Mistérios de um álbum de fotografias nazista


O blog 'Lens' compartilhou esta história com a 'Der Spiegel', principal semanário alemão, para ajudar a resolver um mistério de 70 anos: quem criou este álbum do Front Oriental?

Por David W. Dunlap

Com certeza existem muitos álbuns de fotografias dos líderes nazistas e muitos álbuns de fotografias das vítimas dos nazistas. Mas é difícil imaginar álbuns mostrando ambos os temas, separados apenas por algumas páginas.

 

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Uma dessas coleções apareceu em Nova York. Seu criador conseguiu – aparentemente no prazo de algumas semanas – fotografar Hitler em guerra na Rússia e algumas das primeiras vítimas daquela campanha brutal, conhecida como Operação Barbarossa, iniciada há 70 anos hoje.

 

Duas páginas desse álbum, de fotos tiradas na Frente Oriental em 1941, são dedicadas aos prisioneiros. Alguns estão cobertos de trapos, outros usam uniformes do Exército Vermelho, outros ainda casacos com pedaços de pano com a Estrela de Davi. Estão diante do que parecem ser covas escavadas pouco antes. (As suas? As dos seus compatriotas?) Em seis imagens quase íntimas, quase obra de algum retratista experimentado, os homens postados diante da câmera têm um olhar vazio ou de desafio.

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Quatro páginas adiante, está o próprio Hitler, aguardando numa estação de trem a chegada do Almirante Miklos Horthy, o regente da Hungria - com o qual, logo depois, ele negociaria no quartel general da guerra na Prússia Oriental, conhecido como a Toca do Lobo. O fotógrafo está a poucos passos de Hitler, quase tão perto do Führer como estava dos prisioneiros do Führer. 

 

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Evidentemente, esse fotógrafo tinha grande facilidade de acesso – e um talento invulgar. Mas quem era? Seu álbum absolutamente comum, comprado numa loja, não traz nenhuma identificação ou inscrição. Só há uma legenda visível em uma das 214 fotografias 8 por 10.

 

E o que ele mostrava para a posteridade? Em primeiro lugar, ele documentava a viagem na Europa Oriental de um comboio de ônibus a serviço da Reichs-Autozug Deutschland, uma unidade do Partido Nazista entre cujas responsabilidades estava a da logística necessária para a realização de comícios com grandes massas.

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A julgar pelas palavras rabiscadas nas janelas empoeiradas dos ônibus, o itinerário era Berlim-Minsk-Smolensk-Munique. Os pontos de referência identificáveis no álbum mostram que o comboio passara por Gdansk, na Polônia, então chamada Danzig; Kaliningrad, na Rússia, na época Königsberg; e Barysaw, na Bielo-Rússia.

 

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O campo de batalha quase não aparece (na época, o front estava bem mais adiante), mas é evidente uma enorme destruição. Minsk, a capital da então República Socialista Soviética Bielo-russa – caiu dias depois do início da Operação Barbarossa –, está em ruínas. Há muitas fotos do interior, e imagens de camponeses que lembram o trabalho dos fotógrafos da Agência de Segurança Agrícola (criada durante o New Deal nos EUA).

 

Depois do interlúdio com Hitler, encontramos o fotógrafo em recuperação em uma espécie de clínica para convalescentes. Ele mostra para a câmera seu prontuário médico, mas é impossível ler. Depois, está na Bavária, onde um esquadrão de motociclistas parece se exibir com suas proezas. Finalmente, o fotógrafo está em Munique ou arrabaldes, com uma mulher bonita que pode ser sua esposa. Ou irmã. Ou amante.

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Quantos mistérios ainda! Esperamos que os leitores do Lens e do site do Spiegel Online Eines Tages (Era uma vez) nos ajudem a desvendar esta crônica dos tempos de guerra extremamente pessoal e, no entanto, muito profissional.

 

O álbum pertence a um executivo de 72 anos da indústria da confecção, que mora em Nova Jersey e trabalha no distrito da moda em Manhattan. Ele o emprestou ao New York Times na esperança de que sua divulgação na imprensa – e o reconhecimento da proveniência do álbum – aumente o seu valor. Ele gostaria de usar os proventos de uma eventual venda, segundo as suas expectativas na casa dos “seis dígitos ou mais”, para pagar o tratamento médico e sair das dívidas. Ele foi submetido a uma cirurgia para a colocação de quatro pontes de safena e declarou falência pessoal. Nem todos os seus colegas e concorrentes sabem disso, ou que ele tem este álbum, por isso pediu que seu nome não fosse revelado.

 

O homem disse que o álbum de fotos lhe foi dado, com 50 mil figurinhas de beisebol, por um operário que teve vários problemas financeiros nos tempos difíceis, e foi obrigado a tomar dinheiro emprestado do executivo. Os objetos poderiam cobrir o valor do empréstimo em dinheiro. Segundo o executivo, o operário teria recebido o álbum de um velho alemão para o qual ele trabalhava cuidando do gramado. Como há nove fotos de Hitler no álbum de 24 páginas, todas as pessoas que o tiveram nas mãos sabiam que tinha algum valor.

 

"Eu sabia que tinha uma pedaço da história", disse o executivo, "e estava muito preocupado porque poderia cair nas mãos erradas. Mas minhas necessidades são muito grandes".

 

Aceitamos fazer o trabalho de investigação com a condição de que divulgaríamos os resultados, mesmo que isso diminuísse o valor do álbum. E dissemos ao executivo que não pediríamos a um especialista uma avaliação apressada do valor monetário do álbum.

 

Nosso único interesse foi apresentar aos leitores impressionantes imagens em close de um momento decisivo da Segunda Guerra Mundial -- e tentar solucionar um enigma histórico.

 

Em primeiro lugar, recorremos ao Museu do Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. "Este álbum é diferente da maioria dos outros pela qualidade das fotos", disse Judith Cohen, a diretora da coleção de referências fotográficas do museu. "O fotógrafo era claramente um profissional e sabia o que estava fazendo. É possível que seja o álbum pessoal de um fotógrafo da PK".

 

A PK, ou Propagandakompanie, era a unidade de campo da seção de propaganda da Wehrmacht. Somente isso já era um dado valioso. Mas Judith Cohen nos deu outra indicação ainda mais importante. Foi possível comprovar que uma das fotos da prisão (slide 3) era idêntica à foto No. 1907/15 do Arquivo Cinematográfico Judaico de Steven Spielberg, da coleção do Yad Vashem, a Autoridade de Memória dos Mártires e dos Heróis do Holocausto de Jerusalém.

