Eleição em Israel acirra debate sobre Estado secular


Discussão sobre papel dos religiosos ultraortodoxos na sociedade está por trás das forças que definem hoje o futuro de Netanyahu

Por David Halbfinger
Atualização:

JERUSALÉM - Israel terá hoje sua segunda eleição no ano, depois que a coalizão vitoriosa na primeira votação, em abril, desmoronou em razão de divergências entre conservadores laicos e religiosos da coalizão do primeiro-ministro, Binyamin “Bibi” Netanyahu

Banner do candidato Benny Gantz, do partido Azul e Branco, diz "só com o Azul e Branco vamos criar um governo secular unido" Foto: Hazem Bader/AFP

O que travou a formação de um governo em abril foi Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu, partido secular e conservador. Há anos, o ressentimento vem se formando entre Liberman e os partidos religiosos da aliança de Bibi. Isso porque, em Israel, homens e mulheres são obrigados a prestar serviço militar, mas os ultraortodoxos estão isentos.

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Ao contrário de outros israelenses, eles recebem subsídios para estudar a Torá e constituir grandes famílias. Em um país que se coloca como lar de todos os judeus, os rabinos ultraortodoxos têm o monopólio de eventos como casamento, divórcio e conversões religiosas. 

Em um país cercado de problemas de segurança, a eleição, surpreendentemente, se centraliza na preocupação sobre o quão judeu deve ser o Estado de Israel. “Não tenho nada contra os ultraortodoxos”, disse Lior Amiel, de 49 anos, empresário que fazia compras em Ramat Hasharon. “Mas, no momento, estou financiando o estilo de vida deles.”

Essa eleição deveria ser simples, um rápido reexame para dar a Netanyahu a reeleição ou uma oportunidade aos seus oponentes de derrotá-lo. Em vez disto, tornou-se o que Yohanan Plesner, presidente do Israel Democracy Institute, chama de “campanha crucial pela trajetória do país”.

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A jogada de Lieberman pode ter sido uma estratégia para chamar atenção. Da noite para o dia, seu apoio duplicou e ele se tornou o herói dos liberais laicos. Segundo Jason Pearlman, analista conservador, nos últimos anos, os dois principais eixos da política israelense – religião e palestinos – convergiram.

A antiga coalizão de Netanyahu foi uma fusão da direita, que defende uma linha-dura com os palestinos, e ultraortodoxos, que prometem votar em bloco em troca de privilégios. “O que Lieberman fez foi quebrar o lacre, separando os dois eixos”, disse Pearlman.

Líderes liberais e seculares da esquerda e do centro responderam, apoiando Lieberman e afirmando que a população ultraortodoxa, com seus estudantes de religião desempregados e suas grandes famílias subsidiadas, estão impondo uma carga excessiva sobre o Estado. 

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Benny Gantz, candidato do Azul e Branco, reza no Muro das Lamentações em Jerusalém, Israel Foto: Abir Sultan/EFE/EPA

Eles se dizem chocados com o fato de os partidos ultrarreligiosos negociarem a imunidade de Netanyahu, que estaria comprando sua liberdade em troca da permissão para que Israel se torne uma teocracia.

Os liberais e seculares estão furiosos com a crescente influência de um grupo quase evangélico de judeus que defendem uma visão antifeminista, antigay e uma ideologia messiânica de extrema direita. “Está cada vez mais alarmante” disse Nitzan Horowitz, líder do partido União Democrática, de esquerda. “As pessoas começam a se sentir ameaçadas.”

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Os partidos religiosos insistem que estão defendendo o status quo que remonta à fundação de Israel e tem por fim preservar o estudo da Torá. Os ultraortodoxos representam apenas 10% dos eleitores – frente aos 44% seculares –, mas têm aumentado seus privilégios graças à habilidade de obter promessas em troca de apoio político. “Não estamos nos tornando uma minoria menor, mas sim uma minoria maior”, disse Yitzhak Zeev Pindrus, deputado do partido Judaísmo da Torá Unida

Os religiosos rejeitam as críticas, taxando-as de antissemitas. “Estão fazendo uma campanha de ódio contra tudo que tem aroma judeu”, disse Eytan Fuld, porta-voz do Yamina, partido conservador. 

