Na Alemanha, refugiados lutam contra segregação


Preconceito e burocracia tornam ainda mais difícil a integração de quem escapou da guerra

Por Adriana Carranca

Ghaith, de 10 anos, acordou sem que o irmão precisasse chamá-lo, no apartamento onde moram em uma pequena cidade da Alemanha. A mochila estava pronta desde a noite anterior – lápis de cor, canetinhas, um caderno em branco, onde começará a escrever a história de uma vida nova no refúgio. É o primeiro dia na escola, em dois anos, desde que a guerra mudou o curso de sua infância. 

Era setembro de 2014, o primeiro dia de aula em Zabadani, no sudoeste da Síria, quando uma bomba atingiu o carro em que viajavam seu pai e o irmão do meio, Kinan, de 17 anos. Ghaith deveria estar com eles, mas, como os tios pediram carona, não havia lugar, e o irmão mais velho, Salah, levou-o para a escola de ônibus. Todos os que estavam no carro morreram. 

O sírio Salah Salem, de 20 anos, com o irmão Ghaith, de 10: expectativa para o primeiro dia de aula na Alemanha Foto: Adriana Carranca / Estadão
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Aos 22 anos, Salah Salem se tornou tudo para Ghaith: pai, protetor, melhor amigo. Os dois vivem sozinhos na Alemanha, onde se refugiaram – como 1,3 milhão de pessoas que chegaram ao país desde o ano passado, principalmente da Síria. Mais de 30% são crianças e adolescentes. Este outono europeu é o primeiro em que vão para a escola no novo país.

O sorriso de Ghaith não dava espaço à ansiedade, comum no primeiro dia de aula, especialmente numa nova escola, numa nova língua, um novo lugar, com novos amigos. “Ele sempre gostou de estudar”, diz Salah, orgulhoso. Mas engasga e quase não termina a frase. “Em Zabadani, nosso pai havia comprado o seu uniforme na noite anterior”. “Ele me trazia um sorvete bem grande todos os dias na volta do trabalho”, completa Ghaith. 

Ele enxuga as lágrimas do irmão e, depois, volta a sorrir. A escola Nordpark fica a três paradas, em um metrô de superfície. No portão, Ghaith larga a mão do irmão e entra sem olhar para trás. “Acho que ele está feliz”, comenta Salah. As lágrimas são agora de alegria. Quando já ia embora, porém, uma funcionária o chamou. A administração da escola não localizou a matrícula de Ghaith. Salah tem dificuldade em entender o que ela diz, porque ainda não fala alemão. As escolas não têm tradutores.

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A integração tem sido um desafio na Alemanha. Refugiados são obrigados a aprender o idioma por seis meses, em escolas pagas pelo governo. Mas só é possível matricular-se depois de ter o pedido de asilo aceito, o que pode levar até um ano.

Salah começou as aulas há um mês, mas já acumula faltas, porque não tem com quem deixar Ghaith. Se continuar assim, corre o risco de perder o visto. Sem o certificado de proficiência, não tem permissão para trabalhar ou voltar à universidade. Na Síria, Salah cursava o terceiro ano de Direito, não reconhecido na Alemanha. Ele teria de começar do zero e, para isso, precisa de nota alta no teste de alemão. 

“O problema na Alemanha é a burocracia. Cada serviço público depende de uma série de inscrições, verificações e autorizações por diferentes órgãos e secretarias”, diz Ringo Köppe, voluntário do governo recrutado para auxiliar refugiados com a papelada e a adaptação no dia a dia. “Para nós, alemães, lidar com isso já é muito difícil. Para os refugiados, é impossível.”

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Sem entender a língua e com medo de serem deportados, eles chegam assustados e confusos. Ringo tenta ajudar Salah a trazer a mãe e a irmã, de 15 anos, que continuam na Síria. A comunicação é cada vez mais difícil, porque Zabadani já não tem eletricidade. Antes uma estação turística na fronteira com o Líbano, a cidade está sob o cerco das forças do presidente Bashar Assad. Salah mostra fotos do pai e do irmão, com ele e Ghaith, fazendo bonecos de neve, brincando, pousando no terraço da casa de três andares com vista para as montanhas. “Assad”, ele aponta. É dali que o regime lança bombas contra a cidade.

