Europa sacrifica florestas ancestrais para combater crise de energia


Governos europeus apostam bilhões em queima de madeira para obter eletricidade verde. O The New York Times investigou os custos ocultos nesta estratégia

Por Sarah Hurtes e Weiyi Cai
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Queimar toneladas de madeira jamais deveria ter sido o fundamento da estratégia da União Europeia para energia verde.

Quando o bloco começou a subsidiar queima de madeira, mais de uma década atrás, isso era visto como um estímulo ágil para o combustível renovável e um incentivo para afastar lares e usinas de produção de eletricidade do carvão e do gás natural. Aparas e pellets de madeira eram propagandeados como uma maneira de transformar restos de serragem em eletricidade verde.

Esses subsídios ocasionaram um mercado florescente, ao ponto de tornar a madeira atualmente a maior fonte de energia renovável da Europa, superando em enorme magnitude a geração eólica e solar.

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Equipe do The New York Times documentou desmatamentos em florestas sensíveis ecologicamente no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mas hoje, à medida que a demanda aumenta em meio à crise no fornecimento da energia russa, árvores inteiras estão sendo derrubadas para gerar eletricidade. E acumulam-se evidências de que a aposta da Europa em queima de madeira para mitigação das mudanças climáticas não está valendo a pena.

Queima de florestas na Europa

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Florestas na Finlândia e na Estônia, por exemplo, anteriormente vistas como ativos cruciais para reduzir o índice de carbono na atmosfera, são agora fonte de tanta extração madeireira que cientistas de governos passaram a considerá-las emissoras de carbono. Na Hungria, o governo acabou com regras de conservação no mês passado para permitir um aumento na exploração madeireira em florestas antigas.

E ainda que nações europeias possam contabilizar a energia produzida pela madeira na direção de seus alvos em energia limpa, a agência de pesquisa científica da União Europeia afirmou no ano passado que queimar madeira emite mais dióxido de carbono do que obter energia a partir de combustíveis fósseis.

“As pessoas compram pellets de madeira pensando que isso é uma escolha sustentável, mas na realidade estão favorecendo a destruição das últimas florestas naturais da Europa”, afirmou David Gehl, da ONG Agência de Investigação Ambiental, com base em Washington, um grupo de defesa de direitos que tem estudado o uso da madeira na Europa Central.

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Esse setor cresceu tanto que os pesquisadores não têm sido capazes de acompanhar e rastrear sua atividade. A pesquisa oficial da UE não conseguiu identificar a fonte de 120 milhões de toneladas métricas de madeira usada em todo o continente no ano passado — um lapso maior do que o tamanho de toda a indústria madeireira da Finlândia. Pesquisadores afirmam que a maior parte dessa madeira provavelmente foi queimada para aquecimento de ambientes e produção de eletricidade.

Fim dos subsídios para a queima de madeira

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Na próxima semana, o Parlamento Europeu tem agendada a votação de um projeto que pretende eliminar a maioria dos subsídios industriais no setor e proibir países de queimar árvores inteiras para atender suas metas de energia limpa. Somente energia produzida a partir de resíduos madeireiros, como serragem, se qualificaria como renovável, e portanto elegível para subsídios.

Mas vários governos europeus afirmam que agora não é a hora de interferir em uma importante indústria de energia, com os fornecimentos de gás natural e petróleo da Rússia em risco. Na República Checa, manifestantes tomaram as ruas furiosos com os preços da energia em elevação, e as autoridades francesas alertaram para a possibilidade de rodízios de apagões no próximo inverno.

Caminhão entrega árvores para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia, perto de Gheorgheni, Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times
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Documentos internos mostram que países centro-europeus e nórdicos, em particular, estão pressionando fortemente para a continuidade dos subsídios madeireiros.

Esse debate é um exemplo preciso de um dos desafios cruciais diante de governos na luta contra as mudanças climáticas: como equilibrar a urgência de um planeta que se aquece com a necessidade imediata de empregos, energia e estabilidade econômica. A União Europeia tem liderado no sentido de estabelecer políticas verdes, mas também se apressa para encontrar novas fontes de energia à medida que a Rússia corta ou reduz abastecimentos de gás natural para os países do bloco.

Em documentos que circulam entre eurodeputados a respeito da proposta de mudança nas regras, a Letônia alertou para um “possível impacto negativo sobre o investimento e os negócios”. A Dinamarca argumentou que essas decisões deveriam ser competência dos governos nacionais. Um inverno sem a certeza do fornecimento de gás da Rússia paira sobre o debate.

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Cientistas alertam há anos a respeito deste momento.

Caminhão é carregado com troncos derrubados de floresta romena. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Para ter uma chance no combate às mudanças climáticas, os países têm de reduzir a quantidade de dióxido de carbono em emitem na atmosfera. Isso lhes exigirá abandonar os combustíveis fósseis. A União Europeia tem exigido de seus países-membros que atendam metas agressivas em energia renovável. A madeira se qualifica como fonte renovável segundo a lógica de que árvores voltam a crescer.

Em 2018, na última vez que esses subsídios entraram em votação, quase 800 cientistas assinaram uma carta insistindo para que os eurodeputados parem de tratar árvores derrubadas como fonte de energia verde. Ainda que árvores possam ser replantadas, pode levar gerações até que cresça uma floresta capaz de reabsorver o dióxido de carbono emitido pela queima da madeira.

“Usar árvores derrubadas deliberadamente para a queima aumentará a quantidade de carbono na atmosfera e o aquecimento por décadas ou séculos”, escreveram os cientistas.

Um dos autores daquela carta, Tim Searchinger, estudioso de ciência ambiental de Princeton, afirmou que os eurodeputados estão compreensivelmente ávidos para encontrar energia verde, mas que, incorretamente, eles colocaram todas as fontes renováveis no mesmo pacote. “Não estou certo de que as pessoas estavam pensando tanto em madeira quando aprovaram essas leis”, afirmou ele.

Até um dos padrinhos dessa política, Jorgen Henningsen, ex-autoridade ambiental da União Europeia, morreu no ano passado arrependido de ter pressionado tão agressivamente por energia produzida com madeira.

Restos de uma velha árvore cortada no Parque Nacional Ceahlau. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Hoje, à medida que o debate se intensifica, grupos de defesa do meio ambiente estão usando novas ferramentas para argumentar que é hora de mudar o curso.

