Na América Latina e Caribe, 47,7 milhões não tiveram comida suficiente em 2019, diz ONU


No mundo, 687 milhões viveram em insegurança alimentar em 2019; pandemia vai piorar situação

Por Paulo Beraldo

Pouco mais de 47 milhões de pessoas não tiveram comida suficiente em 2019 na região da América Latina e Caribe, quantidade que aumentará em 2020 com a pandemia do novo coronavírus, indicou um relatório divulgado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, 13. As entidades alertaram para os riscos à saúde associados a dietas insuficientes e destacaram a necessidade de se preocupar com a qualidade da alimentação, e não só com a quantidade. 

O relatório 'Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo' mostrou que desde 2015 a fome avançou e tornou-se uma realidade para outras 9 milhões de pessoas na região. Ao todo, o planeta teve 687 milhões de pessoas subnutridas no ano passado. A ONU revisou as estatísticas para baixo após análises de casos globais, mas ainda assim a subnutrição aumentou pelo quarto ano seguido. Desaceleração econômica e extremos climáticos foram os responsáveis pelos avanços recentes, e a pandemia de covid-19 deve manter a tendência, já que derrubará economias nos cinco continentes. A estimativa é de que entre 83 e 132 milhões de pessoas passem a viver em insegurança alimentar até o fim do ano. 

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A insegurança alimentar moderada, aquela que faz as pessoas não terem certeza sobre a capacidade de ter alimentos e precisam reduzir seus padrões de consumo, afetou dois bilhões de pessoas em 2019: um bilhão na Ásia, 675 milhões na África, 205 milhões na América Latina e Caribe e 88 milhões na América do Norte e Europa. Nessa cifra entram ainda aqueles considerados em subnutrição. 

No planeta, insegurança alimentar atingiu quase 690 milhões de pessoas em 2019 Foto: Benjamin Rasmussen/FAO

Ainda que o planeta produza comida suficiente para alimentar seus 7,8 bilhões de habitantes, falta de acesso, de renda e conflitos explicam a ausência de alimentos para todos que precisam. O custo da comida elevado em diversas regiões do planeta ocorre por baixa produtividade, pouca diversidade de produção e oferta local limitada.   

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"Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica" afirmou o representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) no Brasil, Rafael Zavala. As outras agências da ONU autoras do relatório foram a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Rural (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP).  

Produtos derivados de leite, frutas, vegetais e proteínas animais e vegetais são os alimentos mais caros. Perdas durante a produção e desperdícios nos outros elos da cadeia são outros motivos para a falta de comida para todos. A qualidade das estradas e da infraestrutura de transporte também é decisiva para o preço final pago pelos consumidores. A ONU avalia que esse conjunto de fatores que compõem o sistema alimentar está distorcido e recomenda ações ousadas para corrigi-lo. Em 2015, os países-membros da entidade se comprometeram a atingir 17 objetivos de desenvolvido sustentável - um deles é o de erradicar a fome e todas as formas de desnutrição. 

Dieta saudável

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O relatório mostrou ainda que uma dieta saudável, variada e que contenha todos os nutrientes necessários é uma realidade impossível para três bilhões de habitantes - ou 38% da população mundial, A maior parte das pessoas que não tem acesso a dietas saudáveis - aquelas com diversidades de nutrientes e vários tipos de alimentos - vive na Ásia - 1,9 bilhão - e na África - 965 milhões. 

Na América Latina e no Caribe, são 104,2 milhões e na América do Norte e Europa, 18 milhões. As agências da ONU defendem um olhar para além da quantidade de alimentos suficientes, mas também para aspectos como os padrões de consumo, a distribuição, a educação, o marketing, a cultura local, a infraestrutura de transporte e as políticas públicas em torno da alimentação. 

"O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis", afirmou Zavala. O relatório, divulgado uma vez por ano, indica que a região da América Latina e Caribe é a que tem o custo mais elevado para comprar uma dieta saudável. O na região custo é de US$ 3,98 por pessoa por dia, um valor bastante superior ao que uma pessoa abaixo da linha da pobreza - que vive com US$ 1,90 por dia - poderia gastar com comida. 

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Para tornar a alimentação saudável mais acessível, a ONU defende mudanças nas políticas agrícolas e incentivos para uma nutrição mais balanceada. Sugere redução das perdas e desperdícios, estimados em 30%, defende a criação de oportunidades e apoio para pequenos produtores familiares, elevação da eficiência ao longo da cadeia produtiva e políticas de proteção social que incentivem o consumo desse tipo de alimento. Fornecer informação e uma educação sobre a qualidade da alimentação também é citado. A ONU defende ainda a implementação e o fortalecimento de políticas econômicas e sociais para combater os efeitos de ciclos econômicos adversos.

