Covid invade vila na Itália onde moradores preferem remédios caseiros à vacina


Província de Bolzano, nos Alpes, tem os mais altos índices de infecção por coronavírus e as mais baixas taxas de vacinação, enquanto muitos moradores preferem se cuidar com ar puro e medicamentos À base de plantas

Por Redação

SAN CANDIDO, Itália —Para uma família de agricultores orgânicos aninhada numa encosta de montanha coberta pela neve na Província de Bolzano, no norte da Itália, o coronavírus não é páreo contra os efeitos imunizantes do frescor do ar alpino, de uma revigorante caminhada na natureza ou para os poderes curativos de musgos, ervas e plantas da floresta.

“Se alguém tosse, fazemos compressas de cebola, um creme de tomilho e mirtilo para passar no corpo e bebemos muito chá”, afirmou Sabine Durnwalder, de 37 anos, moradora não vacinada da fazenda localizada nos esplêndidos vales das proximidades da altamente infectada Áustria. “Sei como me proteger.”

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Tradicionalmente, Bolzano possui a população mais saudável, forte e ativa da Itália. Agora, é também a região com o maior índice de infecção por coronavírus no país. A tradicional preferência por remédios naturais ampliou-se para uma rejeição generalizada às vacinas, tornando Bolzano a região menos vacinada da Itália.

Mercado de Natal vazio em Dobiacco: aqui só entram pessoas vacinadas Foto: Alessandro Grassani/The New York TimesAlessandro Grassani/The New York Times

Apesar das autoridades se preocuparem com teorias de conspiração e desinformação a respeito de vacinas espalhadas pelos populistas de direita, especialistas daqui afirmam que são entusiastas amantes da natureza os que duvidam da ciência e fundamentam esse ceticismo em relação às vacinas em Bolzano, o que está contribuindo bastante para um aumento no número de novos casos de covid-19, lotando hospitais e motivando novas restrições.

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“A maior razão é que eles confiam na natureza”, afirmou Patrick Franzoni, médico que lidera a campanha de vacinação na província. “Eles não compreendem que isso não adianta nada contra a covid.”

Com cerca de 70% da província completamente vacinada, Bolzano apresenta o maior número de casos de covid-19 por 100 mil habitantes na Itália, e a maior porcentagem de leitos de UTI ocupados por pacientes infectados pelo coronavírus. Nenhum dos pacientes internados em UTI se vacinou, afirmou Franzoni.

O médico afirmou que muitos pacientes chegam ao hospital com casos avançados de covid-19, o que aumenta a possibilidade de morrerem em decorrência da doença.

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Médicos da região reclamam há muito tempo que se atrasam em diagnosticar doenças graves porque os habitantes locais — que consomem proporcionalmente a menor quantidade de medicamentos farmacêuticos no país e apresentam os mais baixos índices de vacinação contra tétano, gripe e hepatite B — com frequência esperam semanas até acionar uma ambulância.

Sabine, a cética em relação a vacinas que vive na fazenda orgânica, argumentou que, vivendo em uma região virtualmente selvagem, as pessoas essencialmente não correm risco de se infectar com vírus ou transmiti-los. Ela afirmou que o principal contato que mantém com o mundo exterior é com as pessoas que alugam chalés na fazenda onde vive. Quando isso ocorre, ela afirmou que usa máscaras e mantém-se distante.

Sabine foi forçada a abandonar o trabalho como obstetra este ano, após o governo determinar a obrigatoriedade da vacinação contra covid-19 a todos os trabalhadores de saúde. Grávida pela terceira vez, ela se recusou a permitir que suas filhas fossem vacinadas e tratou sua família com vitamina C, Plantago major e botões de pinheiro.

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“Se você confiar em si mesmo e na natureza”, afirmou o marido dela, Markus Burgmann, de 39 anos, arremessando uma bola de neve para o cachorro do casal buscar, “não precisa ter nada a temer”.

O governo federal e os governos locais da Itália, temendo uma desestabilização na situação sanitária após uma elevação no número de novos casos de covid-19, impôs restrições mais rígidas na semana passada para conter o vírus.