Especialistas ligados à Agência de Investigação Ambiental, trabalhando com uma rede informal de conservacionistas florestais, passaram quase um ano caminhando através de algumas das mais antigas florestas do continente e instalando dispositivos de rastreamento nas árvores. Eles copiaram dados online de governos sobre localização de caminhões e rastrearam o transporte de árvores de parques nacionais e áreas de conservação até serrarias. Eles constataram a ligação entr

e madeireiros e empresas que vendem pellets de madeira divulgando o produto como combustível carbono-neutro. Eles constataram que a derrubada das últimas florestas naturais ainda de pé na Europa para a produção de pellets tornou-se uma prática generalizada na Europa Central.

O New York Times reforçou os dados do grupo com registros disponíveis publicamente. Uma repórter e uma fotógrafa passaram quatro dias caminhando por trilhas em florestas da Romênia, que abriga dois terços das matas virgens da União Europeia. Em sua jornada, elas documentaram desmatamentos e seguiram caminhões carregados com árvores derrubadas em florestas sensíveis ecologicamente.

Apesar da produção madeireira não ser proibida em florestas protegidas na Europa, governos são obrigados a conduzir análises ambientais para garantir que as regiões sejam conservadas. Mas especialistas afirmam que essas análises são raridade. No ano passado, o Tribunal de Contas Europeu alertou para a situação dessas florestas supostamente protegidas, constatando que muitas delas estavam em “status de conservação péssimo ou ruim”.

Atualmente, após uma caminhada de 600 metros subindo a Monte Ceahlau, na Romênia, um rastro de carcaças de árvores é visível abaixo: uma cicatriz em uma das últimas florestas antigas da Europa, onde árvores de 200 anos têm sido derrubadas.

Área parcialmente desmatada nas montanhas Gurghiu, no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mais abaixo na montanha, troncos eram carregados em um caminhão que exibia a marca da Ameco, uma das maiores produtoras de pellets na Romênia. “A produção de pellets oferece a possibilidade de usar sobras da agricultura e da produção madeireira”, afirma a empresa em seu website. Seus sacos de pellets exibem a mensagem de que sua produção vem exclusivamente de serragem e aparas de madeira.

As jornalistas do Times testemunharam árvores derrubadas em florestas protegidas da Romênia sendo introduzidas em trituradores da Ameco.

A empresa também afirma que a queima de seus produtos não emite gases-estufa. Cientistas calcularam que, por unidade de energia produzida, queimar madeira na realidade emite mais gases-estufa do que queimar gás natural, petróleo ou até carvão.

A Ameco recusou pedidos de entrevista. Em um e-mail, um gerente de vendas da Ameco negou que a empresa desmate florestas sensíveis ecologicamente. Quando o Times informou que jornalistas testemunharam seis carregamentos de troncos nesses locais e que os dados de frete da própria Ameco comprovam centenas de outros transportes do gênero, um segundo representante da empresa respondeu reconhecendo a existência dos carregamentos, mas afirmando que todos ocorreram legalmente.

De acordo com dados da Agência de Investigação Ambiental, a maioria das fábricas de pellets na Romênia tem recebido troncos inteiros retirados de florestas protegidas. O grupo calculou que aproximadamente um terço dos carregamentos de madeira destinados a essas fábricas se origina em áreas protegidas.

“Quando você derruba essas árvores velhas, você degrada ecossistemas que levaram anos para se formar, com pouca intervenção humana”, afirmou o engenheiro florestal Dan-Catalin Turiga, que acompanhou as repórteres do Times. Turiga também atua como investigador de uma organização ambiental chamada Agent Green, que colaborou com a iniciativa de rastreamento de árvores.

Um caminhão entrega madeira para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Turiga alertou para estradas de madeireiros abertas em ladeiras acentuadas, que causam erosão e escoam para braços d’água. “Plantar árvores novas não restaurará a biodiversidade que existia”, afirmou ele.

Proprietários de florestas, do Estado ou privados, devem substituir árvores cortadas por novas mudas em até dois anos para ajudar a equilibrar o ciclo do carbono. Mas grupos ambientais têm mostrado ao longo dos anos que isso nem sempre é feito. As jornalistas do Times viram amplas parcelas de terras registradas como desmatadas anos atrás em que nenhum replantio foi realizado. Em alguns casos, as mudas plantadas morreram, possivelmente por causa do solo degradado.

As repórteres também viram um caminhão sem registro carregando troncos, o que ajuda a explicar por que os pesquisadores europeus não conseguem identificar de onde sai tanta madeira. A Agência de Investigação Ambiental encontrou repetidos exemplos de carregamentos não registrados. Em alguns casos, houve subnotificação ou pesos idênticos foram registrados em vários dias consecutivos.

Isso poderia ser qualificado como desmatamento ilegal na Romênia. O Ministério do Meio Ambiente do país não respondeu perguntas enviadas por escrito a respeito desses carregamentos, do projeto de alteração das regras sobre energia verde e sobre a indústria de pellets em geral.

A Agência de Investigação Ambiental rastreou troncos retirados de florestas ecologicamente importantes transportados para 10 fábricas de pellets e três usinas termelétricas na Romênia, na Bulgária, na Eslováquia e na Polônia.

A associação comercial Bioenergy Europe afirmou que problemas são raros. Quando obtida corretamente e de maneira sustentável, a madeira continua um recurso importante em um momento em que a Europa está desesperada para encontrar fontes domésticas e renováveis de energia, afirmou Irene di Padua, diretora de políticas do grupo. “Ainda podemos aumentar a capacidade na Europa de maneira sustentável”, afirmou ela.

A associação se opõe ao corte de subsídios ou à alteração da maneira que a energia limpa é definida. Se a União Europeia deixar de considerar a energia obtida com a queima de madeira neutra em carbono, vários países do bloco sairão dos trilhos imediatamente em relação a metas de energia renovável.

Isso surtiria muitas consequências sobre países como a Itália, a maior consumidora de pallets no continente. Mais de dois terços da energia renovável consumida no país vem da queima de material vegetal. Por anos, o governo italiano tem oferecido deduções em impostos para estimular a compra de fogões a pellets.

Isenções fiscais parecidas também são adotadas em outros países, juntamente com incentivos financeiros para produtores de madeira. Esses incentivos podem se tornar ilegítimos se a nova proposta entrar em vigor.

Mesmo se o Parlamento Europeu endossar a mudança, porém, detalhes deverão ser trabalhados em negociações com os governos nacionais. Os governos de Alemanha, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo sinalizaram apoio ao fim dos subsídios. Outros países têm permanecido calados.

Ainda que grupos ambientais estejam otimistas, até os mais estridentes apoiadores da mudança de regras reconhecem que a crise no fornecimento de energia da Rússia tem dificultado a política. Os preços do gás natural aumentaram em dez vezes ao longo do ano passado, e muitos europeus temem ser incapazes de pagar pelo aquecimento de suas casas no próximo inverno. “Precisamos de mais energia produzida domesticamente e autossuficiência, não menos”, tuitou o ministro finlandês de Agricultura e Silvicultura, Antti Kurvinen, em maio. “Promoverei plenamente a energia florestal.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Queimar toneladas de madeira jamais deveria ter sido o fundamento da estratégia da União Europeia para energia verde.

