‘Se Keiko vencer as eleições, seu processo fica congelado por cinco anos’, diz advogado penalista


Para Carlos Caro Coria, há riscos jurídicos na vitória de Keiko ou de Castillo e movimentação do Congresso pode limitar poderes do próximo presidente

Por Fernanda Simas

Qual é o risco jurídico da vitória de Keiko Fujimori?

Nesse momento, ela é acusada de lavagem de dinheiro. A promotoria pede até 30 anos de prisão. No entanto, se Keiko Fujimori vencer as eleições, ela terá imunidade. O presidente da República aqui não pode ser acusado, levado à Justiça, durante seu mandato, isso significa que o processo dela se congelaria por cinco anos. O artigo 117 da Constituição diz que o presidente não pode ser acusado, a não ser em casos excepcionais, como traição à pátria, não convocar eleições ou fechar o Congresso de forma inconstitucional. Fora isso, o presidente é intocável. Após concluir seu mandato, Keiko poderia ser julgada.

E Keiko poderia ser julgada e condenada antes de assumir a presidência?

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Em teoria sim, porque seu processo está ativo e segue o curso normalmente. Mas na prática, não tem como ocorrer o julgamento. O processo corre lentamente e está numa etapa que se chama ‘controle de acusação’ e pode levar cerca de dois anos, quando se decide se as acusações contra ela e os outros acusados têm fundamento para virar um julgamento. 

Se os outros investigados forem condenados, como isso impacta Keiko?

Se Keiko for presidente e os outros acusados forem condenados, isso não lhe impacta de maneira direta, no entanto, na prática pode afetar. A acusação de lavagem de dinheiro implica em um crime de organização criminosa. E se ficar determinado que seu partido, do qual ela é líder, é uma organização criminosa, isso vai afetá-la assim que ela deixar a presidência e for a julgamento.

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Há alguma possibilidade de que o processo seja anulado antes de ela deixar a presidência em caso de vitória na eleição?

Os advogados dela tentaram mais de uma vez anular o processo, mas nenhuma ação prosperou. Se, em algum momento, houver algum habeas corpus isso poderia favorecê-la. Mas na prática é muito difícil porque aqui, quando há uma acusação fiscal, o mais provável é que termine cedo ou tarde em julgamento. Além disso, os habeas corpus para evitar o julgamento não têm sido concedidos nos últimos 10 anos. 

O que Keiko pode fazer sobre Alberto Fujimori?

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Ela disse várias vezes nessa campanha que vai indultar o senhor Fujimori. Penso que isso é mais uma declaração política pelo seguinte: o senhor Fujimori tem uma condenação de 25 anos e o Tribunal Constitucional já disse que a única maneira de ele ser liberado é baixo um indulto humanitário. Em 2017, o então presidente Kuczynski deu esse indulto, que foi questionado na Corte Interamericana, que, por sua vez, determinou que a questão fosse resolvida internamente. Em 2018, o poder jurídico tornou o indulto sem efeito justificando que não estava provada a situação de doença grave e degenerativa de Fujimori. Então, a única forma de Keiko indultar o pai é provando essa doença. A lei não exige que seja uma doença terminal, mas sim, grave e degenerativa. 

Keiko Fujimori foi detida na quarta-feira, 10. A líder da oposição é acusada de lavagem de dinheiro Foto: EFE/Mario Zapata

E qual é o risco jurídico da vitória de Castillo?

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No plano jurídico, as propostas do senhor Pedro Castillo despertaram muitas dúvidas porque ele expressou muita desconfiança sobre determinadas instituições. Obviamente, isso é algo que pode mudar. Ele foi mudando de opinião ao longo do tempo. Em um momento disse que dissolveria o Congresso, em outro disse que dissolveria o Tribunal Constitucional ou a Defensoria do Povo, mas nunca disse por meio de qual mecanismo. A nossa Constituição não permite a dissolução do Tribunal ou da Defensoria, apenas do Congresso, segundo as normas que mencionei. Há um temor de que Castillo não respeite a institucionalidade democrática. Há setores preocupados com o Estado de Direito e isso causa instabilidade política e jurídica. 

Quais outros aspectos afetariam o Estado de Direito?

Castillo também falou em proibir importações de itens produzidos no Peru e em não respeitar os acordos de livre comércio, além de nacionalizar indústrias, como a de gás e mineira. Ele falou também que criaria um novo sistema de pensões, como um banco de trabalhadores. Com esses exemplos, quero dizer que foram levantadas dúvidas sobre o respeito de Castillo ao Estado de Direito, sobretudo na questão econômica. 