Incentivo a produtores locais e familiares é essencial para reduzir insegurança alimentar Foto: NARINDER NANU / AFP

Quatro perguntas para... Rafael Zavala, representante da FAO no Brasil

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A fome atingia 73 milhões de pessoas na América Latina e Caribe no início dos anos 2000. Passou para 38 milhões em 2014, mas o novo relatório mostra um retrocesso nessa diminuição. Em 2019, foram 47,7 milhões. Como FAO, governos, sociedade civil organizada e setor privado devem atuar para reduzir esse número tão elevado, que deve crescer ainda mais com a pandemia?

Acabar com a pobreza extrema e a fome é responsabilidade de todas as pessoas, em diferentes níveis e setores, considerando os diferentes contextos e realidades dos países. Os governos, a sociedade civil organizada e o setor privado podem atuar em diversas frentes como a redução do custo de alimentos nutritivos, a criação de oportunidades para pequenos produtores vulneráveis e outros que trabalham em sistemas alimentares e melhorar a eficiência das cadeias de produção. 

O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis. Essas medidas contribuem para uma transformação dos sistemas alimentares existentes, os tornando ainda resilientes e sustentáveis. Considerando a pandemia, as parcerias entre os setores são mais necessárias do que nunca para que a crise social e econômica não tenha proporções catastróficas nos países. 

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A América Latina e Caribe é a região mais cara para se ter uma dieta saudável, o que nos leva para a outra a ponta da insegurança alimentar, a da obesidade. Uma sociedade má alimentada será uma sociedade doente no futuro, o que eleva a pressão sobre os sistemas de saúde. Como estimular circuitos mais curtos de produção, que sejam acessíveis, e sistemas alimentares mais sustentáveis? 

Para aumentar a acessibilidade econômica de dietas saudáveis, o custo dos alimentos nutritivos deve diminuir. Os fatores que interferem no custo dessas dietas são vistos em toda a cadeia de suprimento de alimentos, tanto no ambiente alimentar quanto na economia política que molda as políticas de comércio, despesa pública e investimento. O enfrentamento desses fatores exigirá grandes transformações nos sistemas alimentares com diferentes trocas e sinergias entre os países. 

No período de pandemia, quando as pessoas ficam com sua mobilidade restrita, é importante promover a conexão do campo com a cidade, apoiando novas formas de comércio que mantenham a produção de produtos sustentáveis e de qualidade, com preços acessíveis, aumentando a oferta e o acesso aos alimentos para a população. Outro fator preocupante, intimamente ligado ao aumento da obesidade, é que, de todas as regiões do mundo, a América Latina e o Caribe têm o custo mais alto para comprar uma dieta saudável — valor médio de US$ 3,98 por pessoa ao dia, o que contrasta fortemente com o caráter de agro exportação de vários países da região. Esses quase 4 dólares por dia são o triplo do que uma pessoa abaixo da linha da pobreza poderia gastar em alimentos.O relatório deixa claro que o objetivo de desenvolvimento sustentável número 2 - o da fome zero - não será atingido pela região. A Organização das Nações Unidas completa 75 anos em 2020 e muito se fala de reformas. Não seria o caso de tornar alguns dos objetivos mandatórios para os países ao invés de serem apenas recomendações?

Na Carta das Nações Unidas consta que a Organização se compromete a “promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”. Além disso, a Carta também especifica que um de seus papéis é "alcançar a cooperação internacional na resolução de problemas internacionais (...)”. Entende-se que próximo aos seus 75 anos de história, há a necessidade de uma reforma da Organização que atenda aos desafios atuais, mas que também mantenha o respeito à liberdade que cada país, diante de suas realidades e complexidades.

Além disso, entendo que o mais urgente é combater a desnutrição em todas as suas formas: fome, desnutrição, sobrepeso e obesidade. Em uma América cada vez mais obesa, com 7,5% das crianças menores de 5 anos na região acima do peso, número superior à média mundial de 5,6%, o ideal seria dimensionar a alimentação saudável como um direito humano fundamental, mas estamos longe disso.

Alimentação saudável é variada e rica em frutas e legumes Foto: EFE/EPA/MASSIMO PERCOSSI

Sabemos que existem alimentos suficientes no planeta para alimentar todas as pessoas, mas falta acesso e renda. A pandemia explicitou ainda mais essa realidade. Muitos países da região reforçaram programas de transferências monetárias e outros adotaram programas de distribuição de alimentos. O que a FAO sugere para amenizar a fome? É esse o caminho? Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica. Em muitos casos, o local onde o alimento é produzido não permite o acesso físico, e quando isso acontece, a renda não permite adquirir o alimento. Nesse sentido, o incentivo à produção local e programas de distribuição de alimentos e de renda, são ferramentas importantes no combate à fome.

No contexto de pandemia, uma lição deixada é a necessidade de fortalecer os mercados locais e circuitos curtos de distribuição de alimentos para resistir em caso de interrupção em grandes cadeias de sistemas alimentares, o que é ainda mais importante em produtos perecíveis como frutas e verduras. Há muitos desafios quando se trata de políticas de proteção social, mas quando elaboradas de maneira apropriada, podem ajudar a tornar as dietas saudáveis mais acessíveis e prestar serviços específicos a grupos nutricionalmente vulneráveis.