Quando o bloco começou a subsidiar queima de madeira, mais de uma década atrás, isso era visto como um estímulo ágil para o combustível renovável e um incentivo para afastar lares e usinas de produção de eletricidade do carvão e do gás natural. Aparas e pellets de madeira eram propagandeados como uma maneira de transformar restos de serragem em eletricidade verde.

Esses subsídios ocasionaram um mercado florescente, ao ponto de tornar a madeira atualmente a maior fonte de energia renovável da Europa, superando em enorme magnitude a geração eólica e solar.

Equipe do The New York Times documentou desmatamentos em florestas sensíveis ecologicamente no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mas hoje, à medida que a demanda aumenta em meio à crise no fornecimento da energia russa, árvores inteiras estão sendo derrubadas para gerar eletricidade. E acumulam-se evidências de que a aposta da Europa em queima de madeira para mitigação das mudanças climáticas não está valendo a pena.

Queima de florestas na Europa

Florestas na Finlândia e na Estônia, por exemplo, anteriormente vistas como ativos cruciais para reduzir o índice de carbono na atmosfera, são agora fonte de tanta extração madeireira que cientistas de governos passaram a considerá-las emissoras de carbono. Na Hungria, o governo acabou com regras de conservação no mês passado para permitir um aumento na exploração madeireira em florestas antigas.

E ainda que nações europeias possam contabilizar a energia produzida pela madeira na direção de seus alvos em energia limpa, a agência de pesquisa científica da União Europeia afirmou no ano passado que queimar madeira emite mais dióxido de carbono do que obter energia a partir de combustíveis fósseis.

“As pessoas compram pellets de madeira pensando que isso é uma escolha sustentável, mas na realidade estão favorecendo a destruição das últimas florestas naturais da Europa”, afirmou David Gehl, da ONG Agência de Investigação Ambiental, com base em Washington, um grupo de defesa de direitos que tem estudado o uso da madeira na Europa Central.

Esse setor cresceu tanto que os pesquisadores não têm sido capazes de acompanhar e rastrear sua atividade. A pesquisa oficial da UE não conseguiu identificar a fonte de 120 milhões de toneladas métricas de madeira usada em todo o continente no ano passado — um lapso maior do que o tamanho de toda a indústria madeireira da Finlândia. Pesquisadores afirmam que a maior parte dessa madeira provavelmente foi queimada para aquecimento de ambientes e produção de eletricidade.

Fim dos subsídios para a queima de madeira

Na próxima semana, o Parlamento Europeu tem agendada a votação de um projeto que pretende eliminar a maioria dos subsídios industriais no setor e proibir países de queimar árvores inteiras para atender suas metas de energia limpa. Somente energia produzida a partir de resíduos madeireiros, como serragem, se qualificaria como renovável, e portanto elegível para subsídios.

Mas vários governos europeus afirmam que agora não é a hora de interferir em uma importante indústria de energia, com os fornecimentos de gás natural e petróleo da Rússia em risco. Na República Checa, manifestantes tomaram as ruas furiosos com os preços da energia em elevação, e as autoridades francesas alertaram para a possibilidade de rodízios de apagões no próximo inverno.

Caminhão entrega árvores para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia, perto de Gheorgheni, Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Documentos internos mostram que países centro-europeus e nórdicos, em particular, estão pressionando fortemente para a continuidade dos subsídios madeireiros.

Esse debate é um exemplo preciso de um dos desafios cruciais diante de governos na luta contra as mudanças climáticas: como equilibrar a urgência de um planeta que se aquece com a necessidade imediata de empregos, energia e estabilidade econômica. A União Europeia tem liderado no sentido de estabelecer políticas verdes, mas também se apressa para encontrar novas fontes de energia à medida que a Rússia corta ou reduz abastecimentos de gás natural para os países do bloco.

Em documentos que circulam entre eurodeputados a respeito da proposta de mudança nas regras, a Letônia alertou para um “possível impacto negativo sobre o investimento e os negócios”. A Dinamarca argumentou que essas decisões deveriam ser competência dos governos nacionais. Um inverno sem a certeza do fornecimento de gás da Rússia paira sobre o debate.

Cientistas alertam há anos a respeito deste momento.

Caminhão é carregado com troncos derrubados de floresta romena. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Para ter uma chance no combate às mudanças climáticas, os países têm de reduzir a quantidade de dióxido de carbono em emitem na atmosfera. Isso lhes exigirá abandonar os combustíveis fósseis. A União Europeia tem exigido de seus países-membros que atendam metas agressivas em energia renovável. A madeira se qualifica como fonte renovável segundo a lógica de que árvores voltam a crescer.

Em 2018, na última vez que esses subsídios entraram em votação, quase 800 cientistas assinaram uma carta insistindo para que os eurodeputados parem de tratar árvores derrubadas como fonte de energia verde. Ainda que árvores possam ser replantadas, pode levar gerações até que cresça uma floresta capaz de reabsorver o dióxido de carbono emitido pela queima da madeira.

“Usar árvores derrubadas deliberadamente para a queima aumentará a quantidade de carbono na atmosfera e o aquecimento por décadas ou séculos”, escreveram os cientistas.

Um dos autores daquela carta, Tim Searchinger, estudioso de ciência ambiental de Princeton, afirmou que os eurodeputados estão compreensivelmente ávidos para encontrar energia verde, mas que, incorretamente, eles colocaram todas as fontes renováveis no mesmo pacote. “Não estou certo de que as pessoas estavam pensando tanto em madeira quando aprovaram essas leis”, afirmou ele.

Até um dos padrinhos dessa política, Jorgen Henningsen, ex-autoridade ambiental da União Europeia, morreu no ano passado arrependido de ter pressionado tão agressivamente por energia produzida com madeira.

Restos de uma velha árvore cortada no Parque Nacional Ceahlau. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Hoje, à medida que o debate se intensifica, grupos de defesa do meio ambiente estão usando novas ferramentas para argumentar que é hora de mudar o curso.

Especialistas ligados à Agência de Investigação Ambiental, trabalhando com uma rede informal de conservacionistas florestais, passaram quase um ano caminhando através de algumas das mais antigas florestas do continente e instalando dispositivos de rastreamento nas árvores. Eles copiaram dados online de governos sobre localização de caminhões e rastrearam o transporte de árvores de parques nacionais e áreas de conservação até serrarias. Eles constataram a ligação entr

e madeireiros e empresas que vendem pellets de madeira divulgando o produto como combustível carbono-neutro. Eles constataram que a derrubada das últimas florestas naturais ainda de pé na Europa para a produção de pellets tornou-se uma prática generalizada na Europa Central.

