'Planejamento é o caminho para reerguer o futebol brasileiro'


Volante campeão do mundo em 1994 considera o momento difícil, mas alerta que soluções estão à mão

Por Almir Leite

Campeão do mundo 1994, Mauro Silva estava concentrado na sua vida de empresário do ramo imobiliário quando recebeu o chamado de Dunga e de Gilmar Rinaldi para atuar como assistente técnico pontual da seleção brasileira, no reinício do processo de reconstrução. Companheiro da dupla na campanha do tetra, e amigo de ambos, ele deixou seus afazeres temporariamente de lado para dar sua colaboração. Esteve presente nos jogos contra Colômbia e Equador e vai elaborar um relatório sobre o que percebeu e dar sugestões para o prosseguimento do trabalho. Em duas ocasiões, antes e depois dos amistosos, Mauro Silva conversou com o Estado. Falou pouco sobre suas observações, mas muito sobre o que pensa do e para o futebol brasileiro, dentro e fora do campo.Qual sua avaliação desses dias de trabalho na seleção?Foram dias intensos, de muito trabalho, numa fase importante para reconquistar a autoestima do grupo. Conversei com os jogadores, em grupo e individualmente, e procurei transmitir a eles minha experiência, minha vivência, como superamos momentos difíceis.O que você concluiu, o que vai sugerir para a comissão técnica?Não posso dar detalhes. Mas achei muitas coisas interessantes e darei sugestões a eles. Volto ao Brasil nesta segunda-feira, vou elaborar um relatório e entregar ao Gilmar.Você teve algum tipo de participação no episódio do corte do Maicon?O que posso dizer é conversamos sobre todos os aspectos. Aconteceu, o Gilmar tomou a decisão e é algo superado.Você acha tem o Dunga tem realmente condições de fazer um trabalho consistente?Lógico que como sou membro da comissão, minha opinião está condicionada. Mas o que eu posso dizer é que o Dunga já demonstrou na seleção (na primeira passagem) que pode fazer um grande trabalho. Eu conheço o Dunga faz muito tempo, ele sabe aprender, sabe ouvir. E além disso,pode ser uma referência, um espelho, para os jogadores porque essa derrota de 7 a 1 (para a Alemanha) dói bastante e é uma marca dura para o jogador que participou dessa Copa. E eles têm no Dunga o exemplo do jogador que sofreu muito na Copa de 90, foi criticado, ficou rotulado e saiu de uma situação assim para ser o campeão do tetra em 94. Soube dar a volta por cima, apesar de todas as críticas.Como você analisa o atual momento do futebol brasileiro? O momento é difícil, mas não é tão grave como pode dar a impressão aqueles 7 a 1. Claro que a gente sempre pode melhorar, e deve. É importante você ter o diagnóstico sobre quais são os nossos pontos fortes, o que fazemos bem, o que não fazemos, onde temos margem para melhorar. 

Para Mauro Silva, o ideal é voltar a investir na base e também manter os jogadores por mais tempo no Brasil Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