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Qual pode ser o impacto das atuais discussões constitucionais no Congresso?

O Congresso aprovou na terça-feira uma quarta legislatura e isso significa que poderá materializar reformas constitucionais pendentes. Duas em particular: sobre ser bicameral, o que pode ser aprovado nos próximos dias e a partir de julho teríamos duas Casas, então teríamos que ter uma nova eleição para diferenciar senadores e deputados ou essa nova divisão pode ficar para 2026, depende da decisão. De toda forma, isso pode mudar o cenário porque os casos penais passam pelas duas Casas, uma acusa e outra analisa e isso pode afetar casos como o do ex-presidente Vizcarra, que esteve no poder até novembro do ano passado e tem muitos casos pendentes. 

O sindicalista Pedro Castillo chega para votar montado em um cavalo em Cajamarca, sua terra natal Foto: Reuters
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E a segunda reforma?

A segunda reforma que é muito importante tem relação com a questão de confiança. Aqui há uma regra constitucional segundo a qual se o Congresso não dá a confiança por duas vezes ao Executivo, o presidente pode dissolver o Congresso. Foi o que aconteceu em 2019 com Vizcarra, quando considerou que o Congresso lhe negou a confiança duas vezes e chamou novas eleições, realizadas em janeiro de 2020. Agora, o Congresso quer regular isso. Naquela época, o presidente interpretou que a confiança também pode ser negada de forma tácita e não apenas por meio de uma votação. Ou seja, se o Congresso não faz seu trabalho ou não aprova uma política, mesmo sem votação, ocorreria a negativa de confiança de forma tácita, o que é um pouco estranho na constitucionalização latino-americana, mas o Tribunal Constitucional peruano aprovou no ano passado. Se isso continuar assim, o próximo presidente poderá apresentar políticas de governo ao Parlamento, mas se o Congresso não as aprova e o presidente entende que há uma negativa de confiança, pode dissolver o Congresso. Isso pode gerar um desequilíbrio entre os poderes. Se isso for modificado, o próximo presidente passa a ter mais limitações para dissolver o Congresso. 

Como o senhor vê o efeito da Lava Jato no atual cenário político?

A Odebrecht assinou um acordo com o governo dos EUA em dezembro de 2016, no qual deixou claro que havia participado de corrupção em 11 países. O único fora do Brasil onde a investigação foi mais rigorosa é o Peru. O caso levou à acusação de três presidentes e candidatos: o senhor Garcia, que se matou em 2020 antes de ser preso, o senhor Humala, que foi presidente de 2011 a 2016, e o próprio senhor Kuczynski, que entrou na presidência em 2016 e ficou até o começo de 2018. Isso, além de empresários e candidatos, como a senhora Keiko Fujimori. O impacto foi muito forte. 

Qual é o risco jurídico da vitória de Keiko Fujimori?

Nesse momento, ela é acusada de lavagem de dinheiro. A promotoria pede até 30 anos de prisão. No entanto, se Keiko Fujimori vencer as eleições, ela terá imunidade. O presidente da República aqui não pode ser acusado, levado à Justiça, durante seu mandato, isso significa que o processo dela se congelaria por cinco anos. O artigo 117 da Constituição diz que o presidente não pode ser acusado, a não ser em casos excepcionais, como traição à pátria, não convocar eleições ou fechar o Congresso de forma inconstitucional. Fora isso, o presidente é intocável. Após concluir seu mandato, Keiko poderia ser julgada.

E Keiko poderia ser julgada e condenada antes de assumir a presidência?

Em teoria sim, porque seu processo está ativo e segue o curso normalmente. Mas na prática, não tem como ocorrer o julgamento. O processo corre lentamente e está numa etapa que se chama ‘controle de acusação’ e pode levar cerca de dois anos, quando se decide se as acusações contra ela e os outros acusados têm fundamento para virar um julgamento. 

Se os outros investigados forem condenados, como isso impacta Keiko?

Se Keiko for presidente e os outros acusados forem condenados, isso não lhe impacta de maneira direta, no entanto, na prática pode afetar. A acusação de lavagem de dinheiro implica em um crime de organização criminosa. E se ficar determinado que seu partido, do qual ela é líder, é uma organização criminosa, isso vai afetá-la assim que ela deixar a presidência e for a julgamento.

Há alguma possibilidade de que o processo seja anulado antes de ela deixar a presidência em caso de vitória na eleição?