As novas regras irritaram Massimo Galletti, proprietário não vacinado de uma loja de ervas, comida orgânica e remédios naturais da cidade de Dobbiaco. Ele também trabalha como treinador de triatletas e reclamou por não poder tomar um café fora de casa nem frequentar a piscina pública. O governo, disse ele, não percebeu quanto espaço as pessoas têm ao seu dispor, nem o quanto elas gostam de atividades ao ar livre.

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“Para as pessoas que vivem aqui, não se vacinar não deveria levar a restrições”, afirmou ele. “Nós somos diferentes. Vivemos uma vida diferente.”

A mulher dele, Vroni Baumgartner, concordou.

“Eu não fumo, não tomo remédios”, afirmou Baumgartner, de 56 anos, uma ecologista que retira do rio local o lixo que as pessoas jogam no curso d'água. “Por que eu deveria colocar no meu corpo algo que não me faz bem?”

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Muitos habitantes de Bolzano possuem sobrenomes germânicos, já que a província tornou-se parte da Itália quando os Impérios Alemão e Austríaco foram desmantelados, após a 1.ª Guerra. A região manteve suas raízes austríacas desde então, com os moradores usando  lederhosen, comendo linzertorte e falando melhor alemão do que italiano. Seus frequentes intercâmbios com a Áustria também figuram como causa para a recente elevação nos casos de covid-19 na região.

Os habitantes da rica e bem cuidada Bolzano são famosos por sua independência e com frequência indignam-se com decretos de Roma. Isso se estendeu para as obrigatoriedades de vacinação, especialmente por causa da profunda aversão pelas inoculações existente por aqui.

No começo do século 19, depois de conquistar a região, Napoleão a anexou à Baviera, que em 1807 impôs a vacinação contra varíola para todos os cidadãos. Em 1809, os habitantes da região se insurgiram numa revolta armada em parte contra a vacinação, que, pensavam os insurgentes, injetava protestantismo em suas veias católicas. Para dar o alarme de sua revolução, eles acenderam fogueiras em toda a região.

Anteriormente este mês, na véspera da aplicação das novas restrições contra não vacinados, centenas de ativistas antivacinação inspiraram-se na história e acenderam fogueiras e velas em seus jardins e varandas.

“Queremos mostrar que identificamos um enorme perigo”, afirma um post no perfil de Facebook do grupo local de céticos em relação a vacinas chamado Wir-Noi — termos que significam “Nós" em alemão e italiano. “Que a liberdade do fogo viaje pelo mundo.”

O vírus também viajou rapidamente.

Michele Unterhofer, proprietário não vacinado de um hotel em Dobbiaco, infectou-se com o vírus cerca de um mês atrás, assim como outras 13 pessoas com quem ele passou um dia recentemente, apenas três delas vacinadas. Unterhofer afirmou semana passada que  sua irmã, que tirou o filho da escola por discordar com as regras para evitar o coronavírus, estava doente em casa, infectada pelo vírus.

Sentado no bar de seu hotel, onde homens com bigodes brancos e chapéus de feltro verde tomavam café, Unterhofer, de 38 anos, afirmou que fechará temporariamente seu estabelecimento para protestar contra a exigência do governo de permitir hospedagem apenas de pessoas vacinadas.

A exigência é parte de uma série mais ampla de restrições que o governo italiano introduziu para persuadir pessoas não vacinadas a se vacinar. Em Bolzano, autoridades locais de saúde têm tentado atrair a população para os centros de vacinação oferecendo pão com salsicha e DJs tocando disco music.

“Há um ditado local: o agricultor não come o que não conhece”, afirmou Angelo Dapunt, de 65 anos, ex-maratonista proprietário de uma loja de roupas em Dobbiaco. “Mas as pessoas que vivem nas fazendas e enfrentam o frio têm mais fibra, não pegam nem resfriado.”

Ele tem resistido a se vacinar citando um problema na tireoide, e sua mulher e filhos também não se vacinaram.

Mas muitos moradores da região, confiando na ciência para protegê-los do contágio, se preocupam com os vizinhos, pois acham que eles estão brincando com fogo.

