Artigo: Pence sofre pressão para reverter resultado da eleição


Alguns republicanos dizem que vice-presidente tem poder total para descartar delegados de Biden no colégio eleitoral 

Por Neal Katyal e John Monsky

No dia 6, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, presidirá a sessão do Congresso para apurar os votos do colégio eleitoral. Nos últimos dias, líderes do Partido Republicano aumentaram a pressão para que ele ignore a vitória do democrata Joe Biden e escolha delegados fiéis ao presidente Donald Trump.

Recentemente, Trump tuitou que “o Departamento de Justiça e o FBI não tinham feito nada sobre a fraude eleitoral da eleição”, seguido de uma mensagem mais sinistra: “Nunca desistam. Vejo todos em Washington, em 6 de janeiro.”

A referência ao dia da contagem dos votos do colégio eleitoral também é uma mensagem a Pence e aos congressistas republicanos, para que eles rejeitem o resultado das urnas. Até agora, o vice de Trump não deu sinais de pretende virar a mesa. “Vamos continuar lutando até que todos os votos legais sejam contados”, afirmou esta semana.

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Mike Pence: função de contar votos no colégio eleitoral Foto: Leah Millis/Reuters

Alguns republicanos, porém, entenderam o recado. Na segunda-feira, o deputado Louie Gohmert, do Texas, e outros políticos entraram com uma ação judicial para forçar Pence a indicar seus delegados de Trump no colégio eleitoral. Até agora, o presidente disparou contra todo o mundo, juízes da Suprema Corte, FBI e até contra Mitch McConnell, líder do partido no Senado, mas ele nunca atacou Pence, sugerindo que ainda tem esperanças de que seu vice faça a coisa certa.

O problema é que qualquer tentativa de mudar o resultado, no dia 6, está fadada ao fracasso. A Constituição diz que as votações do colégio eleitoral devem ser abertas pelo “presidente do Senado” – ou seja, o vice-presidente dos EUA. A Lei de Contagem Eleitoral, de 1887, acrescenta detalhes importantes, como um cronograma para tabular os votos que limita os poderes do vice.

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Pence deve ser o “presidente da sessão”, o que significa que cabe a ele preservar a ordem e o decoro, abrir os envelopes de votação, invocar qualquer objeção de integrantes do Congresso, anunciar os resultados e, por fim, apresentar o vencedor.

Nada na Constituição ou na Lei de Contagem Eleitoral dá ao vice-presidente qualquer poder especial. Seu papel ministerial e restrito faz sentido: o objetivo de uma eleição é permitir que o povo decida quem o governará. Se um presidente pudesse manobrar para se manter no cargo, o preceito mais fundamental do governo seria minado. 

Os autores da Lei de Contagem Eleitoral insistiram conscientemente nesse papel enfraquecido do vice-presidente. Eles se preveniram contra qualquer pretensão de que ele pudesse rejeitar os votos de um determinado Estado, dizendo que o vice deve abrir “todos os certificados e documentos que dizem ser votos eleitorais”. 

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Donald Trump ainda acredita que será o vencedor final da eleição presidencial nos Estados Unidos. O magnata insiste que houve fraude na votação que deu a vitória a Joe Biden.

Eles ainda afirmaram que, no caso de uma disputa, ambas as Casas do Congresso teriam de discordar de um determinado Estado para rejeitar seus votos. E dificultaram essa possibilidade de discordância dos congressistas, acrescentando medidas como uma cláusula de “porto seguro” e deferência à certificação por autoridades estaduais.

Na eleição de novembro, a certificação está clara. Não há contestações judiciais em andamento nos Estados. Todas as ações legais foram perdidas pelos advogados do presidente, de forma espetacular e frequente. Os Estados e os eleitores expressaram sua vontade. Nem o vice-presidente nem os apoiadores leais de Trump têm uma base válida para contestar o resultado das urnas.

