O general Musharraf deu um golpe em si mesmo


Por Mohammed Hanif

A tomada do poder no último fim de semana pelo presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, calculada de maneira inteligente para adiar a reação do Ocidente por 48 horas, foi um golpe contra ele mesmo. Diante das cobranças crescentes para desistir de seu posto de chefe militar e enfrentar as complexidades de um regime civil, o general Musharraf resolveu depor o presidente Musharraf. Numa entrevista concedida há cerca de dois meses, o general Musharraf disse que seu uniforme do Exército era sua segunda pele. "Como poderia tirá-lo?" Na ocasião, seu comentário foi minimizado como conversa de ditador da velha guarda. Algumas semanas atrás, porém, ele enviou um atestado à Suprema Corte do Paquistão afirmando que, se a sua eleição para presidente não fosse validada, ele continuaria trabalhando como comandante do Exército indefinidamente. Enquanto a Suprema Corte analisava esse ultimato, o general Musharraf se irritou e decidiu trancafiar a maioria dos juízes daquele tribunal e todas as fontes independentes de notícias do país. Para compreender a diferença entre o general e o presidente, basta olhar as listas de pessoas detidas e soltas na noite do golpe. Os primeiros presos depois da imposição do estado de emergência não foram os líderes do Taleban paquistanês nem seus simpatizantes em Islamabad. Não houve repressão às células clandestinas que orquestraram uma onda de atentados suicidas por todo o país. As pessoas que ele prendeu nos últimos dias, além de juízes e advogados, incluíram ativistas da paz, professores, artistas,basicamente as pessoas que têm feito de tudo para levar adiante as promessas de afastar o Paquistão da militância religiosa. Na noite em que declarou o estado de emergência, Musharraf soltou 28 prisioneiros talebans. Segundo o noticiário, um deles estava cumprindo uma pena de 24 anos por transportar dois casacos para atentados suicidas, o único acessório da moda permitido em áreas controladas pelo Taleban no Paquistão. É esse tipo de pessoa que, em seus dias de folga, gosta de queimar lojas de vídeo e atormentar barbeiros por fazerem barbas e massagens capilares. No que só pode ser visto como um gesto recíproco, o Taleban soltou um grupo de soldados do Exército que mantinha refém. Segundo a BBC, cada soldado recebeu 500 rúpias (U$ 8) por bom comportamento. Por que o general Musharraf e seu Exército têm um sentimento de afinidade com as próprias pessoas que eles supostamente deviam estar combatendo? Por que ele e seu Exército têm pavor de advogados e professores liberais, mas ficam contentes de lidar com pashtuns islâmicos nas áreas tribais? As razões podem ser encontradas nos anos 1980, quando outro ditador militar, o general Zia ul-Haq, lançou uma ampla campanha para islamizar a sociedade paquistanesa e as forças armadas. Naquela época, eu era um cadete na Academia da Força Aérea do Paquistão, onde testemunhei, junto com centenas de outros cadetes atônitos, uma cena notável em que um novo recruta, por convicção religiosa, recusou-se a cortar sua barba - como a maioria dos institutos de treinamento militar do mundo, o primeiro rito de passagem da academia era transformar recrutas civis em cadetes bem barbeados. A questão acabou sendo remetida ao alto comando do Exército, em Islamabad. Como resultado, foram corrigidos os procedimentos de institutos de treinamento e o garoto teve permissão para conservar sua barba e usar uniforme. O barbeiro da academia jamais se recuperou do choque. Em poucos meses, outras mudanças aconteceram: socializações noturnas com música e bebidas não-alcoólicas foram substituídas por sessões de estudo do Alcorão. Ônibus eram disponibilizados para os cadetes que quisessem comparecer a congregações religiosas civis. Em poucos meses, nossa academia deprimente, mas nitidamente secular, foi transformada em uma madrassa (escola religiosa) próspera e zelosa, onde não fazer as orações diárias era um crime muito mais grave do que faltar ao treinamento matinal. É essa safra de oficiais militares que agora dirige o país. O general Musharraf chefia esse Exército e reluta muito em sair. Para os que nunca tiveram de viver sob seu regime, o general pode parecer uma figura elegante, ousada. Seu histórico impressiona. Eis um homem capaz de administrar o front da guerra, trocar primeiros-ministros à vontade, forçar seus adversários políticos ao exílio e ainda encontrar tempo para escrever uma autobiografia. Mas pergunte aos advogados, juízes, professores e estudantes de arte atrás das grades sobre Musharraf e você descobrirá que ele é aquele ditador tradicional, que depois de permanecer oito anos no poder ainda se pergunta por que não