Luzes da cidade

Antecipar o futuro pode ser arte e também ciência


Para psicólogo americano, um ‘superprevisor’ não necessita de um alto grau de especialização ou de uma ‘inteligência superior’

Por Lucia Guimarães
Atualização:

NOVA YORK - Uma anedota contada entre economistas coloca dois colegas caminhando no câmpus da Universidade de Chicago. O economista mais jovem vê uma nota de US$ 20 e se curva para pegá-la. O economista veterano diz: “Não se importe, se a nota estivesse mesmo aí, alguém já teria apanhado.” O psicólogo Philip Tetlock, da prestigiada escola de business Wharton, da Universidade da Pensilvânia, gosta de lembrar a anedota quando explica a experiência de larga escala que dirigiu e é contada no livro “Superprevisões, a Arte e a Ciência de Antecipar o Futuro” (Editora Objetiva, 352 páginas, R$ 44.90), escrito em parceria com o jornalista e conterrâneo canadense Dan Gardner.

Há seis anos, Tetlock e sua mulher, a psicóloga Barbara Mellers, foram procurados na Universidade de Stanford, onde eram professores, por um grupo da comunidade de inteligência do governo americano com uma proposta que consideraram irrecusável. De 1984 a 2003, Tetlock tinha conduzido supertorneios de previsões, em que grupos de pouco mais de 200 pessoas de diversos perfis profissionais tentaram prever o futuro de mais de 28 mil eventos e tendências da economia, política, saúde, e outros campos. Em 2005, Tetlock e Mellers publicaram o livro que chamou atenção do governo: o premiado Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know?

Para Tetlock é importante promover a transparência sobre a falta de clareza Foto: Divulgação
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Um comentário de Tetlock na época trouxe celebridade ao professor e feriu egos: “Especialistas têm tanta chance de prever o futuro a longo prazo – 15% – quanto chimpanzés atirando dardos.” Ele argumentava que mercadores de previsões econômicas e políticas, figuras famosas que frequentavam talk shows e conferências TED, erravam tanto ou mais do que anônimos não especializados munidos de bom senso.

Não era difícil compreender o interesse de Washington no rastro de dois fracassos espetaculares: os rumos da invasão do Iraque e a falha em reconhecer a aproximação do colapso financeiro que veio com o crash de 2008. O casal foi convidado a reviver os supertorneios em larga escala com apoio do Iarpa, um consórcio de inteligência do governo que teve origem no fim dos anos 1950, em plena Guerra Fria, e financia universidades e empresas privadas em pesquisas interdisciplinares.

Ao longo de quatro anos e reunindo dezenas de milhares de voluntários que enfrentavam diariamente perguntas tão diversas quanto ‘a Grécia vai sair da Zona do Euro?’, ‘a Rússia vai anexar mais território ucraniano?’ ou ‘a epidemia de Ebola vai afetar quantos países?’, Tetlock chegou a uma elite de superprevisores, grupos que acertavam mais, em média, do que a maioria – em alguns casos, foram 60% mais de acertos.

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Em entrevista ao Estado, Tetlock explica o que acredita definir os superprevisores. Começa pelo que não os distingue: “Inteligência superior ou alto grau de especialização”. “O superprevisor,” continua, “aposta em fazer estimativas de baixa probabilidade, mais ou menos em torno de 15%. Trabalha bem em grupos, tem a mente mais aberta para ideias que vão contra a sua intuição e cultiva o que chamo de estimativa de probabilidade subjetiva.” Neste elenco identificado no torneio está uma farmacêutica de Washington e um voluntário que se alistou quando ficou desempregado pelo fechamento de uma fábrica.

Probabilidade. Tetlock diz que o jogo de culpa em economia e política é o maior inibidor da previsão confiável. Para evitar serem denunciados por erro, analistas profissionais consultados sobre previsões se engajam no que ele denuncia como verbosidade vaga. Expressões preferidas são “isto pode acontecer”, “é provável”, “há uma possibilidade distinta”, muletas para preservar a credibilidade e o emprego.