O New York Times reforçou os dados do grupo com registros disponíveis publicamente. Uma repórter e uma fotógrafa passaram quatro dias caminhando por trilhas em florestas da Romênia, que abriga dois terços das matas virgens da União Europeia. Em sua jornada, elas documentaram desmatamentos e seguiram caminhões carregados com árvores derrubadas em florestas sensíveis ecologicamente.

Apesar da produção madeireira não ser proibida em florestas protegidas na Europa, governos são obrigados a conduzir análises ambientais para garantir que as regiões sejam conservadas. Mas especialistas afirmam que essas análises são raridade. No ano passado, o Tribunal de Contas Europeu alertou para a situação dessas florestas supostamente protegidas, constatando que muitas delas estavam em “status de conservação péssimo ou ruim”.

Atualmente, após uma caminhada de 600 metros subindo a Monte Ceahlau, na Romênia, um rastro de carcaças de árvores é visível abaixo: uma cicatriz em uma das últimas florestas antigas da Europa, onde árvores de 200 anos têm sido derrubadas.

Área parcialmente desmatada nas montanhas Gurghiu, no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mais abaixo na montanha, troncos eram carregados em um caminhão que exibia a marca da Ameco, uma das maiores produtoras de pellets na Romênia. “A produção de pellets oferece a possibilidade de usar sobras da agricultura e da produção madeireira”, afirma a empresa em seu website. Seus sacos de pellets exibem a mensagem de que sua produção vem exclusivamente de serragem e aparas de madeira.

As jornalistas do Times testemunharam árvores derrubadas em florestas protegidas da Romênia sendo introduzidas em trituradores da Ameco.

A empresa também afirma que a queima de seus produtos não emite gases-estufa. Cientistas calcularam que, por unidade de energia produzida, queimar madeira na realidade emite mais gases-estufa do que queimar gás natural, petróleo ou até carvão.

A Ameco recusou pedidos de entrevista. Em um e-mail, um gerente de vendas da Ameco negou que a empresa desmate florestas sensíveis ecologicamente. Quando o Times informou que jornalistas testemunharam seis carregamentos de troncos nesses locais e que os dados de frete da própria Ameco comprovam centenas de outros transportes do gênero, um segundo representante da empresa respondeu reconhecendo a existência dos carregamentos, mas afirmando que todos ocorreram legalmente.

De acordo com dados da Agência de Investigação Ambiental, a maioria das fábricas de pellets na Romênia tem recebido troncos inteiros retirados de florestas protegidas. O grupo calculou que aproximadamente um terço dos carregamentos de madeira destinados a essas fábricas se origina em áreas protegidas.

“Quando você derruba essas árvores velhas, você degrada ecossistemas que levaram anos para se formar, com pouca intervenção humana”, afirmou o engenheiro florestal Dan-Catalin Turiga, que acompanhou as repórteres do Times. Turiga também atua como investigador de uma organização ambiental chamada Agent Green, que colaborou com a iniciativa de rastreamento de árvores.

Um caminhão entrega madeira para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Turiga alertou para estradas de madeireiros abertas em ladeiras acentuadas, que causam erosão e escoam para braços d’água. “Plantar árvores novas não restaurará a biodiversidade que existia”, afirmou ele.

Proprietários de florestas, do Estado ou privados, devem substituir árvores cortadas por novas mudas em até dois anos para ajudar a equilibrar o ciclo do carbono. Mas grupos ambientais têm mostrado ao longo dos anos que isso nem sempre é feito. As jornalistas do Times viram amplas parcelas de terras registradas como desmatadas anos atrás em que nenhum replantio foi realizado. Em alguns casos, as mudas plantadas morreram, possivelmente por causa do solo degradado.

As repórteres também viram um caminhão sem registro carregando troncos, o que ajuda a explicar por que os pesquisadores europeus não conseguem identificar de onde sai tanta madeira. A Agência de Investigação Ambiental encontrou repetidos exemplos de carregamentos não registrados. Em alguns casos, houve subnotificação ou pesos idênticos foram registrados em vários dias consecutivos.

Isso poderia ser qualificado como desmatamento ilegal na Romênia. O Ministério do Meio Ambiente do país não respondeu perguntas enviadas por escrito a respeito desses carregamentos, do projeto de alteração das regras sobre energia verde e sobre a indústria de pellets em geral.

A Agência de Investigação Ambiental rastreou troncos retirados de florestas ecologicamente importantes transportados para 10 fábricas de pellets e três usinas termelétricas na Romênia, na Bulgária, na Eslováquia e na Polônia.

A associação comercial Bioenergy Europe afirmou que problemas são raros. Quando obtida corretamente e de maneira sustentável, a madeira continua um recurso importante em um momento em que a Europa está desesperada para encontrar fontes domésticas e renováveis de energia, afirmou Irene di Padua, diretora de políticas do grupo. “Ainda podemos aumentar a capacidade na Europa de maneira sustentável”, afirmou ela.

A associação se opõe ao corte de subsídios ou à alteração da maneira que a energia limpa é definida. Se a União Europeia deixar de considerar a energia obtida com a queima de madeira neutra em carbono, vários países do bloco sairão dos trilhos imediatamente em relação a metas de energia renovável.

Isso surtiria muitas consequências sobre países como a Itália, a maior consumidora de pallets no continente. Mais de dois terços da energia renovável consumida no país vem da queima de material vegetal. Por anos, o governo italiano tem oferecido deduções em impostos para estimular a compra de fogões a pellets.

Isenções fiscais parecidas também são adotadas em outros países, juntamente com incentivos financeiros para produtores de madeira. Esses incentivos podem se tornar ilegítimos se a nova proposta entrar em vigor.

Mesmo se o Parlamento Europeu endossar a mudança, porém, detalhes deverão ser trabalhados em negociações com os governos nacionais. Os governos de Alemanha, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo sinalizaram apoio ao fim dos subsídios. Outros países têm permanecido calados.

Ainda que grupos ambientais estejam otimistas, até os mais estridentes apoiadores da mudança de regras reconhecem que a crise no fornecimento de energia da Rússia tem dificultado a política. Os preços do gás natural aumentaram em dez vezes ao longo do ano passado, e muitos europeus temem ser incapazes de pagar pelo aquecimento de suas casas no próximo inverno. “Precisamos de mais energia produzida domesticamente e autossuficiência, não menos”, tuitou o ministro finlandês de Agricultura e Silvicultura, Antti Kurvinen, em maio. “Promoverei plenamente a energia florestal.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Queimar toneladas de madeira jamais deveria ter sido o fundamento da estratégia da União Europeia para energia verde.

