Quais os principais conflitos no mundo para se preocupar em 2023? leia a análise de Ishaan Tharoor


Guerra na Ucrânia é considerada a maior crise no momento, mas preocupações sobre Taiwan crescem

Por Ishaan Tharoor
Atualização:

Para muitos políticos ocidentais, a invasão russa na Ucrânia é a crise que define tudo no momento. Isso é compreensível: uma guerra dessa escala na Europa marca o momento presente no continente, realinhando as estratégias nas principais capitais europeias e revigorando a Otan. Enquanto isso, as consequências da guerra – choques nas cadeias de suprimentos, nos mercados de energia e nos sistemas alimentares globais – alimentaram outras crises distantes, da África Ocidental ao Sul da Ásia.

Mas há muito mais com o que se preocupar no mundo. Dois estudos recentes – um de um think tank, o outro de uma organização humanitária internacional – expõem os desafios que devem incomodar os líderes políticos globais em 2023.

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A Pesquisa Anual de Prioridades Preventivas, divulgada pelo Conselho de Relações Exteriores (CFR), entrevistou mais de 500 funcionários do governo dos EUA, políticos e acadêmicos sobre a chance de certos eventos acontecerem este ano e qual seria o impacto nos interesses dos EUA. Ela classificou os possíveis eventos em um ranking com três graus de potenciais conflitos e crises – pelo menos do ponto de vista de Washington.

Área de Soledar, cidade no leste da Ucrânia, atingida por bombardeios, em meio ao conflito entre forças ucranianas e russas. Guerra na Ucrânia desencadeou crises na Europa e no resto do mundo Foto: AP - 11/01/2023

Curiosamente, o relatório observou que, pela primeira vez desde 2008, quando a pesquisa começou a ser conduzida, “a possibilidade de uma organização terrorista estrangeira infligir um ataque com vítimas em massa nos Estados Unidos ou em um aliado não foi sugerida como um acontecimento plausível”. Em outras palavras, “da perspectiva daqueles que respondem, a era do 11 de setembro acabou”, disse Paul Stares, chefe do Centro de Ação Preventiva do CFR, na terça-feira, 10.

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As sete ameaças mais imediatas este ano enumeradas pela pesquisa são: o advento de “uma grave crise no Estreito de Taiwan” que atrai os Estados Unidos para um confronto com a China sobre a ilha; uma escalada na guerra da Ucrânia que tenha “armas não convencionais transbordando para os países vizinhos”; um ataque cibernético atingindo a infraestrutura crítica dos EUA; colapso econômico e agitação social dentro da Rússia por causa do custo da guerra, levando a uma espiral desestabilizadora; uma intensificação dos testes de armas nucleares e mísseis balísticos de longo alcance pela Coreia do Norte; um governo de ultradireita em Israel com medidas secretas ou diretas contra o programa nuclear do Irã, deixando a diplomacia sobre as capacidades nucleares de Teerã em um beco sem saída; e a possibilidade de desastres naturais e agitação social na América Central, gerando uma nova onda de migração para os Estados Unidos.

“Todas as conversas que tive sobre a Ucrânia ao longo do ano passaram a ser sobre Taiwan”, disse Suzanne Maloney, vice-presidente e diretora de política externa da Brookings Institution, um importante think tank americano. Durante a participação dela no lançamento da pesquisa, Maloney fez menção ao sentimento generalizado de preocupação em Washington de que a China se prepara para uma invasão contra a democracia insular vizinha.

Esse resumo do que é mais preocupante para os políticos dos EUA ainda deixa de lado um outro mundo de crise. No mês passado, o Comitê Internacional de Resgate (IRC) revelou a lista anual dos 20 países com maior risco de calamidade humanitária que precisam de observação emergencial. A Ucrânia, embora viva uma guerra sangrenta, é apenas a 10ª no ranking do IRC. Outros países estão em condições ainda mais terríveis: no topo da lista estão as nações do Chifre da África, Somália e Etiópia, atingidas pela seca e pela guerra. Centenas de milhares de pessoas já vivem sob condições de fome nesses dois países, com agências de ajuda alertando para degradações muito maiores no futuro. Na Somália, cerca de metade da população já precisa de assistência humanitária.