continuar por mais oito. A ligação do general Musharraf com suas tropas não é apenas ideológica. Sob seu comando, as forças armadas do Paquistão se transformaram em um império enormemente lucrativo. Elas são a mais poderosa agência imobiliária da nação, dominam o mercado de cereais matinais, administra bancos e padarias. Só no mês passado, a Marinha do Paquistão, numa iniciativa audaciosa, criou um negócio de churrascaria nas margens do Rio Indo a cerca de 640 quilômetros do Mar Arábico, que ela supostamente deveria proteger. É um casamento feliz entre Deus e a ganância. Por enquanto, a jogada de fim de semana do general compensou. Dos EUA e da União Européia ele ouve lamentos, mas nenhuma condenação real. Exatamente o que esperava. O general Musharraf sempre tentou cultivar uma impressão no Ocidente de que ele é o único capaz de manter o país unido, que depois dele só se pode esperar a anarquia. Mas em um país onde professores de arte e advogados estão atrás das grades e terroristas suicidas estão soltos, nós decididamente precisamos redefinir o conceito de anarquia. *Mohammed Hanif, chefe do Serviço em Urdu da BBC, é o autor do romance "A Case of Exploding Mangoes", que deve ser lançado em breve

A tomada do poder no último fim de semana pelo presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, calculada de maneira inteligente para adiar a reação do Ocidente por 48 horas, foi um golpe contra ele mesmo. Diante das cobranças crescentes para desistir de seu posto de chefe militar e enfrentar as complexidades de um regime civil, o general Musharraf resolveu depor o presidente Musharraf. Numa entrevista concedida há cerca de dois meses, o general Musharraf disse que seu uniforme do Exército era sua segunda pele. "Como poderia tirá-lo?" Na ocasião, seu comentário foi minimizado como conversa de ditador da velha guarda. Algumas semanas atrás, porém, ele enviou um atestado à Suprema Corte do Paquistão afirmando que, se a sua eleição para presidente não fosse validada, ele continuaria trabalhando como comandante do Exército indefinidamente. Enquanto a Suprema Corte analisava esse ultimato, o general Musharraf se irritou e decidiu trancafiar a maioria dos juízes daquele tribunal e todas as fontes independentes de notícias do país. Para compreender a diferença entre o general e o presidente, basta olhar as listas de pessoas detidas e soltas na noite do golpe. Os primeiros presos depois da imposição do estado de emergência não foram os líderes do Taleban paquistanês nem seus simpatizantes em Islamabad. Não houve repressão às células clandestinas que orquestraram uma onda de atentados suicidas por todo o país. As pessoas que ele prendeu nos últimos dias, além de juízes e advogados, incluíram ativistas da paz, professores, artistas,basicamente as pessoas que têm feito de tudo para levar adiante as promessas de afastar o Paquistão da militância religiosa. Na noite em que declarou o estado de emergência, Musharraf soltou 28 prisioneiros talebans. Segundo o noticiário, um deles estava cumprindo uma pena de 24 anos por transportar dois casacos para atentados suicidas, o único acessório da moda permitido em áreas controladas pelo Taleban no Paquistão. É esse tipo de pessoa que, em seus dias de folga, gosta de queimar lojas de vídeo e atormentar barbeiros por fazerem barbas e massagens capilares. No que só pode ser visto como um gesto recíproco, o Taleban soltou um grupo de soldados do Exército que mantinha refém. Segundo a BBC, cada soldado recebeu 500 rúpias (U$ 8) por bom comportamento. Por que o general Musharraf e seu Exército têm um sentimento de afinidade com as próprias pessoas que eles supostamente deviam estar combatendo? Por que ele e seu Exército têm pavor de advogados e professores liberais, mas ficam contentes de lidar com pashtuns islâmicos nas áreas tribais? As razões podem ser encontradas nos anos 1980, quando outro ditador militar, o general Zia ul-Haq, lançou uma ampla campanha para islamizar a sociedade paquistanesa e as forças armadas. Naquela época, eu era um cadete na Academia da Força Aérea do Paquistão, onde testemunhei, junto com centenas de outros cadetes atônitos, uma cena notável em que um novo recruta, por convicção religiosa, recusou-se a cortar sua barba - como a maioria dos institutos de treinamento militar do mundo, o primeiro rito de passagem da academia era transformar recrutas civis em cadetes bem barbeados. A questão acabou sendo remetida ao alto comando do Exército, em Islamabad. Como resultado, foram corrigidos os procedimentos de institutos de treinamento e o garoto teve permissão para conservar sua barba e usar uniforme. O barbeiro da academia jamais se recuperou do choque. Em poucos meses, outras mudanças