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Onde temos de melhorar?A questão do planejamento, da organização, da disciplina. É uma questão que não está só no futebol. Está relacionada à cultura do brasileiro. Eu comparo muitas vezes a seleção com o País porque é tudo muito parecido. A gente tem um potencial gigante. A gente poderia ter uma seleção fortíssima, revelar muitos jogadores. Mas precisa rever certas coisas para tirar o máximo proveito do nosso país, da nossa sociedade e dentro do futebol também.Em sua opinião está existindo interesse em discutir rumos para o futebol brasileiro?Acho que sim. O simples fato de nós estarmos nesse debate já é importante. Numa mesa de discussão, a gente dá muito valor para as divergências. Acho que, quando se tem numa mesa duas pessoas que pensam exatamente igual, agrega muito quem tem uma visão diferente, para expor, para que se possa analisar e ver seo melhor caminho.Como você vê a tentativa de aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte? Veja: eu, na minha empresa, se não recolho algum imposto, se não tenho comportamento correto com a Receita Federal, tenho uma dor de cabeça terrível. Então, o dirigente tem de responder por não ter esse comportamento (correto) na frente da administração de um clube. Eu não posso endividar um clube, contratar vários jogadores, passar essa dívida para a frente... O dirigente tem de responder pela gestão na frente do clube, não tem a menor dúvida. Isso é básico na sociedade, eu cometo um erro, tenho de assumir as consequências desse erro.Dê um exemplo dessa falta de planejamento. A situação dos técnicos. Eu sou dirigente do clube, tenho planejamento a médio e longo prazos. Se esse técnico hoje, na minha concepção, é válido para o meu projeto esportivo, não é possível que daqui um mês ele não seja mais válido. Então essa maneira de trabalhar, em que os técnicos estão com a faca no pescoço, perdem dois jogos e são mandados embora... Como é que o cara faz um projeto de longo prazo? Como é que ele fala: eu vou ter um esquema tático mais ousado? O cara trabalha pressionado, em cima do resultado.A formação de jogadores também é prejudicada... Aí a gente chega na base. Por que nós não conseguimos fortalecer essa (categoria de) base e formar mais jogadores comoantes? Pelo contrário, a base hoje tem uma situação muito difícil. Então eu acho que temos de rever tudo isso para a gente tirar o máximo proveito do nosso futebol. Também é uma questão de gestão. A boa gestão é muito importante, senão acaba atrapalhando todo o nosso futebol. Aí o que acontece: os jogadores veem um mercado mais organizado, mais interessante na Europa e querem ir embora, querem ir cada vez mais jovem.Isso atrapalha a formação? Quando eu fui para a Espanha tinha 24 anos e acho que uns 30 jogos na seleção brasileira. Numa situação dessas, você está preparado. Está formado técnica, tática e emocionalmente. Quando o jogador vai com 17, 18 anos... Nós temos casos de sucesso, mas muitos casos de insucesso.Por que o insucesso? O jogador não está maduro para dar o passo. Dá o passo porque ele quer, acha que vai ganhar mais dinheiro, encontrar o futebol mais organizado. Aí, acaba que a formação dele lá fora não é tão boa, o jogador acaba não atingindo o ápice de seu potencial e isso prejudica a todos. Acaba prejudicando a seleção (brasileira) na ponta final.

Mauro Silva entende que é preciso melhorar o planejamento e a organização do futebol brasileiro Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

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Campeão do mundo 1994, Mauro Silva estava concentrado na sua vida de empresário do ramo imobiliário quando recebeu o chamado de Dunga e de Gilmar Rinaldi para atuar como assistente técnico pontual da seleção brasileira, no reinício do processo de reconstrução. Companheiro da dupla na campanha do tetra, e amigo de ambos, ele deixou seus afazeres temporariamente de lado para dar sua colaboração. Esteve presente nos jogos contra Colômbia e Equador e vai elaborar um relatório sobre o que percebeu e dar sugestões para o prosseguimento do trabalho. Em duas ocasiões, antes e depois dos amistosos, Mauro Silva conversou com o Estado. Falou pouco sobre suas observações, mas muito sobre o que pensa do e para o futebol brasileiro, dentro e fora do campo.Qual sua avaliação desses dias de trabalho na seleção?Foram dias intensos, de muito trabalho, numa fase importante para reconquistar a autoestima do grupo. Conversei com os jogadores, em grupo e individualmente, e procurei transmitir a eles minha experiência, minha vivência, como superamos momentos difíceis.O que você concluiu, o que vai sugerir para a comissão técnica?Não posso dar detalhes. Mas achei muitas coisas interessantes e darei sugestões a eles. Volto ao Brasil nesta segunda-feira, vou elaborar um relatório e entregar ao Gilmar.Você teve algum tipo de participação no episódio do corte do Maicon?O que posso dizer é conversamos sobre todos os aspectos. Aconteceu, o Gilmar tomou a decisão e é algo superado.Você acha tem o Dunga tem realmente condições de fazer um trabalho consistente?Lógico que como sou membro da comissão, minha opinião está condicionada. Mas o que eu posso dizer é que o Dunga já demonstrou na seleção (na primeira passagem) que pode fazer um grande trabalho. Eu conheço o Dunga faz muito tempo, ele sabe aprender, sabe ouvir. E além disso,pode ser uma referência, um espelho, para os jogadores porque essa derrota de 7 a 1 (para a Alemanha) dói bastante e é uma marca dura para o jogador que participou dessa Copa. E eles têm no Dunga o exemplo do jogador que sofreu muito na Copa de 90, foi criticado, ficou rotulado e saiu de uma situação assim para ser o campeão do tetra em 94. Soube dar a volta por cima, apesar de todas as críticas.Como você analisa o atual momento do futebol brasileiro? O momento é difícil, mas não é tão grave como pode dar a impressão aqueles 7 a 1. Claro que a gente sempre pode melhorar, e deve. É importante você ter o diagnóstico sobre quais são os nossos pontos fortes, o que fazemos bem, o que não fazemos, onde temos margem para melhorar. 