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Mulheres da Somália esperam a vez para coletar água em Dollow, em 19 de setembro de 2022. País vive grave crise humanitária há anos Foto: Jerome Delay / AP

Depois, há o Afeganistão, que saiu do primeiro lugar na lista apenas por causa da gravidade das crises na África Oriental. O colapso econômico agravado pela tomada do poder do Taleban prejudicou grande parte do país. O impasse político sobre Cabul – os talebans são párias internacionais e têm reservas estrangeiras congeladas pelas sanções dos EUA – só está piorando as coisas. “Apesar dos esforços para envolver o [governo taleban], um plano para lidar com o colapso econômico do Afeganistão não foi acordado”, observou o IRC. “Com quase toda a população agora vivendo na pobreza e se preparando para outro longo inverno, uma escalada na necessidade humanitária é um risco em 2023.”

Como relatei, para as organizações humanitárias, a guerra na Ucrânia tem sido uma dupla tragédia – desencadeando uma série de consequências que afetaram as nações pobres em outros lugares, ao mesmo tempo em que levou as súplicas das agências de ajuda no ano passado a serem ignoradas. Sabíamos há meses que a Somália enfrentava uma epidemia devastadora de fome, mas autoridades humanitárias dizem que o financiamento e a resposta internacional chegaram tarde.

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Os 20 países na lista de observação do IRC representam cerca de 90% das pessoas no mundo que precisam de assistência humanitária, 81% das pessoas que tiveram que sair à força de suas casas, 80% daqueles que estão em insegurança alimentar grave e apenas 1,6% do Produto Interno Bruto global. Sua precariedade é, por si só, um reflexo das vastas desigualdades que moldam o sistema global.

“A maioria das crises nos países da Lista de Observação não é nova”, escreveu o presidente e CEO do IRC, David Miliband, em um prefácio ao relatório anual. “Mas o fato de essas crises serem prolongadas não as torna menos urgentes. A principal razão pela qual estamos vendo novos níveis recordes preocupantes de necessidade é porque três principais aceleradores de crise – conflitos armados, mudanças climáticas e turbulências econômicas – estão levando crises de longa data a novos extremos. E, em alguns casos, eles estão provocando novas crises também.”

Para muitos políticos ocidentais, a invasão russa na Ucrânia é a crise que define tudo no momento. Isso é compreensível: uma guerra dessa escala na Europa marca o momento presente no continente, realinhando as estratégias nas principais capitais europeias e revigorando a Otan. Enquanto isso, as consequências da guerra – choques nas cadeias de suprimentos, nos mercados de energia e nos sistemas alimentares globais – alimentaram outras crises distantes, da África Ocidental ao Sul da Ásia.

Mas há muito mais com o que se preocupar no mundo. Dois estudos recentes – um de um think tank, o outro de uma organização humanitária internacional – expõem os desafios que devem incomodar os líderes políticos globais em 2023.

A Pesquisa Anual de Prioridades Preventivas, divulgada pelo Conselho de Relações Exteriores (CFR), entrevistou mais de 500 funcionários do governo dos EUA, políticos e acadêmicos sobre a chance de certos eventos acontecerem este ano e qual seria o impacto nos interesses dos EUA. Ela classificou os possíveis eventos em um ranking com três graus de potenciais conflitos e crises – pelo menos do ponto de vista de Washington.

Área de Soledar, cidade no leste da Ucrânia, atingida por bombardeios, em meio ao conflito entre forças ucranianas e russas. Guerra na Ucrânia desencadeou crises na Europa e no resto do mundo Foto: AP - 11/01/2023

Curiosamente, o relatório observou que, pela primeira vez desde 2008, quando a pesquisa começou a ser conduzida, “a possibilidade de uma organização terrorista estrangeira infligir um ataque com vítimas em massa nos Estados Unidos ou em um aliado não foi sugerida como um acontecimento plausível”. Em outras palavras, “da perspectiva daqueles que respondem, a era do 11 de setembro acabou”, disse Paul Stares, chefe do Centro de Ação Preventiva do CFR, na terça-feira, 10.