“Aqui estão eles, convencidos de que vivem num paraíso na Terra, respirando um ar tão puro que nunca adoecem”, afirmou Adriana Ziliotto, de 74 anos, enquanto comprava doces em uma padaria local. “Mas eles adoecem sim.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

SAN CANDIDO, Itália —Para uma família de agricultores orgânicos aninhada numa encosta de montanha coberta pela neve na Província de Bolzano, no norte da Itália, o coronavírus não é páreo contra os efeitos imunizantes do frescor do ar alpino, de uma revigorante caminhada na natureza ou para os poderes curativos de musgos, ervas e plantas da floresta.

“Se alguém tosse, fazemos compressas de cebola, um creme de tomilho e mirtilo para passar no corpo e bebemos muito chá”, afirmou Sabine Durnwalder, de 37 anos, moradora não vacinada da fazenda localizada nos esplêndidos vales das proximidades da altamente infectada Áustria. “Sei como me proteger.”

Tradicionalmente, Bolzano possui a população mais saudável, forte e ativa da Itália. Agora, é também a região com o maior índice de infecção por coronavírus no país. A tradicional preferência por remédios naturais ampliou-se para uma rejeição generalizada às vacinas, tornando Bolzano a região menos vacinada da Itália.

Mercado de Natal vazio em Dobiacco: aqui só entram pessoas vacinadas Foto: Alessandro Grassani/The New York TimesAlessandro Grassani/The New York Times

Apesar das autoridades se preocuparem com teorias de conspiração e desinformação a respeito de vacinas espalhadas pelos populistas de direita, especialistas daqui afirmam que são entusiastas amantes da natureza os que duvidam da ciência e fundamentam esse ceticismo em relação às vacinas em Bolzano, o que está contribuindo bastante para um aumento no número de novos casos de covid-19, lotando hospitais e motivando novas restrições.

“A maior razão é que eles confiam na natureza”, afirmou Patrick Franzoni, médico que lidera a campanha de vacinação na província. “Eles não compreendem que isso não adianta nada contra a covid.”

Com cerca de 70% da província completamente vacinada, Bolzano apresenta o maior número de casos de covid-19 por 100 mil habitantes na Itália, e a maior porcentagem de leitos de UTI ocupados por pacientes infectados pelo coronavírus. Nenhum dos pacientes internados em UTI se vacinou, afirmou Franzoni.

O médico afirmou que muitos pacientes chegam ao hospital com casos avançados de covid-19, o que aumenta a possibilidade de morrerem em decorrência da doença.

Médicos da região reclamam há muito tempo que se atrasam em diagnosticar doenças graves porque os habitantes locais — que consomem proporcionalmente a menor quantidade de medicamentos farmacêuticos no país e apresentam os mais baixos índices de vacinação contra tétano, gripe e hepatite B — com frequência esperam semanas até acionar uma ambulância.

Sabine, a cética em relação a vacinas que vive na fazenda orgânica, argumentou que, vivendo em uma região virtualmente selvagem, as pessoas essencialmente não correm risco de se infectar com vírus ou transmiti-los. Ela afirmou que o principal contato que mantém com o mundo exterior é com as pessoas que alugam chalés na fazenda onde vive. Quando isso ocorre, ela afirmou que usa máscaras e mantém-se distante.

Sabine foi forçada a abandonar o trabalho como obstetra este ano, após o governo determinar a obrigatoriedade da vacinação contra covid-19 a todos os trabalhadores de saúde. Grávida pela terceira vez, ela se recusou a permitir que suas filhas fossem vacinadas e tratou sua família com vitamina C, Plantago major e botões de pinheiro.

“Se você confiar em si mesmo e na natureza”, afirmou o marido dela, Markus Burgmann, de 39 anos, arremessando uma bola de neve para o cachorro do casal buscar, “não precisa ter nada a temer”.

O governo federal e os governos locais da Itália, temendo uma desestabilização na situação sanitária após uma elevação no número de novos casos de covid-19, impôs restrições mais rígidas na semana passada para conter o vírus.

