Depois de passar por sua maior crise em décadas, o Comitê Olímpico Internacional anuncia uma revisão completa do sistema antidoping. A entidade propõe a criação de uma nova autoridade de controle antidopagem, sob o marco da Agência Mundial Antidoping (WADA). Mas esse novo sistema apenas será financiado se a WADA seguir os planos de reformas do COI, criando uma relação de dependência que deixa dirigentes preocupados com o poder da entidade de Thomas Bach.
A reforma retira de federações esportivas qualquer poder de sanção e deixa apenas à cargo dos governos eventuais punições de dirigentes. Não por acaso, a iniciativa está sendo vista com certa suspeita depois que a WADA, de forma independente, investigou e revelou o escândalo da fraude nos testes russos e deixou o COI em uma saia-justa com Vladimir Putin.
As conclusões da investigação abriram uma crise entre os dirigentes. O COI passou a ser alvo de duras críticas da WADA depois que autorizou que a delegação russa estivesse nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, mesmo depois das revelações dos investigadores de um “doping de estado”.
A Federação Internacional de Atletismo optou por banir todos os russos, enquanto o COI, pressionado por Moscou, manteve o Kremlin no evento no Rio. Nos últimos dias, a tensão entre WADA e COI atingiu um grau sem precedentes, com dirigentes como Juan Antonio Samaranch Junior e Sergey Bubka atacando a agência.
O novo acordo foi obtido depois que os principais dirigentes internacionais estiveram reunidos neste sábado em Lausanne. Pelo novo projeto que começará a ser detalhado em novembro, haverá uma “revisão total” do controle de doping. Entre as principais medidas está a criação de uma nova unidade para realizar testes de doping, com maiores poderes de investigação e de colher informações.
Mas um eventual resultado positivo de qualquer atleta não seria julgado pelas federações esportivas, mas sim pelo Tribunal Arbitral do Esporte (TAS).
Em sua reforma, o COI não cita o fato de que evidências apontaram para o envolvimento do governo de Moscou no esquema. Mas, tentando dar uma resposta ao escândalo, a entidade anunciou que a WADA terá “maior autoridade sobre organizações nacionais antidoping”, além de “supervisão efetiva” sobre os programas nacionais.
Mas isso não significará sanções. Segundo o presidente do COI, Thomas Bach, haverá uma “maior supervisão” e a possibilidade de uma cooperação diária entre agências nacionais e WADA para prevenir manipulações.
A proposta é de que atletas, técnicos, dirigentes e médicos passem a ser tratados como “criminalmente responsáveis” por eventuais casos de doping. Mas se atletas serão todos julgados pelo Tribunal Arbitral dos Esportes, os demais envolvidos terão de depender de novas leis de governos, muitos dos quais são os próprios organizadores do doping.
Quaisquer punições a dirigentes ou funcionários de estados terão de ocorrer justamente por governos e tribunais nacionais. Para se chegar a um entendimento sobre como isso ocorreria, Bach sugere uma negociação sob a égide da ONU e onde os estados teriam 50% dos votos numa eventual decisão. Caberia a cada Parlamento nacional aprovar novas leis para eventualmente criminalizar os envolvidos em dopings.
Bach promete mais dinheiro à luta contra o doping. Mas não especifica nem quando e nem quanto seria dado. O COI apenas indica que isso irá “depender” da implementação do plano, o que foi alvo de críticas. Nos últimos meses, a WADA vem alertando que, com os US$ 27 milhões que dispõe, não tem como lutar contra o doping.
O alemão, porém, garante que o plano dará ao combate ao doping “maior independência em relação às federações esportivas e aos interesses nacionais”.
Craig Reeedie, presidente da WADA, também disse que sua entidade ganharia “poderes substancialmente maiores” com a nova reforma e que passará a vistoriais agências nacionais. Segundo ele, a nova unidade poderia já existir para os Jogos de Inverno de 2018.
Para deixar a situação do COI ainda mais tensa, o presidente do Comitê Paralímpico Internacional, Sir Philip Craven, caiu em uma “pegadinha” de um russo que, ao telefone, se passava pelo ex-atleta americano Ed Moses.
Em seus comentários, o dirigente deixou claro suas críticas ao comportamento de Thomas Bach. “Se Bach não mudar seu tom, vai ter muitos problemas”, disse, em referência ao tratamento dado pelo COI ao escândalo russo.
“A opinião pública mundial está contra ele e em especial na Alemanha. Merkel não aguenta ele”, disse. Segundo o dirigente, Bach está “enfraquecido” e colocou a seu lado pessoas com pouca influência.
“Bach fracassou. Não podemos ter os russos competindo”, disse. Temos de ter nações limpas”, insistiu. O dirigente ainda garantiu que seu movimento continuará a impedir a participação dos russos. “Não somos corruptos como outras pessoas ou outras organizações são”, disse.
Bach evitou a imprensa. Concedeu uma entrevista apenas por telefone e deixou o local do encontro por uma garagem subterrânea, enquanto os demais dirigentes saíram pela porta principal.