É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Entraves comerciais


Não temos nada a ganhar e muito a perder nos aliando incondicionalmente aos EUA

Por Lourival Sant'Anna

Nos dois domingos anteriores, explorei as oportunidades criadas para o Brasil pela disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China, nos campos da vacina, da exploração sustentável da Amazônia e do 5G. Hoje meu tema é o comércio.

Há exatos 30 anos, desde que o então presidente George H. Bush propôs a Iniciativa para as Américas, com o objetivo de criar uma área de livre-comércio no continente, o Brasil vem perdendo chances de se desenvolver por meio da inserção nas cadeias globais de valor.

Bolsonaro ao lado de Trump em visita oficial aos EUA. Foto: Jim Lo Scalzo/EFE
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Ao constatar que sucessivos governos brasileiros estavam apenas procrastinando, impondo condições irrealistas em vez de dizer “não, obrigado”, os americanos desistiram do plano e fizeram acordos bilaterais com quem quisesse na região: Canadá e México (1994), Chile (2004), Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana (Cafta-DR, também de 2004), Peru (2009), Colômbia e Panamá (ambos em 2012).

Enquanto isso, o Brasil ficou engessado pela alta Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, liderado por ele mesmo e por outro país também dominado por cultura protecionista, a Argentina. 

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Há muitos estudos econométricos que medem a prosperidade trazida pelo livre-comércio. Mas basta comparar o Brasil consigo mesmo, em dois setores distintos: o agronegócio sofreu um choque de abertura no governo Fernando Collor e se tornou o motor da economia. A indústria continuou protegida e, com ela, o atraso do Brasil em qualidade e preço. Finalmente, o Brasil tem uma equipe econômica que entende isso. Mas há três problemas. 

As resistências dos segmentos industriais e de serviços que se beneficiam deste cativeiro continuam poderosas. O presidente Jair Bolsonaro se aliou à Fiesp para pressionar o Supremo Tribunal Federal e os governadores pelo fim da quarentena. O governo Alberto Fernández e segmentos da indústria argentina resistem a harmonizar e reduzir a TEC, baixar as tarifas sobre veículos e negociar acordos com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Índia. Brasil, Uruguai e Paraguai querem tudo isso e continuarão pressionando.

O terceiro problema é que o mundo vive um momento de entrincheiramento no protecionismo, de refluxo do apoio à globalização e de desmonte do sistema de comércio com base em regras, pela artilharia tarifária disparada por Donald Trump e persistente violação dessas regras pela China. 

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Esses três obstáculos podem ser superados pela chamada “vontade política”. Se Bolsonaro estiver convencido de que a inserção do Brasil no comércio global é prioridade, ele pode romper as resistências no Brasil e na Argentina, cujos setores protecionistas se escoram uns nos outros. Acordos de livre-comércio seriam o ideal, pois abririam mercados para o agronegócio brasileiro. Mas o protecionismo tem causado tanto mal ao Brasil que até a redução unilateral das tarifas traria imensa vantagem.

Quanto aos EUA e à China, essa briga não é nossa. Foi um erro ter assinado a carta contra a China em conjunto com os EUA, entregue na terça-feira ao Conselho Geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). As queixas são pertinentes. Mas o Brasil deve se defender dos abusos chineses de forma bilateral, não encampando a agenda altamente politizada do governo Trump.

Os EUA prejudicaram o Brasil ao bloquear a nomeação de novos juízes no Órgão de Apelações da OMC, tornando-o inoperante. Era lá que o Brasil e outros países brigavam por seus direitos. A saída prematura do brasileiro Roberto Azevêdo da direção da OMC evidencia essa perda. 

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Não temos nada a ganhar e muito a perder nos aliando incondicionalmente aos EUA, concorrentes do Brasil. Enquanto “brigam” com a China, os americanos lhe vendem quantidade recorde de milho, além de sorgo e carne suína. O mesmo se aplica ao Irã, que, cercado pelas sanções americanas, tem interesse nos aviões da Embraer. Preferências ideológicas não podem ficar acima dos interesses nacionais.