As novas regras irritaram Massimo Galletti, proprietário não vacinado de uma loja de ervas, comida orgânica e remédios naturais da cidade de Dobbiaco. Ele também trabalha como treinador de triatletas e reclamou por não poder tomar um café fora de casa nem frequentar a piscina pública. O governo, disse ele, não percebeu quanto espaço as pessoas têm ao seu dispor, nem o quanto elas gostam de atividades ao ar livre.

“Para as pessoas que vivem aqui, não se vacinar não deveria levar a restrições”, afirmou ele. “Nós somos diferentes. Vivemos uma vida diferente.”

A mulher dele, Vroni Baumgartner, concordou.

“Eu não fumo, não tomo remédios”, afirmou Baumgartner, de 56 anos, uma ecologista que retira do rio local o lixo que as pessoas jogam no curso d'água. “Por que eu deveria colocar no meu corpo algo que não me faz bem?”

Muitos habitantes de Bolzano possuem sobrenomes germânicos, já que a província tornou-se parte da Itália quando os Impérios Alemão e Austríaco foram desmantelados, após a 1.ª Guerra. A região manteve suas raízes austríacas desde então, com os moradores usando  lederhosen, comendo linzertorte e falando melhor alemão do que italiano. Seus frequentes intercâmbios com a Áustria também figuram como causa para a recente elevação nos casos de covid-19 na região.

Os habitantes da rica e bem cuidada Bolzano são famosos por sua independência e com frequência indignam-se com decretos de Roma. Isso se estendeu para as obrigatoriedades de vacinação, especialmente por causa da profunda aversão pelas inoculações existente por aqui.

No começo do século 19, depois de conquistar a região, Napoleão a anexou à Baviera, que em 1807 impôs a vacinação contra varíola para todos os cidadãos. Em 1809, os habitantes da região se insurgiram numa revolta armada em parte contra a vacinação, que, pensavam os insurgentes, injetava protestantismo em suas veias católicas. Para dar o alarme de sua revolução, eles acenderam fogueiras em toda a região.

Anteriormente este mês, na véspera da aplicação das novas restrições contra não vacinados, centenas de ativistas antivacinação inspiraram-se na história e acenderam fogueiras e velas em seus jardins e varandas.

“Queremos mostrar que identificamos um enorme perigo”, afirma um post no perfil de Facebook do grupo local de céticos em relação a vacinas chamado Wir-Noi — termos que significam “Nós" em alemão e italiano. “Que a liberdade do fogo viaje pelo mundo.”

O vírus também viajou rapidamente.

Michele Unterhofer, proprietário não vacinado de um hotel em Dobbiaco, infectou-se com o vírus cerca de um mês atrás, assim como outras 13 pessoas com quem ele passou um dia recentemente, apenas três delas vacinadas. Unterhofer afirmou semana passada que  sua irmã, que tirou o filho da escola por discordar com as regras para evitar o coronavírus, estava doente em casa, infectada pelo vírus.

Sentado no bar de seu hotel, onde homens com bigodes brancos e chapéus de feltro verde tomavam café, Unterhofer, de 38 anos, afirmou que fechará temporariamente seu estabelecimento para protestar contra a exigência do governo de permitir hospedagem apenas de pessoas vacinadas.

A exigência é parte de uma série mais ampla de restrições que o governo italiano introduziu para persuadir pessoas não vacinadas a se vacinar. Em Bolzano, autoridades locais de saúde têm tentado atrair a população para os centros de vacinação oferecendo pão com salsicha e DJs tocando disco music.

“Há um ditado local: o agricultor não come o que não conhece”, afirmou Angelo Dapunt, de 65 anos, ex-maratonista proprietário de uma loja de roupas em Dobbiaco. “Mas as pessoas que vivem nas fazendas e enfrentam o frio têm mais fibra, não pegam nem resfriado.”

Ele tem resistido a se vacinar citando um problema na tireoide, e sua mulher e filhos também não se vacinaram.

Mas muitos moradores da região, confiando na ciência para protegê-los do contágio, se preocupam com os vizinhos, pois acham que eles estão brincando com fogo.