Pouco mais de 47 milhões de pessoas não tiveram comida suficiente em 2019 na região da América Latina e Caribe, quantidade que aumentará em 2020 com a pandemia do novo coronavírus, indicou um relatório divulgado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, 13. As entidades alertaram para os riscos à saúde associados a dietas insuficientes e destacaram a necessidade de se preocupar com a qualidade da alimentação, e não só com a quantidade. 

O relatório 'Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo' mostrou que desde 2015 a fome avançou e tornou-se uma realidade para outras 9 milhões de pessoas na região. Ao todo, o planeta teve 687 milhões de pessoas subnutridas no ano passado. A ONU revisou as estatísticas para baixo após análises de casos globais, mas ainda assim a subnutrição aumentou pelo quarto ano seguido. Desaceleração econômica e extremos climáticos foram os responsáveis pelos avanços recentes, e a pandemia de covid-19 deve manter a tendência, já que derrubará economias nos cinco continentes. A estimativa é de que entre 83 e 132 milhões de pessoas passem a viver em insegurança alimentar até o fim do ano. 

A insegurança alimentar moderada, aquela que faz as pessoas não terem certeza sobre a capacidade de ter alimentos e precisam reduzir seus padrões de consumo, afetou dois bilhões de pessoas em 2019: um bilhão na Ásia, 675 milhões na África, 205 milhões na América Latina e Caribe e 88 milhões na América do Norte e Europa. Nessa cifra entram ainda aqueles considerados em subnutrição. 

No planeta, insegurança alimentar atingiu quase 690 milhões de pessoas em 2019 Foto: Benjamin Rasmussen/FAO

Ainda que o planeta produza comida suficiente para alimentar seus 7,8 bilhões de habitantes, falta de acesso, de renda e conflitos explicam a ausência de alimentos para todos que precisam. O custo da comida elevado em diversas regiões do planeta ocorre por baixa produtividade, pouca diversidade de produção e oferta local limitada.   

"Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica" afirmou o representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) no Brasil, Rafael Zavala. As outras agências da ONU autoras do relatório foram a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Rural (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP).  

Produtos derivados de leite, frutas, vegetais e proteínas animais e vegetais são os alimentos mais caros. Perdas durante a produção e desperdícios nos outros elos da cadeia são outros motivos para a falta de comida para todos. A qualidade das estradas e da infraestrutura de transporte também é decisiva para o preço final pago pelos consumidores. A ONU avalia que esse conjunto de fatores que compõem o sistema alimentar está distorcido e recomenda ações ousadas para corrigi-lo. Em 2015, os países-membros da entidade se comprometeram a atingir 17 objetivos de desenvolvido sustentável - um deles é o de erradicar a fome e todas as formas de desnutrição. 

Dieta saudável

O relatório mostrou ainda que uma dieta saudável, variada e que contenha todos os nutrientes necessários é uma realidade impossível para três bilhões de habitantes - ou 38% da população mundial, A maior parte das pessoas que não tem acesso a dietas saudáveis - aquelas com diversidades de nutrientes e vários tipos de alimentos - vive na Ásia - 1,9 bilhão - e na África - 965 milhões. 

Na América Latina e no Caribe, são 104,2 milhões e na América do Norte e Europa, 18 milhões. As agências da ONU defendem um olhar para além da quantidade de alimentos suficientes, mas também para aspectos como os padrões de consumo, a distribuição, a educação, o marketing, a cultura local, a infraestrutura de transporte e as políticas públicas em torno da alimentação. 

"O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis", afirmou Zavala. O relatório, divulgado uma vez por ano, indica que a região da América Latina e Caribe é a que tem o custo mais elevado para comprar uma dieta saudável. O na região custo é de US$ 3,98 por pessoa por dia, um valor bastante superior ao que uma pessoa abaixo da linha da pobreza - que vive com US$ 1,90 por dia - poderia gastar com comida. 

Para tornar a alimentação saudável mais acessível, a ONU defende mudanças nas políticas agrícolas e incentivos para uma nutrição mais balanceada. Sugere redução das perdas e desperdícios, estimados em 30%, defende a criação de oportunidades e apoio para pequenos produtores familiares, elevação da eficiência ao longo da cadeia produtiva e políticas de proteção social que incentivem o consumo desse tipo de alimento. Fornecer informação e uma educação sobre a qualidade da alimentação também é citado. A ONU defende ainda a implementação e o fortalecimento de políticas econômicas e sociais para combater os efeitos de ciclos econômicos adversos.

Incentivo a produtores locais e familiares é essencial para reduzir insegurança alimentar Foto: NARINDER NANU / AFP

Quatro perguntas para... Rafael Zavala, representante da FAO no Brasil

A fome atingia 73 milhões de pessoas na América Latina e Caribe no início dos anos 2000. Passou para 38 milhões em 2014, mas o novo relatório mostra um retrocesso nessa diminuição. Em 2019, foram 47,7 milhões. Como FAO, governos, sociedade civil organizada e setor privado devem atuar para reduzir esse número tão elevado, que deve crescer ainda mais com a pandemia?