Quando o bloco começou a subsidiar queima de madeira, mais de uma década atrás, isso era visto como um estímulo ágil para o combustível renovável e um incentivo para afastar lares e usinas de produção de eletricidade do carvão e do gás natural. Aparas e pellets de madeira eram propagandeados como uma maneira de transformar restos de serragem em eletricidade verde.

Esses subsídios ocasionaram um mercado florescente, ao ponto de tornar a madeira atualmente a maior fonte de energia renovável da Europa, superando em enorme magnitude a geração eólica e solar.

Equipe do The New York Times documentou desmatamentos em florestas sensíveis ecologicamente no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mas hoje, à medida que a demanda aumenta em meio à crise no fornecimento da energia russa, árvores inteiras estão sendo derrubadas para gerar eletricidade. E acumulam-se evidências de que a aposta da Europa em queima de madeira para mitigação das mudanças climáticas não está valendo a pena.

Queima de florestas na Europa

Florestas na Finlândia e na Estônia, por exemplo, anteriormente vistas como ativos cruciais para reduzir o índice de carbono na atmosfera, são agora fonte de tanta extração madeireira que cientistas de governos passaram a considerá-las emissoras de carbono. Na Hungria, o governo acabou com regras de conservação no mês passado para permitir um aumento na exploração madeireira em florestas antigas.

E ainda que nações europeias possam contabilizar a energia produzida pela madeira na direção de seus alvos em energia limpa, a agência de pesquisa científica da União Europeia afirmou no ano passado que queimar madeira emite mais dióxido de carbono do que obter energia a partir de combustíveis fósseis.

“As pessoas compram pellets de madeira pensando que isso é uma escolha sustentável, mas na realidade estão favorecendo a destruição das últimas florestas naturais da Europa”, afirmou David Gehl, da ONG Agência de Investigação Ambiental, com base em Washington, um grupo de defesa de direitos que tem estudado o uso da madeira na Europa Central.

Esse setor cresceu tanto que os pesquisadores não têm sido capazes de acompanhar e rastrear sua atividade. A pesquisa oficial da UE não conseguiu identificar a fonte de 120 milhões de toneladas métricas de madeira usada em todo o continente no ano passado — um lapso maior do que o tamanho de toda a indústria madeireira da Finlândia. Pesquisadores afirmam que a maior parte dessa madeira provavelmente foi queimada para aquecimento de ambientes e produção de eletricidade.

Fim dos subsídios para a queima de madeira

Na próxima semana, o Parlamento Europeu tem agendada a votação de um projeto que pretende eliminar a maioria dos subsídios industriais no setor e proibir países de queimar árvores inteiras para atender suas metas de energia limpa. Somente energia produzida a partir de resíduos madeireiros, como serragem, se qualificaria como renovável, e portanto elegível para subsídios.

Mas vários governos europeus afirmam que agora não é a hora de interferir em uma importante indústria de energia, com os fornecimentos de gás natural e petróleo da Rússia em risco. Na República Checa, manifestantes tomaram as ruas furiosos com os preços da energia em elevação, e as autoridades francesas alertaram para a possibilidade de rodízios de apagões no próximo inverno.

Caminhão entrega árvores para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia, perto de Gheorgheni, Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Documentos internos mostram que países centro-europeus e nórdicos, em particular, estão pressionando fortemente para a continuidade dos subsídios madeireiros.

Esse debate é um exemplo preciso de um dos desafios cruciais diante de governos na luta contra as mudanças climáticas: como equilibrar a urgência de um planeta que se aquece com a necessidade imediata de empregos, energia e estabilidade econômica. A União Europeia tem liderado no sentido de estabelecer políticas verdes, mas também se apressa para encontrar novas fontes de energia à medida que a Rússia corta ou reduz abastecimentos de gás natural para os países do bloco.

Em documentos que circulam entre eurodeputados a respeito da proposta de mudança nas regras, a Letônia alertou para um “possível impacto negativo sobre o investimento e os negócios”. A Dinamarca argumentou que essas decisões deveriam ser competência dos governos nacionais. Um inverno sem a certeza do fornecimento de gás da Rússia paira sobre o debate.

Cientistas alertam há anos a respeito deste momento.

Caminhão é carregado com troncos derrubados de floresta romena. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Para ter uma chance no combate às mudanças climáticas, os países têm de reduzir a quantidade de dióxido de carbono em emitem na atmosfera. Isso lhes exigirá abandonar os combustíveis fósseis. A União Europeia tem exigido de seus países-membros que atendam metas agressivas em energia renovável. A madeira se qualifica como fonte renovável segundo a lógica de que árvores voltam a crescer.

Em 2018, na última vez que esses subsídios entraram em votação, quase 800 cientistas assinaram uma carta insistindo para que os eurodeputados parem de tratar árvores derrubadas como fonte de energia verde. Ainda que árvores possam ser replantadas, pode levar gerações até que cresça uma floresta capaz de reabsorver o dióxido de carbono emitido pela queima da madeira.

“Usar árvores derrubadas deliberadamente para a queima aumentará a quantidade de carbono na atmosfera e o aquecimento por décadas ou séculos”, escreveram os cientistas.

Um dos autores daquela carta, Tim Searchinger, estudioso de ciência ambiental de Princeton, afirmou que os eurodeputados estão compreensivelmente ávidos para encontrar energia verde, mas que, incorretamente, eles colocaram todas as fontes renováveis no mesmo pacote. “Não estou certo de que as pessoas estavam pensando tanto em madeira quando aprovaram essas leis”, afirmou ele.

Até um dos padrinhos dessa política, Jorgen Henningsen, ex-autoridade ambiental da União Europeia, morreu no ano passado arrependido de ter pressionado tão agressivamente por energia produzida com madeira.

Restos de uma velha árvore cortada no Parque Nacional Ceahlau. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Hoje, à medida que o debate se intensifica, grupos de defesa do meio ambiente estão usando novas ferramentas para argumentar que é hora de mudar o curso.

Especialistas ligados à Agência de Investigação Ambiental, trabalhando com uma rede informal de conservacionistas florestais, passaram quase um ano caminhando através de algumas das mais antigas florestas do continente e instalando dispositivos de rastreamento nas árvores. Eles copiaram dados online de governos sobre localização de caminhões e rastrearam o transporte de árvores de parques nacionais e áreas de conservação até serrarias. Eles constataram a ligação entr

e madeireiros e empresas que vendem pellets de madeira divulgando o produto como combustível carbono-neutro. Eles constataram que a derrubada das últimas florestas naturais ainda de pé na Europa para a produção de pellets tornou-se uma prática generalizada na Europa Central.