 

Isso permitiu identificar a localização do campo de prisioneiros em Minsk e estabelecer o ano da foto, 1941. Também foi possível determinar que os uniformes usados por alguns dos prisioneiros - inclusive o que se distingue pelo budenovka (o capacete, no slide 8) - eram os do Exército Vermelho. Também participou da conversação Daniel Uziel, diretor das coleções fotográficas do Yad Vashem.

 

"Era muito comum os oficiais comandantes da PK ou mesmo os fotógrafos individualmente fazerem álbuns pessoais", ele disse. Os álbuns "ficavam com oficiais da companhia ou eram dados aos generais, membros do partido etc".

 

“A disseminação das fotos da PK após a Segunda Guerra é um assunto fascinante que ainda não foi pesquisado a fundo”, disse Uziel. "Trata-se obviamente de um daqueles casos em que as fotos da PK conseguiram escapar do círculo da fraternidade de propaganda do período da guerra e dos arquivos relacionados a ela. Soubemos recentemente que alguns dos comitês históricos judaicos em atividade na Europa logo após o término da Segunda Guerra conseguiram pôr as mãos em cópias de tais fotos”.

 

Depois de ver algumas imagens selecionadas e enviadas a ele por e-mail, Uziel disse que “apesar de algumas fotos serem nítidos esforços de propaganda e terem sido feitas de acordo com os parâmetros do governo, a maioria delas consiste em típicos exemplos de ‘turismo no campo de batalha’”. Ele explicou que as fotos cortadas na vertical mostrando prisioneiros individuais eram "retratos-padrão da PK mostrando os prisioneiros de guerra soviéticos, feitas de acordo com regras específicas e sob encomenda especial da Wehrmacht e do Ministério da Propaganda".

 

“Eu diria que somente aqueles claramente marcados com o distintivo amarelo são judeus”, escreveu Uziel. "Não há muitas fotos de prisioneiros de guerra judeus marcados porque, normalmente, eles eram entregues à SS pouco depois de serem identificados, sendo a seguir executados".

 

Minsk não era apenas o local do campo de prisioneiros, mas também uma cidade cujas ruas e edifícios arruinados pelo bombardeio podem ser vistos em numerosas imagens. Isso foi confirmado quando o professor Larry Wolff, da Universidade de Nova York, diretor do Centro de Estudos Europeus e Mediterrâneos, reconheceu as torres barrocas da Igreja Católica Romana da Santa Virgem Maria. O prédio do Teatro de Ópera e de Balé também é um marco urbano inconfundível.

 

O detalhe que mais ajudou a estabelecer a localização cronológica do álbum fotográfico foi o encontro entre Hitler e Horthy em setembro de 1941. A imagem era conhecida até pelo público americano, que entrou em contato com este material por meio da revista Life. Em suas páginas, a publicação mostrou uma foto que parece ter sido tirada de uma posição a poucos centímetros de onde estaria o fotógrafo da PK perto da estação de trem onde os dois líderes se reuniram. O local era Ketrzyn, na atual Polônia, cidade que na época ficava na Prússia Oriental e se chamava Rastenburg, onde Hitler instalara o quartel-general de guerra conhecido como Toca do Lobo (Wolfsschanze).

 

“Foi aqui que Horthy insistiu para que a força expedicionária húngara fosse recuada do front russo, acreditando que a campanha na Rússia tivesse praticamente chegado ao fim”, disse o professor Istvan Deak, da Universidade Columbia. “Hitler consentiu”. (Horthy e Hitler não eram os únicos a pensar que a campanha estava praticamente encerrada no outono de 1941, depois que as tropas alemãs tinham apresentado um avanço acelerado na direção de Moscou. Mas, quando a ofensiva foi detida pela resistência dos soldados e cidadãos russos e o terrível inverno russo se fez sentir, houve uma dramática virada nesta maré).

 

Apenas um punhado de nomes podem ser encontrados no álbum. Entre eles estão os nomes presentes nas lápides daquilo que Uziel descreveu como um cemitério militar alemão comum, estabelecido perto da linha de frente, com um edifício em segundo plano cuja arquitetura moderna e agigantada sugere uma obra soviética. Entre os nomes legíveis estão: Ogefr. (Cabo Sênior) Gust. Dumke, Flieg. (Soldado da Força Aérea) Fried. Gebhardt, Kf. (Piloto) Kurt Henze, Gefr. (Cabo) Bernh. Klassen, Uffz. (Sargento) Albert Mann, Schtz. (Soldado) Fritz Wagner e Uffz. (sargento) Albert Zimmer.

 

Ao longo de sete décadas, somente duas fotos se soltaram do álbum. Uma está desaparecida. A outra – um foto de grupo de 11 oficiais – está solta, permitindo a leitura de uma legenda escrita fracamente a lápis, situando-a em Bregenz, Áustria, em 1º de janeiro de 1942.

 

A parte final do álbum está centrada na Bavária, primeiro na Gebirgs-Motor-Sportschule (Escola de Esportes Motorizados da Montanha) na cidade de Kochel-am-See, operada pelo Corpo Motorizado Nacional Socialista. Depois ela muda para Munique, onde o fotógrafo está vestido com roupas civis e parece ter uma acompanhante feminina ao seu lado – ou em seu visor – o tempo todo. "Ela está fazendo o melhor que pode para parecer Marlene Dietrich", observou o professor Marvin J. Taylor, o diretor da Fales Library and Special Collections da Universidade de Nova York, ao observar uma pose particularmente sedutora.

 

Taylor chamou a atenção para o fato de que as fotos foram impressas em dois tipos diferentes de papel: Agfa Brovira e Leonar. Ele nos convidou a pensar na possibilidade de as fotos terem sido selecionadas de numerosas fontes, e não apenas do trabalho pessoal do fotógrafo da PK; de o álbum ter sido compilado e colado por seu companheiro ou alguma outra pessoa com pouco interesse numa coesão narrativa ou ordem cronológica fiel.

 

Cuidado com as inferências, em outras palavras. Taylor aprendeu sua lição ao lidar com outros álbuns de fotos pessoais. “Achamos que podemos chegar muito perto dessas pessoas, mas não podemos”, disse ele. “Elas não são iguais a nós. Fazemos suposições – e o material sempre contraria o que pensamos”. Uziel concordou. “A seleção eclética de tópicos, os estilos diferentes de fotografia e os papéis diferentes podem sugerir um álbum montado por outra pessoa”, disse.

 

No mínimo, disse o professor Wolff, há dois álbuns contidos entre as capas; um mostrando o Front Oriental e o outro mostrando Munique e a Bavária. “A chave talvez seja encaixá-los”, disse ele. Nós agradecemos sua ajuda para tentar fazê-lo.