Salah vive dividido entre a preocupação com os que ficaram e a responsabilidade de criar o caçula. Ele arruma a casa, faz faxina, lava, passa roupa, cozinha. O pequeno quer ajudá-lo. Os dois fazem tudo juntos, frequentemente, abraçados. Mas sofrem com a falta da mãe.

Com as famílias separadas pela guerra, os que conseguiram chegar à Europa tentam agora juntar os cacos. A reunificação é prevista na Alemanha para crianças refugiadas, mas o processo é lento e burocrático – e o resultado, incerto.

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Ahlan Darwish fugiu da Síria para estar com os filhos. Na Alemanha desde outubro, ainda luta por isso. Abdu, de 20 anos, foi o primeiro a tentar o refúgio na Europa, para escapar da convocação pelo regime de Assad para o serviço militar. Quando telefonou da Alemanha, Eyhab, de 17 anos, decidiu partir. 

Ahlan dava aulas de inglês e vivia com os três filhos em Alepo. A maior cidade da Síria se tornou o principal campo de batalha da guerra. Quando viu-a sob cerco e diante da possibilidade de nunca mais ver os filhos, Ahlan arriscou-se na fuga levando a mãe, com dificuldades de andar, e a caçula Ritaj, de 7 anos. Protegendo-a junto ao corpo, cruzou a linha de combate entre forças opositoras. 

“Os tiros vinham de todos os lados”, diz. Ela viu quando uma mulher foi atingida com seu bebê no colo e caiu. O caminho para a Europa envolveu a travessia por mar, de Bodrum – praia turca, onde o corpo do menino Aylan Kurdi foi encontrado – a Kos, na Grécia. Na rota dos Bálcãs, tiveram ajuda de voluntários.

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Quando chegam à Alemanha, os refugiados são registrados e distribuídos para os Estados, segundo as vagas. Isso criou uma situação em que membros da mesma família, que chegaram em momentos diferentes, não podem viver no mesmo lugar. 

Ahlan, a mãe e a filha foram para Saxônia-Anhalt. Os filhos, para Saarland. “Como Abdu tem mais de 18 anos, acham que ele não precisa mais de mim, que pode viver sozinho. É esse o pensamento europeu”, diz. Todos os dias, ela procura o escritório de imigração em busca de novidade, mas deixa o local com o pedido de mais um documento que não tem ou uma explicação que não entende. Ahlan chora, cansada e confusa.

Elas moram em um abrigo temporário, improvisado em contêineres. Ahlan estava feliz ao levar a filha para a escola, no primeiro dia de aula. Mas, na saída, descobriu outro problema. “As crianças não querem brincar comigo, porque dizem que sou síria e me chamam de refugiada”, contou Ritaj à mãe, num tom quase inaudível.

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Dias depois da entrevista, a reportagem encontrou Ritaj na saída da escola, já animada com os novos amigos que havia feito. Ghaith finalmente estava matriculado. “Eu acho que estão felizes agora”, diz Ahlan. “A situação na Alemanha é melhor que na Síria, é claro, e somos gratos pela ajuda. Mas, se a guerra acabar, voltaremos para casa.”

Manifestações a favor e contra imigrantes mobilizam milhares na Europa

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Crise migratória

Foto: EFE/EPA/HENDRIK SCHMIDT
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Ghaith, de 10 anos, acordou sem que o irmão precisasse chamá-lo, no apartamento onde moram em uma pequena cidade da Alemanha. A mochila estava pronta desde a noite anterior – lápis de cor, canetinhas, um caderno em branco, onde começará a escrever a história de uma vida nova no refúgio. É o primeiro dia na escola, em dois anos, desde que a guerra mudou o curso de sua infância. 

Era setembro de 2014, o primeiro dia de aula em Zabadani, no sudoeste da Síria, quando uma bomba atingiu o carro em que viajavam seu pai e o irmão do meio, Kinan, de 17 anos. Ghaith deveria estar com eles, mas, como os tios pediram carona, não havia lugar, e o irmão mais velho, Salah, levou-o para a escola de ônibus. Todos os que estavam no carro morreram. 