O equilíbrio entre Estado e religião está no centro da identidade de Israel. “Somos um Estado nacional judeu e isso é tudo?”, questiona Ariel Picard, estudioso do Shalom Hartman Institute, de Jerusalém. “Ou somos um Estado democrático judeu com valores humanos?”

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A pergunta tem consequências reais. Os ultrarreligiosos alertam que o país pode perder sua alma e não será mais socialmente aceitável ou economicamente viável viver como judeus tementes a Deus e seguindo os mandamentos da Torá. Seus oponentes dizem que o país está se tornando um lugar irreconhecível e inóspito. 

Além da isenção de serviço militar, o debate traz à tona a suspensão de regras que proíbem ônibus, trens e lojas de operar aos sábados. Essas discussões, normalmente, envolvem apenas ultraortodoxos e seculares. Desta vez, porém, entrou no debate um outro grupo: judeus que usam o quipá, observam o shabat e são sionistas fervorosos que apoiam a anexação da Cisjordânia.

É a influência crescente de uma ala desse grupo, os religiosos haredis, que tem alarmado os israelenses seculares. A anexação da Cisjordânia eliminaria a solução de dois Estados e a construção de um Terceiro Templo no local do Domo da Rocha, lugar sagrado dos muçulmanos, pode desencadear uma guerra santa cataclísmica.

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À medida que o poder de Netanyahu enfraquece, a extrema direita ganha influência, culminando na indicação de nomes para o gabinete, como Bezalel Smotrich, como ministro dos Transportes, e Rafi Peretz, ex-rabino como ministro da Educação.

Em entrevista recente, Peretz defendeu a “terapia de conversão” gay. Smotrich pediu a restauração do “sistema judiciário da Torá”, o que levou a acusações de que ele deseja criar um Estado religioso.

A apreensão aumenta, mesmo entre os eleitores judeus de direita que votam normalmente em Netanyahu. O debate sobre que valores judeus devem ter precedência está dividindo famílias e congregações.

Na sinagoga de Shtiblach, em Jerusalém, Harry Grynberg, de 62 anos, disse que votou no Likud, em abril, mas não votará desta vez – ele disse que apoia agora o partido Azul e Branco, do ex-general Benny Gantz, que prometeu unificar o país a partir do centro.

Netanyahu tem tentado mudar de assunto, trazendo à tona ameaças à segurança do país. “Para ele, essas questões são como uma bomba-relógio”, disse Plesner, do Israel Democracy Institute.

“Ele está em rota de colisão com seus próprios eleitores. A maioria do Likud é secular e não apoia os ultraortodoxos.” A oposição, porém, aprendeu a nunca dar Netanyahu como derrotado. Na última hora, ele sempre tira um curinga da manga.

Gantz será julgado na Holanda

Um tribunal holandês decide hoje se aceita uma ação civil contra Benny Gantz, ex-general e rival de Binyamin Netanyahu. Ismail Ziada, holandês de origem palestina, pede 600 mil euros pela morte de seis parentes em um ataque em Gaza, em 2014. Os advogados de Ziada afirmam que a jurisdição universal permite que a ação seja julgada na Holanda quando o crime envolve um cidadão holandês.  / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO, com REUTERS

JERUSALÉM - Israel terá hoje sua segunda eleição no ano, depois que a coalizão vitoriosa na primeira votação, em abril, desmoronou em razão de divergências entre conservadores laicos e religiosos da coalizão do primeiro-ministro, Binyamin “Bibi” Netanyahu

Banner do candidato Benny Gantz, do partido Azul e Branco, diz "só com o Azul e Branco vamos criar um governo secular unido" Foto: Hazem Bader/AFP

O que travou a formação de um governo em abril foi Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu, partido secular e conservador. Há anos, o ressentimento vem se formando entre Liberman e os partidos religiosos da aliança de Bibi. Isso porque, em Israel, homens e mulheres são obrigados a prestar serviço militar, mas os ultraortodoxos estão isentos.