As sete ameaças mais imediatas este ano enumeradas pela pesquisa são: o advento de “uma grave crise no Estreito de Taiwan” que atrai os Estados Unidos para um confronto com a China sobre a ilha; uma escalada na guerra da Ucrânia que tenha “armas não convencionais transbordando para os países vizinhos”; um ataque cibernético atingindo a infraestrutura crítica dos EUA; colapso econômico e agitação social dentro da Rússia por causa do custo da guerra, levando a uma espiral desestabilizadora; uma intensificação dos testes de armas nucleares e mísseis balísticos de longo alcance pela Coreia do Norte; um governo de ultradireita em Israel com medidas secretas ou diretas contra o programa nuclear do Irã, deixando a diplomacia sobre as capacidades nucleares de Teerã em um beco sem saída; e a possibilidade de desastres naturais e agitação social na América Central, gerando uma nova onda de migração para os Estados Unidos.

“Todas as conversas que tive sobre a Ucrânia ao longo do ano passaram a ser sobre Taiwan”, disse Suzanne Maloney, vice-presidente e diretora de política externa da Brookings Institution, um importante think tank americano. Durante a participação dela no lançamento da pesquisa, Maloney fez menção ao sentimento generalizado de preocupação em Washington de que a China se prepara para uma invasão contra a democracia insular vizinha.

Esse resumo do que é mais preocupante para os políticos dos EUA ainda deixa de lado um outro mundo de crise. No mês passado, o Comitê Internacional de Resgate (IRC) revelou a lista anual dos 20 países com maior risco de calamidade humanitária que precisam de observação emergencial. A Ucrânia, embora viva uma guerra sangrenta, é apenas a 10ª no ranking do IRC. Outros países estão em condições ainda mais terríveis: no topo da lista estão as nações do Chifre da África, Somália e Etiópia, atingidas pela seca e pela guerra. Centenas de milhares de pessoas já vivem sob condições de fome nesses dois países, com agências de ajuda alertando para degradações muito maiores no futuro. Na Somália, cerca de metade da população já precisa de assistência humanitária.

Mulheres da Somália esperam a vez para coletar água em Dollow, em 19 de setembro de 2022. País vive grave crise humanitária há anos Foto: Jerome Delay / AP

Depois, há o Afeganistão, que saiu do primeiro lugar na lista apenas por causa da gravidade das crises na África Oriental. O colapso econômico agravado pela tomada do poder do Taleban prejudicou grande parte do país. O impasse político sobre Cabul – os talebans são párias internacionais e têm reservas estrangeiras congeladas pelas sanções dos EUA – só está piorando as coisas. “Apesar dos esforços para envolver o [governo taleban], um plano para lidar com o colapso econômico do Afeganistão não foi acordado”, observou o IRC. “Com quase toda a população agora vivendo na pobreza e se preparando para outro longo inverno, uma escalada na necessidade humanitária é um risco em 2023.”

Como relatei, para as organizações humanitárias, a guerra na Ucrânia tem sido uma dupla tragédia – desencadeando uma série de consequências que afetaram as nações pobres em outros lugares, ao mesmo tempo em que levou as súplicas das agências de ajuda no ano passado a serem ignoradas. Sabíamos há meses que a Somália enfrentava uma epidemia devastadora de fome, mas autoridades humanitárias dizem que o financiamento e a resposta internacional chegaram tarde.

Os 20 países na lista de observação do IRC representam cerca de 90% das pessoas no mundo que precisam de assistência humanitária, 81% das pessoas que tiveram que sair à força de suas casas, 80% daqueles que estão em insegurança alimentar grave e apenas 1,6% do Produto Interno Bruto global. Sua precariedade é, por si só, um reflexo das vastas desigualdades que moldam o sistema global.

“A maioria das crises nos países da Lista de Observação não é nova”, escreveu o presidente e CEO do IRC, David Miliband, em um prefácio ao relatório anual. “Mas o fato de essas crises serem prolongadas não as torna menos urgentes. A principal razão pela qual estamos vendo novos níveis recordes preocupantes de necessidade é porque três principais aceleradores de crise – conflitos armados, mudanças climáticas e turbulências econômicas – estão levando crises de longa data a novos extremos. E, em alguns casos, eles estão provocando novas crises também.”