O sírio Salah Salem, de 20 anos, com o irmão Ghaith, de 10: expectativa para o primeiro dia de aula na Alemanha Foto: Adriana Carranca / Estadão

Aos 22 anos, Salah Salem se tornou tudo para Ghaith: pai, protetor, melhor amigo. Os dois vivem sozinhos na Alemanha, onde se refugiaram – como 1,3 milhão de pessoas que chegaram ao país desde o ano passado, principalmente da Síria. Mais de 30% são crianças e adolescentes. Este outono europeu é o primeiro em que vão para a escola no novo país.

O sorriso de Ghaith não dava espaço à ansiedade, comum no primeiro dia de aula, especialmente numa nova escola, numa nova língua, um novo lugar, com novos amigos. “Ele sempre gostou de estudar”, diz Salah, orgulhoso. Mas engasga e quase não termina a frase. “Em Zabadani, nosso pai havia comprado o seu uniforme na noite anterior”. “Ele me trazia um sorvete bem grande todos os dias na volta do trabalho”, completa Ghaith. 

Ele enxuga as lágrimas do irmão e, depois, volta a sorrir. A escola Nordpark fica a três paradas, em um metrô de superfície. No portão, Ghaith larga a mão do irmão e entra sem olhar para trás. “Acho que ele está feliz”, comenta Salah. As lágrimas são agora de alegria. Quando já ia embora, porém, uma funcionária o chamou. A administração da escola não localizou a matrícula de Ghaith. Salah tem dificuldade em entender o que ela diz, porque ainda não fala alemão. As escolas não têm tradutores.

A integração tem sido um desafio na Alemanha. Refugiados são obrigados a aprender o idioma por seis meses, em escolas pagas pelo governo. Mas só é possível matricular-se depois de ter o pedido de asilo aceito, o que pode levar até um ano.

Salah começou as aulas há um mês, mas já acumula faltas, porque não tem com quem deixar Ghaith. Se continuar assim, corre o risco de perder o visto. Sem o certificado de proficiência, não tem permissão para trabalhar ou voltar à universidade. Na Síria, Salah cursava o terceiro ano de Direito, não reconhecido na Alemanha. Ele teria de começar do zero e, para isso, precisa de nota alta no teste de alemão. 

“O problema na Alemanha é a burocracia. Cada serviço público depende de uma série de inscrições, verificações e autorizações por diferentes órgãos e secretarias”, diz Ringo Köppe, voluntário do governo recrutado para auxiliar refugiados com a papelada e a adaptação no dia a dia. “Para nós, alemães, lidar com isso já é muito difícil. Para os refugiados, é impossível.”

Sem entender a língua e com medo de serem deportados, eles chegam assustados e confusos. Ringo tenta ajudar Salah a trazer a mãe e a irmã, de 15 anos, que continuam na Síria. A comunicação é cada vez mais difícil, porque Zabadani já não tem eletricidade. Antes uma estação turística na fronteira com o Líbano, a cidade está sob o cerco das forças do presidente Bashar Assad. Salah mostra fotos do pai e do irmão, com ele e Ghaith, fazendo bonecos de neve, brincando, pousando no terraço da casa de três andares com vista para as montanhas. “Assad”, ele aponta. É dali que o regime lança bombas contra a cidade.

Salah vive dividido entre a preocupação com os que ficaram e a responsabilidade de criar o caçula. Ele arruma a casa, faz faxina, lava, passa roupa, cozinha. O pequeno quer ajudá-lo. Os dois fazem tudo juntos, frequentemente, abraçados. Mas sofrem com a falta da mãe.

Com as famílias separadas pela guerra, os que conseguiram chegar à Europa tentam agora juntar os cacos. A reunificação é prevista na Alemanha para crianças refugiadas, mas o processo é lento e burocrático – e o resultado, incerto.

Ahlan Darwish fugiu da Síria para estar com os filhos. Na Alemanha desde outubro, ainda luta por isso. Abdu, de 20 anos, foi o primeiro a tentar o refúgio na Europa, para escapar da convocação pelo regime de Assad para o serviço militar. Quando telefonou da Alemanha, Eyhab, de 17 anos, decidiu partir. 