Ao contrário de outros israelenses, eles recebem subsídios para estudar a Torá e constituir grandes famílias. Em um país que se coloca como lar de todos os judeus, os rabinos ultraortodoxos têm o monopólio de eventos como casamento, divórcio e conversões religiosas. 

Em um país cercado de problemas de segurança, a eleição, surpreendentemente, se centraliza na preocupação sobre o quão judeu deve ser o Estado de Israel. “Não tenho nada contra os ultraortodoxos”, disse Lior Amiel, de 49 anos, empresário que fazia compras em Ramat Hasharon. “Mas, no momento, estou financiando o estilo de vida deles.”

Essa eleição deveria ser simples, um rápido reexame para dar a Netanyahu a reeleição ou uma oportunidade aos seus oponentes de derrotá-lo. Em vez disto, tornou-se o que Yohanan Plesner, presidente do Israel Democracy Institute, chama de “campanha crucial pela trajetória do país”.

A jogada de Lieberman pode ter sido uma estratégia para chamar atenção. Da noite para o dia, seu apoio duplicou e ele se tornou o herói dos liberais laicos. Segundo Jason Pearlman, analista conservador, nos últimos anos, os dois principais eixos da política israelense – religião e palestinos – convergiram.

A antiga coalizão de Netanyahu foi uma fusão da direita, que defende uma linha-dura com os palestinos, e ultraortodoxos, que prometem votar em bloco em troca de privilégios. “O que Lieberman fez foi quebrar o lacre, separando os dois eixos”, disse Pearlman.

Líderes liberais e seculares da esquerda e do centro responderam, apoiando Lieberman e afirmando que a população ultraortodoxa, com seus estudantes de religião desempregados e suas grandes famílias subsidiadas, estão impondo uma carga excessiva sobre o Estado. 

Benny Gantz, candidato do Azul e Branco, reza no Muro das Lamentações em Jerusalém, Israel Foto: Abir Sultan/EFE/EPA

Eles se dizem chocados com o fato de os partidos ultrarreligiosos negociarem a imunidade de Netanyahu, que estaria comprando sua liberdade em troca da permissão para que Israel se torne uma teocracia.

Os liberais e seculares estão furiosos com a crescente influência de um grupo quase evangélico de judeus que defendem uma visão antifeminista, antigay e uma ideologia messiânica de extrema direita. “Está cada vez mais alarmante” disse Nitzan Horowitz, líder do partido União Democrática, de esquerda. “As pessoas começam a se sentir ameaçadas.”

Os partidos religiosos insistem que estão defendendo o status quo que remonta à fundação de Israel e tem por fim preservar o estudo da Torá. Os ultraortodoxos representam apenas 10% dos eleitores – frente aos 44% seculares –, mas têm aumentado seus privilégios graças à habilidade de obter promessas em troca de apoio político. “Não estamos nos tornando uma minoria menor, mas sim uma minoria maior”, disse Yitzhak Zeev Pindrus, deputado do partido Judaísmo da Torá Unida

Os religiosos rejeitam as críticas, taxando-as de antissemitas. “Estão fazendo uma campanha de ódio contra tudo que tem aroma judeu”, disse Eytan Fuld, porta-voz do Yamina, partido conservador. 

O equilíbrio entre Estado e religião está no centro da identidade de Israel. “Somos um Estado nacional judeu e isso é tudo?”, questiona Ariel Picard, estudioso do Shalom Hartman Institute, de Jerusalém. “Ou somos um Estado democrático judeu com valores humanos?”

A pergunta tem consequências reais. Os ultrarreligiosos alertam que o país pode perder sua alma e não será mais socialmente aceitável ou economicamente viável viver como judeus tementes a Deus e seguindo os mandamentos da Torá. Seus oponentes dizem que o país está se tornando um lugar irreconhecível e inóspito. 

Além da isenção de serviço militar, o debate traz à tona a suspensão de regras que proíbem ônibus, trens e lojas de operar aos sábados. Essas discussões, normalmente, envolvem apenas ultraortodoxos e seculares. Desta vez, porém, entrou no debate um outro grupo: judeus que usam o quipá, observam o shabat e são sionistas fervorosos que apoiam a anexação da Cisjordânia.

