CIDADE DO MÉXICO - Pela primeira vez em 83 anos, milhares de mexicanos desfrutam dos ambientes de Los Pinos, que até a sexta-feira 30 de novembro era a residência presidencial do México, mas Andrés Manuel López Obrador (AMLO) decidiu não ocupar para convertê-la em espaço público.
Entre o assombro e o desconcerto, os primeiros visitantes caminharam entre os primorosos jardins com pinheiros, que dão nome à residência, e as luxuosas mansões que compõem o conjunto arquitetônico. A rota de pedras, chamada Calçada dos Presidentes por ter estátuas dos ex-mandatários que ali residiram, sugere o papel que Los Pinos teve na história do país.
Depois de percorrer a casa Miguel Alemán, nomeada assim pelo presidente que mandou construí-la, que deslumbra pelo hall e por uma majestosa escadaria, a comerciante Alejandra Barreto, de 50 anos, estava impressionada. “É bastante ostentosa, nunca imaginei que houvesse um lugar assim”, disse Alejandra sobre o imóvel, onde morava a família do hoje ex-presidente Enrique Peña Nieto. “Os espaços são enormes, é para viver só uma família?”, questiona a mulher, de visita na capital do México.
O percurso pela residência mostra os locais de trabalho do escritório presidencial, utilizada por Peña Nieto e seus antecessores, Felipe Calderón e Vicente Fox. No segundo andar, está a câmara presidencial, que inclui um dormitório e um closet, de 30 m² a 40 m² cada um. Também há uma espaçosa sala de televisão.
Residência “faraônica”
O sótão, que, segundo policiais militares que vigiam Los Pinos, era usado para entretenimento e trabalho, inclui um cinema privado com 35 poltronas de couro reclináveis e uma sala denominada “O Bunker”, com 20 lugares e cinco telas grandes. Foi implementada por Calderón, responsável por lançar no final de 2006 uma polêmica ofensiva militar contra o crime. “Para as reuniões mais importantes, para que não tenha distração alguma, eles se trancavam (aqui)”, explica um dos vigias noturnos.
De volta ao andar de baixo, outro vigia afirma que a sala de jantar, com uma mesa retangular de 28 lugares, era usado cotidianamente pela família de Peña Nieto. “É uma situação faraônica, é irreal para qualquer mexicano”, disse o Gilberto Gutiérrez, de 30 anos e dirigente do Morena, o partido de López Obrador.
Residência presidencial mexicana, Los Pinos é aberta ao público após posse de López Obrador
Para Gutiérrez, esses luxos desvirtuam a ideia original do presidente Lázaro Cárdenas, que criou o complexo em 1935 para se afastar da opulência de Castillo de Chapultepec, a antiga residência presidencial e hoje sede do Museu de História. Os outros edifícios, batizados com nomes de ex-mandatários, alojam principalmente escritórios.
E, ainda que Fox e Calderón tenham optado por viver no imóvel chamado “Las Cabañas”, adaptando a extravagante casa Alemán como lugar de trabalho, Peña Nieto decidiu restaurá-la como casa.
Espaço para as pessoas
Los Pinos “é um espaço que marca a distância enorme entre o resto da população e mostra sobretudo a ostentação em que viveram os políticos do país”, disse o analista político Herán Gómez, que se somou à primeira onda de visitantes.
Com uma área de 56 mil m², Los Pinos é 14 vezes maior que a Casa Branca, segundo dados oficiais, e a decisão de não ocupá-la se alinha com a ideia de “austeridade republicana” de López Obrador. Antes da posse, o mandatário disse que cortará seu salário em menos da metade, que venderá um luxuoso avião presidencial e ordenou dissolver sua guarda de segurança, composta por milhares de soldados.
Mas nem todos reprovam os luxos de Los Pinos. “(A casa) É majestosa, todos os materiais que se veem, como as madeiras, são muito finos e elegantes. É incrível que se esteja dando essa oportunidade à nação”, disse Zully Montiel, universitária de 20 anos.
A abertura da residência presidencial, que ocorreu junto com a posse de López Obrador, resultou em seus jardins tomados de centenas de pessoas que comemoravam a cerimônia de empossamento, exibida em telas grandes. “Rompe com paradigmas de tudo o que temos vivido no México. Desde que tenho memória, jamais havia sentido que o poder estava nas mãos do povo”, disse Ileana Ramírez, empregada de 43 anos, depois de ver o discurso.
O futuro da residência, que recebeu no sábado1.º de dezembro em torno de 25 mil visitantes e 60 mil no domingo, ainda não foi definido. Ao estar dentro do Bosque de Chapultepec, espaço que compõe museus, um zoológico e outras atrações, é provável que a casa termine se integrando ao circuito. “Pouco a pouco irá, com muito diálogo com a cidadania, construindo sua própria vocação”, disse Antonio Martínez, funcionário do ministério da Cultura. / AFP