Ahlan dava aulas de inglês e vivia com os três filhos em Alepo. A maior cidade da Síria se tornou o principal campo de batalha da guerra. Quando viu-a sob cerco e diante da possibilidade de nunca mais ver os filhos, Ahlan arriscou-se na fuga levando a mãe, com dificuldades de andar, e a caçula Ritaj, de 7 anos. Protegendo-a junto ao corpo, cruzou a linha de combate entre forças opositoras. 

“Os tiros vinham de todos os lados”, diz. Ela viu quando uma mulher foi atingida com seu bebê no colo e caiu. O caminho para a Europa envolveu a travessia por mar, de Bodrum – praia turca, onde o corpo do menino Aylan Kurdi foi encontrado – a Kos, na Grécia. Na rota dos Bálcãs, tiveram ajuda de voluntários.

Quando chegam à Alemanha, os refugiados são registrados e distribuídos para os Estados, segundo as vagas. Isso criou uma situação em que membros da mesma família, que chegaram em momentos diferentes, não podem viver no mesmo lugar. 

Ahlan, a mãe e a filha foram para Saxônia-Anhalt. Os filhos, para Saarland. “Como Abdu tem mais de 18 anos, acham que ele não precisa mais de mim, que pode viver sozinho. É esse o pensamento europeu”, diz. Todos os dias, ela procura o escritório de imigração em busca de novidade, mas deixa o local com o pedido de mais um documento que não tem ou uma explicação que não entende. Ahlan chora, cansada e confusa.

Elas moram em um abrigo temporário, improvisado em contêineres. Ahlan estava feliz ao levar a filha para a escola, no primeiro dia de aula. Mas, na saída, descobriu outro problema. “As crianças não querem brincar comigo, porque dizem que sou síria e me chamam de refugiada”, contou Ritaj à mãe, num tom quase inaudível.

Dias depois da entrevista, a reportagem encontrou Ritaj na saída da escola, já animada com os novos amigos que havia feito. Ghaith finalmente estava matriculado. “Eu acho que estão felizes agora”, diz Ahlan. “A situação na Alemanha é melhor que na Síria, é claro, e somos gratos pela ajuda. Mas, se a guerra acabar, voltaremos para casa.”

Manifestações a favor e contra imigrantes mobilizam milhares na Europa

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Ghaith, de 10 anos, acordou sem que o irmão precisasse chamá-lo, no apartamento onde moram em uma pequena cidade da Alemanha. A mochila estava pronta desde a noite anterior – lápis de cor, canetinhas, um caderno em branco, onde começará a escrever a história de uma vida nova no refúgio. É o primeiro dia na escola, em dois anos, desde que a guerra mudou o curso de sua infância. 

Era setembro de 2014, o primeiro dia de aula em Zabadani, no sudoeste da Síria, quando uma bomba atingiu o carro em que viajavam seu pai e o irmão do meio, Kinan, de 17 anos. Ghaith deveria estar com eles, mas, como os tios pediram carona, não havia lugar, e o irmão mais velho, Salah, levou-o para a escola de ônibus. Todos os que estavam no carro morreram. 

O sírio Salah Salem, de 20 anos, com o irmão Ghaith, de 10: expectativa para o primeiro dia de aula na Alemanha Foto: Adriana Carranca / Estadão

Aos 22 anos, Salah Salem se tornou tudo para Ghaith: pai, protetor, melhor amigo. Os dois vivem sozinhos na Alemanha, onde se refugiaram – como 1,3 milhão de pessoas que chegaram ao país desde o ano passado, principalmente da Síria. Mais de 30% são crianças e adolescentes. Este outono europeu é o primeiro em que vão para a escola no novo país.

O sorriso de Ghaith não dava espaço à ansiedade, comum no primeiro dia de aula, especialmente numa nova escola, numa nova língua, um novo lugar, com novos amigos. “Ele sempre gostou de estudar”, diz Salah, orgulhoso. Mas engasga e quase não termina a frase. “Em Zabadani, nosso pai havia comprado o seu uniforme na noite anterior”. “Ele me trazia um sorvete bem grande todos os dias na volta do trabalho”, completa Ghaith. 