É a influência crescente de uma ala desse grupo, os religiosos haredis, que tem alarmado os israelenses seculares. A anexação da Cisjordânia eliminaria a solução de dois Estados e a construção de um Terceiro Templo no local do Domo da Rocha, lugar sagrado dos muçulmanos, pode desencadear uma guerra santa cataclísmica.

À medida que o poder de Netanyahu enfraquece, a extrema direita ganha influência, culminando na indicação de nomes para o gabinete, como Bezalel Smotrich, como ministro dos Transportes, e Rafi Peretz, ex-rabino como ministro da Educação.

Em entrevista recente, Peretz defendeu a “terapia de conversão” gay. Smotrich pediu a restauração do “sistema judiciário da Torá”, o que levou a acusações de que ele deseja criar um Estado religioso.

A apreensão aumenta, mesmo entre os eleitores judeus de direita que votam normalmente em Netanyahu. O debate sobre que valores judeus devem ter precedência está dividindo famílias e congregações.

Na sinagoga de Shtiblach, em Jerusalém, Harry Grynberg, de 62 anos, disse que votou no Likud, em abril, mas não votará desta vez – ele disse que apoia agora o partido Azul e Branco, do ex-general Benny Gantz, que prometeu unificar o país a partir do centro.

Netanyahu tem tentado mudar de assunto, trazendo à tona ameaças à segurança do país. “Para ele, essas questões são como uma bomba-relógio”, disse Plesner, do Israel Democracy Institute.

“Ele está em rota de colisão com seus próprios eleitores. A maioria do Likud é secular e não apoia os ultraortodoxos.” A oposição, porém, aprendeu a nunca dar Netanyahu como derrotado. Na última hora, ele sempre tira um curinga da manga.

Gantz será julgado na Holanda

Um tribunal holandês decide hoje se aceita uma ação civil contra Benny Gantz, ex-general e rival de Binyamin Netanyahu. Ismail Ziada, holandês de origem palestina, pede 600 mil euros pela morte de seis parentes em um ataque em Gaza, em 2014. Os advogados de Ziada afirmam que a jurisdição universal permite que a ação seja julgada na Holanda quando o crime envolve um cidadão holandês.  / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO, com REUTERS

JERUSALÉM - Israel terá hoje sua segunda eleição no ano, depois que a coalizão vitoriosa na primeira votação, em abril, desmoronou em razão de divergências entre conservadores laicos e religiosos da coalizão do primeiro-ministro, Binyamin “Bibi” Netanyahu

Banner do candidato Benny Gantz, do partido Azul e Branco, diz "só com o Azul e Branco vamos criar um governo secular unido" Foto: Hazem Bader/AFP

O que travou a formação de um governo em abril foi Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu, partido secular e conservador. Há anos, o ressentimento vem se formando entre Liberman e os partidos religiosos da aliança de Bibi. Isso porque, em Israel, homens e mulheres são obrigados a prestar serviço militar, mas os ultraortodoxos estão isentos.

Ao contrário de outros israelenses, eles recebem subsídios para estudar a Torá e constituir grandes famílias. Em um país que se coloca como lar de todos os judeus, os rabinos ultraortodoxos têm o monopólio de eventos como casamento, divórcio e conversões religiosas. 

Em um país cercado de problemas de segurança, a eleição, surpreendentemente, se centraliza na preocupação sobre o quão judeu deve ser o Estado de Israel. “Não tenho nada contra os ultraortodoxos”, disse Lior Amiel, de 49 anos, empresário que fazia compras em Ramat Hasharon. “Mas, no momento, estou financiando o estilo de vida deles.”

Essa eleição deveria ser simples, um rápido reexame para dar a Netanyahu a reeleição ou uma oportunidade aos seus oponentes de derrotá-lo. Em vez disto, tornou-se o que Yohanan Plesner, presidente do Israel Democracy Institute, chama de “campanha crucial pela trajetória do país”.

A jogada de Lieberman pode ter sido uma estratégia para chamar atenção. Da noite para o dia, seu apoio duplicou e ele se tornou o herói dos liberais laicos. Segundo Jason Pearlman, analista conservador, nos últimos anos, os dois principais eixos da política israelense – religião e palestinos – convergiram.