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É claro que essa estrutura cria constrangimento, pois força o vice-presidente a anunciar o resultado mesmo quando ele lhe é pessoalmente desfavorável. Após a eleição apertada de 1960, Richard Nixon, então vice-presidente, contou os votos para seu oponente, John Kennedy. Al Gore, talvez em um dos momentos mais dramáticos da curta história da república, contou os votos e os relatou em favor de George W. Bush.

Assistir a Gore encerrar todas as contestações e entregar a presidência a Bush foi um momento poderoso na democracia americana. No momento em que ele contou os votos, os EUA e o mundo sabiam onde ele se posicionava. E todos ficamos animados quando Gore, no fim, pediu a Deus que abençoasse o novo presidente e vice-presidente – e foi aplaudido por todos.

Os líderes republicanos – incluindo os senadores McConnell, Roy Blunt e John Thune – já reconheceram o resultado da eleição, apesar da ira do presidente. McConnell colocou em termos claros: “O colégio eleitoral se pronunciou. Portanto, quero parabenizar o presidente eleito Joe Biden.”

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Notavelmente, Pence tem ficado em silêncio. Ele nem mesmo reconheceu a vitória histórica de Kamala Harris, a primeira mulher, a primeira negra e a primeira descendente de asiáticos a se tornar vice-presidente dos EUA. Agora, ele está prestes a fazer história ao iniciar seu ato de liderança mais importante. A questão para o vice-presidente, assim como para outros integrantes do Congresso, é de que lado da história ele quer seguir. Pence pode ter a integridade demonstrada por todos os governos anteriores? O povo americano aceita um perdedor elegante, mas um mau perdedor nunca fica bem nos livros de história.

Após a Guerra de Independência dos EUA, o artista Benjamin West relatou que o rei George III lhe perguntou o que o general Washington faria agora que o país era independente. West disse que Washington abriria mão do poder e voltaria à agricultura. “Se ele fizer isso, será o maior homem do mundo”, respondeu o rei britânico.

De fato, Washington o fez, entregando o comando do Exército ao Congresso e retornando para Mount Vernon, onde permaneceu por anos até ser eleito presidente. E ele mais uma vez abandonou o poder, oito anos depois, embora muitos tivessem defendido a possibilidade de mantê-lo presidente pelo resto da vida. Assim, Washington levou a cabo a república americana, porque não há república sem transferência pacífica do poder. Agora, cabe a Pence reconhecer isso. Como todos os que vieram antes dele, ele deve contar os votos conforme foram certificados e fazer tudo o que puder para se opor àqueles que agiriam de outra forma. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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*NEAL KATYAL É EX-PROCURADOR-GERAL DOS EUA E PROFESSOR DE DIREITO EM GEORGETOWN. JOHN MONSKY É CRIADOR DE AMERICAN HISTORY UNBOUND, SÉRIE DE PRODUÇÕES MULTIMÍDIA QUE COBRE MOMENTOS DECISIVOS NA HISTÓRIA AMERICANA E É INTEGRANTE DO CONSELHO DA NEW-YORK HISTORICAL SOCIETY.

No dia 6, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, presidirá a sessão do Congresso para apurar os votos do colégio eleitoral. Nos últimos dias, líderes do Partido Republicano aumentaram a pressão para que ele ignore a vitória do democrata Joe Biden e escolha delegados fiéis ao presidente Donald Trump.

Recentemente, Trump tuitou que “o Departamento de Justiça e o FBI não tinham feito nada sobre a fraude eleitoral da eleição”, seguido de uma mensagem mais sinistra: “Nunca desistam. Vejo todos em Washington, em 6 de janeiro.”

A referência ao dia da contagem dos votos do colégio eleitoral também é uma mensagem a Pence e aos congressistas republicanos, para que eles rejeitem o resultado das urnas. Até agora, o vice de Trump não deu sinais de pretende virar a mesa. “Vamos continuar lutando até que todos os votos legais sejam contados”, afirmou esta semana.