Para Mauro Silva, o ideal é voltar a investir na base e também manter os jogadores por mais tempo no Brasil Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

Onde temos de melhorar?A questão do planejamento, da organização, da disciplina. É uma questão que não está só no futebol. Está relacionada à cultura do brasileiro. Eu comparo muitas vezes a seleção com o País porque é tudo muito parecido. A gente tem um potencial gigante. A gente poderia ter uma seleção fortíssima, revelar muitos jogadores. Mas precisa rever certas coisas para tirar o máximo proveito do nosso país, da nossa sociedade e dentro do futebol também.Em sua opinião está existindo interesse em discutir rumos para o futebol brasileiro?Acho que sim. O simples fato de nós estarmos nesse debate já é importante. Numa mesa de discussão, a gente dá muito valor para as divergências. Acho que, quando se tem numa mesa duas pessoas que pensam exatamente igual, agrega muito quem tem uma visão diferente, para expor, para que se possa analisar e ver seo melhor caminho.Como você vê a tentativa de aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte? Veja: eu, na minha empresa, se não recolho algum imposto, se não tenho comportamento correto com a Receita Federal, tenho uma dor de cabeça terrível. Então, o dirigente tem de responder por não ter esse comportamento (correto) na frente da administração de um clube. Eu não posso endividar um clube, contratar vários jogadores, passar essa dívida para a frente... O dirigente tem de responder pela gestão na frente do clube, não tem a menor dúvida. Isso é básico na sociedade, eu cometo um erro, tenho de assumir as consequências desse erro.Dê um exemplo dessa falta de planejamento. A situação dos técnicos. Eu sou dirigente do clube, tenho planejamento a médio e longo prazos. Se esse técnico hoje, na minha concepção, é válido para o meu projeto esportivo, não é possível que daqui um mês ele não seja mais válido. Então essa maneira de trabalhar, em que os técnicos estão com a faca no pescoço, perdem dois jogos e são mandados embora... Como é que o cara faz um projeto de longo prazo? Como é que ele fala: eu vou ter um esquema tático mais ousado? O cara trabalha pressionado, em cima do resultado.A formação de jogadores também é prejudicada... Aí a gente chega na base. Por que nós não conseguimos fortalecer essa (categoria de) base e formar mais jogadores comoantes? Pelo contrário, a base hoje tem uma situação muito difícil. Então eu acho que temos de rever tudo isso para a gente tirar o máximo proveito do nosso futebol. Também é uma questão de gestão. A boa gestão é muito importante, senão acaba atrapalhando todo o nosso futebol. Aí o que acontece: os jogadores veem um mercado mais organizado, mais interessante na Europa e querem ir embora, querem ir cada vez mais jovem.Isso atrapalha a formação? Quando eu fui para a Espanha tinha 24 anos e acho que uns 30 jogos na seleção brasileira. Numa situação dessas, você está preparado. Está formado técnica, tática e emocionalmente. Quando o jogador vai com 17, 18 anos... Nós temos casos de sucesso, mas muitos casos de insucesso.Por que o insucesso? O jogador não está maduro para dar o passo. Dá o passo porque ele quer, acha que vai ganhar mais dinheiro, encontrar o futebol mais organizado. Aí, acaba que a formação dele lá fora não é tão boa, o jogador acaba não atingindo o ápice de seu potencial e isso prejudica a todos. Acaba prejudicando a seleção (brasileira) na ponta final.