aconteceram: socializações noturnas com música e bebidas não-alcoólicas foram substituídas por sessões de estudo do Alcorão. Ônibus eram disponibilizados para os cadetes que quisessem comparecer a congregações religiosas civis. Em poucos meses, nossa academia deprimente, mas nitidamente secular, foi transformada em uma madrassa (escola religiosa) próspera e zelosa, onde não fazer as orações diárias era um crime muito mais grave do que faltar ao treinamento matinal. É essa safra de oficiais militares que agora dirige o país. O general Musharraf chefia esse Exército e reluta muito em sair. Para os que nunca tiveram de viver sob seu regime, o general pode parecer uma figura elegante, ousada. Seu histórico impressiona. Eis um homem capaz de administrar o front da guerra, trocar primeiros-ministros à vontade, forçar seus adversários políticos ao exílio e ainda encontrar tempo para escrever uma autobiografia. Mas pergunte aos advogados, juízes, professores e estudantes de arte atrás das grades sobre Musharraf e você descobrirá que ele é aquele ditador tradicional, que depois de permanecer oito anos no poder ainda se pergunta por que não continuar por mais oito. A ligação do general Musharraf com suas tropas não é apenas ideológica. Sob seu comando, as forças armadas do Paquistão se transformaram em um império enormemente lucrativo. Elas são a mais poderosa agência imobiliária da nação, dominam o mercado de cereais matinais, administra bancos e padarias. Só no mês passado, a Marinha do Paquistão, numa iniciativa audaciosa, criou um negócio de churrascaria nas margens do Rio Indo a cerca de 640 quilômetros do Mar Arábico, que ela supostamente deveria proteger. É um casamento feliz entre Deus e a ganância. Por enquanto, a jogada de fim de semana do general compensou. Dos EUA e da União Européia ele ouve lamentos, mas nenhuma condenação real. Exatamente o que esperava. O general Musharraf sempre tentou cultivar uma impressão no Ocidente de que ele é o único capaz de manter o país unido, que depois dele só se pode esperar a anarquia. Mas em um país onde professores de arte e advogados estão atrás das grades e terroristas suicidas estão soltos, nós decididamente precisamos redefinir o conceito de anarquia. *Mohammed Hanif, chefe do Serviço em Urdu da BBC, é o autor do romance "A Case of Exploding Mangoes", que deve ser lançado em breve

A tomada do poder no último fim de semana pelo presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, calculada de maneira inteligente para adiar a reação do Ocidente por 48 horas, foi um golpe contra ele mesmo. Diante das cobranças crescentes para desistir de seu posto de chefe militar e enfrentar as complexidades de um regime civil, o general Musharraf resolveu depor o presidente Musharraf. Numa entrevista concedida há cerca de dois meses, o general Musharraf disse que seu uniforme do Exército era sua segunda pele. "Como poderia tirá-lo?" Na ocasião, seu comentário foi minimizado como conversa de ditador da velha guarda. Algumas semanas atrás, porém, ele enviou um atestado à Suprema Corte do Paquistão afirmando que, se a sua eleição para presidente não fosse validada, ele continuaria trabalhando como comandante do Exército indefinidamente. Enquanto a Suprema Corte analisava esse ultimato, o general Musharraf se irritou e decidiu trancafiar a maioria dos juízes daquele tribunal e todas as fontes independentes de notícias do país. Para compreender a diferença entre o general e o presidente, basta olhar as listas de pessoas detidas e soltas na noite do golpe. Os primeiros presos depois da imposição do estado de emergência não foram os líderes do Taleban paquistanês nem seus simpatizantes em Islamabad. Não houve repressão às células clandestinas que orquestraram uma onda de atentados suicidas por todo o país. As pessoas que ele prendeu nos últimos dias, além de juízes e advogados, incluíram ativistas da paz, professores, artistas,basicamente as pessoas que têm feito de tudo para levar adiante as promessas de afastar o Paquistão da militância religiosa. Na noite em que declarou o estado de emergência, Musharraf soltou 28 prisioneiros talebans. Segundo o noticiário, um deles estava cumprindo uma pena de 24 anos por transportar dois casacos para atentados suicidas, o único acessório da moda permitido em áreas controladas pelo Taleban no Paquistão. É esse tipo de pessoa que, em seus dias de folga, gosta de queimar lojas de vídeo e atormentar barbeiros por fazerem barbas e massagens capilares. No que só pode ser visto como um gesto recíproco, o Taleban soltou um grupo de soldados do Exército que mantinha refém. Segundo a BBC, cada soldado recebeu 500 rúpias (U$ 8) por bom comportamento. Por que o general Musharraf e