 

Tradução: Anna Capovilla, Augusto Calil e Celso Paciornik

Edição do texto em português: Gabriel Toueg

Com certeza existem muitos álbuns de fotografias dos líderes nazistas e muitos álbuns de fotografias das vítimas dos nazistas. Mas é difícil imaginar álbuns mostrando ambos os temas, separados apenas por algumas páginas.

 

Uma dessas coleções apareceu em Nova York. Seu criador conseguiu – aparentemente no prazo de algumas semanas – fotografar Hitler em guerra na Rússia e algumas das primeiras vítimas daquela campanha brutal, conhecida como Operação Barbarossa, iniciada há 70 anos hoje.

 

Duas páginas desse álbum, de fotos tiradas na Frente Oriental em 1941, são dedicadas aos prisioneiros. Alguns estão cobertos de trapos, outros usam uniformes do Exército Vermelho, outros ainda casacos com pedaços de pano com a Estrela de Davi. Estão diante do que parecem ser covas escavadas pouco antes. (As suas? As dos seus compatriotas?) Em seis imagens quase íntimas, quase obra de algum retratista experimentado, os homens postados diante da câmera têm um olhar vazio ou de desafio.

 

Quatro páginas adiante, está o próprio Hitler, aguardando numa estação de trem a chegada do Almirante Miklos Horthy, o regente da Hungria - com o qual, logo depois, ele negociaria no quartel general da guerra na Prússia Oriental, conhecido como a Toca do Lobo. O fotógrafo está a poucos passos de Hitler, quase tão perto do Führer como estava dos prisioneiros do Führer. 

 

Evidentemente, esse fotógrafo tinha grande facilidade de acesso – e um talento invulgar. Mas quem era? Seu álbum absolutamente comum, comprado numa loja, não traz nenhuma identificação ou inscrição. Só há uma legenda visível em uma das 214 fotografias 8 por 10.

 

E o que ele mostrava para a posteridade? Em primeiro lugar, ele documentava a viagem na Europa Oriental de um comboio de ônibus a serviço da Reichs-Autozug Deutschland, uma unidade do Partido Nazista entre cujas responsabilidades estava a da logística necessária para a realização de comícios com grandes massas.

 

A julgar pelas palavras rabiscadas nas janelas empoeiradas dos ônibus, o itinerário era Berlim-Minsk-Smolensk-Munique. Os pontos de referência identificáveis no álbum mostram que o comboio passara por Gdansk, na Polônia, então chamada Danzig; Kaliningrad, na Rússia, na época Königsberg; e Barysaw, na Bielo-Rússia.

 

O campo de batalha quase não aparece (na época, o front estava bem mais adiante), mas é evidente uma enorme destruição. Minsk, a capital da então República Socialista Soviética Bielo-russa – caiu dias depois do início da Operação Barbarossa –, está em ruínas. Há muitas fotos do interior, e imagens de camponeses que lembram o trabalho dos fotógrafos da Agência de Segurança Agrícola (criada durante o New Deal nos EUA).

 

Depois do interlúdio com Hitler, encontramos o fotógrafo em recuperação em uma espécie de clínica para convalescentes. Ele mostra para a câmera seu prontuário médico, mas é impossível ler. Depois, está na Bavária, onde um esquadrão de motociclistas parece se exibir com suas proezas. Finalmente, o fotógrafo está em Munique ou arrabaldes, com uma mulher bonita que pode ser sua esposa. Ou irmã. Ou amante.

 

Quantos mistérios ainda! Esperamos que os leitores do Lens e do site do Spiegel Online Eines Tages (Era uma vez) nos ajudem a desvendar esta crônica dos tempos de guerra extremamente pessoal e, no entanto, muito profissional.

 

O álbum pertence a um executivo de 72 anos da indústria da confecção, que mora em Nova Jersey e trabalha no distrito da moda em Manhattan. Ele o emprestou ao New York Times na esperança de que sua divulgação na imprensa – e o reconhecimento da proveniência do álbum – aumente o seu valor. Ele gostaria de usar os proventos de uma eventual venda, segundo as suas expectativas na casa dos “seis dígitos ou mais”, para pagar o tratamento médico e sair das dívidas. Ele foi submetido a uma cirurgia para a colocação de quatro pontes de safena e declarou falência pessoal. Nem todos os seus colegas e concorrentes sabem disso, ou que ele tem este álbum, por isso pediu que seu nome não fosse revelado.

 

O homem disse que o álbum de fotos lhe foi dado, com 50 mil figurinhas de beisebol, por um operário que teve vários problemas financeiros nos tempos difíceis, e foi obrigado a tomar dinheiro emprestado do executivo. Os objetos poderiam cobrir o valor do empréstimo em dinheiro. Segundo o executivo, o operário teria recebido o álbum de um velho alemão para o qual ele trabalhava cuidando do gramado. Como há nove fotos de Hitler no álbum de 24 páginas, todas as pessoas que o tiveram nas mãos sabiam que tinha algum valor.

 

"Eu sabia que tinha uma pedaço da história", disse o executivo, "e estava muito preocupado porque poderia cair nas mãos erradas. Mas minhas necessidades são muito grandes".

 

Aceitamos fazer o trabalho de investigação com a condição de que divulgaríamos os resultados, mesmo que isso diminuísse o valor do álbum. E dissemos ao executivo que não pediríamos a um especialista uma avaliação apressada do valor monetário do álbum.

 

Nosso único interesse foi apresentar aos leitores impressionantes imagens em close de um momento decisivo da Segunda Guerra Mundial -- e tentar solucionar um enigma histórico.

 

Em primeiro lugar, recorremos ao Museu do Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. "Este álbum é diferente da maioria dos outros pela qualidade das fotos", disse Judith Cohen, a diretora da coleção de referências fotográficas do museu. "O fotógrafo era claramente um profissional e sabia o que estava fazendo. É possível que seja o álbum pessoal de um fotógrafo da PK".

 

A PK, ou Propagandakompanie, era a unidade de campo da seção de propaganda da Wehrmacht. Somente isso já era um dado valioso. Mas Judith Cohen nos deu outra indicação ainda mais importante. Foi possível comprovar que uma das fotos da prisão (slide 3) era idêntica à foto No. 1907/15 do Arquivo Cinematográfico Judaico de Steven Spielberg, da coleção do Yad Vashem, a Autoridade de Memória dos Mártires e dos Heróis do Holocausto de Jerusalém.