Mike Pence: função de contar votos no colégio eleitoral Foto: Leah Millis/Reuters

Alguns republicanos, porém, entenderam o recado. Na segunda-feira, o deputado Louie Gohmert, do Texas, e outros políticos entraram com uma ação judicial para forçar Pence a indicar seus delegados de Trump no colégio eleitoral. Até agora, o presidente disparou contra todo o mundo, juízes da Suprema Corte, FBI e até contra Mitch McConnell, líder do partido no Senado, mas ele nunca atacou Pence, sugerindo que ainda tem esperanças de que seu vice faça a coisa certa.

O problema é que qualquer tentativa de mudar o resultado, no dia 6, está fadada ao fracasso. A Constituição diz que as votações do colégio eleitoral devem ser abertas pelo “presidente do Senado” – ou seja, o vice-presidente dos EUA. A Lei de Contagem Eleitoral, de 1887, acrescenta detalhes importantes, como um cronograma para tabular os votos que limita os poderes do vice.

Pence deve ser o “presidente da sessão”, o que significa que cabe a ele preservar a ordem e o decoro, abrir os envelopes de votação, invocar qualquer objeção de integrantes do Congresso, anunciar os resultados e, por fim, apresentar o vencedor.

Nada na Constituição ou na Lei de Contagem Eleitoral dá ao vice-presidente qualquer poder especial. Seu papel ministerial e restrito faz sentido: o objetivo de uma eleição é permitir que o povo decida quem o governará. Se um presidente pudesse manobrar para se manter no cargo, o preceito mais fundamental do governo seria minado. 

Os autores da Lei de Contagem Eleitoral insistiram conscientemente nesse papel enfraquecido do vice-presidente. Eles se preveniram contra qualquer pretensão de que ele pudesse rejeitar os votos de um determinado Estado, dizendo que o vice deve abrir “todos os certificados e documentos que dizem ser votos eleitorais”. 

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Donald Trump ainda acredita que será o vencedor final da eleição presidencial nos Estados Unidos. O magnata insiste que houve fraude na votação que deu a vitória a Joe Biden.

Eles ainda afirmaram que, no caso de uma disputa, ambas as Casas do Congresso teriam de discordar de um determinado Estado para rejeitar seus votos. E dificultaram essa possibilidade de discordância dos congressistas, acrescentando medidas como uma cláusula de “porto seguro” e deferência à certificação por autoridades estaduais.

Na eleição de novembro, a certificação está clara. Não há contestações judiciais em andamento nos Estados. Todas as ações legais foram perdidas pelos advogados do presidente, de forma espetacular e frequente. Os Estados e os eleitores expressaram sua vontade. Nem o vice-presidente nem os apoiadores leais de Trump têm uma base válida para contestar o resultado das urnas.

É claro que essa estrutura cria constrangimento, pois força o vice-presidente a anunciar o resultado mesmo quando ele lhe é pessoalmente desfavorável. Após a eleição apertada de 1960, Richard Nixon, então vice-presidente, contou os votos para seu oponente, John Kennedy. Al Gore, talvez em um dos momentos mais dramáticos da curta história da república, contou os votos e os relatou em favor de George W. Bush.

Assistir a Gore encerrar todas as contestações e entregar a presidência a Bush foi um momento poderoso na democracia americana. No momento em que ele contou os votos, os EUA e o mundo sabiam onde ele se posicionava. E todos ficamos animados quando Gore, no fim, pediu a Deus que abençoasse o novo presidente e vice-presidente – e foi aplaudido por todos.

Os líderes republicanos – incluindo os senadores McConnell, Roy Blunt e John Thune – já reconheceram o resultado da eleição, apesar da ira do presidente. McConnell colocou em termos claros: “O colégio eleitoral se pronunciou. Portanto, quero parabenizar o presidente eleito Joe Biden.”