Para muitos políticos ocidentais, a invasão russa na Ucrânia é a crise que define tudo no momento. Isso é compreensível: uma guerra dessa escala na Europa marca o momento presente no continente, realinhando as estratégias nas principais capitais europeias e revigorando a Otan. Enquanto isso, as consequências da guerra – choques nas cadeias de suprimentos, nos mercados de energia e nos sistemas alimentares globais – alimentaram outras crises distantes, da África Ocidental ao Sul da Ásia.

Mas há muito mais com o que se preocupar no mundo. Dois estudos recentes – um de um think tank, o outro de uma organização humanitária internacional – expõem os desafios que devem incomodar os líderes políticos globais em 2023.

A Pesquisa Anual de Prioridades Preventivas, divulgada pelo Conselho de Relações Exteriores (CFR), entrevistou mais de 500 funcionários do governo dos EUA, políticos e acadêmicos sobre a chance de certos eventos acontecerem este ano e qual seria o impacto nos interesses dos EUA. Ela classificou os possíveis eventos em um ranking com três graus de potenciais conflitos e crises – pelo menos do ponto de vista de Washington.

Área de Soledar, cidade no leste da Ucrânia, atingida por bombardeios, em meio ao conflito entre forças ucranianas e russas. Guerra na Ucrânia desencadeou crises na Europa e no resto do mundo Foto: AP - 11/01/2023

Curiosamente, o relatório observou que, pela primeira vez desde 2008, quando a pesquisa começou a ser conduzida, “a possibilidade de uma organização terrorista estrangeira infligir um ataque com vítimas em massa nos Estados Unidos ou em um aliado não foi sugerida como um acontecimento plausível”. Em outras palavras, “da perspectiva daqueles que respondem, a era do 11 de setembro acabou”, disse Paul Stares, chefe do Centro de Ação Preventiva do CFR, na terça-feira, 10.

As sete ameaças mais imediatas este ano enumeradas pela pesquisa são: o advento de “uma grave crise no Estreito de Taiwan” que atrai os Estados Unidos para um confronto com a China sobre a ilha; uma escalada na guerra da Ucrânia que tenha “armas não convencionais transbordando para os países vizinhos”; um ataque cibernético atingindo a infraestrutura crítica dos EUA; colapso econômico e agitação social dentro da Rússia por causa do custo da guerra, levando a uma espiral desestabilizadora; uma intensificação dos testes de armas nucleares e mísseis balísticos de longo alcance pela Coreia do Norte; um governo de ultradireita em Israel com medidas secretas ou diretas contra o programa nuclear do Irã, deixando a diplomacia sobre as capacidades nucleares de Teerã em um beco sem saída; e a possibilidade de desastres naturais e agitação social na América Central, gerando uma nova onda de migração para os Estados Unidos.

“Todas as conversas que tive sobre a Ucrânia ao longo do ano passaram a ser sobre Taiwan”, disse Suzanne Maloney, vice-presidente e diretora de política externa da Brookings Institution, um importante think tank americano. Durante a participação dela no lançamento da pesquisa, Maloney fez menção ao sentimento generalizado de preocupação em Washington de que a China se prepara para uma invasão contra a democracia insular vizinha.

Esse resumo do que é mais preocupante para os políticos dos EUA ainda deixa de lado um outro mundo de crise. No mês passado, o Comitê Internacional de Resgate (IRC) revelou a lista anual dos 20 países com maior risco de calamidade humanitária que precisam de observação emergencial. A Ucrânia, embora viva uma guerra sangrenta, é apenas a 10ª no ranking do IRC. Outros países estão em condições ainda mais terríveis: no topo da lista estão as nações do Chifre da África, Somália e Etiópia, atingidas pela seca e pela guerra. Centenas de milhares de pessoas já vivem sob condições de fome nesses dois países, com agências de ajuda alertando para degradações muito maiores no futuro. Na Somália, cerca de metade da população já precisa de assistência humanitária.