Ele enxuga as lágrimas do irmão e, depois, volta a sorrir. A escola Nordpark fica a três paradas, em um metrô de superfície. No portão, Ghaith larga a mão do irmão e entra sem olhar para trás. “Acho que ele está feliz”, comenta Salah. As lágrimas são agora de alegria. Quando já ia embora, porém, uma funcionária o chamou. A administração da escola não localizou a matrícula de Ghaith. Salah tem dificuldade em entender o que ela diz, porque ainda não fala alemão. As escolas não têm tradutores.

A integração tem sido um desafio na Alemanha. Refugiados são obrigados a aprender o idioma por seis meses, em escolas pagas pelo governo. Mas só é possível matricular-se depois de ter o pedido de asilo aceito, o que pode levar até um ano.

Salah começou as aulas há um mês, mas já acumula faltas, porque não tem com quem deixar Ghaith. Se continuar assim, corre o risco de perder o visto. Sem o certificado de proficiência, não tem permissão para trabalhar ou voltar à universidade. Na Síria, Salah cursava o terceiro ano de Direito, não reconhecido na Alemanha. Ele teria de começar do zero e, para isso, precisa de nota alta no teste de alemão. 

“O problema na Alemanha é a burocracia. Cada serviço público depende de uma série de inscrições, verificações e autorizações por diferentes órgãos e secretarias”, diz Ringo Köppe, voluntário do governo recrutado para auxiliar refugiados com a papelada e a adaptação no dia a dia. “Para nós, alemães, lidar com isso já é muito difícil. Para os refugiados, é impossível.”

Sem entender a língua e com medo de serem deportados, eles chegam assustados e confusos. Ringo tenta ajudar Salah a trazer a mãe e a irmã, de 15 anos, que continuam na Síria. A comunicação é cada vez mais difícil, porque Zabadani já não tem eletricidade. Antes uma estação turística na fronteira com o Líbano, a cidade está sob o cerco das forças do presidente Bashar Assad. Salah mostra fotos do pai e do irmão, com ele e Ghaith, fazendo bonecos de neve, brincando, pousando no terraço da casa de três andares com vista para as montanhas. “Assad”, ele aponta. É dali que o regime lança bombas contra a cidade.

Salah vive dividido entre a preocupação com os que ficaram e a responsabilidade de criar o caçula. Ele arruma a casa, faz faxina, lava, passa roupa, cozinha. O pequeno quer ajudá-lo. Os dois fazem tudo juntos, frequentemente, abraçados. Mas sofrem com a falta da mãe.

Com as famílias separadas pela guerra, os que conseguiram chegar à Europa tentam agora juntar os cacos. A reunificação é prevista na Alemanha para crianças refugiadas, mas o processo é lento e burocrático – e o resultado, incerto.

Ahlan Darwish fugiu da Síria para estar com os filhos. Na Alemanha desde outubro, ainda luta por isso. Abdu, de 20 anos, foi o primeiro a tentar o refúgio na Europa, para escapar da convocação pelo regime de Assad para o serviço militar. Quando telefonou da Alemanha, Eyhab, de 17 anos, decidiu partir. 

Ahlan dava aulas de inglês e vivia com os três filhos em Alepo. A maior cidade da Síria se tornou o principal campo de batalha da guerra. Quando viu-a sob cerco e diante da possibilidade de nunca mais ver os filhos, Ahlan arriscou-se na fuga levando a mãe, com dificuldades de andar, e a caçula Ritaj, de 7 anos. Protegendo-a junto ao corpo, cruzou a linha de combate entre forças opositoras. 

“Os tiros vinham de todos os lados”, diz. Ela viu quando uma mulher foi atingida com seu bebê no colo e caiu. O caminho para a Europa envolveu a travessia por mar, de Bodrum – praia turca, onde o corpo do menino Aylan Kurdi foi encontrado – a Kos, na Grécia. Na rota dos Bálcãs, tiveram ajuda de voluntários.

Quando chegam à Alemanha, os refugiados são registrados e distribuídos para os Estados, segundo as vagas. Isso criou uma situação em que membros da mesma família, que chegaram em momentos diferentes, não podem viver no mesmo lugar. 