O New York Times reforçou os dados do grupo com registros disponíveis publicamente. Uma repórter e uma fotógrafa passaram quatro dias caminhando por trilhas em florestas da Romênia, que abriga dois terços das matas virgens da União Europeia. Em sua jornada, elas documentaram desmatamentos e seguiram caminhões carregados com árvores derrubadas em florestas sensíveis ecologicamente.

Apesar da produção madeireira não ser proibida em florestas protegidas na Europa, governos são obrigados a conduzir análises ambientais para garantir que as regiões sejam conservadas. Mas especialistas afirmam que essas análises são raridade. No ano passado, o Tribunal de Contas Europeu alertou para a situação dessas florestas supostamente protegidas, constatando que muitas delas estavam em “status de conservação péssimo ou ruim”.

Atualmente, após uma caminhada de 600 metros subindo a Monte Ceahlau, na Romênia, um rastro de carcaças de árvores é visível abaixo: uma cicatriz em uma das últimas florestas antigas da Europa, onde árvores de 200 anos têm sido derrubadas.

Área parcialmente desmatada nas montanhas Gurghiu, no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mais abaixo na montanha, troncos eram carregados em um caminhão que exibia a marca da Ameco, uma das maiores produtoras de pellets na Romênia. “A produção de pellets oferece a possibilidade de usar sobras da agricultura e da produção madeireira”, afirma a empresa em seu website. Seus sacos de pellets exibem a mensagem de que sua produção vem exclusivamente de serragem e aparas de madeira.

As jornalistas do Times testemunharam árvores derrubadas em florestas protegidas da Romênia sendo introduzidas em trituradores da Ameco.

A empresa também afirma que a queima de seus produtos não emite gases-estufa. Cientistas calcularam que, por unidade de energia produzida, queimar madeira na realidade emite mais gases-estufa do que queimar gás natural, petróleo ou até carvão.

A Ameco recusou pedidos de entrevista. Em um e-mail, um gerente de vendas da Ameco negou que a empresa desmate florestas sensíveis ecologicamente. Quando o Times informou que jornalistas testemunharam seis carregamentos de troncos nesses locais e que os dados de frete da própria Ameco comprovam centenas de outros transportes do gênero, um segundo representante da empresa respondeu reconhecendo a existência dos carregamentos, mas afirmando que todos ocorreram legalmente.

De acordo com dados da Agência de Investigação Ambiental, a maioria das fábricas de pellets na Romênia tem recebido troncos inteiros retirados de florestas protegidas. O grupo calculou que aproximadamente um terço dos carregamentos de madeira destinados a essas fábricas se origina em áreas protegidas.

“Quando você derruba essas árvores velhas, você degrada ecossistemas que levaram anos para se formar, com pouca intervenção humana”, afirmou o engenheiro florestal Dan-Catalin Turiga, que acompanhou as repórteres do Times. Turiga também atua como investigador de uma organização ambiental chamada Agent Green, que colaborou com a iniciativa de rastreamento de árvores.

Um caminhão entrega madeira para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Turiga alertou para estradas de madeireiros abertas em ladeiras acentuadas, que causam erosão e escoam para braços d’água. “Plantar árvores novas não restaurará a biodiversidade que existia”, afirmou ele.

Proprietários de florestas, do Estado ou privados, devem substituir árvores cortadas por novas mudas em até dois anos para ajudar a equilibrar o ciclo do carbono. Mas grupos ambientais têm mostrado ao longo dos anos que isso nem sempre é feito. As jornalistas do Times viram amplas parcelas de terras registradas como desmatadas anos atrás em que nenhum replantio foi realizado. Em alguns casos, as mudas plantadas morreram, possivelmente por causa do solo degradado.

As repórteres também viram um caminhão sem registro carregando troncos, o que ajuda a explicar por que os pesquisadores europeus não conseguem identificar de onde sai tanta madeira. A Agência de Investigação Ambiental encontrou repetidos exemplos de carregamentos não registrados. Em alguns casos, houve subnotificação ou pesos idênticos foram registrados em vários dias consecutivos.

Isso poderia ser qualificado como desmatamento ilegal na Romênia. O Ministério do Meio Ambiente do país não respondeu perguntas enviadas por escrito a respeito desses carregamentos, do projeto de alteração das regras sobre energia verde e sobre a indústria de pellets em geral.

A Agência de Investigação Ambiental rastreou troncos retirados de florestas ecologicamente importantes transportados para 10 fábricas de pellets e três usinas termelétricas na Romênia, na Bulgária, na Eslováquia e na Polônia.

A associação comercial Bioenergy Europe afirmou que problemas são raros. Quando obtida corretamente e de maneira sustentável, a madeira continua um recurso importante em um momento em que a Europa está desesperada para encontrar fontes domésticas e renováveis de energia, afirmou Irene di Padua, diretora de políticas do grupo. “Ainda podemos aumentar a capacidade na Europa de maneira sustentável”, afirmou ela.

A associação se opõe ao corte de subsídios ou à alteração da maneira que a energia limpa é definida. Se a União Europeia deixar de considerar a energia obtida com a queima de madeira neutra em carbono, vários países do bloco sairão dos trilhos imediatamente em relação a metas de energia renovável.

Isso surtiria muitas consequências sobre países como a Itália, a maior consumidora de pallets no continente. Mais de dois terços da energia renovável consumida no país vem da queima de material vegetal. Por anos, o governo italiano tem oferecido deduções em impostos para estimular a compra de fogões a pellets.

Isenções fiscais parecidas também são adotadas em outros países, juntamente com incentivos financeiros para produtores de madeira. Esses incentivos podem se tornar ilegítimos se a nova proposta entrar em vigor.

Mesmo se o Parlamento Europeu endossar a mudança, porém, detalhes deverão ser trabalhados em negociações com os governos nacionais. Os governos de Alemanha, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo sinalizaram apoio ao fim dos subsídios. Outros países têm permanecido calados.

Ainda que grupos ambientais estejam otimistas, até os mais estridentes apoiadores da mudança de regras reconhecem que a crise no fornecimento de energia da Rússia tem dificultado a política. Os preços do gás natural aumentaram em dez vezes ao longo do ano passado, e muitos europeus temem ser incapazes de pagar pelo aquecimento de suas casas no próximo inverno. “Precisamos de mais energia produzida domesticamente e autossuficiência, não menos”, tuitou o ministro finlandês de Agricultura e Silvicultura, Antti Kurvinen, em maio. “Promoverei plenamente a energia florestal.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Queimar toneladas de madeira jamais deveria ter sido o fundamento da estratégia da União Europeia para energia verde.