O autor gosta de citar o mergulho dos preços do petróleo como um fracasso típico dos previsores profissionais, mas ressalta que estimar o preço do barril costuma ser o “cemitério das previsões”. Um dos esportes favoritos após o crash de 2008, lembra Tetlock, é distribuir culpas, dizer que o colapso era óbvio e destacar que só um pequeno número de analistas econômicos previu o dilúvio. Um deles foi Nouriel Roubini, o professor de economia da New York University apelidado de Doutor Apocalipse. “As pessoas ‘deslembram’ o passado. Se você pesquisar com cuidado quem se vangloria de ter previsto a bolha das hipotecas de imóveis, suas declarações eram muito menos enfáticas ou claras do que o que citam hoje.” O autor acha que muitos previsores sofrem da síndrome do retrovisor. Ele não desmerece a avaliação das experiências concretas, mas acha que o medo de repetir o passado ofusca a visão.

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Berlinda. Tetlock acredita que economistas não devem ser colocados na berlinda quando indagados sobre previsores em diferentes profissões. Mas o psicólogo completa a resposta com outra anedota: economistas previram dez das últimas cinco recessões. “Economistas são bons para prever a manutenção do status quo, não mudanças súbitas”, afirma.

A experiência apoiada pelo governo americano vai continuar e Philip Tetlock convida brasileiros interessados em se tornarem previsores a acessarem o site do Good Judgment Project (Projeto Bom Senso) para participar de novas rodadas de exercício em futurismo. O projeto proporciona orientação aos voluntários sobre análise de dados e a experiência convenceu Tetlock de que prever é um talento a ser aperfeiçoado. “Eu não defendo a reverência aos números ou algoritmos”, afirma. “Nem tudo pode ser quantificado e o importante é promover a transparência sobre a falta de certeza.”

O psicólogo, que defende a subjetividade na previsão, acha que ela é aliada do pensamento em grupo com pessoas de áreas diversas. “Um grupo heterogêneo sempre tem mais chances de expelir ignorância”, explica.

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Tetlock afirma ainda que seus superprevisores são orientados a afiar a precisão das perguntas. Se alguém pontifica algo como o declínio de uma atividade econômica em amplas pinceladas, é bombardeado com perguntas específicas. “O bom previsor começa pelo cenário externo” explica. “E vai descascando os fatos na direção interna, detectando detalhes às vezes ignorados por especialistas, que podem pesar no aumento da probabilidade”, conclui.

Disputa. Em tempos de grande polarização política, ele lembra que extremistas ideológicos dificilmente se tornam bons previsores. Lamenta que a rede social tenha criado uma demanda para certezas resumidas em frases curtas, anátema para a boa previsão.

Ele defende o recurso da “colaboração adversária” e usa com exemplo de redução do debate econômico o bate-boca, no ano passado, entre o Prêmio Nobel de economia Paul Krugman e o historiador Niall Ferguson sobre o quantitative easing, ou afrouxamento monetário. Embora Ferguson não tenha reputação especial de credibilidade em economia, Tetlock acha que o debate sobre o futuro não pode ser beneficiado pelo que classifica como o equivalente verbal a uma briga com comida num refeitório estudantil.

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Quando questionado numa entrevista na Universidade de Stanford, Tetlock concordou que um exemplo de colaboração adversária preciosa seria tentar prever o efeito do aumento do salário mínimo no índice de emprego. Tetlock diz ainda que é impossível conhecer os limites da precisão. Os melhores não conseguiriam determinar probabilidades de mais de 75%. Sobre os políticos que navegam a bordo de certezas, ele mostra sua preferência: o líder que reconhece o autoengano faz menos estrago do que o que acena com números para fazer uma previsão em público, embora trabalhe com outros no gabinetes.

NOVA YORK - Uma anedota contada entre economistas coloca dois colegas caminhando no câmpus da Universidade de Chicago. O economista mais jovem vê uma nota de US$ 20 e se curva para pegá-la. O economista veterano diz: “Não se importe, se a nota estivesse mesmo aí, alguém já teria apanhado.” O psicólogo Philip Tetlock, da prestigiada escola de business Wharton, da Universidade da Pensilvânia, gosta de lembrar a anedota quando explica a experiência de larga escala que dirigiu e é contada no livro “Superprevisões, a Arte e a Ciência de Antecipar o Futuro” (Editora Objetiva, 352 páginas, R$ 44.90), escrito em parceria com o jornalista e conterrâneo canadense Dan Gardner.