“Aqui estão eles, convencidos de que vivem num paraíso na Terra, respirando um ar tão puro que nunca adoecem”, afirmou Adriana Ziliotto, de 74 anos, enquanto comprava doces em uma padaria local. “Mas eles adoecem sim.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

SAN CANDIDO, Itália —Para uma família de agricultores orgânicos aninhada numa encosta de montanha coberta pela neve na Província de Bolzano, no norte da Itália, o coronavírus não é páreo contra os efeitos imunizantes do frescor do ar alpino, de uma revigorante caminhada na natureza ou para os poderes curativos de musgos, ervas e plantas da floresta.

“Se alguém tosse, fazemos compressas de cebola, um creme de tomilho e mirtilo para passar no corpo e bebemos muito chá”, afirmou Sabine Durnwalder, de 37 anos, moradora não vacinada da fazenda localizada nos esplêndidos vales das proximidades da altamente infectada Áustria. “Sei como me proteger.”

Tradicionalmente, Bolzano possui a população mais saudável, forte e ativa da Itália. Agora, é também a região com o maior índice de infecção por coronavírus no país. A tradicional preferência por remédios naturais ampliou-se para uma rejeição generalizada às vacinas, tornando Bolzano a região menos vacinada da Itália.

Mercado de Natal vazio em Dobiacco: aqui só entram pessoas vacinadas Foto: Alessandro Grassani/The New York TimesAlessandro Grassani/The New York Times

Apesar das autoridades se preocuparem com teorias de conspiração e desinformação a respeito de vacinas espalhadas pelos populistas de direita, especialistas daqui afirmam que são entusiastas amantes da natureza os que duvidam da ciência e fundamentam esse ceticismo em relação às vacinas em Bolzano, o que está contribuindo bastante para um aumento no número de novos casos de covid-19, lotando hospitais e motivando novas restrições.

“A maior razão é que eles confiam na natureza”, afirmou Patrick Franzoni, médico que lidera a campanha de vacinação na província. “Eles não compreendem que isso não adianta nada contra a covid.”

Com cerca de 70% da província completamente vacinada, Bolzano apresenta o maior número de casos de covid-19 por 100 mil habitantes na Itália, e a maior porcentagem de leitos de UTI ocupados por pacientes infectados pelo coronavírus. Nenhum dos pacientes internados em UTI se vacinou, afirmou Franzoni.

O médico afirmou que muitos pacientes chegam ao hospital com casos avançados de covid-19, o que aumenta a possibilidade de morrerem em decorrência da doença.

Médicos da região reclamam há muito tempo que se atrasam em diagnosticar doenças graves porque os habitantes locais — que consomem proporcionalmente a menor quantidade de medicamentos farmacêuticos no país e apresentam os mais baixos índices de vacinação contra tétano, gripe e hepatite B — com frequência esperam semanas até acionar uma ambulância.

Sabine, a cética em relação a vacinas que vive na fazenda orgânica, argumentou que, vivendo em uma região virtualmente selvagem, as pessoas essencialmente não correm risco de se infectar com vírus ou transmiti-los. Ela afirmou que o principal contato que mantém com o mundo exterior é com as pessoas que alugam chalés na fazenda onde vive. Quando isso ocorre, ela afirmou que usa máscaras e mantém-se distante.

Sabine foi forçada a abandonar o trabalho como obstetra este ano, após o governo determinar a obrigatoriedade da vacinação contra covid-19 a todos os trabalhadores de saúde. Grávida pela terceira vez, ela se recusou a permitir que suas filhas fossem vacinadas e tratou sua família com vitamina C, Plantago major e botões de pinheiro.

“Se você confiar em si mesmo e na natureza”, afirmou o marido dela, Markus Burgmann, de 39 anos, arremessando uma bola de neve para o cachorro do casal buscar, “não precisa ter nada a temer”.

O governo federal e os governos locais da Itália, temendo uma desestabilização na situação sanitária após uma elevação no número de novos casos de covid-19, impôs restrições mais rígidas na semana passada para conter o vírus.