 

Isso permitiu identificar a localização do campo de prisioneiros em Minsk e estabelecer o ano da foto, 1941. Também foi possível determinar que os uniformes usados por alguns dos prisioneiros - inclusive o que se distingue pelo budenovka (o capacete, no slide 8) - eram os do Exército Vermelho. Também participou da conversação Daniel Uziel, diretor das coleções fotográficas do Yad Vashem.

 

"Era muito comum os oficiais comandantes da PK ou mesmo os fotógrafos individualmente fazerem álbuns pessoais", ele disse. Os álbuns "ficavam com oficiais da companhia ou eram dados aos generais, membros do partido etc".

 

“A disseminação das fotos da PK após a Segunda Guerra é um assunto fascinante que ainda não foi pesquisado a fundo”, disse Uziel. "Trata-se obviamente de um daqueles casos em que as fotos da PK conseguiram escapar do círculo da fraternidade de propaganda do período da guerra e dos arquivos relacionados a ela. Soubemos recentemente que alguns dos comitês históricos judaicos em atividade na Europa logo após o término da Segunda Guerra conseguiram pôr as mãos em cópias de tais fotos”.

 

Depois de ver algumas imagens selecionadas e enviadas a ele por e-mail, Uziel disse que “apesar de algumas fotos serem nítidos esforços de propaganda e terem sido feitas de acordo com os parâmetros do governo, a maioria delas consiste em típicos exemplos de ‘turismo no campo de batalha’”. Ele explicou que as fotos cortadas na vertical mostrando prisioneiros individuais eram "retratos-padrão da PK mostrando os prisioneiros de guerra soviéticos, feitas de acordo com regras específicas e sob encomenda especial da Wehrmacht e do Ministério da Propaganda".

 

“Eu diria que somente aqueles claramente marcados com o distintivo amarelo são judeus”, escreveu Uziel. "Não há muitas fotos de prisioneiros de guerra judeus marcados porque, normalmente, eles eram entregues à SS pouco depois de serem identificados, sendo a seguir executados".

 

Minsk não era apenas o local do campo de prisioneiros, mas também uma cidade cujas ruas e edifícios arruinados pelo bombardeio podem ser vistos em numerosas imagens. Isso foi confirmado quando o professor Larry Wolff, da Universidade de Nova York, diretor do Centro de Estudos Europeus e Mediterrâneos, reconheceu as torres barrocas da Igreja Católica Romana da Santa Virgem Maria. O prédio do Teatro de Ópera e de Balé também é um marco urbano inconfundível.

 

O detalhe que mais ajudou a estabelecer a localização cronológica do álbum fotográfico foi o encontro entre Hitler e Horthy em setembro de 1941. A imagem era conhecida até pelo público americano, que entrou em contato com este material por meio da revista Life. Em suas páginas, a publicação mostrou uma foto que parece ter sido tirada de uma posição a poucos centímetros de onde estaria o fotógrafo da PK perto da estação de trem onde os dois líderes se reuniram. O local era Ketrzyn, na atual Polônia, cidade que na época ficava na Prússia Oriental e se chamava Rastenburg, onde Hitler instalara o quartel-general de guerra conhecido como Toca do Lobo (Wolfsschanze).

 

“Foi aqui que Horthy insistiu para que a força expedicionária húngara fosse recuada do front russo, acreditando que a campanha na Rússia tivesse praticamente chegado ao fim”, disse o professor Istvan Deak, da Universidade Columbia. “Hitler consentiu”. (Horthy e Hitler não eram os únicos a pensar que a campanha estava praticamente encerrada no outono de 1941, depois que as tropas alemãs tinham apresentado um avanço acelerado na direção de Moscou. Mas, quando a ofensiva foi detida pela resistência dos soldados e cidadãos russos e o terrível inverno russo se fez sentir, houve uma dramática virada nesta maré).

 

Apenas um punhado de nomes podem ser encontrados no álbum. Entre eles estão os nomes presentes nas lápides daquilo que Uziel descreveu como um cemitério militar alemão comum, estabelecido perto da linha de frente, com um edifício em segundo plano cuja arquitetura moderna e agigantada sugere uma obra soviética. Entre os nomes legíveis estão: Ogefr. (Cabo Sênior) Gust. Dumke, Flieg. (Soldado da Força Aérea) Fried. Gebhardt, Kf. (Piloto) Kurt Henze, Gefr. (Cabo) Bernh. Klassen, Uffz. (Sargento) Albert Mann, Schtz. (Soldado) Fritz Wagner e Uffz. (sargento) Albert Zimmer.

 

Ao longo de sete décadas, somente duas fotos se soltaram do álbum. Uma está desaparecida. A outra – um foto de grupo de 11 oficiais – está solta, permitindo a leitura de uma legenda escrita fracamente a lápis, situando-a em Bregenz, Áustria, em 1º de janeiro de 1942.

 

A parte final do álbum está centrada na Bavária, primeiro na Gebirgs-Motor-Sportschule (Escola de Esportes Motorizados da Montanha) na cidade de Kochel-am-See, operada pelo Corpo Motorizado Nacional Socialista. Depois ela muda para Munique, onde o fotógrafo está vestido com roupas civis e parece ter uma acompanhante feminina ao seu lado – ou em seu visor – o tempo todo. "Ela está fazendo o melhor que pode para parecer Marlene Dietrich", observou o professor Marvin J. Taylor, o diretor da Fales Library and Special Collections da Universidade de Nova York, ao observar uma pose particularmente sedutora.

 

Taylor chamou a atenção para o fato de que as fotos foram impressas em dois tipos diferentes de papel: Agfa Brovira e Leonar. Ele nos convidou a pensar na possibilidade de as fotos terem sido selecionadas de numerosas fontes, e não apenas do trabalho pessoal do fotógrafo da PK; de o álbum ter sido compilado e colado por seu companheiro ou alguma outra pessoa com pouco interesse numa coesão narrativa ou ordem cronológica fiel.

 

Cuidado com as inferências, em outras palavras. Taylor aprendeu sua lição ao lidar com outros álbuns de fotos pessoais. “Achamos que podemos chegar muito perto dessas pessoas, mas não podemos”, disse ele. “Elas não são iguais a nós. Fazemos suposições – e o material sempre contraria o que pensamos”. Uziel concordou. “A seleção eclética de tópicos, os estilos diferentes de fotografia e os papéis diferentes podem sugerir um álbum montado por outra pessoa”, disse.

 

No mínimo, disse o professor Wolff, há dois álbuns contidos entre as capas; um mostrando o Front Oriental e o outro mostrando Munique e a Bavária. “A chave talvez seja encaixá-los”, disse ele. Nós agradecemos sua ajuda para tentar fazê-lo.