A antiga coalizão de Netanyahu foi uma fusão da direita, que defende uma linha-dura com os palestinos, e ultraortodoxos, que prometem votar em bloco em troca de privilégios. “O que Lieberman fez foi quebrar o lacre, separando os dois eixos”, disse Pearlman.

Líderes liberais e seculares da esquerda e do centro responderam, apoiando Lieberman e afirmando que a população ultraortodoxa, com seus estudantes de religião desempregados e suas grandes famílias subsidiadas, estão impondo uma carga excessiva sobre o Estado. 

Benny Gantz, candidato do Azul e Branco, reza no Muro das Lamentações em Jerusalém, Israel Foto: Abir Sultan/EFE/EPA

Eles se dizem chocados com o fato de os partidos ultrarreligiosos negociarem a imunidade de Netanyahu, que estaria comprando sua liberdade em troca da permissão para que Israel se torne uma teocracia.

Os liberais e seculares estão furiosos com a crescente influência de um grupo quase evangélico de judeus que defendem uma visão antifeminista, antigay e uma ideologia messiânica de extrema direita. “Está cada vez mais alarmante” disse Nitzan Horowitz, líder do partido União Democrática, de esquerda. “As pessoas começam a se sentir ameaçadas.”

Os partidos religiosos insistem que estão defendendo o status quo que remonta à fundação de Israel e tem por fim preservar o estudo da Torá. Os ultraortodoxos representam apenas 10% dos eleitores – frente aos 44% seculares –, mas têm aumentado seus privilégios graças à habilidade de obter promessas em troca de apoio político. “Não estamos nos tornando uma minoria menor, mas sim uma minoria maior”, disse Yitzhak Zeev Pindrus, deputado do partido Judaísmo da Torá Unida

Os religiosos rejeitam as críticas, taxando-as de antissemitas. “Estão fazendo uma campanha de ódio contra tudo que tem aroma judeu”, disse Eytan Fuld, porta-voz do Yamina, partido conservador. 

O equilíbrio entre Estado e religião está no centro da identidade de Israel. “Somos um Estado nacional judeu e isso é tudo?”, questiona Ariel Picard, estudioso do Shalom Hartman Institute, de Jerusalém. “Ou somos um Estado democrático judeu com valores humanos?”

A pergunta tem consequências reais. Os ultrarreligiosos alertam que o país pode perder sua alma e não será mais socialmente aceitável ou economicamente viável viver como judeus tementes a Deus e seguindo os mandamentos da Torá. Seus oponentes dizem que o país está se tornando um lugar irreconhecível e inóspito. 

Além da isenção de serviço militar, o debate traz à tona a suspensão de regras que proíbem ônibus, trens e lojas de operar aos sábados. Essas discussões, normalmente, envolvem apenas ultraortodoxos e seculares. Desta vez, porém, entrou no debate um outro grupo: judeus que usam o quipá, observam o shabat e são sionistas fervorosos que apoiam a anexação da Cisjordânia.

É a influência crescente de uma ala desse grupo, os religiosos haredis, que tem alarmado os israelenses seculares. A anexação da Cisjordânia eliminaria a solução de dois Estados e a construção de um Terceiro Templo no local do Domo da Rocha, lugar sagrado dos muçulmanos, pode desencadear uma guerra santa cataclísmica.

À medida que o poder de Netanyahu enfraquece, a extrema direita ganha influência, culminando na indicação de nomes para o gabinete, como Bezalel Smotrich, como ministro dos Transportes, e Rafi Peretz, ex-rabino como ministro da Educação.

Em entrevista recente, Peretz defendeu a “terapia de conversão” gay. Smotrich pediu a restauração do “sistema judiciário da Torá”, o que levou a acusações de que ele deseja criar um Estado religioso.

A apreensão aumenta, mesmo entre os eleitores judeus de direita que votam normalmente em Netanyahu. O debate sobre que valores judeus devem ter precedência está dividindo famílias e congregações.

Na sinagoga de Shtiblach, em Jerusalém, Harry Grynberg, de 62 anos, disse que votou no Likud, em abril, mas não votará desta vez – ele disse que apoia agora o partido Azul e Branco, do ex-general Benny Gantz, que prometeu unificar o país a partir do centro.