Quando o bloco começou a subsidiar queima de madeira, mais de uma década atrás, isso era visto como um estímulo ágil para o combustível renovável e um incentivo para afastar lares e usinas de produção de eletricidade do carvão e do gás natural. Aparas e pellets de madeira eram propagandeados como uma maneira de transformar restos de serragem em eletricidade verde.

Esses subsídios ocasionaram um mercado florescente, ao ponto de tornar a madeira atualmente a maior fonte de energia renovável da Europa, superando em enorme magnitude a geração eólica e solar.

Equipe do The New York Times documentou desmatamentos em florestas sensíveis ecologicamente no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mas hoje, à medida que a demanda aumenta em meio à crise no fornecimento da energia russa, árvores inteiras estão sendo derrubadas para gerar eletricidade. E acumulam-se evidências de que a aposta da Europa em queima de madeira para mitigação das mudanças climáticas não está valendo a pena.

Queima de florestas na Europa

Florestas na Finlândia e na Estônia, por exemplo, anteriormente vistas como ativos cruciais para reduzir o índice de carbono na atmosfera, são agora fonte de tanta extração madeireira que cientistas de governos passaram a considerá-las emissoras de carbono. Na Hungria, o governo acabou com regras de conservação no mês passado para permitir um aumento na exploração madeireira em florestas antigas.

E ainda que nações europeias possam contabilizar a energia produzida pela madeira na direção de seus alvos em energia limpa, a agência de pesquisa científica da União Europeia afirmou no ano passado que queimar madeira emite mais dióxido de carbono do que obter energia a partir de combustíveis fósseis.

“As pessoas compram pellets de madeira pensando que isso é uma escolha sustentável, mas na realidade estão favorecendo a destruição das últimas florestas naturais da Europa”, afirmou David Gehl, da ONG Agência de Investigação Ambiental, com base em Washington, um grupo de defesa de direitos que tem estudado o uso da madeira na Europa Central.

Esse setor cresceu tanto que os pesquisadores não têm sido capazes de acompanhar e rastrear sua atividade. A pesquisa oficial da UE não conseguiu identificar a fonte de 120 milhões de toneladas métricas de madeira usada em todo o continente no ano passado — um lapso maior do que o tamanho de toda a indústria madeireira da Finlândia. Pesquisadores afirmam que a maior parte dessa madeira provavelmente foi queimada para aquecimento de ambientes e produção de eletricidade.

Fim dos subsídios para a queima de madeira

Na próxima semana, o Parlamento Europeu tem agendada a votação de um projeto que pretende eliminar a maioria dos subsídios industriais no setor e proibir países de queimar árvores inteiras para atender suas metas de energia limpa. Somente energia produzida a partir de resíduos madeireiros, como serragem, se qualificaria como renovável, e portanto elegível para subsídios.

Mas vários governos europeus afirmam que agora não é a hora de interferir em uma importante indústria de energia, com os fornecimentos de gás natural e petróleo da Rússia em risco. Na República Checa, manifestantes tomaram as ruas furiosos com os preços da energia em elevação, e as autoridades francesas alertaram para a possibilidade de rodízios de apagões no próximo inverno.

Caminhão entrega árvores para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia, perto de Gheorgheni, Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Documentos internos mostram que países centro-europeus e nórdicos, em particular, estão pressionando fortemente para a continuidade dos subsídios madeireiros.

Esse debate é um exemplo preciso de um dos desafios cruciais diante de governos na luta contra as mudanças climáticas: como equilibrar a urgência de um planeta que se aquece com a necessidade imediata de empregos, energia e estabilidade econômica. A União Europeia tem liderado no sentido de estabelecer políticas verdes, mas também se apressa para encontrar novas fontes de energia à medida que a Rússia corta ou reduz abastecimentos de gás natural para os países do bloco.

Em documentos que circulam entre eurodeputados a respeito da proposta de mudança nas regras, a Letônia alertou para um “possível impacto negativo sobre o investimento e os negócios”. A Dinamarca argumentou que essas decisões deveriam ser competência dos governos nacionais. Um inverno sem a certeza do fornecimento de gás da Rússia paira sobre o debate.

Cientistas alertam há anos a respeito deste momento.

Caminhão é carregado com troncos derrubados de floresta romena. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Para ter uma chance no combate às mudanças climáticas, os países têm de reduzir a quantidade de dióxido de carbono em emitem na atmosfera. Isso lhes exigirá abandonar os combustíveis fósseis. A União Europeia tem exigido de seus países-membros que atendam metas agressivas em energia renovável. A madeira se qualifica como fonte renovável segundo a lógica de que árvores voltam a crescer.

Em 2018, na última vez que esses subsídios entraram em votação, quase 800 cientistas assinaram uma carta insistindo para que os eurodeputados parem de tratar árvores derrubadas como fonte de energia verde. Ainda que árvores possam ser replantadas, pode levar gerações até que cresça uma floresta capaz de reabsorver o dióxido de carbono emitido pela queima da madeira.

“Usar árvores derrubadas deliberadamente para a queima aumentará a quantidade de carbono na atmosfera e o aquecimento por décadas ou séculos”, escreveram os cientistas.

Um dos autores daquela carta, Tim Searchinger, estudioso de ciência ambiental de Princeton, afirmou que os eurodeputados estão compreensivelmente ávidos para encontrar energia verde, mas que, incorretamente, eles colocaram todas as fontes renováveis no mesmo pacote. “Não estou certo de que as pessoas estavam pensando tanto em madeira quando aprovaram essas leis”, afirmou ele.

Até um dos padrinhos dessa política, Jorgen Henningsen, ex-autoridade ambiental da União Europeia, morreu no ano passado arrependido de ter pressionado tão agressivamente por energia produzida com madeira.

Restos de uma velha árvore cortada no Parque Nacional Ceahlau. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Hoje, à medida que o debate se intensifica, grupos de defesa do meio ambiente estão usando novas ferramentas para argumentar que é hora de mudar o curso.

Especialistas ligados à Agência de Investigação Ambiental, trabalhando com uma rede informal de conservacionistas florestais, passaram quase um ano caminhando através de algumas das mais antigas florestas do continente e instalando dispositivos de rastreamento nas árvores. Eles copiaram dados online de governos sobre localização de caminhões e rastrearam o transporte de árvores de parques nacionais e áreas de conservação até serrarias. Eles constataram a ligação entr

e madeireiros e empresas que vendem pellets de madeira divulgando o produto como combustível carbono-neutro. Eles constataram que a derrubada das últimas florestas naturais ainda de pé na Europa para a produção de pellets tornou-se uma prática generalizada na Europa Central.

