A retirada americana de Cabul parece o fim de Roma, com os combatentes do Taleban no papel dos visigodos que adotaram partes da cultura romana enquanto derrubavam o império. O mundo pós-americano não veria o fim de todo o seu legado, assim como a cultura romana não desapareceu em 476 d.C., mas seria um mundo em que as pessoas interpretariam de maneira confusa a americanidade, nas ruínas das duas principais exportações dos EUA: bases militares e shoppings centers.
É possível descrever três impérios americanos, não apenas um. Primeiro, o império interno, o território americano continental com seus satélites do Pacífico e do Caribe. Depois, o império externo, as regiões reconstruídas após a 2.ª Guerra, como Europa e Japão. Finalmente, o império mundial, que existe espiritualmente onde quer que alcance o poder comercial e cultural dos EUA. Este terceiro império é a conquista mais notável.
Por isso, a mais clara derrota resultou da ideia arrogante de que os EUA poderiam fazer do império mundial uma simples extensão do império exterior, aplicando o modelo de Japão e Alemanha a Vietnã e Iraque. É claro que houve outros tipos de fracasso, como as tentativas de americanizar países rivais – a Rússia, dos anos 90, que provocou a reação “putinista”, e a China, que se tornou um verdadeiro adversário global. Ambos também enfraqueceram o império global americano.
Hoje, a situação se parece mais com as distantes derrotas de Roma para as tribos germânicas do que o colapso total do império. Dito isso, derrotas distantes também podem ter consequências locais. O império americano não pode ser derrubado pelo Taleban. Mas, no império externo, na Europa e na Ásia, a percepção de fraqueza dos EUA pode acelerar eventos que realmente ameaçam o sistema americano, o que afetaria também o império interno, já tomado por uma sensação de declínio.
É bom temer as consequências da retirada desastrosa de Cabul. Aplicado ao império americano, esse medo aponta para uma dura verdade: as pessoas podem achar que os EUA estarão melhores sem um império, mas existem poucos caminhos de volta ao status de nação comum que não envolvam um tombo realmente violento.* É COLUNISTA