Mulheres da Somália esperam a vez para coletar água em Dollow, em 19 de setembro de 2022. País vive grave crise humanitária há anos Foto: Jerome Delay / AP

Depois, há o Afeganistão, que saiu do primeiro lugar na lista apenas por causa da gravidade das crises na África Oriental. O colapso econômico agravado pela tomada do poder do Taleban prejudicou grande parte do país. O impasse político sobre Cabul – os talebans são párias internacionais e têm reservas estrangeiras congeladas pelas sanções dos EUA – só está piorando as coisas. “Apesar dos esforços para envolver o [governo taleban], um plano para lidar com o colapso econômico do Afeganistão não foi acordado”, observou o IRC. “Com quase toda a população agora vivendo na pobreza e se preparando para outro longo inverno, uma escalada na necessidade humanitária é um risco em 2023.”

Como relatei, para as organizações humanitárias, a guerra na Ucrânia tem sido uma dupla tragédia – desencadeando uma série de consequências que afetaram as nações pobres em outros lugares, ao mesmo tempo em que levou as súplicas das agências de ajuda no ano passado a serem ignoradas. Sabíamos há meses que a Somália enfrentava uma epidemia devastadora de fome, mas autoridades humanitárias dizem que o financiamento e a resposta internacional chegaram tarde.

Os 20 países na lista de observação do IRC representam cerca de 90% das pessoas no mundo que precisam de assistência humanitária, 81% das pessoas que tiveram que sair à força de suas casas, 80% daqueles que estão em insegurança alimentar grave e apenas 1,6% do Produto Interno Bruto global. Sua precariedade é, por si só, um reflexo das vastas desigualdades que moldam o sistema global.

“A maioria das crises nos países da Lista de Observação não é nova”, escreveu o presidente e CEO do IRC, David Miliband, em um prefácio ao relatório anual. “Mas o fato de essas crises serem prolongadas não as torna menos urgentes. A principal razão pela qual estamos vendo novos níveis recordes preocupantes de necessidade é porque três principais aceleradores de crise – conflitos armados, mudanças climáticas e turbulências econômicas – estão levando crises de longa data a novos extremos. E, em alguns casos, eles estão provocando novas crises também.”

Para muitos políticos ocidentais, a invasão russa na Ucrânia é a crise que define tudo no momento. Isso é compreensível: uma guerra dessa escala na Europa marca o momento presente no continente, realinhando as estratégias nas principais capitais europeias e revigorando a Otan. Enquanto isso, as consequências da guerra – choques nas cadeias de suprimentos, nos mercados de energia e nos sistemas alimentares globais – alimentaram outras crises distantes, da África Ocidental ao Sul da Ásia.

Mas há muito mais com o que se preocupar no mundo. Dois estudos recentes – um de um think tank, o outro de uma organização humanitária internacional – expõem os desafios que devem incomodar os líderes políticos globais em 2023.

A Pesquisa Anual de Prioridades Preventivas, divulgada pelo Conselho de Relações Exteriores (CFR), entrevistou mais de 500 funcionários do governo dos EUA, políticos e acadêmicos sobre a chance de certos eventos acontecerem este ano e qual seria o impacto nos interesses dos EUA. Ela classificou os possíveis eventos em um ranking com três graus de potenciais conflitos e crises – pelo menos do ponto de vista de Washington.

Área de Soledar, cidade no leste da Ucrânia, atingida por bombardeios, em meio ao conflito entre forças ucranianas e russas. Guerra na Ucrânia desencadeou crises na Europa e no resto do mundo Foto: AP - 11/01/2023

Curiosamente, o relatório observou que, pela primeira vez desde 2008, quando a pesquisa começou a ser conduzida, “a possibilidade de uma organização terrorista estrangeira infligir um ataque com vítimas em massa nos Estados Unidos ou em um aliado não foi sugerida como um acontecimento plausível”. Em outras palavras, “da perspectiva daqueles que respondem, a era do 11 de setembro acabou”, disse Paul Stares, chefe do Centro de Ação Preventiva do CFR, na terça-feira, 10.