Acabar com a pobreza extrema e a fome é responsabilidade de todas as pessoas, em diferentes níveis e setores, considerando os diferentes contextos e realidades dos países. Os governos, a sociedade civil organizada e o setor privado podem atuar em diversas frentes como a redução do custo de alimentos nutritivos, a criação de oportunidades para pequenos produtores vulneráveis e outros que trabalham em sistemas alimentares e melhorar a eficiência das cadeias de produção. 

O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis. Essas medidas contribuem para uma transformação dos sistemas alimentares existentes, os tornando ainda resilientes e sustentáveis. Considerando a pandemia, as parcerias entre os setores são mais necessárias do que nunca para que a crise social e econômica não tenha proporções catastróficas nos países. 

A América Latina e Caribe é a região mais cara para se ter uma dieta saudável, o que nos leva para a outra a ponta da insegurança alimentar, a da obesidade. Uma sociedade má alimentada será uma sociedade doente no futuro, o que eleva a pressão sobre os sistemas de saúde. Como estimular circuitos mais curtos de produção, que sejam acessíveis, e sistemas alimentares mais sustentáveis? 

Para aumentar a acessibilidade econômica de dietas saudáveis, o custo dos alimentos nutritivos deve diminuir. Os fatores que interferem no custo dessas dietas são vistos em toda a cadeia de suprimento de alimentos, tanto no ambiente alimentar quanto na economia política que molda as políticas de comércio, despesa pública e investimento. O enfrentamento desses fatores exigirá grandes transformações nos sistemas alimentares com diferentes trocas e sinergias entre os países. 

No período de pandemia, quando as pessoas ficam com sua mobilidade restrita, é importante promover a conexão do campo com a cidade, apoiando novas formas de comércio que mantenham a produção de produtos sustentáveis e de qualidade, com preços acessíveis, aumentando a oferta e o acesso aos alimentos para a população. Outro fator preocupante, intimamente ligado ao aumento da obesidade, é que, de todas as regiões do mundo, a América Latina e o Caribe têm o custo mais alto para comprar uma dieta saudável — valor médio de US$ 3,98 por pessoa ao dia, o que contrasta fortemente com o caráter de agro exportação de vários países da região. Esses quase 4 dólares por dia são o triplo do que uma pessoa abaixo da linha da pobreza poderia gastar em alimentos.O relatório deixa claro que o objetivo de desenvolvimento sustentável número 2 - o da fome zero - não será atingido pela região. A Organização das Nações Unidas completa 75 anos em 2020 e muito se fala de reformas. Não seria o caso de tornar alguns dos objetivos mandatórios para os países ao invés de serem apenas recomendações?

Na Carta das Nações Unidas consta que a Organização se compromete a “promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”. Além disso, a Carta também especifica que um de seus papéis é "alcançar a cooperação internacional na resolução de problemas internacionais (...)”. Entende-se que próximo aos seus 75 anos de história, há a necessidade de uma reforma da Organização que atenda aos desafios atuais, mas que também mantenha o respeito à liberdade que cada país, diante de suas realidades e complexidades.

Além disso, entendo que o mais urgente é combater a desnutrição em todas as suas formas: fome, desnutrição, sobrepeso e obesidade. Em uma América cada vez mais obesa, com 7,5% das crianças menores de 5 anos na região acima do peso, número superior à média mundial de 5,6%, o ideal seria dimensionar a alimentação saudável como um direito humano fundamental, mas estamos longe disso.

Alimentação saudável é variada e rica em frutas e legumes Foto: EFE/EPA/MASSIMO PERCOSSI

Sabemos que existem alimentos suficientes no planeta para alimentar todas as pessoas, mas falta acesso e renda. A pandemia explicitou ainda mais essa realidade. Muitos países da região reforçaram programas de transferências monetárias e outros adotaram programas de distribuição de alimentos. O que a FAO sugere para amenizar a fome? É esse o caminho? Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica. Em muitos casos, o local onde o alimento é produzido não permite o acesso físico, e quando isso acontece, a renda não permite adquirir o alimento. Nesse sentido, o incentivo à produção local e programas de distribuição de alimentos e de renda, são ferramentas importantes no combate à fome.

No contexto de pandemia, uma lição deixada é a necessidade de fortalecer os mercados locais e circuitos curtos de distribuição de alimentos para resistir em caso de interrupção em grandes cadeias de sistemas alimentares, o que é ainda mais importante em produtos perecíveis como frutas e verduras. Há muitos desafios quando se trata de políticas de proteção social, mas quando elaboradas de maneira apropriada, podem ajudar a tornar as dietas saudáveis mais acessíveis e prestar serviços específicos a grupos nutricionalmente vulneráveis.