seu Exército têm um sentimento de afinidade com as próprias pessoas que eles supostamente deviam estar combatendo? Por que ele e seu Exército têm pavor de advogados e professores liberais, mas ficam contentes de lidar com pashtuns islâmicos nas áreas tribais? As razões podem ser encontradas nos anos 1980, quando outro ditador militar, o general Zia ul-Haq, lançou uma ampla campanha para islamizar a sociedade paquistanesa e as forças armadas. Naquela época, eu era um cadete na Academia da Força Aérea do Paquistão, onde testemunhei, junto com centenas de outros cadetes atônitos, uma cena notável em que um novo recruta, por convicção religiosa, recusou-se a cortar sua barba - como a maioria dos institutos de treinamento militar do mundo, o primeiro rito de passagem da academia era transformar recrutas civis em cadetes bem barbeados. A questão acabou sendo remetida ao alto comando do Exército, em Islamabad. Como resultado, foram corrigidos os procedimentos de institutos de treinamento e o garoto teve permissão para conservar sua barba e usar uniforme. O barbeiro da academia jamais se recuperou do choque. Em poucos meses, outras mudanças aconteceram: socializações noturnas com música e bebidas não-alcoólicas foram substituídas por sessões de estudo do Alcorão. Ônibus eram disponibilizados para os cadetes que quisessem comparecer a congregações religiosas civis. Em poucos meses, nossa academia deprimente, mas nitidamente secular, foi transformada em uma madrassa (escola religiosa) próspera e zelosa, onde não fazer as orações diárias era um crime muito mais grave do que faltar ao treinamento matinal. É essa safra de oficiais militares que agora dirige o país. O general Musharraf chefia esse Exército e reluta muito em sair. Para os que nunca tiveram de viver sob seu regime, o general pode parecer uma figura elegante, ousada. Seu histórico impressiona. Eis um homem capaz de administrar o front da guerra, trocar primeiros-ministros à vontade, forçar seus adversários políticos ao exílio e ainda encontrar tempo para escrever uma autobiografia. Mas pergunte aos advogados, juízes, professores e estudantes de arte atrás das grades sobre Musharraf e você descobrirá que ele é aquele ditador tradicional, que depois de permanecer oito anos no poder ainda se pergunta por que não continuar por mais oito. A ligação do general Musharraf com suas tropas não é apenas ideológica. Sob seu comando, as forças armadas do Paquistão se transformaram em um império enormemente lucrativo. Elas são a mais poderosa agência imobiliária da nação, dominam o mercado de cereais matinais, administra bancos e padarias. Só no mês passado, a Marinha do Paquistão, numa iniciativa audaciosa, criou um negócio de churrascaria nas margens do Rio Indo a cerca de 640 quilômetros do Mar Arábico, que ela supostamente deveria proteger. É um casamento feliz entre Deus e a ganância. Por enquanto, a jogada de fim de semana do general compensou. Dos EUA e da União Européia ele ouve lamentos, mas nenhuma condenação real. Exatamente o que esperava. O general Musharraf sempre tentou cultivar uma impressão no Ocidente de que ele é o único capaz de manter o país unido, que depois dele só se pode esperar a anarquia. Mas em um país onde professores de arte e advogados estão atrás das grades e terroristas suicidas estão soltos, nós decididamente precisamos redefinir o conceito de anarquia. *Mohammed Hanif, chefe do Serviço em Urdu da BBC, é o autor do romance "A Case of Exploding Mangoes", que deve ser lançado em breve

A tomada do poder no último fim de semana pelo presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, calculada de maneira inteligente para adiar a reação do Ocidente por 48 horas, foi um golpe contra ele mesmo. Diante das cobranças crescentes para desistir de seu posto de chefe militar e enfrentar as complexidades de um regime civil, o general Musharraf resolveu depor o presidente Musharraf. Numa entrevista concedida há cerca de dois meses, o general Musharraf disse que seu uniforme do Exército era sua segunda pele. "Como poderia tirá-lo?" Na ocasião, seu comentário foi minimizado como conversa de ditador da velha guarda. Algumas semanas atrás, porém, ele enviou um atestado à Suprema Corte do Paquistão afirmando que, se a sua eleição para presidente não fosse validada, ele continuaria trabalhando como comandante do Exército indefinidamente. Enquanto a Suprema Corte analisava esse ultimato, o general Musharraf se irritou e decidiu trancafiar a maioria dos juízes daquele tribunal e todas as fontes independentes de notícias do país. Para compreender a diferença entre o general e o presidente, basta olhar as listas de pessoas detidas e soltas na noite do golpe. Os primeiros presos