Os advogados dela tentaram mais de uma vez anular o processo, mas nenhuma ação prosperou. Se, em algum momento, houver algum habeas corpus isso poderia favorecê-la. Mas na prática é muito difícil porque aqui, quando há uma acusação fiscal, o mais provável é que termine cedo ou tarde em julgamento. Além disso, os habeas corpus para evitar o julgamento não têm sido concedidos nos últimos 10 anos. 

O que Keiko pode fazer sobre Alberto Fujimori?

Ela disse várias vezes nessa campanha que vai indultar o senhor Fujimori. Penso que isso é mais uma declaração política pelo seguinte: o senhor Fujimori tem uma condenação de 25 anos e o Tribunal Constitucional já disse que a única maneira de ele ser liberado é baixo um indulto humanitário. Em 2017, o então presidente Kuczynski deu esse indulto, que foi questionado na Corte Interamericana, que, por sua vez, determinou que a questão fosse resolvida internamente. Em 2018, o poder jurídico tornou o indulto sem efeito justificando que não estava provada a situação de doença grave e degenerativa de Fujimori. Então, a única forma de Keiko indultar o pai é provando essa doença. A lei não exige que seja uma doença terminal, mas sim, grave e degenerativa. 

Keiko Fujimori foi detida na quarta-feira, 10. A líder da oposição é acusada de lavagem de dinheiro Foto: EFE/Mario Zapata

E qual é o risco jurídico da vitória de Castillo?

No plano jurídico, as propostas do senhor Pedro Castillo despertaram muitas dúvidas porque ele expressou muita desconfiança sobre determinadas instituições. Obviamente, isso é algo que pode mudar. Ele foi mudando de opinião ao longo do tempo. Em um momento disse que dissolveria o Congresso, em outro disse que dissolveria o Tribunal Constitucional ou a Defensoria do Povo, mas nunca disse por meio de qual mecanismo. A nossa Constituição não permite a dissolução do Tribunal ou da Defensoria, apenas do Congresso, segundo as normas que mencionei. Há um temor de que Castillo não respeite a institucionalidade democrática. Há setores preocupados com o Estado de Direito e isso causa instabilidade política e jurídica. 

Quais outros aspectos afetariam o Estado de Direito?

Castillo também falou em proibir importações de itens produzidos no Peru e em não respeitar os acordos de livre comércio, além de nacionalizar indústrias, como a de gás e mineira. Ele falou também que criaria um novo sistema de pensões, como um banco de trabalhadores. Com esses exemplos, quero dizer que foram levantadas dúvidas sobre o respeito de Castillo ao Estado de Direito, sobretudo na questão econômica. 

Qual pode ser o impacto das atuais discussões constitucionais no Congresso?

O Congresso aprovou na terça-feira uma quarta legislatura e isso significa que poderá materializar reformas constitucionais pendentes. Duas em particular: sobre ser bicameral, o que pode ser aprovado nos próximos dias e a partir de julho teríamos duas Casas, então teríamos que ter uma nova eleição para diferenciar senadores e deputados ou essa nova divisão pode ficar para 2026, depende da decisão. De toda forma, isso pode mudar o cenário porque os casos penais passam pelas duas Casas, uma acusa e outra analisa e isso pode afetar casos como o do ex-presidente Vizcarra, que esteve no poder até novembro do ano passado e tem muitos casos pendentes. 

O sindicalista Pedro Castillo chega para votar montado em um cavalo em Cajamarca, sua terra natal Foto: Reuters

E a segunda reforma?

A segunda reforma que é muito importante tem relação com a questão de confiança. Aqui há uma regra constitucional segundo a qual se o Congresso não dá a confiança por duas vezes ao Executivo, o presidente pode dissolver o Congresso. Foi o que aconteceu em 2019 com Vizcarra, quando considerou que o Congresso lhe negou a confiança duas vezes e chamou novas eleições, realizadas em janeiro de 2020. Agora, o Congresso quer regular isso. Naquela época, o presidente interpretou que a confiança também pode ser negada de forma tácita e não apenas por meio de uma votação. Ou seja, se o Congresso não faz seu trabalho ou não aprova uma política, mesmo sem votação, ocorreria a negativa de confiança de forma tácita, o que é um pouco estranho na constitucionalização latino-americana, mas o Tribunal Constitucional peruano aprovou no ano passado. Se isso continuar assim, o próximo presidente poderá apresentar políticas de governo ao Parlamento, mas se o Congresso não as aprova e o presidente entende que há uma negativa de confiança, pode dissolver o Congresso. Isso pode gerar um desequilíbrio entre os poderes. Se isso for modificado, o próximo presidente passa a ter mais limitações para dissolver o Congresso. 