 

Tradução: Anna Capovilla, Augusto Calil e Celso Paciornik

Edição do texto em português: Gabriel Toueg

Com certeza existem muitos álbuns de fotografias dos líderes nazistas e muitos álbuns de fotografias das vítimas dos nazistas. Mas é difícil imaginar álbuns mostrando ambos os temas, separados apenas por algumas páginas.

 

Uma dessas coleções apareceu em Nova York. Seu criador conseguiu – aparentemente no prazo de algumas semanas – fotografar Hitler em guerra na Rússia e algumas das primeiras vítimas daquela campanha brutal, conhecida como Operação Barbarossa, iniciada há 70 anos hoje.

 

Duas páginas desse álbum, de fotos tiradas na Frente Oriental em 1941, são dedicadas aos prisioneiros. Alguns estão cobertos de trapos, outros usam uniformes do Exército Vermelho, outros ainda casacos com pedaços de pano com a Estrela de Davi. Estão diante do que parecem ser covas escavadas pouco antes. (As suas? As dos seus compatriotas?) Em seis imagens quase íntimas, quase obra de algum retratista experimentado, os homens postados diante da câmera têm um olhar vazio ou de desafio.

 

Quatro páginas adiante, está o próprio Hitler, aguardando numa estação de trem a chegada do Almirante Miklos Horthy, o regente da Hungria - com o qual, logo depois, ele negociaria no quartel general da guerra na Prússia Oriental, conhecido como a Toca do Lobo. O fotógrafo está a poucos passos de Hitler, quase tão perto do Führer como estava dos prisioneiros do Führer. 

 

Evidentemente, esse fotógrafo tinha grande facilidade de acesso – e um talento invulgar. Mas quem era? Seu álbum absolutamente comum, comprado numa loja, não traz nenhuma identificação ou inscrição. Só há uma legenda visível em uma das 214 fotografias 8 por 10.

 

E o que ele mostrava para a posteridade? Em primeiro lugar, ele documentava a viagem na Europa Oriental de um comboio de ônibus a serviço da Reichs-Autozug Deutschland, uma unidade do Partido Nazista entre cujas responsabilidades estava a da logística necessária para a realização de comícios com grandes massas.

 

A julgar pelas palavras rabiscadas nas janelas empoeiradas dos ônibus, o itinerário era Berlim-Minsk-Smolensk-Munique. Os pontos de referência identificáveis no álbum mostram que o comboio passara por Gdansk, na Polônia, então chamada Danzig; Kaliningrad, na Rússia, na época Königsberg; e Barysaw, na Bielo-Rússia.

 

O campo de batalha quase não aparece (na época, o front estava bem mais adiante), mas é evidente uma enorme destruição. Minsk, a capital da então República Socialista Soviética Bielo-russa – caiu dias depois do início da Operação Barbarossa –, está em ruínas. Há muitas fotos do interior, e imagens de camponeses que lembram o trabalho dos fotógrafos da Agência de Segurança Agrícola (criada durante o New Deal nos EUA).

 

Depois do interlúdio com Hitler, encontramos o fotógrafo em recuperação em uma espécie de clínica para convalescentes. Ele mostra para a câmera seu prontuário médico, mas é impossível ler. Depois, está na Bavária, onde um esquadrão de motociclistas parece se exibir com suas proezas. Finalmente, o fotógrafo está em Munique ou arrabaldes, com uma mulher bonita que pode ser sua esposa. Ou irmã. Ou amante.

 

Quantos mistérios ainda! Esperamos que os leitores do Lens e do site do Spiegel Online Eines Tages (Era uma vez) nos ajudem a desvendar esta crônica dos tempos de guerra extremamente pessoal e, no entanto, muito profissional.

 

O álbum pertence a um executivo de 72 anos da indústria da confecção, que mora em Nova Jersey e trabalha no distrito da moda em Manhattan. Ele o emprestou ao New York Times na esperança de que sua divulgação na imprensa – e o reconhecimento da proveniência do álbum – aumente o seu valor. Ele gostaria de usar os proventos de uma eventual venda, segundo as suas expectativas na casa dos “seis dígitos ou mais”, para pagar o tratamento médico e sair das dívidas. Ele foi submetido a uma cirurgia para a colocação de quatro pontes de safena e declarou falência pessoal. Nem todos os seus colegas e concorrentes sabem disso, ou que ele tem este álbum, por isso pediu que seu nome não fosse revelado.

 

O homem disse que o álbum de fotos lhe foi dado, com 50 mil figurinhas de beisebol, por um operário que teve vários problemas financeiros nos tempos difíceis, e foi obrigado a tomar dinheiro emprestado do executivo. Os objetos poderiam cobrir o valor do empréstimo em dinheiro. Segundo o executivo, o operário teria recebido o álbum de um velho alemão para o qual ele trabalhava cuidando do gramado. Como há nove fotos de Hitler no álbum de 24 páginas, todas as pessoas que o tiveram nas mãos sabiam que tinha algum valor.

 

"Eu sabia que tinha uma pedaço da história", disse o executivo, "e estava muito preocupado porque poderia cair nas mãos erradas. Mas minhas necessidades são muito grandes".

 

Aceitamos fazer o trabalho de investigação com a condição de que divulgaríamos os resultados, mesmo que isso diminuísse o valor do álbum. E dissemos ao executivo que não pediríamos a um especialista uma avaliação apressada do valor monetário do álbum.

 

Nosso único interesse foi apresentar aos leitores impressionantes imagens em close de um momento decisivo da Segunda Guerra Mundial -- e tentar solucionar um enigma histórico.

 

Em primeiro lugar, recorremos ao Museu do Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. "Este álbum é diferente da maioria dos outros pela qualidade das fotos", disse Judith Cohen, a diretora da coleção de referências fotográficas do museu. "O fotógrafo era claramente um profissional e sabia o que estava fazendo. É possível que seja o álbum pessoal de um fotógrafo da PK".

 

A PK, ou Propagandakompanie, era a unidade de campo da seção de propaganda da Wehrmacht. Somente isso já era um dado valioso. Mas Judith Cohen nos deu outra indicação ainda mais importante. Foi possível comprovar que uma das fotos da prisão (slide 3) era idêntica à foto No. 1907/15 do Arquivo Cinematográfico Judaico de Steven Spielberg, da coleção do Yad Vashem, a Autoridade de Memória dos Mártires e dos Heróis do Holocausto de Jerusalém.