Há seis anos, Tetlock e sua mulher, a psicóloga Barbara Mellers, foram procurados na Universidade de Stanford, onde eram professores, por um grupo da comunidade de inteligência do governo americano com uma proposta que consideraram irrecusável. De 1984 a 2003, Tetlock tinha conduzido supertorneios de previsões, em que grupos de pouco mais de 200 pessoas de diversos perfis profissionais tentaram prever o futuro de mais de 28 mil eventos e tendências da economia, política, saúde, e outros campos. Em 2005, Tetlock e Mellers publicaram o livro que chamou atenção do governo: o premiado Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know?

Para Tetlock é importante promover a transparência sobre a falta de clareza Foto: Divulgação

Um comentário de Tetlock na época trouxe celebridade ao professor e feriu egos: “Especialistas têm tanta chance de prever o futuro a longo prazo – 15% – quanto chimpanzés atirando dardos.” Ele argumentava que mercadores de previsões econômicas e políticas, figuras famosas que frequentavam talk shows e conferências TED, erravam tanto ou mais do que anônimos não especializados munidos de bom senso.

Não era difícil compreender o interesse de Washington no rastro de dois fracassos espetaculares: os rumos da invasão do Iraque e a falha em reconhecer a aproximação do colapso financeiro que veio com o crash de 2008. O casal foi convidado a reviver os supertorneios em larga escala com apoio do Iarpa, um consórcio de inteligência do governo que teve origem no fim dos anos 1950, em plena Guerra Fria, e financia universidades e empresas privadas em pesquisas interdisciplinares.

Ao longo de quatro anos e reunindo dezenas de milhares de voluntários que enfrentavam diariamente perguntas tão diversas quanto ‘a Grécia vai sair da Zona do Euro?’, ‘a Rússia vai anexar mais território ucraniano?’ ou ‘a epidemia de Ebola vai afetar quantos países?’, Tetlock chegou a uma elite de superprevisores, grupos que acertavam mais, em média, do que a maioria – em alguns casos, foram 60% mais de acertos.

Em entrevista ao Estado, Tetlock explica o que acredita definir os superprevisores. Começa pelo que não os distingue: “Inteligência superior ou alto grau de especialização”. “O superprevisor,” continua, “aposta em fazer estimativas de baixa probabilidade, mais ou menos em torno de 15%. Trabalha bem em grupos, tem a mente mais aberta para ideias que vão contra a sua intuição e cultiva o que chamo de estimativa de probabilidade subjetiva.” Neste elenco identificado no torneio está uma farmacêutica de Washington e um voluntário que se alistou quando ficou desempregado pelo fechamento de uma fábrica.

Probabilidade. Tetlock diz que o jogo de culpa em economia e política é o maior inibidor da previsão confiável. Para evitar serem denunciados por erro, analistas profissionais consultados sobre previsões se engajam no que ele denuncia como verbosidade vaga. Expressões preferidas são “isto pode acontecer”, “é provável”, “há uma possibilidade distinta”, muletas para preservar a credibilidade e o emprego.

O autor gosta de citar o mergulho dos preços do petróleo como um fracasso típico dos previsores profissionais, mas ressalta que estimar o preço do barril costuma ser o “cemitério das previsões”. Um dos esportes favoritos após o crash de 2008, lembra Tetlock, é distribuir culpas, dizer que o colapso era óbvio e destacar que só um pequeno número de analistas econômicos previu o dilúvio. Um deles foi Nouriel Roubini, o professor de economia da New York University apelidado de Doutor Apocalipse. “As pessoas ‘deslembram’ o passado. Se você pesquisar com cuidado quem se vangloria de ter previsto a bolha das hipotecas de imóveis, suas declarações eram muito menos enfáticas ou claras do que o que citam hoje.” O autor acha que muitos previsores sofrem da síndrome do retrovisor. Ele não desmerece a avaliação das experiências concretas, mas acha que o medo de repetir o passado ofusca a visão.

Berlinda. Tetlock acredita que economistas não devem ser colocados na berlinda quando indagados sobre previsores em diferentes profissões. Mas o psicólogo completa a resposta com outra anedota: economistas previram dez das últimas cinco recessões. “Economistas são bons para prever a manutenção do status quo, não mudanças súbitas”, afirma.