Pouco mais de 47 milhões de pessoas não tiveram comida suficiente em 2019 na região da América Latina e Caribe, quantidade que aumentará em 2020 com a pandemia do novo coronavírus, indicou um relatório divulgado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, 13. As entidades alertaram para os riscos à saúde associados a dietas insuficientes e destacaram a necessidade de se preocupar com a qualidade da alimentação, e não só com a quantidade. 

O relatório 'Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo' mostrou que desde 2015 a fome avançou e tornou-se uma realidade para outras 9 milhões de pessoas na região. Ao todo, o planeta teve 687 milhões de pessoas subnutridas no ano passado. A ONU revisou as estatísticas para baixo após análises de casos globais, mas ainda assim a subnutrição aumentou pelo quarto ano seguido. Desaceleração econômica e extremos climáticos foram os responsáveis pelos avanços recentes, e a pandemia de covid-19 deve manter a tendência, já que derrubará economias nos cinco continentes. A estimativa é de que entre 83 e 132 milhões de pessoas passem a viver em insegurança alimentar até o fim do ano. 

A insegurança alimentar moderada, aquela que faz as pessoas não terem certeza sobre a capacidade de ter alimentos e precisam reduzir seus padrões de consumo, afetou dois bilhões de pessoas em 2019: um bilhão na Ásia, 675 milhões na África, 205 milhões na América Latina e Caribe e 88 milhões na América do Norte e Europa. Nessa cifra entram ainda aqueles considerados em subnutrição. 

No planeta, insegurança alimentar atingiu quase 690 milhões de pessoas em 2019 Foto: Benjamin Rasmussen/FAO

Ainda que o planeta produza comida suficiente para alimentar seus 7,8 bilhões de habitantes, falta de acesso, de renda e conflitos explicam a ausência de alimentos para todos que precisam. O custo da comida elevado em diversas regiões do planeta ocorre por baixa produtividade, pouca diversidade de produção e oferta local limitada.   

"Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica" afirmou o representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) no Brasil, Rafael Zavala. As outras agências da ONU autoras do relatório foram a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Rural (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP).  

Produtos derivados de leite, frutas, vegetais e proteínas animais e vegetais são os alimentos mais caros. Perdas durante a produção e desperdícios nos outros elos da cadeia são outros motivos para a falta de comida para todos. A qualidade das estradas e da infraestrutura de transporte também é decisiva para o preço final pago pelos consumidores. A ONU avalia que esse conjunto de fatores que compõem o sistema alimentar está distorcido e recomenda ações ousadas para corrigi-lo. Em 2015, os países-membros da entidade se comprometeram a atingir 17 objetivos de desenvolvido sustentável - um deles é o de erradicar a fome e todas as formas de desnutrição. 

Dieta saudável

O relatório mostrou ainda que uma dieta saudável, variada e que contenha todos os nutrientes necessários é uma realidade impossível para três bilhões de habitantes - ou 38% da população mundial, A maior parte das pessoas que não tem acesso a dietas saudáveis - aquelas com diversidades de nutrientes e vários tipos de alimentos - vive na Ásia - 1,9 bilhão - e na África - 965 milhões. 

Na América Latina e no Caribe, são 104,2 milhões e na América do Norte e Europa, 18 milhões. As agências da ONU defendem um olhar para além da quantidade de alimentos suficientes, mas também para aspectos como os padrões de consumo, a distribuição, a educação, o marketing, a cultura local, a infraestrutura de transporte e as políticas públicas em torno da alimentação. 

"O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis", afirmou Zavala. O relatório, divulgado uma vez por ano, indica que a região da América Latina e Caribe é a que tem o custo mais elevado para comprar uma dieta saudável. O na região custo é de US$ 3,98 por pessoa por dia, um valor bastante superior ao que uma pessoa abaixo da linha da pobreza - que vive com US$ 1,90 por dia - poderia gastar com comida. 

Para tornar a alimentação saudável mais acessível, a ONU defende mudanças nas políticas agrícolas e incentivos para uma nutrição mais balanceada. Sugere redução das perdas e desperdícios, estimados em 30%, defende a criação de oportunidades e apoio para pequenos produtores familiares, elevação da eficiência ao longo da cadeia produtiva e políticas de proteção social que incentivem o consumo desse tipo de alimento. Fornecer informação e uma educação sobre a qualidade da alimentação também é citado. A ONU defende ainda a implementação e o fortalecimento de políticas econômicas e sociais para combater os efeitos de ciclos econômicos adversos.

Incentivo a produtores locais e familiares é essencial para reduzir insegurança alimentar Foto: NARINDER NANU / AFP

Quatro perguntas para... Rafael Zavala, representante da FAO no Brasil

A fome atingia 73 milhões de pessoas na América Latina e Caribe no início dos anos 2000. Passou para 38 milhões em 2014, mas o novo relatório mostra um retrocesso nessa diminuição. Em 2019, foram 47,7 milhões. Como FAO, governos, sociedade civil organizada e setor privado devem atuar para reduzir esse número tão elevado, que deve crescer ainda mais com a pandemia?