Netanyahu tem tentado mudar de assunto, trazendo à tona ameaças à segurança do país. “Para ele, essas questões são como uma bomba-relógio”, disse Plesner, do Israel Democracy Institute.

“Ele está em rota de colisão com seus próprios eleitores. A maioria do Likud é secular e não apoia os ultraortodoxos.” A oposição, porém, aprendeu a nunca dar Netanyahu como derrotado. Na última hora, ele sempre tira um curinga da manga.

Gantz será julgado na Holanda

Um tribunal holandês decide hoje se aceita uma ação civil contra Benny Gantz, ex-general e rival de Binyamin Netanyahu. Ismail Ziada, holandês de origem palestina, pede 600 mil euros pela morte de seis parentes em um ataque em Gaza, em 2014. Os advogados de Ziada afirmam que a jurisdição universal permite que a ação seja julgada na Holanda quando o crime envolve um cidadão holandês.  / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO, com REUTERS

JERUSALÉM - Israel terá hoje sua segunda eleição no ano, depois que a coalizão vitoriosa na primeira votação, em abril, desmoronou em razão de divergências entre conservadores laicos e religiosos da coalizão do primeiro-ministro, Binyamin “Bibi” Netanyahu

Banner do candidato Benny Gantz, do partido Azul e Branco, diz "só com o Azul e Branco vamos criar um governo secular unido" Foto: Hazem Bader/AFP

O que travou a formação de um governo em abril foi Avigdor Lieberman, do Yisrael Beitenu, partido secular e conservador. Há anos, o ressentimento vem se formando entre Liberman e os partidos religiosos da aliança de Bibi. Isso porque, em Israel, homens e mulheres são obrigados a prestar serviço militar, mas os ultraortodoxos estão isentos.

Ao contrário de outros israelenses, eles recebem subsídios para estudar a Torá e constituir grandes famílias. Em um país que se coloca como lar de todos os judeus, os rabinos ultraortodoxos têm o monopólio de eventos como casamento, divórcio e conversões religiosas. 

Em um país cercado de problemas de segurança, a eleição, surpreendentemente, se centraliza na preocupação sobre o quão judeu deve ser o Estado de Israel. “Não tenho nada contra os ultraortodoxos”, disse Lior Amiel, de 49 anos, empresário que fazia compras em Ramat Hasharon. “Mas, no momento, estou financiando o estilo de vida deles.”

Essa eleição deveria ser simples, um rápido reexame para dar a Netanyahu a reeleição ou uma oportunidade aos seus oponentes de derrotá-lo. Em vez disto, tornou-se o que Yohanan Plesner, presidente do Israel Democracy Institute, chama de “campanha crucial pela trajetória do país”.

A jogada de Lieberman pode ter sido uma estratégia para chamar atenção. Da noite para o dia, seu apoio duplicou e ele se tornou o herói dos liberais laicos. Segundo Jason Pearlman, analista conservador, nos últimos anos, os dois principais eixos da política israelense – religião e palestinos – convergiram.

A antiga coalizão de Netanyahu foi uma fusão da direita, que defende uma linha-dura com os palestinos, e ultraortodoxos, que prometem votar em bloco em troca de privilégios. “O que Lieberman fez foi quebrar o lacre, separando os dois eixos”, disse Pearlman.

Líderes liberais e seculares da esquerda e do centro responderam, apoiando Lieberman e afirmando que a população ultraortodoxa, com seus estudantes de religião desempregados e suas grandes famílias subsidiadas, estão impondo uma carga excessiva sobre o Estado. 

Benny Gantz, candidato do Azul e Branco, reza no Muro das Lamentações em Jerusalém, Israel Foto: Abir Sultan/EFE/EPA

Eles se dizem chocados com o fato de os partidos ultrarreligiosos negociarem a imunidade de Netanyahu, que estaria comprando sua liberdade em troca da permissão para que Israel se torne uma teocracia.