A experiência apoiada pelo governo americano vai continuar e Philip Tetlock convida brasileiros interessados em se tornarem previsores a acessarem o site do Good Judgment Project (Projeto Bom Senso) para participar de novas rodadas de exercício em futurismo. O projeto proporciona orientação aos voluntários sobre análise de dados e a experiência convenceu Tetlock de que prever é um talento a ser aperfeiçoado. “Eu não defendo a reverência aos números ou algoritmos”, afirma. “Nem tudo pode ser quantificado e o importante é promover a transparência sobre a falta de certeza.”

O psicólogo, que defende a subjetividade na previsão, acha que ela é aliada do pensamento em grupo com pessoas de áreas diversas. “Um grupo heterogêneo sempre tem mais chances de expelir ignorância”, explica.

Tetlock afirma ainda que seus superprevisores são orientados a afiar a precisão das perguntas. Se alguém pontifica algo como o declínio de uma atividade econômica em amplas pinceladas, é bombardeado com perguntas específicas. “O bom previsor começa pelo cenário externo” explica. “E vai descascando os fatos na direção interna, detectando detalhes às vezes ignorados por especialistas, que podem pesar no aumento da probabilidade”, conclui.

Disputa. Em tempos de grande polarização política, ele lembra que extremistas ideológicos dificilmente se tornam bons previsores. Lamenta que a rede social tenha criado uma demanda para certezas resumidas em frases curtas, anátema para a boa previsão.

Ele defende o recurso da “colaboração adversária” e usa com exemplo de redução do debate econômico o bate-boca, no ano passado, entre o Prêmio Nobel de economia Paul Krugman e o historiador Niall Ferguson sobre o quantitative easing, ou afrouxamento monetário. Embora Ferguson não tenha reputação especial de credibilidade em economia, Tetlock acha que o debate sobre o futuro não pode ser beneficiado pelo que classifica como o equivalente verbal a uma briga com comida num refeitório estudantil.

Quando questionado numa entrevista na Universidade de Stanford, Tetlock concordou que um exemplo de colaboração adversária preciosa seria tentar prever o efeito do aumento do salário mínimo no índice de emprego. Tetlock diz ainda que é impossível conhecer os limites da precisão. Os melhores não conseguiriam determinar probabilidades de mais de 75%. Sobre os políticos que navegam a bordo de certezas, ele mostra sua preferência: o líder que reconhece o autoengano faz menos estrago do que o que acena com números para fazer uma previsão em público, embora trabalhe com outros no gabinetes.

NOVA YORK - Uma anedota contada entre economistas coloca dois colegas caminhando no câmpus da Universidade de Chicago. O economista mais jovem vê uma nota de US$ 20 e se curva para pegá-la. O economista veterano diz: “Não se importe, se a nota estivesse mesmo aí, alguém já teria apanhado.” O psicólogo Philip Tetlock, da prestigiada escola de business Wharton, da Universidade da Pensilvânia, gosta de lembrar a anedota quando explica a experiência de larga escala que dirigiu e é contada no livro “Superprevisões, a Arte e a Ciência de Antecipar o Futuro” (Editora Objetiva, 352 páginas, R$ 44.90), escrito em parceria com o jornalista e conterrâneo canadense Dan Gardner.

Há seis anos, Tetlock e sua mulher, a psicóloga Barbara Mellers, foram procurados na Universidade de Stanford, onde eram professores, por um grupo da comunidade de inteligência do governo americano com uma proposta que consideraram irrecusável. De 1984 a 2003, Tetlock tinha conduzido supertorneios de previsões, em que grupos de pouco mais de 200 pessoas de diversos perfis profissionais tentaram prever o futuro de mais de 28 mil eventos e tendências da economia, política, saúde, e outros campos. Em 2005, Tetlock e Mellers publicaram o livro que chamou atenção do governo: o premiado Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know?

Para Tetlock é importante promover a transparência sobre a falta de clareza Foto: Divulgação

Um comentário de Tetlock na época trouxe celebridade ao professor e feriu egos: “Especialistas têm tanta chance de prever o futuro a longo prazo – 15% – quanto chimpanzés atirando dardos.” Ele argumentava que mercadores de previsões econômicas e políticas, figuras famosas que frequentavam talk shows e conferências TED, erravam tanto ou mais do que anônimos não especializados munidos de bom senso.