As novas regras irritaram Massimo Galletti, proprietário não vacinado de uma loja de ervas, comida orgânica e remédios naturais da cidade de Dobbiaco. Ele também trabalha como treinador de triatletas e reclamou por não poder tomar um café fora de casa nem frequentar a piscina pública. O governo, disse ele, não percebeu quanto espaço as pessoas têm ao seu dispor, nem o quanto elas gostam de atividades ao ar livre.

“Para as pessoas que vivem aqui, não se vacinar não deveria levar a restrições”, afirmou ele. “Nós somos diferentes. Vivemos uma vida diferente.”

A mulher dele, Vroni Baumgartner, concordou.

“Eu não fumo, não tomo remédios”, afirmou Baumgartner, de 56 anos, uma ecologista que retira do rio local o lixo que as pessoas jogam no curso d'água. “Por que eu deveria colocar no meu corpo algo que não me faz bem?”

Muitos habitantes de Bolzano possuem sobrenomes germânicos, já que a província tornou-se parte da Itália quando os Impérios Alemão e Austríaco foram desmantelados, após a 1.ª Guerra. A região manteve suas raízes austríacas desde então, com os moradores usando  lederhosen, comendo linzertorte e falando melhor alemão do que italiano. Seus frequentes intercâmbios com a Áustria também figuram como causa para a recente elevação nos casos de covid-19 na região.

Os habitantes da rica e bem cuidada Bolzano são famosos por sua independência e com frequência indignam-se com decretos de Roma. Isso se estendeu para as obrigatoriedades de vacinação, especialmente por causa da profunda aversão pelas inoculações existente por aqui.

No começo do século 19, depois de conquistar a região, Napoleão a anexou à Baviera, que em 1807 impôs a vacinação contra varíola para todos os cidadãos. Em 1809, os habitantes da região se insurgiram numa revolta armada em parte contra a vacinação, que, pensavam os insurgentes, injetava protestantismo em suas veias católicas. Para dar o alarme de sua revolução, eles acenderam fogueiras em toda a região.

Anteriormente este mês, na véspera da aplicação das novas restrições contra não vacinados, centenas de ativistas antivacinação inspiraram-se na história e acenderam fogueiras e velas em seus jardins e varandas.

“Queremos mostrar que identificamos um enorme perigo”, afirma um post no perfil de Facebook do grupo local de céticos em relação a vacinas chamado Wir-Noi — termos que significam “Nós" em alemão e italiano. “Que a liberdade do fogo viaje pelo mundo.”

O vírus também viajou rapidamente.

Michele Unterhofer, proprietário não vacinado de um hotel em Dobbiaco, infectou-se com o vírus cerca de um mês atrás, assim como outras 13 pessoas com quem ele passou um dia recentemente, apenas três delas vacinadas. Unterhofer afirmou semana passada que  sua irmã, que tirou o filho da escola por discordar com as regras para evitar o coronavírus, estava doente em casa, infectada pelo vírus.

Sentado no bar de seu hotel, onde homens com bigodes brancos e chapéus de feltro verde tomavam café, Unterhofer, de 38 anos, afirmou que fechará temporariamente seu estabelecimento para protestar contra a exigência do governo de permitir hospedagem apenas de pessoas vacinadas.

A exigência é parte de uma série mais ampla de restrições que o governo italiano introduziu para persuadir pessoas não vacinadas a se vacinar. Em Bolzano, autoridades locais de saúde têm tentado atrair a população para os centros de vacinação oferecendo pão com salsicha e DJs tocando disco music.

“Há um ditado local: o agricultor não come o que não conhece”, afirmou Angelo Dapunt, de 65 anos, ex-maratonista proprietário de uma loja de roupas em Dobbiaco. “Mas as pessoas que vivem nas fazendas e enfrentam o frio têm mais fibra, não pegam nem resfriado.”

Ele tem resistido a se vacinar citando um problema na tireoide, e sua mulher e filhos também não se vacinaram.

Mas muitos moradores da região, confiando na ciência para protegê-los do contágio, se preocupam com os vizinhos, pois acham que eles estão brincando com fogo.