Acabar com a pobreza extrema e a fome é responsabilidade de todas as pessoas, em diferentes níveis e setores, considerando os diferentes contextos e realidades dos países. Os governos, a sociedade civil organizada e o setor privado podem atuar em diversas frentes como a redução do custo de alimentos nutritivos, a criação de oportunidades para pequenos produtores vulneráveis e outros que trabalham em sistemas alimentares e melhorar a eficiência das cadeias de produção. 

O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis. Essas medidas contribuem para uma transformação dos sistemas alimentares existentes, os tornando ainda resilientes e sustentáveis. Considerando a pandemia, as parcerias entre os setores são mais necessárias do que nunca para que a crise social e econômica não tenha proporções catastróficas nos países. 

A América Latina e Caribe é a região mais cara para se ter uma dieta saudável, o que nos leva para a outra a ponta da insegurança alimentar, a da obesidade. Uma sociedade má alimentada será uma sociedade doente no futuro, o que eleva a pressão sobre os sistemas de saúde. Como estimular circuitos mais curtos de produção, que sejam acessíveis, e sistemas alimentares mais sustentáveis? 

Para aumentar a acessibilidade econômica de dietas saudáveis, o custo dos alimentos nutritivos deve diminuir. Os fatores que interferem no custo dessas dietas são vistos em toda a cadeia de suprimento de alimentos, tanto no ambiente alimentar quanto na economia política que molda as políticas de comércio, despesa pública e investimento. O enfrentamento desses fatores exigirá grandes transformações nos sistemas alimentares com diferentes trocas e sinergias entre os países. 

No período de pandemia, quando as pessoas ficam com sua mobilidade restrita, é importante promover a conexão do campo com a cidade, apoiando novas formas de comércio que mantenham a produção de produtos sustentáveis e de qualidade, com preços acessíveis, aumentando a oferta e o acesso aos alimentos para a população. Outro fator preocupante, intimamente ligado ao aumento da obesidade, é que, de todas as regiões do mundo, a América Latina e o Caribe têm o custo mais alto para comprar uma dieta saudável — valor médio de US$ 3,98 por pessoa ao dia, o que contrasta fortemente com o caráter de agro exportação de vários países da região. Esses quase 4 dólares por dia são o triplo do que uma pessoa abaixo da linha da pobreza poderia gastar em alimentos.O relatório deixa claro que o objetivo de desenvolvimento sustentável número 2 - o da fome zero - não será atingido pela região. A Organização das Nações Unidas completa 75 anos em 2020 e muito se fala de reformas. Não seria o caso de tornar alguns dos objetivos mandatórios para os países ao invés de serem apenas recomendações?

Na Carta das Nações Unidas consta que a Organização se compromete a “promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”. Além disso, a Carta também especifica que um de seus papéis é "alcançar a cooperação internacional na resolução de problemas internacionais (...)”. Entende-se que próximo aos seus 75 anos de história, há a necessidade de uma reforma da Organização que atenda aos desafios atuais, mas que também mantenha o respeito à liberdade que cada país, diante de suas realidades e complexidades.

Além disso, entendo que o mais urgente é combater a desnutrição em todas as suas formas: fome, desnutrição, sobrepeso e obesidade. Em uma América cada vez mais obesa, com 7,5% das crianças menores de 5 anos na região acima do peso, número superior à média mundial de 5,6%, o ideal seria dimensionar a alimentação saudável como um direito humano fundamental, mas estamos longe disso.

Alimentação saudável é variada e rica em frutas e legumes Foto: EFE/EPA/MASSIMO PERCOSSI

Sabemos que existem alimentos suficientes no planeta para alimentar todas as pessoas, mas falta acesso e renda. A pandemia explicitou ainda mais essa realidade. Muitos países da região reforçaram programas de transferências monetárias e outros adotaram programas de distribuição de alimentos. O que a FAO sugere para amenizar a fome? É esse o caminho? Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica. Em muitos casos, o local onde o alimento é produzido não permite o acesso físico, e quando isso acontece, a renda não permite adquirir o alimento. Nesse sentido, o incentivo à produção local e programas de distribuição de alimentos e de renda, são ferramentas importantes no combate à fome.

No contexto de pandemia, uma lição deixada é a necessidade de fortalecer os mercados locais e circuitos curtos de distribuição de alimentos para resistir em caso de interrupção em grandes cadeias de sistemas alimentares, o que é ainda mais importante em produtos perecíveis como frutas e verduras. Há muitos desafios quando se trata de políticas de proteção social, mas quando elaboradas de maneira apropriada, podem ajudar a tornar as dietas saudáveis mais acessíveis e prestar serviços específicos a grupos nutricionalmente vulneráveis.

Pouco mais de 47 milhões de pessoas não tiveram comida suficiente em 2019 na região da América Latina e Caribe, quantidade que aumentará em 2020 com a pandemia do novo coronavírus, indicou um relatório divulgado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, 13. As entidades alertaram para os riscos à saúde associados a dietas insuficientes e destacaram a necessidade de se preocupar com a qualidade da alimentação, e não só com a quantidade. 

