Um blog de futebol-arte

Gestão emocional


A indicação de Dunga para a seleção merece alguns comentários. Um: tudo leva a crer que seja um cargo-tampão, boi de piranha para durar até 2008, quando então termina o contrato de Scolari com Portugal. Como quando era jogador, Dunga carregaria o piano até lá para entregá-lo ao novo Dom Sebastião, que então levaria a equipe até o hexa na África. Dois: o problema imediato da seleção é recuperar a credibilidade. Depois de participação frouxa na Copa, nada melhor que o novo treinador seja sinônimo de raça e dedicação. Dunga terá como missão reacender aquele tradicional amor à camisa amarela, perdido nos tempos da globalização. Tem personalidade forte, capaz de peitar estrelas mimadas. Mas, cá entre nós: será uma tarefa inglória. Terceiro: dizem que é estudioso e capaz. Mas o desafio da seleção não passa por inovações táticas. É psicológico e motivacional. E também cultural: tentar restabelecer o antigo elo que unia o "escrete" ao povo brasileiro. A gestão Dunga deverá passar mais pela emoção do que pela razão. TAPAS E BEIJOS Essa eu ainda não tinha visto: o jogador que manda a própria torcida calar o bico. Numa entrevista, Pelé se dizia indignado com a atual "falta de educação" do atleta profissional que faz sinal de silêncio à torcida adversária quando marca um gol. O que dizer então do Tevez, que usou o mesmo gesto contra sua própria gente? No Santos, Luxemburgo não cansa de se queixar da torcida na Vila. Reinaldo, agora em paz com os gols e as contusões, faz coro ao chefe. Ok, ninguém gosta de ser criticado, menos ainda vaiado. Mas, o que fazer, se a torcida é a voz do povo? Ou será que o Tevez pensa que a Fiel está satisfeita na lanterna do campeonato, agüentando a gozação dos rivais? Da mesma forma: será que o Luxemburgo e o Reinaldo ignoram que a torcida do Santos já se cansou desse papo de que o time "está em formação"? E quando estará formado? Quando o Campeonato Brasileiro de 2006 já fizer parte da História? A reação da torcida depende e muito da atitude do jogador. Carlitos nunca foi pessoalmente questionado porque sempre exibiu a raça exigida pela torcida. Será que não sabia que o time estava em situação catastrófica quando foi repousar em Buenos Aires depois da Copa? Na Vila, a mesma torcida que ensaiou tímida vaia no intervalo do jogo contra o Juventude aplaudiu no final. Por quê? Porque o segundo tempo foi diferente. O Santos criou, empenhou-se e os gols surgiram. É preciso ganhar a torcida, como deve saber qualquer jogador medianamente inteligente. Sócrates costumava fazer um lance de efeito bem no começo da partida, pois assim trazia a torcida para o seu lado. Quando o Doutor dava um daqueles toques de calcanhar, a galera começava a jogar com ele: "E, quando a torcida do Corinthians entra em campo (simbolicamente, é claro), fica difícil para o adversário". "Dar show" pode ser algo prático, com repercussão no resultado. Pelé diz que rezava pedindo duas coisas: para ninguém se contundir e, se o jogo terminasse empatado, que não fosse por 0 a 0: "O pessoal vem de longe, com dinheiro economizado durante a semana, enfrenta condução, chuva, sol. Tem direito de receber espetáculo em troca. Então, se der empate, que seja 2 a 2, 3 a 3". Assim falou o Rei, alguém com senso de que o futebol é também espetáculo. O público cultua seus artistas quando estes lhe oferecem o melhor. Repudia em caso contrário. Ignorar esse fato revela falta de compreensão da liturgia do jogo, da sua dramaturgia. Mesmo porque, se o futebol fosse apenas um esporte como os outros, eles, técnicos e jogadores, estariam desempregados ou ganhariam bem menos. O jogo da bola tornou-se um espaço simbólico no qual paixões e significados mais profundos são trocados entre quem o pratica e aqueles que o seguem com devoção. Atitudes "profissionais demais", que beiram o mercantilismo (para não dizer o mercenarismo), destroem essa liturgia. Da qual todos eles vivem. E para a qual vivemos nós outros, do lado de cá.

Por Luiz Zanin Oricchio

25/7/2006

25/7/2006

25/7/2006

25/7/2006

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