Como o senhor vê o efeito da Lava Jato no atual cenário político?

A Odebrecht assinou um acordo com o governo dos EUA em dezembro de 2016, no qual deixou claro que havia participado de corrupção em 11 países. O único fora do Brasil onde a investigação foi mais rigorosa é o Peru. O caso levou à acusação de três presidentes e candidatos: o senhor Garcia, que se matou em 2020 antes de ser preso, o senhor Humala, que foi presidente de 2011 a 2016, e o próprio senhor Kuczynski, que entrou na presidência em 2016 e ficou até o começo de 2018. Isso, além de empresários e candidatos, como a senhora Keiko Fujimori. O impacto foi muito forte. 

Qual é o risco jurídico da vitória de Keiko Fujimori?

Nesse momento, ela é acusada de lavagem de dinheiro. A promotoria pede até 30 anos de prisão. No entanto, se Keiko Fujimori vencer as eleições, ela terá imunidade. O presidente da República aqui não pode ser acusado, levado à Justiça, durante seu mandato, isso significa que o processo dela se congelaria por cinco anos. O artigo 117 da Constituição diz que o presidente não pode ser acusado, a não ser em casos excepcionais, como traição à pátria, não convocar eleições ou fechar o Congresso de forma inconstitucional. Fora isso, o presidente é intocável. Após concluir seu mandato, Keiko poderia ser julgada.

E Keiko poderia ser julgada e condenada antes de assumir a presidência?

Em teoria sim, porque seu processo está ativo e segue o curso normalmente. Mas na prática, não tem como ocorrer o julgamento. O processo corre lentamente e está numa etapa que se chama ‘controle de acusação’ e pode levar cerca de dois anos, quando se decide se as acusações contra ela e os outros acusados têm fundamento para virar um julgamento. 

Se os outros investigados forem condenados, como isso impacta Keiko?

Se Keiko for presidente e os outros acusados forem condenados, isso não lhe impacta de maneira direta, no entanto, na prática pode afetar. A acusação de lavagem de dinheiro implica em um crime de organização criminosa. E se ficar determinado que seu partido, do qual ela é líder, é uma organização criminosa, isso vai afetá-la assim que ela deixar a presidência e for a julgamento.

Há alguma possibilidade de que o processo seja anulado antes de ela deixar a presidência em caso de vitória na eleição?

Os advogados dela tentaram mais de uma vez anular o processo, mas nenhuma ação prosperou. Se, em algum momento, houver algum habeas corpus isso poderia favorecê-la. Mas na prática é muito difícil porque aqui, quando há uma acusação fiscal, o mais provável é que termine cedo ou tarde em julgamento. Além disso, os habeas corpus para evitar o julgamento não têm sido concedidos nos últimos 10 anos. 

O que Keiko pode fazer sobre Alberto Fujimori?

Ela disse várias vezes nessa campanha que vai indultar o senhor Fujimori. Penso que isso é mais uma declaração política pelo seguinte: o senhor Fujimori tem uma condenação de 25 anos e o Tribunal Constitucional já disse que a única maneira de ele ser liberado é baixo um indulto humanitário. Em 2017, o então presidente Kuczynski deu esse indulto, que foi questionado na Corte Interamericana, que, por sua vez, determinou que a questão fosse resolvida internamente. Em 2018, o poder jurídico tornou o indulto sem efeito justificando que não estava provada a situação de doença grave e degenerativa de Fujimori. Então, a única forma de Keiko indultar o pai é provando essa doença. A lei não exige que seja uma doença terminal, mas sim, grave e degenerativa. 

Keiko Fujimori foi detida na quarta-feira, 10. A líder da oposição é acusada de lavagem de dinheiro Foto: EFE/Mario Zapata

E qual é o risco jurídico da vitória de Castillo?

No plano jurídico, as propostas do senhor Pedro Castillo despertaram muitas dúvidas porque ele expressou muita desconfiança sobre determinadas instituições. Obviamente, isso é algo que pode mudar. Ele foi mudando de opinião ao longo do tempo. Em um momento disse que dissolveria o Congresso, em outro disse que dissolveria o Tribunal Constitucional ou a Defensoria do Povo, mas nunca disse por meio de qual mecanismo. A nossa Constituição não permite a dissolução do Tribunal ou da Defensoria, apenas do Congresso, segundo as normas que mencionei. Há um temor de que Castillo não respeite a institucionalidade democrática. Há setores preocupados com o Estado de Direito e isso causa instabilidade política e jurídica. 