Mauro Silva entende que é preciso melhorar o planejamento e a organização do futebol brasileiro Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

Campeão do mundo 1994, Mauro Silva estava concentrado na sua vida de empresário do ramo imobiliário quando recebeu o chamado de Dunga e de Gilmar Rinaldi para atuar como assistente técnico pontual da seleção brasileira, no reinício do processo de reconstrução. Companheiro da dupla na campanha do tetra, e amigo de ambos, ele deixou seus afazeres temporariamente de lado para dar sua colaboração. Esteve presente nos jogos contra Colômbia e Equador e vai elaborar um relatório sobre o que percebeu e dar sugestões para o prosseguimento do trabalho. Em duas ocasiões, antes e depois dos amistosos, Mauro Silva conversou com o Estado. Falou pouco sobre suas observações, mas muito sobre o que pensa do e para o futebol brasileiro, dentro e fora do campo.Qual sua avaliação desses dias de trabalho na seleção?Foram dias intensos, de muito trabalho, numa fase importante para reconquistar a autoestima do grupo. Conversei com os jogadores, em grupo e individualmente, e procurei transmitir a eles minha experiência, minha vivência, como superamos momentos difíceis.O que você concluiu, o que vai sugerir para a comissão técnica?Não posso dar detalhes. Mas achei muitas coisas interessantes e darei sugestões a eles. Volto ao Brasil nesta segunda-feira, vou elaborar um relatório e entregar ao Gilmar.Você teve algum tipo de participação no episódio do corte do Maicon?O que posso dizer é conversamos sobre todos os aspectos. Aconteceu, o Gilmar tomou a decisão e é algo superado.Você acha tem o Dunga tem realmente condições de fazer um trabalho consistente?Lógico que como sou membro da comissão, minha opinião está condicionada. Mas o que eu posso dizer é que o Dunga já demonstrou na seleção (na primeira passagem) que pode fazer um grande trabalho. Eu conheço o Dunga faz muito tempo, ele sabe aprender, sabe ouvir. E além disso,pode ser uma referência, um espelho, para os jogadores porque essa derrota de 7 a 1 (para a Alemanha) dói bastante e é uma marca dura para o jogador que participou dessa Copa. E eles têm no Dunga o exemplo do jogador que sofreu muito na Copa de 90, foi criticado, ficou rotulado e saiu de uma situação assim para ser o campeão do tetra em 94. Soube dar a volta por cima, apesar de todas as críticas.Como você analisa o atual momento do futebol brasileiro? O momento é difícil, mas não é tão grave como pode dar a impressão aqueles 7 a 1. Claro que a gente sempre pode melhorar, e deve. É importante você ter o diagnóstico sobre quais são os nossos pontos fortes, o que fazemos bem, o que não fazemos, onde temos margem para melhorar. 

Para Mauro Silva, o ideal é voltar a investir na base e também manter os jogadores por mais tempo no Brasil Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