Notavelmente, Pence tem ficado em silêncio. Ele nem mesmo reconheceu a vitória histórica de Kamala Harris, a primeira mulher, a primeira negra e a primeira descendente de asiáticos a se tornar vice-presidente dos EUA. Agora, ele está prestes a fazer história ao iniciar seu ato de liderança mais importante. A questão para o vice-presidente, assim como para outros integrantes do Congresso, é de que lado da história ele quer seguir. Pence pode ter a integridade demonstrada por todos os governos anteriores? O povo americano aceita um perdedor elegante, mas um mau perdedor nunca fica bem nos livros de história.

Após a Guerra de Independência dos EUA, o artista Benjamin West relatou que o rei George III lhe perguntou o que o general Washington faria agora que o país era independente. West disse que Washington abriria mão do poder e voltaria à agricultura. “Se ele fizer isso, será o maior homem do mundo”, respondeu o rei britânico.

De fato, Washington o fez, entregando o comando do Exército ao Congresso e retornando para Mount Vernon, onde permaneceu por anos até ser eleito presidente. E ele mais uma vez abandonou o poder, oito anos depois, embora muitos tivessem defendido a possibilidade de mantê-lo presidente pelo resto da vida. Assim, Washington levou a cabo a república americana, porque não há república sem transferência pacífica do poder. Agora, cabe a Pence reconhecer isso. Como todos os que vieram antes dele, ele deve contar os votos conforme foram certificados e fazer tudo o que puder para se opor àqueles que agiriam de outra forma. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

*NEAL KATYAL É EX-PROCURADOR-GERAL DOS EUA E PROFESSOR DE DIREITO EM GEORGETOWN. JOHN MONSKY É CRIADOR DE AMERICAN HISTORY UNBOUND, SÉRIE DE PRODUÇÕES MULTIMÍDIA QUE COBRE MOMENTOS DECISIVOS NA HISTÓRIA AMERICANA E É INTEGRANTE DO CONSELHO DA NEW-YORK HISTORICAL SOCIETY.

No dia 6, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, presidirá a sessão do Congresso para apurar os votos do colégio eleitoral. Nos últimos dias, líderes do Partido Republicano aumentaram a pressão para que ele ignore a vitória do democrata Joe Biden e escolha delegados fiéis ao presidente Donald Trump.

Recentemente, Trump tuitou que “o Departamento de Justiça e o FBI não tinham feito nada sobre a fraude eleitoral da eleição”, seguido de uma mensagem mais sinistra: “Nunca desistam. Vejo todos em Washington, em 6 de janeiro.”

A referência ao dia da contagem dos votos do colégio eleitoral também é uma mensagem a Pence e aos congressistas republicanos, para que eles rejeitem o resultado das urnas. Até agora, o vice de Trump não deu sinais de pretende virar a mesa. “Vamos continuar lutando até que todos os votos legais sejam contados”, afirmou esta semana.

Mike Pence: função de contar votos no colégio eleitoral Foto: Leah Millis/Reuters

Alguns republicanos, porém, entenderam o recado. Na segunda-feira, o deputado Louie Gohmert, do Texas, e outros políticos entraram com uma ação judicial para forçar Pence a indicar seus delegados de Trump no colégio eleitoral. Até agora, o presidente disparou contra todo o mundo, juízes da Suprema Corte, FBI e até contra Mitch McConnell, líder do partido no Senado, mas ele nunca atacou Pence, sugerindo que ainda tem esperanças de que seu vice faça a coisa certa.

O problema é que qualquer tentativa de mudar o resultado, no dia 6, está fadada ao fracasso. A Constituição diz que as votações do colégio eleitoral devem ser abertas pelo “presidente do Senado” – ou seja, o vice-presidente dos EUA. A Lei de Contagem Eleitoral, de 1887, acrescenta detalhes importantes, como um cronograma para tabular os votos que limita os poderes do vice.