Nos dois domingos anteriores, explorei as oportunidades criadas para o Brasil pela disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China, nos campos da vacina, da exploração sustentável da Amazônia e do 5G. Hoje meu tema é o comércio.

Há exatos 30 anos, desde que o então presidente George H. Bush propôs a Iniciativa para as Américas, com o objetivo de criar uma área de livre-comércio no continente, o Brasil vem perdendo chances de se desenvolver por meio da inserção nas cadeias globais de valor.

Bolsonaro ao lado de Trump em visita oficial aos EUA. Foto: Jim Lo Scalzo/EFE

 

Ao constatar que sucessivos governos brasileiros estavam apenas procrastinando, impondo condições irrealistas em vez de dizer “não, obrigado”, os americanos desistiram do plano e fizeram acordos bilaterais com quem quisesse na região: Canadá e México (1994), Chile (2004), Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana (Cafta-DR, também de 2004), Peru (2009), Colômbia e Panamá (ambos em 2012).

Enquanto isso, o Brasil ficou engessado pela alta Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, liderado por ele mesmo e por outro país também dominado por cultura protecionista, a Argentina. 

Há muitos estudos econométricos que medem a prosperidade trazida pelo livre-comércio. Mas basta comparar o Brasil consigo mesmo, em dois setores distintos: o agronegócio sofreu um choque de abertura no governo Fernando Collor e se tornou o motor da economia. A indústria continuou protegida e, com ela, o atraso do Brasil em qualidade e preço. Finalmente, o Brasil tem uma equipe econômica que entende isso. Mas há três problemas. 

As resistências dos segmentos industriais e de serviços que se beneficiam deste cativeiro continuam poderosas. O presidente Jair Bolsonaro se aliou à Fiesp para pressionar o Supremo Tribunal Federal e os governadores pelo fim da quarentena. O governo Alberto Fernández e segmentos da indústria argentina resistem a harmonizar e reduzir a TEC, baixar as tarifas sobre veículos e negociar acordos com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Índia. Brasil, Uruguai e Paraguai querem tudo isso e continuarão pressionando.

O terceiro problema é que o mundo vive um momento de entrincheiramento no protecionismo, de refluxo do apoio à globalização e de desmonte do sistema de comércio com base em regras, pela artilharia tarifária disparada por Donald Trump e persistente violação dessas regras pela China. 

Esses três obstáculos podem ser superados pela chamada “vontade política”. Se Bolsonaro estiver convencido de que a inserção do Brasil no comércio global é prioridade, ele pode romper as resistências no Brasil e na Argentina, cujos setores protecionistas se escoram uns nos outros. Acordos de livre-comércio seriam o ideal, pois abririam mercados para o agronegócio brasileiro. Mas o protecionismo tem causado tanto mal ao Brasil que até a redução unilateral das tarifas traria imensa vantagem.

Quanto aos EUA e à China, essa briga não é nossa. Foi um erro ter assinado a carta contra a China em conjunto com os EUA, entregue na terça-feira ao Conselho Geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). As queixas são pertinentes. Mas o Brasil deve se defender dos abusos chineses de forma bilateral, não encampando a agenda altamente politizada do governo Trump.

Os EUA prejudicaram o Brasil ao bloquear a nomeação de novos juízes no Órgão de Apelações da OMC, tornando-o inoperante. Era lá que o Brasil e outros países brigavam por seus direitos. A saída prematura do brasileiro Roberto Azevêdo da direção da OMC evidencia essa perda. 

Não temos nada a ganhar e muito a perder nos aliando incondicionalmente aos EUA, concorrentes do Brasil. Enquanto “brigam” com a China, os americanos lhe vendem quantidade recorde de milho, além de sorgo e carne suína. O mesmo se aplica ao Irã, que, cercado pelas sanções americanas, tem interesse nos aviões da Embraer. Preferências ideológicas não podem ficar acima dos interesses nacionais.