Onde temos de melhorar?A questão do planejamento, da organização, da disciplina. É uma questão que não está só no futebol. Está relacionada à cultura do brasileiro. Eu comparo muitas vezes a seleção com o País porque é tudo muito parecido. A gente tem um potencial gigante. A gente poderia ter uma seleção fortíssima, revelar muitos jogadores. Mas precisa rever certas coisas para tirar o máximo proveito do nosso país, da nossa sociedade e dentro do futebol também.Em sua opinião está existindo interesse em discutir rumos para o futebol brasileiro?Acho que sim. O simples fato de nós estarmos nesse debate já é importante. Numa mesa de discussão, a gente dá muito valor para as divergências. Acho que, quando se tem numa mesa duas pessoas que pensam exatamente igual, agrega muito quem tem uma visão diferente, para expor, para que se possa analisar e ver seo melhor caminho.Como você vê a tentativa de aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte? Veja: eu, na minha empresa, se não recolho algum imposto, se não tenho comportamento correto com a Receita Federal, tenho uma dor de cabeça terrível. Então, o dirigente tem de responder por não ter esse comportamento (correto) na frente da administração de um clube. Eu não posso endividar um clube, contratar vários jogadores, passar essa dívida para a frente... O dirigente tem de responder pela gestão na frente do clube, não tem a menor dúvida. Isso é básico na sociedade, eu cometo um erro, tenho de assumir as consequências desse erro.Dê um exemplo dessa falta de planejamento. A situação dos técnicos. Eu sou dirigente do clube, tenho planejamento a médio e longo prazos. Se esse técnico hoje, na minha concepção, é válido para o meu projeto esportivo, não é possível que daqui um mês ele não seja mais válido. Então essa maneira de trabalhar, em que os técnicos estão com a faca no pescoço, perdem dois jogos e são mandados embora... Como é que o cara faz um projeto de longo prazo? Como é que ele fala: eu vou ter um esquema tático mais ousado? O cara trabalha pressionado, em cima do resultado.A formação de jogadores também é prejudicada... Aí a gente chega na base. Por que nós não conseguimos fortalecer essa (categoria de) base e formar mais jogadores comoantes? Pelo contrário, a base hoje tem uma situação muito difícil. Então eu acho que temos de rever tudo isso para a gente tirar o máximo proveito do nosso futebol. Também é uma questão de gestão. A boa gestão é muito importante, senão acaba atrapalhando todo o nosso futebol. Aí o que acontece: os jogadores veem um mercado mais organizado, mais interessante na Europa e querem ir embora, querem ir cada vez mais jovem.Isso atrapalha a formação? Quando eu fui para a Espanha tinha 24 anos e acho que uns 30 jogos na seleção brasileira. Numa situação dessas, você está preparado. Está formado técnica, tática e emocionalmente. Quando o jogador vai com 17, 18 anos... Nós temos casos de sucesso, mas muitos casos de insucesso.Por que o insucesso? O jogador não está maduro para dar o passo. Dá o passo porque ele quer, acha que vai ganhar mais dinheiro, encontrar o futebol mais organizado. Aí, acaba que a formação dele lá fora não é tão boa, o jogador acaba não atingindo o ápice de seu potencial e isso prejudica a todos. Acaba prejudicando a seleção (brasileira) na ponta final.

Mauro Silva entende que é preciso melhorar o planejamento e a organização do futebol brasileiro Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

Campeão do mundo 1994, Mauro Silva estava concentrado na sua vida de empresário do ramo imobiliário quando recebeu o chamado de Dunga e de Gilmar Rinaldi para atuar como assistente técnico pontual da seleção brasileira, no reinício do processo de reconstrução. Companheiro da dupla na campanha do tetra, e amigo de ambos, ele deixou seus afazeres temporariamente de lado para dar sua colaboração. Esteve presente nos jogos contra Colômbia e Equador e vai elaborar um relatório sobre o que percebeu e dar sugestões para o prosseguimento do trabalho. Em duas ocasiões, antes e depois dos amistosos, Mauro Silva conversou com o Estado. Falou pouco sobre suas observações, mas muito sobre o que pensa do e para o futebol brasileiro, dentro e fora do campo.Qual sua avaliação desses dias de trabalho na seleção?Foram dias intensos, de muito trabalho, numa fase importante para reconquistar a autoestima do grupo. Conversei com os jogadores, em grupo e individualmente, e procurei transmitir a eles minha experiência, minha vivência, como superamos momentos difíceis.O que você concluiu, o que vai sugerir para a comissão técnica?Não posso dar detalhes. Mas achei muitas coisas interessantes e darei sugestões a eles. Volto ao Brasil nesta segunda-feira, vou elaborar um relatório e entregar ao Gilmar.Você teve algum tipo de participação no episódio do corte do Maicon?O que posso dizer é conversamos sobre todos os aspectos. Aconteceu, o Gilmar tomou a decisão e é algo superado.Você acha tem o Dunga tem realmente condições de fazer um trabalho consistente?Lógico que como sou membro da comissão, minha opinião está condicionada. Mas o que eu posso dizer é que o Dunga já demonstrou na seleção (na primeira passagem) que pode fazer um grande trabalho. Eu conheço o Dunga faz muito tempo, ele sabe aprender, sabe ouvir. E além disso,pode ser uma referência, um espelho, para os jogadores porque essa derrota de 7 a 1 (para a Alemanha) dói bastante e é uma marca dura para o jogador que participou dessa Copa. E eles têm no Dunga o exemplo do jogador que sofreu muito na Copa de 90, foi criticado, ficou rotulado e saiu de uma situação assim para ser o campeão do tetra em 94. Soube dar a volta por cima, apesar de todas as críticas.Como você analisa o atual momento do futebol brasileiro? O momento é difícil, mas não é tão grave como pode dar a impressão aqueles 7 a 1. Claro que a gente sempre pode melhorar, e deve. É importante você ter o diagnóstico sobre quais são os nossos pontos fortes, o que fazemos bem, o que não fazemos, onde temos margem para melhorar. 