Não era difícil compreender o interesse de Washington no rastro de dois fracassos espetaculares: os rumos da invasão do Iraque e a falha em reconhecer a aproximação do colapso financeiro que veio com o crash de 2008. O casal foi convidado a reviver os supertorneios em larga escala com apoio do Iarpa, um consórcio de inteligência do governo que teve origem no fim dos anos 1950, em plena Guerra Fria, e financia universidades e empresas privadas em pesquisas interdisciplinares.

Ao longo de quatro anos e reunindo dezenas de milhares de voluntários que enfrentavam diariamente perguntas tão diversas quanto ‘a Grécia vai sair da Zona do Euro?’, ‘a Rússia vai anexar mais território ucraniano?’ ou ‘a epidemia de Ebola vai afetar quantos países?’, Tetlock chegou a uma elite de superprevisores, grupos que acertavam mais, em média, do que a maioria – em alguns casos, foram 60% mais de acertos.

Em entrevista ao Estado, Tetlock explica o que acredita definir os superprevisores. Começa pelo que não os distingue: “Inteligência superior ou alto grau de especialização”. “O superprevisor,” continua, “aposta em fazer estimativas de baixa probabilidade, mais ou menos em torno de 15%. Trabalha bem em grupos, tem a mente mais aberta para ideias que vão contra a sua intuição e cultiva o que chamo de estimativa de probabilidade subjetiva.” Neste elenco identificado no torneio está uma farmacêutica de Washington e um voluntário que se alistou quando ficou desempregado pelo fechamento de uma fábrica.

Probabilidade. Tetlock diz que o jogo de culpa em economia e política é o maior inibidor da previsão confiável. Para evitar serem denunciados por erro, analistas profissionais consultados sobre previsões se engajam no que ele denuncia como verbosidade vaga. Expressões preferidas são “isto pode acontecer”, “é provável”, “há uma possibilidade distinta”, muletas para preservar a credibilidade e o emprego.

O autor gosta de citar o mergulho dos preços do petróleo como um fracasso típico dos previsores profissionais, mas ressalta que estimar o preço do barril costuma ser o “cemitério das previsões”. Um dos esportes favoritos após o crash de 2008, lembra Tetlock, é distribuir culpas, dizer que o colapso era óbvio e destacar que só um pequeno número de analistas econômicos previu o dilúvio. Um deles foi Nouriel Roubini, o professor de economia da New York University apelidado de Doutor Apocalipse. “As pessoas ‘deslembram’ o passado. Se você pesquisar com cuidado quem se vangloria de ter previsto a bolha das hipotecas de imóveis, suas declarações eram muito menos enfáticas ou claras do que o que citam hoje.” O autor acha que muitos previsores sofrem da síndrome do retrovisor. Ele não desmerece a avaliação das experiências concretas, mas acha que o medo de repetir o passado ofusca a visão.

Berlinda. Tetlock acredita que economistas não devem ser colocados na berlinda quando indagados sobre previsores em diferentes profissões. Mas o psicólogo completa a resposta com outra anedota: economistas previram dez das últimas cinco recessões. “Economistas são bons para prever a manutenção do status quo, não mudanças súbitas”, afirma.

A experiência apoiada pelo governo americano vai continuar e Philip Tetlock convida brasileiros interessados em se tornarem previsores a acessarem o site do Good Judgment Project (Projeto Bom Senso) para participar de novas rodadas de exercício em futurismo. O projeto proporciona orientação aos voluntários sobre análise de dados e a experiência convenceu Tetlock de que prever é um talento a ser aperfeiçoado. “Eu não defendo a reverência aos números ou algoritmos”, afirma. “Nem tudo pode ser quantificado e o importante é promover a transparência sobre a falta de certeza.”

O psicólogo, que defende a subjetividade na previsão, acha que ela é aliada do pensamento em grupo com pessoas de áreas diversas. “Um grupo heterogêneo sempre tem mais chances de expelir ignorância”, explica.

Tetlock afirma ainda que seus superprevisores são orientados a afiar a precisão das perguntas. Se alguém pontifica algo como o declínio de uma atividade econômica em amplas pinceladas, é bombardeado com perguntas específicas. “O bom previsor começa pelo cenário externo” explica. “E vai descascando os fatos na direção interna, detectando detalhes às vezes ignorados por especialistas, que podem pesar no aumento da probabilidade”, conclui.

Disputa. Em tempos de grande polarização política, ele lembra que extremistas ideológicos dificilmente se tornam bons previsores. Lamenta que a rede social tenha criado uma demanda para certezas resumidas em frases curtas, anátema para a boa previsão.