Ahlan, a mãe e a filha foram para Saxônia-Anhalt. Os filhos, para Saarland. “Como Abdu tem mais de 18 anos, acham que ele não precisa mais de mim, que pode viver sozinho. É esse o pensamento europeu”, diz. Todos os dias, ela procura o escritório de imigração em busca de novidade, mas deixa o local com o pedido de mais um documento que não tem ou uma explicação que não entende. Ahlan chora, cansada e confusa.

Elas moram em um abrigo temporário, improvisado em contêineres. Ahlan estava feliz ao levar a filha para a escola, no primeiro dia de aula. Mas, na saída, descobriu outro problema. “As crianças não querem brincar comigo, porque dizem que sou síria e me chamam de refugiada”, contou Ritaj à mãe, num tom quase inaudível.

Dias depois da entrevista, a reportagem encontrou Ritaj na saída da escola, já animada com os novos amigos que havia feito. Ghaith finalmente estava matriculado. “Eu acho que estão felizes agora”, diz Ahlan. “A situação na Alemanha é melhor que na Síria, é claro, e somos gratos pela ajuda. Mas, se a guerra acabar, voltaremos para casa.”

Manifestações a favor e contra imigrantes mobilizam milhares na Europa

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Ghaith, de 10 anos, acordou sem que o irmão precisasse chamá-lo, no apartamento onde moram em uma pequena cidade da Alemanha. A mochila estava pronta desde a noite anterior – lápis de cor, canetinhas, um caderno em branco, onde começará a escrever a história de uma vida nova no refúgio. É o primeiro dia na escola, em dois anos, desde que a guerra mudou o curso de sua infância. 

Era setembro de 2014, o primeiro dia de aula em Zabadani, no sudoeste da Síria, quando uma bomba atingiu o carro em que viajavam seu pai e o irmão do meio, Kinan, de 17 anos. Ghaith deveria estar com eles, mas, como os tios pediram carona, não havia lugar, e o irmão mais velho, Salah, levou-o para a escola de ônibus. Todos os que estavam no carro morreram. 

O sírio Salah Salem, de 20 anos, com o irmão Ghaith, de 10: expectativa para o primeiro dia de aula na Alemanha Foto: Adriana Carranca / Estadão

Aos 22 anos, Salah Salem se tornou tudo para Ghaith: pai, protetor, melhor amigo. Os dois vivem sozinhos na Alemanha, onde se refugiaram – como 1,3 milhão de pessoas que chegaram ao país desde o ano passado, principalmente da Síria. Mais de 30% são crianças e adolescentes. Este outono europeu é o primeiro em que vão para a escola no novo país.

O sorriso de Ghaith não dava espaço à ansiedade, comum no primeiro dia de aula, especialmente numa nova escola, numa nova língua, um novo lugar, com novos amigos. “Ele sempre gostou de estudar”, diz Salah, orgulhoso. Mas engasga e quase não termina a frase. “Em Zabadani, nosso pai havia comprado o seu uniforme na noite anterior”. “Ele me trazia um sorvete bem grande todos os dias na volta do trabalho”, completa Ghaith. 

Ele enxuga as lágrimas do irmão e, depois, volta a sorrir. A escola Nordpark fica a três paradas, em um metrô de superfície. No portão, Ghaith larga a mão do irmão e entra sem olhar para trás. “Acho que ele está feliz”, comenta Salah. As lágrimas são agora de alegria. Quando já ia embora, porém, uma funcionária o chamou. A administração da escola não localizou a matrícula de Ghaith. Salah tem dificuldade em entender o que ela diz, porque ainda não fala alemão. As escolas não têm tradutores.

A integração tem sido um desafio na Alemanha. Refugiados são obrigados a aprender o idioma por seis meses, em escolas pagas pelo governo. Mas só é possível matricular-se depois de ter o pedido de asilo aceito, o que pode levar até um ano.

Salah começou as aulas há um mês, mas já acumula faltas, porque não tem com quem deixar Ghaith. Se continuar assim, corre o risco de perder o visto. Sem o certificado de proficiência, não tem permissão para trabalhar ou voltar à universidade. Na Síria, Salah cursava o terceiro ano de Direito, não reconhecido na Alemanha. Ele teria de começar do zero e, para isso, precisa de nota alta no teste de alemão. 