Pence deve ser o “presidente da sessão”, o que significa que cabe a ele preservar a ordem e o decoro, abrir os envelopes de votação, invocar qualquer objeção de integrantes do Congresso, anunciar os resultados e, por fim, apresentar o vencedor.

Nada na Constituição ou na Lei de Contagem Eleitoral dá ao vice-presidente qualquer poder especial. Seu papel ministerial e restrito faz sentido: o objetivo de uma eleição é permitir que o povo decida quem o governará. Se um presidente pudesse manobrar para se manter no cargo, o preceito mais fundamental do governo seria minado. 

Os autores da Lei de Contagem Eleitoral insistiram conscientemente nesse papel enfraquecido do vice-presidente. Eles se preveniram contra qualquer pretensão de que ele pudesse rejeitar os votos de um determinado Estado, dizendo que o vice deve abrir “todos os certificados e documentos que dizem ser votos eleitorais”. 

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Donald Trump ainda acredita que será o vencedor final da eleição presidencial nos Estados Unidos. O magnata insiste que houve fraude na votação que deu a vitória a Joe Biden.

Eles ainda afirmaram que, no caso de uma disputa, ambas as Casas do Congresso teriam de discordar de um determinado Estado para rejeitar seus votos. E dificultaram essa possibilidade de discordância dos congressistas, acrescentando medidas como uma cláusula de “porto seguro” e deferência à certificação por autoridades estaduais.

Na eleição de novembro, a certificação está clara. Não há contestações judiciais em andamento nos Estados. Todas as ações legais foram perdidas pelos advogados do presidente, de forma espetacular e frequente. Os Estados e os eleitores expressaram sua vontade. Nem o vice-presidente nem os apoiadores leais de Trump têm uma base válida para contestar o resultado das urnas.

É claro que essa estrutura cria constrangimento, pois força o vice-presidente a anunciar o resultado mesmo quando ele lhe é pessoalmente desfavorável. Após a eleição apertada de 1960, Richard Nixon, então vice-presidente, contou os votos para seu oponente, John Kennedy. Al Gore, talvez em um dos momentos mais dramáticos da curta história da república, contou os votos e os relatou em favor de George W. Bush.

Assistir a Gore encerrar todas as contestações e entregar a presidência a Bush foi um momento poderoso na democracia americana. No momento em que ele contou os votos, os EUA e o mundo sabiam onde ele se posicionava. E todos ficamos animados quando Gore, no fim, pediu a Deus que abençoasse o novo presidente e vice-presidente – e foi aplaudido por todos.

Os líderes republicanos – incluindo os senadores McConnell, Roy Blunt e John Thune – já reconheceram o resultado da eleição, apesar da ira do presidente. McConnell colocou em termos claros: “O colégio eleitoral se pronunciou. Portanto, quero parabenizar o presidente eleito Joe Biden.”

Notavelmente, Pence tem ficado em silêncio. Ele nem mesmo reconheceu a vitória histórica de Kamala Harris, a primeira mulher, a primeira negra e a primeira descendente de asiáticos a se tornar vice-presidente dos EUA. Agora, ele está prestes a fazer história ao iniciar seu ato de liderança mais importante. A questão para o vice-presidente, assim como para outros integrantes do Congresso, é de que lado da história ele quer seguir. Pence pode ter a integridade demonstrada por todos os governos anteriores? O povo americano aceita um perdedor elegante, mas um mau perdedor nunca fica bem nos livros de história.

Após a Guerra de Independência dos EUA, o artista Benjamin West relatou que o rei George III lhe perguntou o que o general Washington faria agora que o país era independente. West disse que Washington abriria mão do poder e voltaria à agricultura. “Se ele fizer isso, será o maior homem do mundo”, respondeu o rei britânico.

