras, o caminho será mesmo o fechamento de um dos clubes mais tradicionais de São Paulo?

A crise da Portuguesa se arrasta há anos e poucas soluções foram propostas desde o momento em que os primeiros escândalos surgiram, o que contribuiu para o agravamento da crise que levou o time ao patamar que se encontra hoje. O Ethos acredita que ao primeiro passo para uma profunda mudança da instituição deve ser o reconhecimento publicamente das práticas de corrupção, principalmente pela alta liderança, responsabilização dos responsáveis e posteriormente, apresentar seu comprometimento perante à sociedade para evitar comportamentos não-íntegros. Além disso, e talvez a parte mais importante, é elaborar um plano de ação coeso e executável para prevenir as práticas de corrupção, envolvendo toda a organização. 

Contudo, nunca é tarde para traçar novos caminhos. Acreditamos que há sim solução para o caso da Portuguesa, que começa com a organização da casa, seguindo os mesmos princípios acima. O combate à corrupção e o incentivo à governança é uma questão primordial para a retomada do clube e da história no futebol brasileiro. 

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