O relatório 'Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo' mostrou que desde 2015 a fome avançou e tornou-se uma realidade para outras 9 milhões de pessoas na região. Ao todo, o planeta teve 687 milhões de pessoas subnutridas no ano passado. A ONU revisou as estatísticas para baixo após análises de casos globais, mas ainda assim a subnutrição aumentou pelo quarto ano seguido. Desaceleração econômica e extremos climáticos foram os responsáveis pelos avanços recentes, e a pandemia de covid-19 deve manter a tendência, já que derrubará economias nos cinco continentes. A estimativa é de que entre 83 e 132 milhões de pessoas passem a viver em insegurança alimentar até o fim do ano. 

A insegurança alimentar moderada, aquela que faz as pessoas não terem certeza sobre a capacidade de ter alimentos e precisam reduzir seus padrões de consumo, afetou dois bilhões de pessoas em 2019: um bilhão na Ásia, 675 milhões na África, 205 milhões na América Latina e Caribe e 88 milhões na América do Norte e Europa. Nessa cifra entram ainda aqueles considerados em subnutrição. 

No planeta, insegurança alimentar atingiu quase 690 milhões de pessoas em 2019 Foto: Benjamin Rasmussen/FAO

Ainda que o planeta produza comida suficiente para alimentar seus 7,8 bilhões de habitantes, falta de acesso, de renda e conflitos explicam a ausência de alimentos para todos que precisam. O custo da comida elevado em diversas regiões do planeta ocorre por baixa produtividade, pouca diversidade de produção e oferta local limitada.   

"Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica" afirmou o representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) no Brasil, Rafael Zavala. As outras agências da ONU autoras do relatório foram a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Rural (FIDA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP).  

Produtos derivados de leite, frutas, vegetais e proteínas animais e vegetais são os alimentos mais caros. Perdas durante a produção e desperdícios nos outros elos da cadeia são outros motivos para a falta de comida para todos. A qualidade das estradas e da infraestrutura de transporte também é decisiva para o preço final pago pelos consumidores. A ONU avalia que esse conjunto de fatores que compõem o sistema alimentar está distorcido e recomenda ações ousadas para corrigi-lo. Em 2015, os países-membros da entidade se comprometeram a atingir 17 objetivos de desenvolvido sustentável - um deles é o de erradicar a fome e todas as formas de desnutrição. 

Dieta saudável

O relatório mostrou ainda que uma dieta saudável, variada e que contenha todos os nutrientes necessários é uma realidade impossível para três bilhões de habitantes - ou 38% da população mundial, A maior parte das pessoas que não tem acesso a dietas saudáveis - aquelas com diversidades de nutrientes e vários tipos de alimentos - vive na Ásia - 1,9 bilhão - e na África - 965 milhões. 

Na América Latina e no Caribe, são 104,2 milhões e na América do Norte e Europa, 18 milhões. As agências da ONU defendem um olhar para além da quantidade de alimentos suficientes, mas também para aspectos como os padrões de consumo, a distribuição, a educação, o marketing, a cultura local, a infraestrutura de transporte e as políticas públicas em torno da alimentação. 

"O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis", afirmou Zavala. O relatório, divulgado uma vez por ano, indica que a região da América Latina e Caribe é a que tem o custo mais elevado para comprar uma dieta saudável. O na região custo é de US$ 3,98 por pessoa por dia, um valor bastante superior ao que uma pessoa abaixo da linha da pobreza - que vive com US$ 1,90 por dia - poderia gastar com comida. 

Para tornar a alimentação saudável mais acessível, a ONU defende mudanças nas políticas agrícolas e incentivos para uma nutrição mais balanceada. Sugere redução das perdas e desperdícios, estimados em 30%, defende a criação de oportunidades e apoio para pequenos produtores familiares, elevação da eficiência ao longo da cadeia produtiva e políticas de proteção social que incentivem o consumo desse tipo de alimento. Fornecer informação e uma educação sobre a qualidade da alimentação também é citado. A ONU defende ainda a implementação e o fortalecimento de políticas econômicas e sociais para combater os efeitos de ciclos econômicos adversos.

Incentivo a produtores locais e familiares é essencial para reduzir insegurança alimentar Foto: NARINDER NANU / AFP

Quatro perguntas para... Rafael Zavala, representante da FAO no Brasil

A fome atingia 73 milhões de pessoas na América Latina e Caribe no início dos anos 2000. Passou para 38 milhões em 2014, mas o novo relatório mostra um retrocesso nessa diminuição. Em 2019, foram 47,7 milhões. Como FAO, governos, sociedade civil organizada e setor privado devem atuar para reduzir esse número tão elevado, que deve crescer ainda mais com a pandemia?