Os liberais e seculares estão furiosos com a crescente influência de um grupo quase evangélico de judeus que defendem uma visão antifeminista, antigay e uma ideologia messiânica de extrema direita. “Está cada vez mais alarmante” disse Nitzan Horowitz, líder do partido União Democrática, de esquerda. “As pessoas começam a se sentir ameaçadas.”

Os partidos religiosos insistem que estão defendendo o status quo que remonta à fundação de Israel e tem por fim preservar o estudo da Torá. Os ultraortodoxos representam apenas 10% dos eleitores – frente aos 44% seculares –, mas têm aumentado seus privilégios graças à habilidade de obter promessas em troca de apoio político. “Não estamos nos tornando uma minoria menor, mas sim uma minoria maior”, disse Yitzhak Zeev Pindrus, deputado do partido Judaísmo da Torá Unida

Os religiosos rejeitam as críticas, taxando-as de antissemitas. “Estão fazendo uma campanha de ódio contra tudo que tem aroma judeu”, disse Eytan Fuld, porta-voz do Yamina, partido conservador. 

O equilíbrio entre Estado e religião está no centro da identidade de Israel. “Somos um Estado nacional judeu e isso é tudo?”, questiona Ariel Picard, estudioso do Shalom Hartman Institute, de Jerusalém. “Ou somos um Estado democrático judeu com valores humanos?”

A pergunta tem consequências reais. Os ultrarreligiosos alertam que o país pode perder sua alma e não será mais socialmente aceitável ou economicamente viável viver como judeus tementes a Deus e seguindo os mandamentos da Torá. Seus oponentes dizem que o país está se tornando um lugar irreconhecível e inóspito. 

Além da isenção de serviço militar, o debate traz à tona a suspensão de regras que proíbem ônibus, trens e lojas de operar aos sábados. Essas discussões, normalmente, envolvem apenas ultraortodoxos e seculares. Desta vez, porém, entrou no debate um outro grupo: judeus que usam o quipá, observam o shabat e são sionistas fervorosos que apoiam a anexação da Cisjordânia.

É a influência crescente de uma ala desse grupo, os religiosos haredis, que tem alarmado os israelenses seculares. A anexação da Cisjordânia eliminaria a solução de dois Estados e a construção de um Terceiro Templo no local do Domo da Rocha, lugar sagrado dos muçulmanos, pode desencadear uma guerra santa cataclísmica.

À medida que o poder de Netanyahu enfraquece, a extrema direita ganha influência, culminando na indicação de nomes para o gabinete, como Bezalel Smotrich, como ministro dos Transportes, e Rafi Peretz, ex-rabino como ministro da Educação.

Em entrevista recente, Peretz defendeu a “terapia de conversão” gay. Smotrich pediu a restauração do “sistema judiciário da Torá”, o que levou a acusações de que ele deseja criar um Estado religioso.

A apreensão aumenta, mesmo entre os eleitores judeus de direita que votam normalmente em Netanyahu. O debate sobre que valores judeus devem ter precedência está dividindo famílias e congregações.

Na sinagoga de Shtiblach, em Jerusalém, Harry Grynberg, de 62 anos, disse que votou no Likud, em abril, mas não votará desta vez – ele disse que apoia agora o partido Azul e Branco, do ex-general Benny Gantz, que prometeu unificar o país a partir do centro.

Netanyahu tem tentado mudar de assunto, trazendo à tona ameaças à segurança do país. “Para ele, essas questões são como uma bomba-relógio”, disse Plesner, do Israel Democracy Institute.

“Ele está em rota de colisão com seus próprios eleitores. A maioria do Likud é secular e não apoia os ultraortodoxos.” A oposição, porém, aprendeu a nunca dar Netanyahu como derrotado. Na última hora, ele sempre tira um curinga da manga.

Gantz será julgado na Holanda

Um tribunal holandês decide hoje se aceita uma ação civil contra Benny Gantz, ex-general e rival de Binyamin Netanyahu. Ismail Ziada, holandês de origem palestina, pede 600 mil euros pela morte de seis parentes em um ataque em Gaza, em 2014. Os advogados de Ziada afirmam que a jurisdição universal permite que a ação seja julgada na Holanda quando o crime envolve um cidadão holandês.  / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO, com REUTERS

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