depois da imposição do estado de emergência não foram os líderes do Taleban paquistanês nem seus simpatizantes em Islamabad. Não houve repressão às células clandestinas que orquestraram uma onda de atentados suicidas por todo o país. As pessoas que ele prendeu nos últimos dias, além de juízes e advogados, incluíram ativistas da paz, professores, artistas,basicamente as pessoas que têm feito de tudo para levar adiante as promessas de afastar o Paquistão da militância religiosa. Na noite em que declarou o estado de emergência, Musharraf soltou 28 prisioneiros talebans. Segundo o noticiário, um deles estava cumprindo uma pena de 24 anos por transportar dois casacos para atentados suicidas, o único acessório da moda permitido em áreas controladas pelo Taleban no Paquistão. É esse tipo de pessoa que, em seus dias de folga, gosta de queimar lojas de vídeo e atormentar barbeiros por fazerem barbas e massagens capilares. No que só pode ser visto como um gesto recíproco, o Taleban soltou um grupo de soldados do Exército que mantinha refém. Segundo a BBC, cada soldado recebeu 500 rúpias (U$ 8) por bom comportamento. Por que o general Musharraf e seu Exército têm um sentimento de afinidade com as próprias pessoas que eles supostamente deviam estar combatendo? Por que ele e seu Exército têm pavor de advogados e professores liberais, mas ficam contentes de lidar com pashtuns islâmicos nas áreas tribais? As razões podem ser encontradas nos anos 1980, quando outro ditador militar, o general Zia ul-Haq, lançou uma ampla campanha para islamizar a sociedade paquistanesa e as forças armadas. Naquela época, eu era um cadete na Academia da Força Aérea do Paquistão, onde testemunhei, junto com centenas de outros cadetes atônitos, uma cena notável em que um novo recruta, por convicção religiosa, recusou-se a cortar sua barba - como a maioria dos institutos de treinamento militar do mundo, o primeiro rito de passagem da academia era transformar recrutas civis em cadetes bem barbeados. A questão acabou sendo remetida ao alto comando do Exército, em Islamabad. Como resultado, foram corrigidos os procedimentos de institutos de treinamento e o garoto teve permissão para conservar sua barba e usar uniforme. O barbeiro da academia jamais se recuperou do choque. Em poucos meses, outras mudanças aconteceram: socializações noturnas com música e bebidas não-alcoólicas foram substituídas por sessões de estudo do Alcorão. Ônibus eram disponibilizados para os cadetes que quisessem comparecer a congregações religiosas civis. Em poucos meses, nossa academia deprimente, mas nitidamente secular, foi transformada em uma madrassa (escola religiosa) próspera e zelosa, onde não fazer as orações diárias era um crime muito mais grave do que faltar ao treinamento matinal. É essa safra de oficiais militares que agora dirige o país. O general Musharraf chefia esse Exército e reluta muito em sair. Para os que nunca tiveram de viver sob seu regime, o general pode parecer uma figura elegante, ousada. Seu histórico impressiona. Eis um homem capaz de administrar o front da guerra, trocar primeiros-ministros à vontade, forçar seus adversários políticos ao exílio e ainda encontrar tempo para escrever uma autobiografia. Mas pergunte aos advogados, juízes, professores e estudantes de arte atrás das grades sobre Musharraf e você descobrirá que ele é aquele ditador tradicional, que depois de permanecer oito anos no poder ainda se pergunta por que não continuar por mais oito. A ligação do general Musharraf com suas tropas não é apenas ideológica. Sob seu comando, as forças armadas do Paquistão se transformaram em um império enormemente lucrativo. Elas são a mais poderosa agência imobiliária da nação, dominam o mercado de cereais matinais, administra bancos e padarias. Só no mês passado, a Marinha do Paquistão, numa iniciativa audaciosa, criou um negócio de churrascaria nas margens do Rio Indo a cerca de 640 quilômetros do Mar Arábico, que ela supostamente deveria proteger. É um casamento feliz entre Deus e a ganância. Por enquanto, a jogada de fim de semana do general compensou. Dos EUA e da União Européia ele ouve lamentos, mas nenhuma condenação real. Exatamente o que esperava. O general Musharraf sempre tentou cultivar uma impressão no Ocidente de que ele é o único capaz de manter o país unido, que depois dele só se pode esperar a anarquia. Mas em um país onde professores de arte e advogados estão atrás das grades e terroristas suicidas estão soltos, nós decididamente precisamos redefinir o conceito de anarquia. *Mohammed Hanif, chefe do Serviço em Urdu da BBC, é o autor do romance "A Case of Exploding Mangoes", que deve ser lançado em breve

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