 

Isso permitiu identificar a localização do campo de prisioneiros em Minsk e estabelecer o ano da foto, 1941. Também foi possível determinar que os uniformes usados por alguns dos prisioneiros - inclusive o que se distingue pelo budenovka (o capacete, no slide 8) - eram os do Exército Vermelho. Também participou da conversação Daniel Uziel, diretor das coleções fotográficas do Yad Vashem.

 

"Era muito comum os oficiais comandantes da PK ou mesmo os fotógrafos individualmente fazerem álbuns pessoais", ele disse. Os álbuns "ficavam com oficiais da companhia ou eram dados aos generais, membros do partido etc".

 

“A disseminação das fotos da PK após a Segunda Guerra é um assunto fascinante que ainda não foi pesquisado a fundo”, disse Uziel. "Trata-se obviamente de um daqueles casos em que as fotos da PK conseguiram escapar do círculo da fraternidade de propaganda do período da guerra e dos arquivos relacionados a ela. Soubemos recentemente que alguns dos comitês históricos judaicos em atividade na Europa logo após o término da Segunda Guerra conseguiram pôr as mãos em cópias de tais fotos”.

 

Depois de ver algumas imagens selecionadas e enviadas a ele por e-mail, Uziel disse que “apesar de algumas fotos serem nítidos esforços de propaganda e terem sido feitas de acordo com os parâmetros do governo, a maioria delas consiste em típicos exemplos de ‘turismo no campo de batalha’”. Ele explicou que as fotos cortadas na vertical mostrando prisioneiros individuais eram "retratos-padrão da PK mostrando os prisioneiros de guerra soviéticos, feitas de acordo com regras específicas e sob encomenda especial da Wehrmacht e do Ministério da Propaganda".

 

“Eu diria que somente aqueles claramente marcados com o distintivo amarelo são judeus”, escreveu Uziel. "Não há muitas fotos de prisioneiros de guerra judeus marcados porque, normalmente, eles eram entregues à SS pouco depois de serem identificados, sendo a seguir executados".

 

Minsk não era apenas o local do campo de prisioneiros, mas também uma cidade cujas ruas e edifícios arruinados pelo bombardeio podem ser vistos em numerosas imagens. Isso foi confirmado quando o professor Larry Wolff, da Universidade de Nova York, diretor do Centro de Estudos Europeus e Mediterrâneos, reconheceu as torres barrocas da Igreja Católica Romana da Santa Virgem Maria. O prédio do Teatro de Ópera e de Balé também é um marco urbano inconfundível.

 

O detalhe que mais ajudou a estabelecer a localização cronológica do álbum fotográfico foi o encontro entre Hitler e Horthy em setembro de 1941. A imagem era conhecida até pelo público americano, que entrou em contato com este material por meio da revista Life. Em suas páginas, a publicação mostrou uma foto que parece ter sido tirada de uma posição a poucos centímetros de onde estaria o fotógrafo da PK perto da estação de trem onde os dois líderes se reuniram. O local era Ketrzyn, na atual Polônia, cidade que na época ficava na Prússia Oriental e se chamava Rastenburg, onde Hitler instalara o quartel-general de guerra conhecido como Toca do Lobo (Wolfsschanze).

 

“Foi aqui que Horthy insistiu para que a força expedicionária húngara fosse recuada do front russo, acreditando que a campanha na Rússia tivesse praticamente chegado ao fim”, disse o professor Istvan Deak, da Universidade Columbia. “Hitler consentiu”. (Horthy e Hitler não eram os únicos a pensar que a campanha estava praticamente encerrada no outono de 1941, depois que as tropas alemãs tinham apresentado um avanço acelerado na direção de Moscou. Mas, quando a ofensiva foi detida pela resistência dos soldados e cidadãos russos e o terrível inverno russo se fez sentir, houve uma dramática virada nesta maré).

 

Apenas um punhado de nomes podem ser encontrados no álbum. Entre eles estão os nomes presentes nas lápides daquilo que Uziel descreveu como um cemitério militar alemão comum, estabelecido perto da linha de frente, com um edifício em segundo plano cuja arquitetura moderna e agigantada sugere uma obra soviética. Entre os nomes legíveis estão: Ogefr. (Cabo Sênior) Gust. Dumke, Flieg. (Soldado da Força Aérea) Fried. Gebhardt, Kf. (Piloto) Kurt Henze, Gefr. (Cabo) Bernh. Klassen, Uffz. (Sargento) Albert Mann, Schtz. (Soldado) Fritz Wagner e Uffz. (sargento) Albert Zimmer.

 

Ao longo de sete décadas, somente duas fotos se soltaram do álbum. Uma está desaparecida. A outra – um foto de grupo de 11 oficiais – está solta, permitindo a leitura de uma legenda escrita fracamente a lápis, situando-a em Bregenz, Áustria, em 1º de janeiro de 1942.

 

A parte final do álbum está centrada na Bavária, primeiro na Gebirgs-Motor-Sportschule (Escola de Esportes Motorizados da Montanha) na cidade de Kochel-am-See, operada pelo Corpo Motorizado Nacional Socialista. Depois ela muda para Munique, onde o fotógrafo está vestido com roupas civis e parece ter uma acompanhante feminina ao seu lado – ou em seu visor – o tempo todo. "Ela está fazendo o melhor que pode para parecer Marlene Dietrich", observou o professor Marvin J. Taylor, o diretor da Fales Library and Special Collections da Universidade de Nova York, ao observar uma pose particularmente sedutora.

 

Taylor chamou a atenção para o fato de que as fotos foram impressas em dois tipos diferentes de papel: Agfa Brovira e Leonar. Ele nos convidou a pensar na possibilidade de as fotos terem sido selecionadas de numerosas fontes, e não apenas do trabalho pessoal do fotógrafo da PK; de o álbum ter sido compilado e colado por seu companheiro ou alguma outra pessoa com pouco interesse numa coesão narrativa ou ordem cronológica fiel.

 

Cuidado com as inferências, em outras palavras. Taylor aprendeu sua lição ao lidar com outros álbuns de fotos pessoais. “Achamos que podemos chegar muito perto dessas pessoas, mas não podemos”, disse ele. “Elas não são iguais a nós. Fazemos suposições – e o material sempre contraria o que pensamos”. Uziel concordou. “A seleção eclética de tópicos, os estilos diferentes de fotografia e os papéis diferentes podem sugerir um álbum montado por outra pessoa”, disse.

 

No mínimo, disse o professor Wolff, há dois álbuns contidos entre as capas; um mostrando o Front Oriental e o outro mostrando Munique e a Bavária. “A chave talvez seja encaixá-los”, disse ele. Nós agradecemos sua ajuda para tentar fazê-lo.