Quais outros aspectos afetariam o Estado de Direito?

Castillo também falou em proibir importações de itens produzidos no Peru e em não respeitar os acordos de livre comércio, além de nacionalizar indústrias, como a de gás e mineira. Ele falou também que criaria um novo sistema de pensões, como um banco de trabalhadores. Com esses exemplos, quero dizer que foram levantadas dúvidas sobre o respeito de Castillo ao Estado de Direito, sobretudo na questão econômica. 

Qual pode ser o impacto das atuais discussões constitucionais no Congresso?

O Congresso aprovou na terça-feira uma quarta legislatura e isso significa que poderá materializar reformas constitucionais pendentes. Duas em particular: sobre ser bicameral, o que pode ser aprovado nos próximos dias e a partir de julho teríamos duas Casas, então teríamos que ter uma nova eleição para diferenciar senadores e deputados ou essa nova divisão pode ficar para 2026, depende da decisão. De toda forma, isso pode mudar o cenário porque os casos penais passam pelas duas Casas, uma acusa e outra analisa e isso pode afetar casos como o do ex-presidente Vizcarra, que esteve no poder até novembro do ano passado e tem muitos casos pendentes. 

O sindicalista Pedro Castillo chega para votar montado em um cavalo em Cajamarca, sua terra natal Foto: Reuters

E a segunda reforma?

A segunda reforma que é muito importante tem relação com a questão de confiança. Aqui há uma regra constitucional segundo a qual se o Congresso não dá a confiança por duas vezes ao Executivo, o presidente pode dissolver o Congresso. Foi o que aconteceu em 2019 com Vizcarra, quando considerou que o Congresso lhe negou a confiança duas vezes e chamou novas eleições, realizadas em janeiro de 2020. Agora, o Congresso quer regular isso. Naquela época, o presidente interpretou que a confiança também pode ser negada de forma tácita e não apenas por meio de uma votação. Ou seja, se o Congresso não faz seu trabalho ou não aprova uma política, mesmo sem votação, ocorreria a negativa de confiança de forma tácita, o que é um pouco estranho na constitucionalização latino-americana, mas o Tribunal Constitucional peruano aprovou no ano passado. Se isso continuar assim, o próximo presidente poderá apresentar políticas de governo ao Parlamento, mas se o Congresso não as aprova e o presidente entende que há uma negativa de confiança, pode dissolver o Congresso. Isso pode gerar um desequilíbrio entre os poderes. Se isso for modificado, o próximo presidente passa a ter mais limitações para dissolver o Congresso. 

Como o senhor vê o efeito da Lava Jato no atual cenário político?

A Odebrecht assinou um acordo com o governo dos EUA em dezembro de 2016, no qual deixou claro que havia participado de corrupção em 11 países. O único fora do Brasil onde a investigação foi mais rigorosa é o Peru. O caso levou à acusação de três presidentes e candidatos: o senhor Garcia, que se matou em 2020 antes de ser preso, o senhor Humala, que foi presidente de 2011 a 2016, e o próprio senhor Kuczynski, que entrou na presidência em 2016 e ficou até o começo de 2018. Isso, além de empresários e candidatos, como a senhora Keiko Fujimori. O impacto foi muito forte. 

Qual é o risco jurídico da vitória de Keiko Fujimori?

Nesse momento, ela é acusada de lavagem de dinheiro. A promotoria pede até 30 anos de prisão. No entanto, se Keiko Fujimori vencer as eleições, ela terá imunidade. O presidente da República aqui não pode ser acusado, levado à Justiça, durante seu mandato, isso significa que o processo dela se congelaria por cinco anos. O artigo 117 da Constituição diz que o presidente não pode ser acusado, a não ser em casos excepcionais, como traição à pátria, não convocar eleições ou fechar o Congresso de forma inconstitucional. Fora isso, o presidente é intocável. Após concluir seu mandato, Keiko poderia ser julgada.

E Keiko poderia ser julgada e condenada antes de assumir a presidência?

Em teoria sim, porque seu processo está ativo e segue o curso normalmente. Mas na prática, não tem como ocorrer o julgamento. O processo corre lentamente e está numa etapa que se chama ‘controle de acusação’ e pode levar cerca de dois anos, quando se decide se as acusações contra ela e os outros acusados têm fundamento para virar um julgamento. 