Nos dois domingos anteriores, explorei as oportunidades criadas para o Brasil pela disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China, nos campos da vacina, da exploração sustentável da Amazônia e do 5G. Hoje meu tema é o comércio.

Há exatos 30 anos, desde que o então presidente George H. Bush propôs a Iniciativa para as Américas, com o objetivo de criar uma área de livre-comércio no continente, o Brasil vem perdendo chances de se desenvolver por meio da inserção nas cadeias globais de valor.

Bolsonaro ao lado de Trump em visita oficial aos EUA. Foto: Jim Lo Scalzo/EFE

 

Ao constatar que sucessivos governos brasileiros estavam apenas procrastinando, impondo condições irrealistas em vez de dizer “não, obrigado”, os americanos desistiram do plano e fizeram acordos bilaterais com quem quisesse na região: Canadá e México (1994), Chile (2004), Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana (Cafta-DR, também de 2004), Peru (2009), Colômbia e Panamá (ambos em 2012).

Enquanto isso, o Brasil ficou engessado pela alta Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, liderado por ele mesmo e por outro país também dominado por cultura protecionista, a Argentina. 

Há muitos estudos econométricos que medem a prosperidade trazida pelo livre-comércio. Mas basta comparar o Brasil consigo mesmo, em dois setores distintos: o agronegócio sofreu um choque de abertura no governo Fernando Collor e se tornou o motor da economia. A indústria continuou protegida e, com ela, o atraso do Brasil em qualidade e preço. Finalmente, o Brasil tem uma equipe econômica que entende isso. Mas há três problemas. 

As resistências dos segmentos industriais e de serviços que se beneficiam deste cativeiro continuam poderosas. O presidente Jair Bolsonaro se aliou à Fiesp para pressionar o Supremo Tribunal Federal e os governadores pelo fim da quarentena. O governo Alberto Fernández e segmentos da indústria argentina resistem a harmonizar e reduzir a TEC, baixar as tarifas sobre veículos e negociar acordos com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Índia. Brasil, Uruguai e Paraguai querem tudo isso e continuarão pressionando.

O terceiro problema é que o mundo vive um momento de entrincheiramento no protecionismo, de refluxo do apoio à globalização e de desmonte do sistema de comércio com base em regras, pela artilharia tarifária disparada por Donald Trump e persistente violação dessas regras pela China. 

Esses três obstáculos podem ser superados pela chamada “vontade política”. Se Bolsonaro estiver convencido de que a inserção do Brasil no comércio global é prioridade, ele pode romper as resistências no Brasil e na Argentina, cujos setores protecionistas se escoram uns nos outros. Acordos de livre-comércio seriam o ideal, pois abririam mercados para o agronegócio brasileiro. Mas o protecionismo tem causado tanto mal ao Brasil que até a redução unilateral das tarifas traria imensa vantagem.

Quanto aos EUA e à China, essa briga não é nossa. Foi um erro ter assinado a carta contra a China em conjunto com os EUA, entregue na terça-feira ao Conselho Geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). As queixas são pertinentes. Mas o Brasil deve se defender dos abusos chineses de forma bilateral, não encampando a agenda altamente politizada do governo Trump.

Os EUA prejudicaram o Brasil ao bloquear a nomeação de novos juízes no Órgão de Apelações da OMC, tornando-o inoperante. Era lá que o Brasil e outros países brigavam por seus direitos. A saída prematura do brasileiro Roberto Azevêdo da direção da OMC evidencia essa perda. 

Não temos nada a ganhar e muito a perder nos aliando incondicionalmente aos EUA, concorrentes do Brasil. Enquanto “brigam” com a China, os americanos lhe vendem quantidade recorde de milho, além de sorgo e carne suína. O mesmo se aplica ao Irã, que, cercado pelas sanções americanas, tem interesse nos aviões da Embraer. Preferências ideológicas não podem ficar acima dos interesses nacionais.