Acabar com a pobreza extrema e a fome é responsabilidade de todas as pessoas, em diferentes níveis e setores, considerando os diferentes contextos e realidades dos países. Os governos, a sociedade civil organizada e o setor privado podem atuar em diversas frentes como a redução do custo de alimentos nutritivos, a criação de oportunidades para pequenos produtores vulneráveis e outros que trabalham em sistemas alimentares e melhorar a eficiência das cadeias de produção. 

O fortalecimento de políticas de proteção social sensíveis à nutrição também serão fundamentais para aumentar o poder de compra e a acessibilidade das dietas saudáveis pelas populações mais vulneráveis. Essas medidas contribuem para uma transformação dos sistemas alimentares existentes, os tornando ainda resilientes e sustentáveis. Considerando a pandemia, as parcerias entre os setores são mais necessárias do que nunca para que a crise social e econômica não tenha proporções catastróficas nos países. 

A América Latina e Caribe é a região mais cara para se ter uma dieta saudável, o que nos leva para a outra a ponta da insegurança alimentar, a da obesidade. Uma sociedade má alimentada será uma sociedade doente no futuro, o que eleva a pressão sobre os sistemas de saúde. Como estimular circuitos mais curtos de produção, que sejam acessíveis, e sistemas alimentares mais sustentáveis? 

Para aumentar a acessibilidade econômica de dietas saudáveis, o custo dos alimentos nutritivos deve diminuir. Os fatores que interferem no custo dessas dietas são vistos em toda a cadeia de suprimento de alimentos, tanto no ambiente alimentar quanto na economia política que molda as políticas de comércio, despesa pública e investimento. O enfrentamento desses fatores exigirá grandes transformações nos sistemas alimentares com diferentes trocas e sinergias entre os países. 

No período de pandemia, quando as pessoas ficam com sua mobilidade restrita, é importante promover a conexão do campo com a cidade, apoiando novas formas de comércio que mantenham a produção de produtos sustentáveis e de qualidade, com preços acessíveis, aumentando a oferta e o acesso aos alimentos para a população. Outro fator preocupante, intimamente ligado ao aumento da obesidade, é que, de todas as regiões do mundo, a América Latina e o Caribe têm o custo mais alto para comprar uma dieta saudável — valor médio de US$ 3,98 por pessoa ao dia, o que contrasta fortemente com o caráter de agro exportação de vários países da região. Esses quase 4 dólares por dia são o triplo do que uma pessoa abaixo da linha da pobreza poderia gastar em alimentos.O relatório deixa claro que o objetivo de desenvolvimento sustentável número 2 - o da fome zero - não será atingido pela região. A Organização das Nações Unidas completa 75 anos em 2020 e muito se fala de reformas. Não seria o caso de tornar alguns dos objetivos mandatórios para os países ao invés de serem apenas recomendações?

Na Carta das Nações Unidas consta que a Organização se compromete a “promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”. Além disso, a Carta também especifica que um de seus papéis é "alcançar a cooperação internacional na resolução de problemas internacionais (...)”. Entende-se que próximo aos seus 75 anos de história, há a necessidade de uma reforma da Organização que atenda aos desafios atuais, mas que também mantenha o respeito à liberdade que cada país, diante de suas realidades e complexidades.

Além disso, entendo que o mais urgente é combater a desnutrição em todas as suas formas: fome, desnutrição, sobrepeso e obesidade. Em uma América cada vez mais obesa, com 7,5% das crianças menores de 5 anos na região acima do peso, número superior à média mundial de 5,6%, o ideal seria dimensionar a alimentação saudável como um direito humano fundamental, mas estamos longe disso.

Alimentação saudável é variada e rica em frutas e legumes Foto: EFE/EPA/MASSIMO PERCOSSI

Sabemos que existem alimentos suficientes no planeta para alimentar todas as pessoas, mas falta acesso e renda. A pandemia explicitou ainda mais essa realidade. Muitos países da região reforçaram programas de transferências monetárias e outros adotaram programas de distribuição de alimentos. O que a FAO sugere para amenizar a fome? É esse o caminho? Existe um tripé no que tange a segurança alimentar: produção suficiente, acesso físico e renda. Alcançamos a suficiência produtiva, mas com muitos problemas de sustentabilidade, perdas e desperdícios, qualidade do alimento e de localização geográfica. Em muitos casos, o local onde o alimento é produzido não permite o acesso físico, e quando isso acontece, a renda não permite adquirir o alimento. Nesse sentido, o incentivo à produção local e programas de distribuição de alimentos e de renda, são ferramentas importantes no combate à fome.

No contexto de pandemia, uma lição deixada é a necessidade de fortalecer os mercados locais e circuitos curtos de distribuição de alimentos para resistir em caso de interrupção em grandes cadeias de sistemas alimentares, o que é ainda mais importante em produtos perecíveis como frutas e verduras. Há muitos desafios quando se trata de políticas de proteção social, mas quando elaboradas de maneira apropriada, podem ajudar a tornar as dietas saudáveis mais acessíveis e prestar serviços específicos a grupos nutricionalmente vulneráveis.

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