“O problema na Alemanha é a burocracia. Cada serviço público depende de uma série de inscrições, verificações e autorizações por diferentes órgãos e secretarias”, diz Ringo Köppe, voluntário do governo recrutado para auxiliar refugiados com a papelada e a adaptação no dia a dia. “Para nós, alemães, lidar com isso já é muito difícil. Para os refugiados, é impossível.”

Sem entender a língua e com medo de serem deportados, eles chegam assustados e confusos. Ringo tenta ajudar Salah a trazer a mãe e a irmã, de 15 anos, que continuam na Síria. A comunicação é cada vez mais difícil, porque Zabadani já não tem eletricidade. Antes uma estação turística na fronteira com o Líbano, a cidade está sob o cerco das forças do presidente Bashar Assad. Salah mostra fotos do pai e do irmão, com ele e Ghaith, fazendo bonecos de neve, brincando, pousando no terraço da casa de três andares com vista para as montanhas. “Assad”, ele aponta. É dali que o regime lança bombas contra a cidade.

Salah vive dividido entre a preocupação com os que ficaram e a responsabilidade de criar o caçula. Ele arruma a casa, faz faxina, lava, passa roupa, cozinha. O pequeno quer ajudá-lo. Os dois fazem tudo juntos, frequentemente, abraçados. Mas sofrem com a falta da mãe.

Com as famílias separadas pela guerra, os que conseguiram chegar à Europa tentam agora juntar os cacos. A reunificação é prevista na Alemanha para crianças refugiadas, mas o processo é lento e burocrático – e o resultado, incerto.

Ahlan Darwish fugiu da Síria para estar com os filhos. Na Alemanha desde outubro, ainda luta por isso. Abdu, de 20 anos, foi o primeiro a tentar o refúgio na Europa, para escapar da convocação pelo regime de Assad para o serviço militar. Quando telefonou da Alemanha, Eyhab, de 17 anos, decidiu partir. 

Ahlan dava aulas de inglês e vivia com os três filhos em Alepo. A maior cidade da Síria se tornou o principal campo de batalha da guerra. Quando viu-a sob cerco e diante da possibilidade de nunca mais ver os filhos, Ahlan arriscou-se na fuga levando a mãe, com dificuldades de andar, e a caçula Ritaj, de 7 anos. Protegendo-a junto ao corpo, cruzou a linha de combate entre forças opositoras. 

“Os tiros vinham de todos os lados”, diz. Ela viu quando uma mulher foi atingida com seu bebê no colo e caiu. O caminho para a Europa envolveu a travessia por mar, de Bodrum – praia turca, onde o corpo do menino Aylan Kurdi foi encontrado – a Kos, na Grécia. Na rota dos Bálcãs, tiveram ajuda de voluntários.

Quando chegam à Alemanha, os refugiados são registrados e distribuídos para os Estados, segundo as vagas. Isso criou uma situação em que membros da mesma família, que chegaram em momentos diferentes, não podem viver no mesmo lugar. 

Ahlan, a mãe e a filha foram para Saxônia-Anhalt. Os filhos, para Saarland. “Como Abdu tem mais de 18 anos, acham que ele não precisa mais de mim, que pode viver sozinho. É esse o pensamento europeu”, diz. Todos os dias, ela procura o escritório de imigração em busca de novidade, mas deixa o local com o pedido de mais um documento que não tem ou uma explicação que não entende. Ahlan chora, cansada e confusa.

Elas moram em um abrigo temporário, improvisado em contêineres. Ahlan estava feliz ao levar a filha para a escola, no primeiro dia de aula. Mas, na saída, descobriu outro problema. “As crianças não querem brincar comigo, porque dizem que sou síria e me chamam de refugiada”, contou Ritaj à mãe, num tom quase inaudível.

Dias depois da entrevista, a reportagem encontrou Ritaj na saída da escola, já animada com os novos amigos que havia feito. Ghaith finalmente estava matriculado. “Eu acho que estão felizes agora”, diz Ahlan. “A situação na Alemanha é melhor que na Síria, é claro, e somos gratos pela ajuda. Mas, se a guerra acabar, voltaremos para casa.”

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