As sete ameaças mais imediatas este ano enumeradas pela pesquisa são: o advento de “uma grave crise no Estreito de Taiwan” que atrai os Estados Unidos para um confronto com a China sobre a ilha; uma escalada na guerra da Ucrânia que tenha “armas não convencionais transbordando para os países vizinhos”; um ataque cibernético atingindo a infraestrutura crítica dos EUA; colapso econômico e agitação social dentro da Rússia por causa do custo da guerra, levando a uma espiral desestabilizadora; uma intensificação dos testes de armas nucleares e mísseis balísticos de longo alcance pela Coreia do Norte; um governo de ultradireita em Israel com medidas secretas ou diretas contra o programa nuclear do Irã, deixando a diplomacia sobre as capacidades nucleares de Teerã em um beco sem saída; e a possibilidade de desastres naturais e agitação social na América Central, gerando uma nova onda de migração para os Estados Unidos.

“Todas as conversas que tive sobre a Ucrânia ao longo do ano passaram a ser sobre Taiwan”, disse Suzanne Maloney, vice-presidente e diretora de política externa da Brookings Institution, um importante think tank americano. Durante a participação dela no lançamento da pesquisa, Maloney fez menção ao sentimento generalizado de preocupação em Washington de que a China se prepara para uma invasão contra a democracia insular vizinha.

Esse resumo do que é mais preocupante para os políticos dos EUA ainda deixa de lado um outro mundo de crise. No mês passado, o Comitê Internacional de Resgate (IRC) revelou a lista anual dos 20 países com maior risco de calamidade humanitária que precisam de observação emergencial. A Ucrânia, embora viva uma guerra sangrenta, é apenas a 10ª no ranking do IRC. Outros países estão em condições ainda mais terríveis: no topo da lista estão as nações do Chifre da África, Somália e Etiópia, atingidas pela seca e pela guerra. Centenas de milhares de pessoas já vivem sob condições de fome nesses dois países, com agências de ajuda alertando para degradações muito maiores no futuro. Na Somália, cerca de metade da população já precisa de assistência humanitária.

Mulheres da Somália esperam a vez para coletar água em Dollow, em 19 de setembro de 2022. País vive grave crise humanitária há anos Foto: Jerome Delay / AP

Depois, há o Afeganistão, que saiu do primeiro lugar na lista apenas por causa da gravidade das crises na África Oriental. O colapso econômico agravado pela tomada do poder do Taleban prejudicou grande parte do país. O impasse político sobre Cabul – os talebans são párias internacionais e têm reservas estrangeiras congeladas pelas sanções dos EUA – só está piorando as coisas. “Apesar dos esforços para envolver o [governo taleban], um plano para lidar com o colapso econômico do Afeganistão não foi acordado”, observou o IRC. “Com quase toda a população agora vivendo na pobreza e se preparando para outro longo inverno, uma escalada na necessidade humanitária é um risco em 2023.”

Como relatei, para as organizações humanitárias, a guerra na Ucrânia tem sido uma dupla tragédia – desencadeando uma série de consequências que afetaram as nações pobres em outros lugares, ao mesmo tempo em que levou as súplicas das agências de ajuda no ano passado a serem ignoradas. Sabíamos há meses que a Somália enfrentava uma epidemia devastadora de fome, mas autoridades humanitárias dizem que o financiamento e a resposta internacional chegaram tarde.

Os 20 países na lista de observação do IRC representam cerca de 90% das pessoas no mundo que precisam de assistência humanitária, 81% das pessoas que tiveram que sair à força de suas casas, 80% daqueles que estão em insegurança alimentar grave e apenas 1,6% do Produto Interno Bruto global. Sua precariedade é, por si só, um reflexo das vastas desigualdades que moldam o sistema global.

“A maioria das crises nos países da Lista de Observação não é nova”, escreveu o presidente e CEO do IRC, David Miliband, em um prefácio ao relatório anual. “Mas o fato de essas crises serem prolongadas não as torna menos urgentes. A principal razão pela qual estamos vendo novos níveis recordes preocupantes de necessidade é porque três principais aceleradores de crise – conflitos armados, mudanças climáticas e turbulências econômicas – estão levando crises de longa data a novos extremos. E, em alguns casos, eles estão provocando novas crises também.”

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