Nos dois domingos anteriores, explorei as oportunidades criadas para o Brasil pela disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China, nos campos da vacina, da exploração sustentável da Amazônia e do 5G. Hoje meu tema é o comércio.

Há exatos 30 anos, desde que o então presidente George H. Bush propôs a Iniciativa para as Américas, com o objetivo de criar uma área de livre-comércio no continente, o Brasil vem perdendo chances de se desenvolver por meio da inserção nas cadeias globais de valor.

Bolsonaro ao lado de Trump em visita oficial aos EUA. Foto: Jim Lo Scalzo/EFE

 

Ao constatar que sucessivos governos brasileiros estavam apenas procrastinando, impondo condições irrealistas em vez de dizer “não, obrigado”, os americanos desistiram do plano e fizeram acordos bilaterais com quem quisesse na região: Canadá e México (1994), Chile (2004), Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana (Cafta-DR, também de 2004), Peru (2009), Colômbia e Panamá (ambos em 2012).

Enquanto isso, o Brasil ficou engessado pela alta Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, liderado por ele mesmo e por outro país também dominado por cultura protecionista, a Argentina. 

Há muitos estudos econométricos que medem a prosperidade trazida pelo livre-comércio. Mas basta comparar o Brasil consigo mesmo, em dois setores distintos: o agronegócio sofreu um choque de abertura no governo Fernando Collor e se tornou o motor da economia. A indústria continuou protegida e, com ela, o atraso do Brasil em qualidade e preço. Finalmente, o Brasil tem uma equipe econômica que entende isso. Mas há três problemas. 

As resistências dos segmentos industriais e de serviços que se beneficiam deste cativeiro continuam poderosas. O presidente Jair Bolsonaro se aliou à Fiesp para pressionar o Supremo Tribunal Federal e os governadores pelo fim da quarentena. O governo Alberto Fernández e segmentos da indústria argentina resistem a harmonizar e reduzir a TEC, baixar as tarifas sobre veículos e negociar acordos com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Índia. Brasil, Uruguai e Paraguai querem tudo isso e continuarão pressionando.

O terceiro problema é que o mundo vive um momento de entrincheiramento no protecionismo, de refluxo do apoio à globalização e de desmonte do sistema de comércio com base em regras, pela artilharia tarifária disparada por Donald Trump e persistente violação dessas regras pela China. 

Esses três obstáculos podem ser superados pela chamada “vontade política”. Se Bolsonaro estiver convencido de que a inserção do Brasil no comércio global é prioridade, ele pode romper as resistências no Brasil e na Argentina, cujos setores protecionistas se escoram uns nos outros. Acordos de livre-comércio seriam o ideal, pois abririam mercados para o agronegócio brasileiro. Mas o protecionismo tem causado tanto mal ao Brasil que até a redução unilateral das tarifas traria imensa vantagem.

Quanto aos EUA e à China, essa briga não é nossa. Foi um erro ter assinado a carta contra a China em conjunto com os EUA, entregue na terça-feira ao Conselho Geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). As queixas são pertinentes. Mas o Brasil deve se defender dos abusos chineses de forma bilateral, não encampando a agenda altamente politizada do governo Trump.

Os EUA prejudicaram o Brasil ao bloquear a nomeação de novos juízes no Órgão de Apelações da OMC, tornando-o inoperante. Era lá que o Brasil e outros países brigavam por seus direitos. A saída prematura do brasileiro Roberto Azevêdo da direção da OMC evidencia essa perda. 

Não temos nada a ganhar e muito a perder nos aliando incondicionalmente aos EUA, concorrentes do Brasil. Enquanto “brigam” com a China, os americanos lhe vendem quantidade recorde de milho, além de sorgo e carne suína. O mesmo se aplica ao Irã, que, cercado pelas sanções americanas, tem interesse nos aviões da Embraer. Preferências ideológicas não podem ficar acima dos interesses nacionais.

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