Para Mauro Silva, o ideal é voltar a investir na base e também manter os jogadores por mais tempo no Brasil Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

Onde temos de melhorar?A questão do planejamento, da organização, da disciplina. É uma questão que não está só no futebol. Está relacionada à cultura do brasileiro. Eu comparo muitas vezes a seleção com o País porque é tudo muito parecido. A gente tem um potencial gigante. A gente poderia ter uma seleção fortíssima, revelar muitos jogadores. Mas precisa rever certas coisas para tirar o máximo proveito do nosso país, da nossa sociedade e dentro do futebol também.Em sua opinião está existindo interesse em discutir rumos para o futebol brasileiro?Acho que sim. O simples fato de nós estarmos nesse debate já é importante. Numa mesa de discussão, a gente dá muito valor para as divergências. Acho que, quando se tem numa mesa duas pessoas que pensam exatamente igual, agrega muito quem tem uma visão diferente, para expor, para que se possa analisar e ver seo melhor caminho.Como você vê a tentativa de aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte? Veja: eu, na minha empresa, se não recolho algum imposto, se não tenho comportamento correto com a Receita Federal, tenho uma dor de cabeça terrível. Então, o dirigente tem de responder por não ter esse comportamento (correto) na frente da administração de um clube. Eu não posso endividar um clube, contratar vários jogadores, passar essa dívida para a frente... O dirigente tem de responder pela gestão na frente do clube, não tem a menor dúvida. Isso é básico na sociedade, eu cometo um erro, tenho de assumir as consequências desse erro.Dê um exemplo dessa falta de planejamento. A situação dos técnicos. Eu sou dirigente do clube, tenho planejamento a médio e longo prazos. Se esse técnico hoje, na minha concepção, é válido para o meu projeto esportivo, não é possível que daqui um mês ele não seja mais válido. Então essa maneira de trabalhar, em que os técnicos estão com a faca no pescoço, perdem dois jogos e são mandados embora... Como é que o cara faz um projeto de longo prazo? Como é que ele fala: eu vou ter um esquema tático mais ousado? O cara trabalha pressionado, em cima do resultado.A formação de jogadores também é prejudicada... Aí a gente chega na base. Por que nós não conseguimos fortalecer essa (categoria de) base e formar mais jogadores comoantes? Pelo contrário, a base hoje tem uma situação muito difícil. Então eu acho que temos de rever tudo isso para a gente tirar o máximo proveito do nosso futebol. Também é uma questão de gestão. A boa gestão é muito importante, senão acaba atrapalhando todo o nosso futebol. Aí o que acontece: os jogadores veem um mercado mais organizado, mais interessante na Europa e querem ir embora, querem ir cada vez mais jovem.Isso atrapalha a formação? Quando eu fui para a Espanha tinha 24 anos e acho que uns 30 jogos na seleção brasileira. Numa situação dessas, você está preparado. Está formado técnica, tática e emocionalmente. Quando o jogador vai com 17, 18 anos... Nós temos casos de sucesso, mas muitos casos de insucesso.Por que o insucesso? O jogador não está maduro para dar o passo. Dá o passo porque ele quer, acha que vai ganhar mais dinheiro, encontrar o futebol mais organizado. Aí, acaba que a formação dele lá fora não é tão boa, o jogador acaba não atingindo o ápice de seu potencial e isso prejudica a todos. Acaba prejudicando a seleção (brasileira) na ponta final.

Mauro Silva entende que é preciso melhorar o planejamento e a organização do futebol brasileiro Foto: Nilton Fukuda/Estadão

 

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