De fato, Washington o fez, entregando o comando do Exército ao Congresso e retornando para Mount Vernon, onde permaneceu por anos até ser eleito presidente. E ele mais uma vez abandonou o poder, oito anos depois, embora muitos tivessem defendido a possibilidade de mantê-lo presidente pelo resto da vida. Assim, Washington levou a cabo a república americana, porque não há república sem transferência pacífica do poder. Agora, cabe a Pence reconhecer isso. Como todos os que vieram antes dele, ele deve contar os votos conforme foram certificados e fazer tudo o que puder para se opor àqueles que agiriam de outra forma. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

*NEAL KATYAL É EX-PROCURADOR-GERAL DOS EUA E PROFESSOR DE DIREITO EM GEORGETOWN. JOHN MONSKY É CRIADOR DE AMERICAN HISTORY UNBOUND, SÉRIE DE PRODUÇÕES MULTIMÍDIA QUE COBRE MOMENTOS DECISIVOS NA HISTÓRIA AMERICANA E É INTEGRANTE DO CONSELHO DA NEW-YORK HISTORICAL SOCIETY.

No dia 6, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, presidirá a sessão do Congresso para apurar os votos do colégio eleitoral. Nos últimos dias, líderes do Partido Republicano aumentaram a pressão para que ele ignore a vitória do democrata Joe Biden e escolha delegados fiéis ao presidente Donald Trump.

Recentemente, Trump tuitou que “o Departamento de Justiça e o FBI não tinham feito nada sobre a fraude eleitoral da eleição”, seguido de uma mensagem mais sinistra: “Nunca desistam. Vejo todos em Washington, em 6 de janeiro.”

A referência ao dia da contagem dos votos do colégio eleitoral também é uma mensagem a Pence e aos congressistas republicanos, para que eles rejeitem o resultado das urnas. Até agora, o vice de Trump não deu sinais de pretende virar a mesa. “Vamos continuar lutando até que todos os votos legais sejam contados”, afirmou esta semana.

Mike Pence: função de contar votos no colégio eleitoral Foto: Leah Millis/Reuters

Alguns republicanos, porém, entenderam o recado. Na segunda-feira, o deputado Louie Gohmert, do Texas, e outros políticos entraram com uma ação judicial para forçar Pence a indicar seus delegados de Trump no colégio eleitoral. Até agora, o presidente disparou contra todo o mundo, juízes da Suprema Corte, FBI e até contra Mitch McConnell, líder do partido no Senado, mas ele nunca atacou Pence, sugerindo que ainda tem esperanças de que seu vice faça a coisa certa.

O problema é que qualquer tentativa de mudar o resultado, no dia 6, está fadada ao fracasso. A Constituição diz que as votações do colégio eleitoral devem ser abertas pelo “presidente do Senado” – ou seja, o vice-presidente dos EUA. A Lei de Contagem Eleitoral, de 1887, acrescenta detalhes importantes, como um cronograma para tabular os votos que limita os poderes do vice.

Pence deve ser o “presidente da sessão”, o que significa que cabe a ele preservar a ordem e o decoro, abrir os envelopes de votação, invocar qualquer objeção de integrantes do Congresso, anunciar os resultados e, por fim, apresentar o vencedor.

Nada na Constituição ou na Lei de Contagem Eleitoral dá ao vice-presidente qualquer poder especial. Seu papel ministerial e restrito faz sentido: o objetivo de uma eleição é permitir que o povo decida quem o governará. Se um presidente pudesse manobrar para se manter no cargo, o preceito mais fundamental do governo seria minado. 

Os autores da Lei de Contagem Eleitoral insistiram conscientemente nesse papel enfraquecido do vice-presidente. Eles se preveniram contra qualquer pretensão de que ele pudesse rejeitar os votos de um determinado Estado, dizendo que o vice deve abrir “todos os certificados e documentos que dizem ser votos eleitorais”. 

