Enquanto a desarmonia tem sido a regra no Oriente Médio, em uma ideia jihadistas, autocratas, árabes seculares, curdos nacionalistas e até sunitas e xiitas estão de acordo: um dos responsáveis pela falta de entendimento atual é o Acordo Sykes-Picot, firmado há 100 anos por britânicos e franceses.
Mark Sykes era um aristocrata e deputado do Partido Conservador britânico que escapou da morte nos campos de Verdun porque ganhou um cargo no Ministério da Guerra, onde se tornou especialista em temas orientais. François Georges-Picot era diplomata de carreira e serviu em Beirute antes de ser escolhido para negociar um acordo secreto com Londres.
Ambos não eram do primeiro time da diplomacia europeia, mas Sykes e Picot se tornariam nome e sobrenome dos contratempos da região. As negociações começaram em novembro de 1915 com o aval do chanceler russo, Serguei Sazonov, e do czar Nicolau II. A trama serviria para punir o Império Otomano, que lutava ao lado da Alemanha na 1.ª Guerra.
O acordo para fatiar o território foi rápido. Em maio de 1916, o mapa já estava desenhado. De azul, a parte da França. De vermelho, o que cabia à Grã-Bretanha. Sykes traçou uma linha reta de Acre, na Palestina (hoje norte de Israel), a Kirkuk, na Mesopotâmia, deixando Jordânia e Iraque na esfera de influência britânica. Os franceses mantiveram Líbano, Síria e sul da Turquia. Moscou passaria a controlar Istambul e os estreitos de Bósforo e Dardanelos, as duas passagens do Mar Negro para o Mediterrâneo – o território palestino seria internacional.
As linhas foram traçadas levando em conta apenas os interesses europeus e criaram futuros Estados atormentados pela rivalidade entre grupos étnicos e religiosos. O acordo permaneceria em segredo se a Revolução Russa não tivesse apeado o czar do poder. O novo comissário do povo, Leon Trotski, publicou a manobra em detalhes e expôs o governo britânico, que havia cometido o pecado de repetir a mesma promessa para aliados diferentes. Em troca de apoio na guerra, judeus e árabes esperavam ganhar um Estado, mas foram traídos.
“Talvez exista honra entre os ladrões, mas não entre os políticos”, foi a reação de Thomas E. Lawrence, no filme Lawrence da Arábia, ao ser informado sobre Sykes-Picot. O historiador George Habib Antonius classificou o acordo de “produto da cobiça que, aliado à desconfiança, levou à estupidez”. Abu Bakr al-Baghdadi, líder do Estado Islâmico, ao fundar seu califado em 2014, disse que seu objetivo era “acabar com a conspiração de Sykes-Picot”.
Mas, apesar da bronca geral, há um certo exagero na demonização do acordo. Quando foi firmado, Sykes e Picot não sabiam como acabaria a guerra. Em 1920, Mustafa Ataturk tomou o poder na Turquia e desfez parte do que ficou acertado, eliminando a presença russa na região. As fronteiras azuis e vermelhas também mudaram. Mossul deixou de ser francesa e passou a ser britânica. Além disso, Israel entrou na equação anos depois. Para o historiador americano Sean McMeekin, autor de The Ottoman Endgame, Sykes-Picot “já entrou no reino do clichê”. “É a explicação mais simplista que sai da boca de todo mundo para qualquer revolta que ocorra hoje no Oriente Médio”.