 

Tradução: Anna Capovilla, Augusto Calil e Celso Paciornik

Edição do texto em português: Gabriel Toueg

Com certeza existem muitos álbuns de fotografias dos líderes nazistas e muitos álbuns de fotografias das vítimas dos nazistas. Mas é difícil imaginar álbuns mostrando ambos os temas, separados apenas por algumas páginas.

 

Uma dessas coleções apareceu em Nova York. Seu criador conseguiu – aparentemente no prazo de algumas semanas – fotografar Hitler em guerra na Rússia e algumas das primeiras vítimas daquela campanha brutal, conhecida como Operação Barbarossa, iniciada há 70 anos hoje.

 

Duas páginas desse álbum, de fotos tiradas na Frente Oriental em 1941, são dedicadas aos prisioneiros. Alguns estão cobertos de trapos, outros usam uniformes do Exército Vermelho, outros ainda casacos com pedaços de pano com a Estrela de Davi. Estão diante do que parecem ser covas escavadas pouco antes. (As suas? As dos seus compatriotas?) Em seis imagens quase íntimas, quase obra de algum retratista experimentado, os homens postados diante da câmera têm um olhar vazio ou de desafio.

 

Quatro páginas adiante, está o próprio Hitler, aguardando numa estação de trem a chegada do Almirante Miklos Horthy, o regente da Hungria - com o qual, logo depois, ele negociaria no quartel general da guerra na Prússia Oriental, conhecido como a Toca do Lobo. O fotógrafo está a poucos passos de Hitler, quase tão perto do Führer como estava dos prisioneiros do Führer. 

 

Evidentemente, esse fotógrafo tinha grande facilidade de acesso – e um talento invulgar. Mas quem era? Seu álbum absolutamente comum, comprado numa loja, não traz nenhuma identificação ou inscrição. Só há uma legenda visível em uma das 214 fotografias 8 por 10.

 

E o que ele mostrava para a posteridade? Em primeiro lugar, ele documentava a viagem na Europa Oriental de um comboio de ônibus a serviço da Reichs-Autozug Deutschland, uma unidade do Partido Nazista entre cujas responsabilidades estava a da logística necessária para a realização de comícios com grandes massas.

 

A julgar pelas palavras rabiscadas nas janelas empoeiradas dos ônibus, o itinerário era Berlim-Minsk-Smolensk-Munique. Os pontos de referência identificáveis no álbum mostram que o comboio passara por Gdansk, na Polônia, então chamada Danzig; Kaliningrad, na Rússia, na época Königsberg; e Barysaw, na Bielo-Rússia.

 

O campo de batalha quase não aparece (na época, o front estava bem mais adiante), mas é evidente uma enorme destruição. Minsk, a capital da então República Socialista Soviética Bielo-russa – caiu dias depois do início da Operação Barbarossa –, está em ruínas. Há muitas fotos do interior, e imagens de camponeses que lembram o trabalho dos fotógrafos da Agência de Segurança Agrícola (criada durante o New Deal nos EUA).

 

Depois do interlúdio com Hitler, encontramos o fotógrafo em recuperação em uma espécie de clínica para convalescentes. Ele mostra para a câmera seu prontuário médico, mas é impossível ler. Depois, está na Bavária, onde um esquadrão de motociclistas parece se exibir com suas proezas. Finalmente, o fotógrafo está em Munique ou arrabaldes, com uma mulher bonita que pode ser sua esposa. Ou irmã. Ou amante.

 

Quantos mistérios ainda! Esperamos que os leitores do Lens e do site do Spiegel Online Eines Tages (Era uma vez) nos ajudem a desvendar esta crônica dos tempos de guerra extremamente pessoal e, no entanto, muito profissional.

 

O álbum pertence a um executivo de 72 anos da indústria da confecção, que mora em Nova Jersey e trabalha no distrito da moda em Manhattan. Ele o emprestou ao New York Times na esperança de que sua divulgação na imprensa – e o reconhecimento da proveniência do álbum – aumente o seu valor. Ele gostaria de usar os proventos de uma eventual venda, segundo as suas expectativas na casa dos “seis dígitos ou mais”, para pagar o tratamento médico e sair das dívidas. Ele foi submetido a uma cirurgia para a colocação de quatro pontes de safena e declarou falência pessoal. Nem todos os seus colegas e concorrentes sabem disso, ou que ele tem este álbum, por isso pediu que seu nome não fosse revelado.

 

O homem disse que o álbum de fotos lhe foi dado, com 50 mil figurinhas de beisebol, por um operário que teve vários problemas financeiros nos tempos difíceis, e foi obrigado a tomar dinheiro emprestado do executivo. Os objetos poderiam cobrir o valor do empréstimo em dinheiro. Segundo o executivo, o operário teria recebido o álbum de um velho alemão para o qual ele trabalhava cuidando do gramado. Como há nove fotos de Hitler no álbum de 24 páginas, todas as pessoas que o tiveram nas mãos sabiam que tinha algum valor.

 

"Eu sabia que tinha uma pedaço da história", disse o executivo, "e estava muito preocupado porque poderia cair nas mãos erradas. Mas minhas necessidades são muito grandes".

 

Aceitamos fazer o trabalho de investigação com a condição de que divulgaríamos os resultados, mesmo que isso diminuísse o valor do álbum. E dissemos ao executivo que não pediríamos a um especialista uma avaliação apressada do valor monetário do álbum.

 

Nosso único interesse foi apresentar aos leitores impressionantes imagens em close de um momento decisivo da Segunda Guerra Mundial -- e tentar solucionar um enigma histórico.

 

Em primeiro lugar, recorremos ao Museu do Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. "Este álbum é diferente da maioria dos outros pela qualidade das fotos", disse Judith Cohen, a diretora da coleção de referências fotográficas do museu. "O fotógrafo era claramente um profissional e sabia o que estava fazendo. É possível que seja o álbum pessoal de um fotógrafo da PK".

 

A PK, ou Propagandakompanie, era a unidade de campo da seção de propaganda da Wehrmacht. Somente isso já era um dado valioso. Mas Judith Cohen nos deu outra indicação ainda mais importante. Foi possível comprovar que uma das fotos da prisão (slide 3) era idêntica à foto No. 1907/15 do Arquivo Cinematográfico Judaico de Steven Spielberg, da coleção do Yad Vashem, a Autoridade de Memória dos Mártires e dos Heróis do Holocausto de Jerusalém.

 

Isso permitiu identificar a localização do campo de prisioneiros em Minsk e estabelecer o ano da foto, 1941. Também foi possível determinar que os uniformes usados por alguns dos prisioneiros - inclusive o que se distingue pelo budenovka (o capacete, no slide 8) - eram os do Exército Vermelho. Também participou da conversação Daniel Uziel, diretor das coleções fotográficas do Yad Vashem.