Ele defende o recurso da “colaboração adversária” e usa com exemplo de redução do debate econômico o bate-boca, no ano passado, entre o Prêmio Nobel de economia Paul Krugman e o historiador Niall Ferguson sobre o quantitative easing, ou afrouxamento monetário. Embora Ferguson não tenha reputação especial de credibilidade em economia, Tetlock acha que o debate sobre o futuro não pode ser beneficiado pelo que classifica como o equivalente verbal a uma briga com comida num refeitório estudantil.

Quando questionado numa entrevista na Universidade de Stanford, Tetlock concordou que um exemplo de colaboração adversária preciosa seria tentar prever o efeito do aumento do salário mínimo no índice de emprego. Tetlock diz ainda que é impossível conhecer os limites da precisão. Os melhores não conseguiriam determinar probabilidades de mais de 75%. Sobre os políticos que navegam a bordo de certezas, ele mostra sua preferência: o líder que reconhece o autoengano faz menos estrago do que o que acena com números para fazer uma previsão em público, embora trabalhe com outros no gabinetes.

NOVA YORK - Uma anedota contada entre economistas coloca dois colegas caminhando no câmpus da Universidade de Chicago. O economista mais jovem vê uma nota de US$ 20 e se curva para pegá-la. O economista veterano diz: “Não se importe, se a nota estivesse mesmo aí, alguém já teria apanhado.” O psicólogo Philip Tetlock, da prestigiada escola de business Wharton, da Universidade da Pensilvânia, gosta de lembrar a anedota quando explica a experiência de larga escala que dirigiu e é contada no livro “Superprevisões, a Arte e a Ciência de Antecipar o Futuro” (Editora Objetiva, 352 páginas, R$ 44.90), escrito em parceria com o jornalista e conterrâneo canadense Dan Gardner.

Há seis anos, Tetlock e sua mulher, a psicóloga Barbara Mellers, foram procurados na Universidade de Stanford, onde eram professores, por um grupo da comunidade de inteligência do governo americano com uma proposta que consideraram irrecusável. De 1984 a 2003, Tetlock tinha conduzido supertorneios de previsões, em que grupos de pouco mais de 200 pessoas de diversos perfis profissionais tentaram prever o futuro de mais de 28 mil eventos e tendências da economia, política, saúde, e outros campos. Em 2005, Tetlock e Mellers publicaram o livro que chamou atenção do governo: o premiado Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know?

Para Tetlock é importante promover a transparência sobre a falta de clareza Foto: Divulgação

Um comentário de Tetlock na época trouxe celebridade ao professor e feriu egos: “Especialistas têm tanta chance de prever o futuro a longo prazo – 15% – quanto chimpanzés atirando dardos.” Ele argumentava que mercadores de previsões econômicas e políticas, figuras famosas que frequentavam talk shows e conferências TED, erravam tanto ou mais do que anônimos não especializados munidos de bom senso.

Não era difícil compreender o interesse de Washington no rastro de dois fracassos espetaculares: os rumos da invasão do Iraque e a falha em reconhecer a aproximação do colapso financeiro que veio com o crash de 2008. O casal foi convidado a reviver os supertorneios em larga escala com apoio do Iarpa, um consórcio de inteligência do governo que teve origem no fim dos anos 1950, em plena Guerra Fria, e financia universidades e empresas privadas em pesquisas interdisciplinares.

Ao longo de quatro anos e reunindo dezenas de milhares de voluntários que enfrentavam diariamente perguntas tão diversas quanto ‘a Grécia vai sair da Zona do Euro?’, ‘a Rússia vai anexar mais território ucraniano?’ ou ‘a epidemia de Ebola vai afetar quantos países?’, Tetlock chegou a uma elite de superprevisores, grupos que acertavam mais, em média, do que a maioria – em alguns casos, foram 60% mais de acertos.

Em entrevista ao Estado, Tetlock explica o que acredita definir os superprevisores. Começa pelo que não os distingue: “Inteligência superior ou alto grau de especialização”. “O superprevisor,” continua, “aposta em fazer estimativas de baixa probabilidade, mais ou menos em torno de 15%. Trabalha bem em grupos, tem a mente mais aberta para ideias que vão contra a sua intuição e cultiva o que chamo de estimativa de probabilidade subjetiva.” Neste elenco identificado no torneio está uma farmacêutica de Washington e um voluntário que se alistou quando ficou desempregado pelo fechamento de uma fábrica.