O New York Times reforçou os dados do grupo com registros disponíveis publicamente. Uma repórter e uma fotógrafa passaram quatro dias caminhando por trilhas em florestas da Romênia, que abriga dois terços das matas virgens da União Europeia. Em sua jornada, elas documentaram desmatamentos e seguiram caminhões carregados com árvores derrubadas em florestas sensíveis ecologicamente.

Apesar da produção madeireira não ser proibida em florestas protegidas na Europa, governos são obrigados a conduzir análises ambientais para garantir que as regiões sejam conservadas. Mas especialistas afirmam que essas análises são raridade. No ano passado, o Tribunal de Contas Europeu alertou para a situação dessas florestas supostamente protegidas, constatando que muitas delas estavam em “status de conservação péssimo ou ruim”.

Atualmente, após uma caminhada de 600 metros subindo a Monte Ceahlau, na Romênia, um rastro de carcaças de árvores é visível abaixo: uma cicatriz em uma das últimas florestas antigas da Europa, onde árvores de 200 anos têm sido derrubadas.

Área parcialmente desmatada nas montanhas Gurghiu, no norte da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Mais abaixo na montanha, troncos eram carregados em um caminhão que exibia a marca da Ameco, uma das maiores produtoras de pellets na Romênia. “A produção de pellets oferece a possibilidade de usar sobras da agricultura e da produção madeireira”, afirma a empresa em seu website. Seus sacos de pellets exibem a mensagem de que sua produção vem exclusivamente de serragem e aparas de madeira.

As jornalistas do Times testemunharam árvores derrubadas em florestas protegidas da Romênia sendo introduzidas em trituradores da Ameco.

A empresa também afirma que a queima de seus produtos não emite gases-estufa. Cientistas calcularam que, por unidade de energia produzida, queimar madeira na realidade emite mais gases-estufa do que queimar gás natural, petróleo ou até carvão.

A Ameco recusou pedidos de entrevista. Em um e-mail, um gerente de vendas da Ameco negou que a empresa desmate florestas sensíveis ecologicamente. Quando o Times informou que jornalistas testemunharam seis carregamentos de troncos nesses locais e que os dados de frete da própria Ameco comprovam centenas de outros transportes do gênero, um segundo representante da empresa respondeu reconhecendo a existência dos carregamentos, mas afirmando que todos ocorreram legalmente.

De acordo com dados da Agência de Investigação Ambiental, a maioria das fábricas de pellets na Romênia tem recebido troncos inteiros retirados de florestas protegidas. O grupo calculou que aproximadamente um terço dos carregamentos de madeira destinados a essas fábricas se origina em áreas protegidas.

“Quando você derruba essas árvores velhas, você degrada ecossistemas que levaram anos para se formar, com pouca intervenção humana”, afirmou o engenheiro florestal Dan-Catalin Turiga, que acompanhou as repórteres do Times. Turiga também atua como investigador de uma organização ambiental chamada Agent Green, que colaborou com a iniciativa de rastreamento de árvores.

Um caminhão entrega madeira para a Ameco, uma das maiores empresas produtoras de pellets da Romênia. Foto: Andreea Campeanu/The New York Times

Turiga alertou para estradas de madeireiros abertas em ladeiras acentuadas, que causam erosão e escoam para braços d’água. “Plantar árvores novas não restaurará a biodiversidade que existia”, afirmou ele.

Proprietários de florestas, do Estado ou privados, devem substituir árvores cortadas por novas mudas em até dois anos para ajudar a equilibrar o ciclo do carbono. Mas grupos ambientais têm mostrado ao longo dos anos que isso nem sempre é feito. As jornalistas do Times viram amplas parcelas de terras registradas como desmatadas anos atrás em que nenhum replantio foi realizado. Em alguns casos, as mudas plantadas morreram, possivelmente por causa do solo degradado.

As repórteres também viram um caminhão sem registro carregando troncos, o que ajuda a explicar por que os pesquisadores europeus não conseguem identificar de onde sai tanta madeira. A Agência de Investigação Ambiental encontrou repetidos exemplos de carregamentos não registrados. Em alguns casos, houve subnotificação ou pesos idênticos foram registrados em vários dias consecutivos.

Isso poderia ser qualificado como desmatamento ilegal na Romênia. O Ministério do Meio Ambiente do país não respondeu perguntas enviadas por escrito a respeito desses carregamentos, do projeto de alteração das regras sobre energia verde e sobre a indústria de pellets em geral.

A Agência de Investigação Ambiental rastreou troncos retirados de florestas ecologicamente importantes transportados para 10 fábricas de pellets e três usinas termelétricas na Romênia, na Bulgária, na Eslováquia e na Polônia.

A associação comercial Bioenergy Europe afirmou que problemas são raros. Quando obtida corretamente e de maneira sustentável, a madeira continua um recurso importante em um momento em que a Europa está desesperada para encontrar fontes domésticas e renováveis de energia, afirmou Irene di Padua, diretora de políticas do grupo. “Ainda podemos aumentar a capacidade na Europa de maneira sustentável”, afirmou ela.

A associação se opõe ao corte de subsídios ou à alteração da maneira que a energia limpa é definida. Se a União Europeia deixar de considerar a energia obtida com a queima de madeira neutra em carbono, vários países do bloco sairão dos trilhos imediatamente em relação a metas de energia renovável.

Isso surtiria muitas consequências sobre países como a Itália, a maior consumidora de pallets no continente. Mais de dois terços da energia renovável consumida no país vem da queima de material vegetal. Por anos, o governo italiano tem oferecido deduções em impostos para estimular a compra de fogões a pellets.

Isenções fiscais parecidas também são adotadas em outros países, juntamente com incentivos financeiros para produtores de madeira. Esses incentivos podem se tornar ilegítimos se a nova proposta entrar em vigor.

Mesmo se o Parlamento Europeu endossar a mudança, porém, detalhes deverão ser trabalhados em negociações com os governos nacionais. Os governos de Alemanha, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo sinalizaram apoio ao fim dos subsídios. Outros países têm permanecido calados.

Ainda que grupos ambientais estejam otimistas, até os mais estridentes apoiadores da mudança de regras reconhecem que a crise no fornecimento de energia da Rússia tem dificultado a política. Os preços do gás natural aumentaram em dez vezes ao longo do ano passado, e muitos europeus temem ser incapazes de pagar pelo aquecimento de suas casas no próximo inverno. “Precisamos de mais energia produzida domesticamente e autossuficiência, não menos”, tuitou o ministro finlandês de Agricultura e Silvicultura, Antti Kurvinen, em maio. “Promoverei plenamente a energia florestal.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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