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Donald Trump ainda acredita que será o vencedor final da eleição presidencial nos Estados Unidos. O magnata insiste que houve fraude na votação que deu a vitória a Joe Biden.

Eles ainda afirmaram que, no caso de uma disputa, ambas as Casas do Congresso teriam de discordar de um determinado Estado para rejeitar seus votos. E dificultaram essa possibilidade de discordância dos congressistas, acrescentando medidas como uma cláusula de “porto seguro” e deferência à certificação por autoridades estaduais.

Na eleição de novembro, a certificação está clara. Não há contestações judiciais em andamento nos Estados. Todas as ações legais foram perdidas pelos advogados do presidente, de forma espetacular e frequente. Os Estados e os eleitores expressaram sua vontade. Nem o vice-presidente nem os apoiadores leais de Trump têm uma base válida para contestar o resultado das urnas.

É claro que essa estrutura cria constrangimento, pois força o vice-presidente a anunciar o resultado mesmo quando ele lhe é pessoalmente desfavorável. Após a eleição apertada de 1960, Richard Nixon, então vice-presidente, contou os votos para seu oponente, John Kennedy. Al Gore, talvez em um dos momentos mais dramáticos da curta história da república, contou os votos e os relatou em favor de George W. Bush.

Assistir a Gore encerrar todas as contestações e entregar a presidência a Bush foi um momento poderoso na democracia americana. No momento em que ele contou os votos, os EUA e o mundo sabiam onde ele se posicionava. E todos ficamos animados quando Gore, no fim, pediu a Deus que abençoasse o novo presidente e vice-presidente – e foi aplaudido por todos.

Os líderes republicanos – incluindo os senadores McConnell, Roy Blunt e John Thune – já reconheceram o resultado da eleição, apesar da ira do presidente. McConnell colocou em termos claros: “O colégio eleitoral se pronunciou. Portanto, quero parabenizar o presidente eleito Joe Biden.”

Notavelmente, Pence tem ficado em silêncio. Ele nem mesmo reconheceu a vitória histórica de Kamala Harris, a primeira mulher, a primeira negra e a primeira descendente de asiáticos a se tornar vice-presidente dos EUA. Agora, ele está prestes a fazer história ao iniciar seu ato de liderança mais importante. A questão para o vice-presidente, assim como para outros integrantes do Congresso, é de que lado da história ele quer seguir. Pence pode ter a integridade demonstrada por todos os governos anteriores? O povo americano aceita um perdedor elegante, mas um mau perdedor nunca fica bem nos livros de história.

Após a Guerra de Independência dos EUA, o artista Benjamin West relatou que o rei George III lhe perguntou o que o general Washington faria agora que o país era independente. West disse que Washington abriria mão do poder e voltaria à agricultura. “Se ele fizer isso, será o maior homem do mundo”, respondeu o rei britânico.

De fato, Washington o fez, entregando o comando do Exército ao Congresso e retornando para Mount Vernon, onde permaneceu por anos até ser eleito presidente. E ele mais uma vez abandonou o poder, oito anos depois, embora muitos tivessem defendido a possibilidade de mantê-lo presidente pelo resto da vida. Assim, Washington levou a cabo a república americana, porque não há república sem transferência pacífica do poder. Agora, cabe a Pence reconhecer isso. Como todos os que vieram antes dele, ele deve contar os votos conforme foram certificados e fazer tudo o que puder para se opor àqueles que agiriam de outra forma. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

*NEAL KATYAL É EX-PROCURADOR-GERAL DOS EUA E PROFESSOR DE DIREITO EM GEORGETOWN. JOHN MONSKY É CRIADOR DE AMERICAN HISTORY UNBOUND, SÉRIE DE PRODUÇÕES MULTIMÍDIA QUE COBRE MOMENTOS DECISIVOS NA HISTÓRIA AMERICANA E É INTEGRANTE DO CONSELHO DA NEW-YORK HISTORICAL SOCIETY.

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