“Aqui estão eles, convencidos de que vivem num paraíso na Terra, respirando um ar tão puro que nunca adoecem”, afirmou Adriana Ziliotto, de 74 anos, enquanto comprava doces em uma padaria local. “Mas eles adoecem sim.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

SAN CANDIDO, Itália —Para uma família de agricultores orgânicos aninhada numa encosta de montanha coberta pela neve na Província de Bolzano, no norte da Itália, o coronavírus não é páreo contra os efeitos imunizantes do frescor do ar alpino, de uma revigorante caminhada na natureza ou para os poderes curativos de musgos, ervas e plantas da floresta.

“Se alguém tosse, fazemos compressas de cebola, um creme de tomilho e mirtilo para passar no corpo e bebemos muito chá”, afirmou Sabine Durnwalder, de 37 anos, moradora não vacinada da fazenda localizada nos esplêndidos vales das proximidades da altamente infectada Áustria. “Sei como me proteger.”

Tradicionalmente, Bolzano possui a população mais saudável, forte e ativa da Itália. Agora, é também a região com o maior índice de infecção por coronavírus no país. A tradicional preferência por remédios naturais ampliou-se para uma rejeição generalizada às vacinas, tornando Bolzano a região menos vacinada da Itália.

Mercado de Natal vazio em Dobiacco: aqui só entram pessoas vacinadas Foto: Alessandro Grassani/The New York TimesAlessandro Grassani/The New York Times

Apesar das autoridades se preocuparem com teorias de conspiração e desinformação a respeito de vacinas espalhadas pelos populistas de direita, especialistas daqui afirmam que são entusiastas amantes da natureza os que duvidam da ciência e fundamentam esse ceticismo em relação às vacinas em Bolzano, o que está contribuindo bastante para um aumento no número de novos casos de covid-19, lotando hospitais e motivando novas restrições.

“A maior razão é que eles confiam na natureza”, afirmou Patrick Franzoni, médico que lidera a campanha de vacinação na província. “Eles não compreendem que isso não adianta nada contra a covid.”

Com cerca de 70% da província completamente vacinada, Bolzano apresenta o maior número de casos de covid-19 por 100 mil habitantes na Itália, e a maior porcentagem de leitos de UTI ocupados por pacientes infectados pelo coronavírus. Nenhum dos pacientes internados em UTI se vacinou, afirmou Franzoni.

O médico afirmou que muitos pacientes chegam ao hospital com casos avançados de covid-19, o que aumenta a possibilidade de morrerem em decorrência da doença.

Médicos da região reclamam há muito tempo que se atrasam em diagnosticar doenças graves porque os habitantes locais — que consomem proporcionalmente a menor quantidade de medicamentos farmacêuticos no país e apresentam os mais baixos índices de vacinação contra tétano, gripe e hepatite B — com frequência esperam semanas até acionar uma ambulância.

Sabine, a cética em relação a vacinas que vive na fazenda orgânica, argumentou que, vivendo em uma região virtualmente selvagem, as pessoas essencialmente não correm risco de se infectar com vírus ou transmiti-los. Ela afirmou que o principal contato que mantém com o mundo exterior é com as pessoas que alugam chalés na fazenda onde vive. Quando isso ocorre, ela afirmou que usa máscaras e mantém-se distante.

Sabine foi forçada a abandonar o trabalho como obstetra este ano, após o governo determinar a obrigatoriedade da vacinação contra covid-19 a todos os trabalhadores de saúde. Grávida pela terceira vez, ela se recusou a permitir que suas filhas fossem vacinadas e tratou sua família com vitamina C, Plantago major e botões de pinheiro.

“Se você confiar em si mesmo e na natureza”, afirmou o marido dela, Markus Burgmann, de 39 anos, arremessando uma bola de neve para o cachorro do casal buscar, “não precisa ter nada a temer”.

O governo federal e os governos locais da Itália, temendo uma desestabilização na situação sanitária após uma elevação no número de novos casos de covid-19, impôs restrições mais rígidas na semana passada para conter o vírus.

As novas regras irritaram Massimo Galletti, proprietário não vacinado de uma loja de ervas, comida orgânica e remédios naturais da cidade de Dobbiaco. Ele também trabalha como treinador de triatletas e reclamou por não poder tomar um café fora de casa nem frequentar a piscina pública. O governo, disse ele, não percebeu quanto espaço as pessoas têm ao seu dispor, nem o quanto elas gostam de atividades ao ar livre.