 

"Era muito comum os oficiais comandantes da PK ou mesmo os fotógrafos individualmente fazerem álbuns pessoais", ele disse. Os álbuns "ficavam com oficiais da companhia ou eram dados aos generais, membros do partido etc".

 

“A disseminação das fotos da PK após a Segunda Guerra é um assunto fascinante que ainda não foi pesquisado a fundo”, disse Uziel. "Trata-se obviamente de um daqueles casos em que as fotos da PK conseguiram escapar do círculo da fraternidade de propaganda do período da guerra e dos arquivos relacionados a ela. Soubemos recentemente que alguns dos comitês históricos judaicos em atividade na Europa logo após o término da Segunda Guerra conseguiram pôr as mãos em cópias de tais fotos”.

 

Depois de ver algumas imagens selecionadas e enviadas a ele por e-mail, Uziel disse que “apesar de algumas fotos serem nítidos esforços de propaganda e terem sido feitas de acordo com os parâmetros do governo, a maioria delas consiste em típicos exemplos de ‘turismo no campo de batalha’”. Ele explicou que as fotos cortadas na vertical mostrando prisioneiros individuais eram "retratos-padrão da PK mostrando os prisioneiros de guerra soviéticos, feitas de acordo com regras específicas e sob encomenda especial da Wehrmacht e do Ministério da Propaganda".

 

“Eu diria que somente aqueles claramente marcados com o distintivo amarelo são judeus”, escreveu Uziel. "Não há muitas fotos de prisioneiros de guerra judeus marcados porque, normalmente, eles eram entregues à SS pouco depois de serem identificados, sendo a seguir executados".

 

Minsk não era apenas o local do campo de prisioneiros, mas também uma cidade cujas ruas e edifícios arruinados pelo bombardeio podem ser vistos em numerosas imagens. Isso foi confirmado quando o professor Larry Wolff, da Universidade de Nova York, diretor do Centro de Estudos Europeus e Mediterrâneos, reconheceu as torres barrocas da Igreja Católica Romana da Santa Virgem Maria. O prédio do Teatro de Ópera e de Balé também é um marco urbano inconfundível.

 

O detalhe que mais ajudou a estabelecer a localização cronológica do álbum fotográfico foi o encontro entre Hitler e Horthy em setembro de 1941. A imagem era conhecida até pelo público americano, que entrou em contato com este material por meio da revista Life. Em suas páginas, a publicação mostrou uma foto que parece ter sido tirada de uma posição a poucos centímetros de onde estaria o fotógrafo da PK perto da estação de trem onde os dois líderes se reuniram. O local era Ketrzyn, na atual Polônia, cidade que na época ficava na Prússia Oriental e se chamava Rastenburg, onde Hitler instalara o quartel-general de guerra conhecido como Toca do Lobo (Wolfsschanze).

 

“Foi aqui que Horthy insistiu para que a força expedicionária húngara fosse recuada do front russo, acreditando que a campanha na Rússia tivesse praticamente chegado ao fim”, disse o professor Istvan Deak, da Universidade Columbia. “Hitler consentiu”. (Horthy e Hitler não eram os únicos a pensar que a campanha estava praticamente encerrada no outono de 1941, depois que as tropas alemãs tinham apresentado um avanço acelerado na direção de Moscou. Mas, quando a ofensiva foi detida pela resistência dos soldados e cidadãos russos e o terrível inverno russo se fez sentir, houve uma dramática virada nesta maré).

 

Apenas um punhado de nomes podem ser encontrados no álbum. Entre eles estão os nomes presentes nas lápides daquilo que Uziel descreveu como um cemitério militar alemão comum, estabelecido perto da linha de frente, com um edifício em segundo plano cuja arquitetura moderna e agigantada sugere uma obra soviética. Entre os nomes legíveis estão: Ogefr. (Cabo Sênior) Gust. Dumke, Flieg. (Soldado da Força Aérea) Fried. Gebhardt, Kf. (Piloto) Kurt Henze, Gefr. (Cabo) Bernh. Klassen, Uffz. (Sargento) Albert Mann, Schtz. (Soldado) Fritz Wagner e Uffz. (sargento) Albert Zimmer.

 

Ao longo de sete décadas, somente duas fotos se soltaram do álbum. Uma está desaparecida. A outra – um foto de grupo de 11 oficiais – está solta, permitindo a leitura de uma legenda escrita fracamente a lápis, situando-a em Bregenz, Áustria, em 1º de janeiro de 1942.

 

A parte final do álbum está centrada na Bavária, primeiro na Gebirgs-Motor-Sportschule (Escola de Esportes Motorizados da Montanha) na cidade de Kochel-am-See, operada pelo Corpo Motorizado Nacional Socialista. Depois ela muda para Munique, onde o fotógrafo está vestido com roupas civis e parece ter uma acompanhante feminina ao seu lado – ou em seu visor – o tempo todo. "Ela está fazendo o melhor que pode para parecer Marlene Dietrich", observou o professor Marvin J. Taylor, o diretor da Fales Library and Special Collections da Universidade de Nova York, ao observar uma pose particularmente sedutora.

 

Taylor chamou a atenção para o fato de que as fotos foram impressas em dois tipos diferentes de papel: Agfa Brovira e Leonar. Ele nos convidou a pensar na possibilidade de as fotos terem sido selecionadas de numerosas fontes, e não apenas do trabalho pessoal do fotógrafo da PK; de o álbum ter sido compilado e colado por seu companheiro ou alguma outra pessoa com pouco interesse numa coesão narrativa ou ordem cronológica fiel.

 

Cuidado com as inferências, em outras palavras. Taylor aprendeu sua lição ao lidar com outros álbuns de fotos pessoais. “Achamos que podemos chegar muito perto dessas pessoas, mas não podemos”, disse ele. “Elas não são iguais a nós. Fazemos suposições – e o material sempre contraria o que pensamos”. Uziel concordou. “A seleção eclética de tópicos, os estilos diferentes de fotografia e os papéis diferentes podem sugerir um álbum montado por outra pessoa”, disse.

 

No mínimo, disse o professor Wolff, há dois álbuns contidos entre as capas; um mostrando o Front Oriental e o outro mostrando Munique e a Bavária. “A chave talvez seja encaixá-los”, disse ele. Nós agradecemos sua ajuda para tentar fazê-lo.

 

Tradução: Anna Capovilla, Augusto Calil e Celso Paciornik

Edição do texto em português: Gabriel Toueg

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