Probabilidade. Tetlock diz que o jogo de culpa em economia e política é o maior inibidor da previsão confiável. Para evitar serem denunciados por erro, analistas profissionais consultados sobre previsões se engajam no que ele denuncia como verbosidade vaga. Expressões preferidas são “isto pode acontecer”, “é provável”, “há uma possibilidade distinta”, muletas para preservar a credibilidade e o emprego.

O autor gosta de citar o mergulho dos preços do petróleo como um fracasso típico dos previsores profissionais, mas ressalta que estimar o preço do barril costuma ser o “cemitério das previsões”. Um dos esportes favoritos após o crash de 2008, lembra Tetlock, é distribuir culpas, dizer que o colapso era óbvio e destacar que só um pequeno número de analistas econômicos previu o dilúvio. Um deles foi Nouriel Roubini, o professor de economia da New York University apelidado de Doutor Apocalipse. “As pessoas ‘deslembram’ o passado. Se você pesquisar com cuidado quem se vangloria de ter previsto a bolha das hipotecas de imóveis, suas declarações eram muito menos enfáticas ou claras do que o que citam hoje.” O autor acha que muitos previsores sofrem da síndrome do retrovisor. Ele não desmerece a avaliação das experiências concretas, mas acha que o medo de repetir o passado ofusca a visão.

Berlinda. Tetlock acredita que economistas não devem ser colocados na berlinda quando indagados sobre previsores em diferentes profissões. Mas o psicólogo completa a resposta com outra anedota: economistas previram dez das últimas cinco recessões. “Economistas são bons para prever a manutenção do status quo, não mudanças súbitas”, afirma.

A experiência apoiada pelo governo americano vai continuar e Philip Tetlock convida brasileiros interessados em se tornarem previsores a acessarem o site do Good Judgment Project (Projeto Bom Senso) para participar de novas rodadas de exercício em futurismo. O projeto proporciona orientação aos voluntários sobre análise de dados e a experiência convenceu Tetlock de que prever é um talento a ser aperfeiçoado. “Eu não defendo a reverência aos números ou algoritmos”, afirma. “Nem tudo pode ser quantificado e o importante é promover a transparência sobre a falta de certeza.”

O psicólogo, que defende a subjetividade na previsão, acha que ela é aliada do pensamento em grupo com pessoas de áreas diversas. “Um grupo heterogêneo sempre tem mais chances de expelir ignorância”, explica.

Tetlock afirma ainda que seus superprevisores são orientados a afiar a precisão das perguntas. Se alguém pontifica algo como o declínio de uma atividade econômica em amplas pinceladas, é bombardeado com perguntas específicas. “O bom previsor começa pelo cenário externo” explica. “E vai descascando os fatos na direção interna, detectando detalhes às vezes ignorados por especialistas, que podem pesar no aumento da probabilidade”, conclui.

Disputa. Em tempos de grande polarização política, ele lembra que extremistas ideológicos dificilmente se tornam bons previsores. Lamenta que a rede social tenha criado uma demanda para certezas resumidas em frases curtas, anátema para a boa previsão.

Ele defende o recurso da “colaboração adversária” e usa com exemplo de redução do debate econômico o bate-boca, no ano passado, entre o Prêmio Nobel de economia Paul Krugman e o historiador Niall Ferguson sobre o quantitative easing, ou afrouxamento monetário. Embora Ferguson não tenha reputação especial de credibilidade em economia, Tetlock acha que o debate sobre o futuro não pode ser beneficiado pelo que classifica como o equivalente verbal a uma briga com comida num refeitório estudantil.

Quando questionado numa entrevista na Universidade de Stanford, Tetlock concordou que um exemplo de colaboração adversária preciosa seria tentar prever o efeito do aumento do salário mínimo no índice de emprego. Tetlock diz ainda que é impossível conhecer os limites da precisão. Os melhores não conseguiriam determinar probabilidades de mais de 75%. Sobre os políticos que navegam a bordo de certezas, ele mostra sua preferência: o líder que reconhece o autoengano faz menos estrago do que o que acena com números para fazer uma previsão em público, embora trabalhe com outros no gabinetes.

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