“Para as pessoas que vivem aqui, não se vacinar não deveria levar a restrições”, afirmou ele. “Nós somos diferentes. Vivemos uma vida diferente.”

A mulher dele, Vroni Baumgartner, concordou.

“Eu não fumo, não tomo remédios”, afirmou Baumgartner, de 56 anos, uma ecologista que retira do rio local o lixo que as pessoas jogam no curso d'água. “Por que eu deveria colocar no meu corpo algo que não me faz bem?”

Muitos habitantes de Bolzano possuem sobrenomes germânicos, já que a província tornou-se parte da Itália quando os Impérios Alemão e Austríaco foram desmantelados, após a 1.ª Guerra. A região manteve suas raízes austríacas desde então, com os moradores usando  lederhosen, comendo linzertorte e falando melhor alemão do que italiano. Seus frequentes intercâmbios com a Áustria também figuram como causa para a recente elevação nos casos de covid-19 na região.

Os habitantes da rica e bem cuidada Bolzano são famosos por sua independência e com frequência indignam-se com decretos de Roma. Isso se estendeu para as obrigatoriedades de vacinação, especialmente por causa da profunda aversão pelas inoculações existente por aqui.

No começo do século 19, depois de conquistar a região, Napoleão a anexou à Baviera, que em 1807 impôs a vacinação contra varíola para todos os cidadãos. Em 1809, os habitantes da região se insurgiram numa revolta armada em parte contra a vacinação, que, pensavam os insurgentes, injetava protestantismo em suas veias católicas. Para dar o alarme de sua revolução, eles acenderam fogueiras em toda a região.

Anteriormente este mês, na véspera da aplicação das novas restrições contra não vacinados, centenas de ativistas antivacinação inspiraram-se na história e acenderam fogueiras e velas em seus jardins e varandas.

“Queremos mostrar que identificamos um enorme perigo”, afirma um post no perfil de Facebook do grupo local de céticos em relação a vacinas chamado Wir-Noi — termos que significam “Nós" em alemão e italiano. “Que a liberdade do fogo viaje pelo mundo.”

O vírus também viajou rapidamente.

Michele Unterhofer, proprietário não vacinado de um hotel em Dobbiaco, infectou-se com o vírus cerca de um mês atrás, assim como outras 13 pessoas com quem ele passou um dia recentemente, apenas três delas vacinadas. Unterhofer afirmou semana passada que  sua irmã, que tirou o filho da escola por discordar com as regras para evitar o coronavírus, estava doente em casa, infectada pelo vírus.

Sentado no bar de seu hotel, onde homens com bigodes brancos e chapéus de feltro verde tomavam café, Unterhofer, de 38 anos, afirmou que fechará temporariamente seu estabelecimento para protestar contra a exigência do governo de permitir hospedagem apenas de pessoas vacinadas.

A exigência é parte de uma série mais ampla de restrições que o governo italiano introduziu para persuadir pessoas não vacinadas a se vacinar. Em Bolzano, autoridades locais de saúde têm tentado atrair a população para os centros de vacinação oferecendo pão com salsicha e DJs tocando disco music.

“Há um ditado local: o agricultor não come o que não conhece”, afirmou Angelo Dapunt, de 65 anos, ex-maratonista proprietário de uma loja de roupas em Dobbiaco. “Mas as pessoas que vivem nas fazendas e enfrentam o frio têm mais fibra, não pegam nem resfriado.”

Ele tem resistido a se vacinar citando um problema na tireoide, e sua mulher e filhos também não se vacinaram.

Mas muitos moradores da região, confiando na ciência para protegê-los do contágio, se preocupam com os vizinhos, pois acham que eles estão brincando com fogo.

“Aqui estão eles, convencidos de que vivem num paraíso na Terra, respirando um ar tão puro que nunca adoecem”, afirmou Adriana Ziliotto, de 74 anos, enquanto comprava doces em uma padaria local. “Mas eles adoecem sim.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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