Se os outros investigados forem condenados, como isso impacta Keiko?

Se Keiko for presidente e os outros acusados forem condenados, isso não lhe impacta de maneira direta, no entanto, na prática pode afetar. A acusação de lavagem de dinheiro implica em um crime de organização criminosa. E se ficar determinado que seu partido, do qual ela é líder, é uma organização criminosa, isso vai afetá-la assim que ela deixar a presidência e for a julgamento.

Há alguma possibilidade de que o processo seja anulado antes de ela deixar a presidência em caso de vitória na eleição?

Os advogados dela tentaram mais de uma vez anular o processo, mas nenhuma ação prosperou. Se, em algum momento, houver algum habeas corpus isso poderia favorecê-la. Mas na prática é muito difícil porque aqui, quando há uma acusação fiscal, o mais provável é que termine cedo ou tarde em julgamento. Além disso, os habeas corpus para evitar o julgamento não têm sido concedidos nos últimos 10 anos. 

O que Keiko pode fazer sobre Alberto Fujimori?

Ela disse várias vezes nessa campanha que vai indultar o senhor Fujimori. Penso que isso é mais uma declaração política pelo seguinte: o senhor Fujimori tem uma condenação de 25 anos e o Tribunal Constitucional já disse que a única maneira de ele ser liberado é baixo um indulto humanitário. Em 2017, o então presidente Kuczynski deu esse indulto, que foi questionado na Corte Interamericana, que, por sua vez, determinou que a questão fosse resolvida internamente. Em 2018, o poder jurídico tornou o indulto sem efeito justificando que não estava provada a situação de doença grave e degenerativa de Fujimori. Então, a única forma de Keiko indultar o pai é provando essa doença. A lei não exige que seja uma doença terminal, mas sim, grave e degenerativa. 

Keiko Fujimori foi detida na quarta-feira, 10. A líder da oposição é acusada de lavagem de dinheiro Foto: EFE/Mario Zapata

E qual é o risco jurídico da vitória de Castillo?

No plano jurídico, as propostas do senhor Pedro Castillo despertaram muitas dúvidas porque ele expressou muita desconfiança sobre determinadas instituições. Obviamente, isso é algo que pode mudar. Ele foi mudando de opinião ao longo do tempo. Em um momento disse que dissolveria o Congresso, em outro disse que dissolveria o Tribunal Constitucional ou a Defensoria do Povo, mas nunca disse por meio de qual mecanismo. A nossa Constituição não permite a dissolução do Tribunal ou da Defensoria, apenas do Congresso, segundo as normas que mencionei. Há um temor de que Castillo não respeite a institucionalidade democrática. Há setores preocupados com o Estado de Direito e isso causa instabilidade política e jurídica. 

Quais outros aspectos afetariam o Estado de Direito?

Castillo também falou em proibir importações de itens produzidos no Peru e em não respeitar os acordos de livre comércio, além de nacionalizar indústrias, como a de gás e mineira. Ele falou também que criaria um novo sistema de pensões, como um banco de trabalhadores. Com esses exemplos, quero dizer que foram levantadas dúvidas sobre o respeito de Castillo ao Estado de Direito, sobretudo na questão econômica. 

Qual pode ser o impacto das atuais discussões constitucionais no Congresso?

O Congresso aprovou na terça-feira uma quarta legislatura e isso significa que poderá materializar reformas constitucionais pendentes. Duas em particular: sobre ser bicameral, o que pode ser aprovado nos próximos dias e a partir de julho teríamos duas Casas, então teríamos que ter uma nova eleição para diferenciar senadores e deputados ou essa nova divisão pode ficar para 2026, depende da decisão. De toda forma, isso pode mudar o cenário porque os casos penais passam pelas duas Casas, uma acusa e outra analisa e isso pode afetar casos como o do ex-presidente Vizcarra, que esteve no poder até novembro do ano passado e tem muitos casos pendentes. 

O sindicalista Pedro Castillo chega para votar montado em um cavalo em Cajamarca, sua terra natal Foto: Reuters

E a segunda reforma?

A segunda reforma que é muito importante tem relação com a questão de confiança. Aqui há uma regra constitucional segundo a qual se o Congresso não dá a confiança por duas vezes ao Executivo, o presidente pode dissolver o Congresso. Foi o que aconteceu em 2019 com Vizcarra, quando considerou que o Congresso lhe negou a confiança duas vezes e chamou novas eleições, realizadas em janeiro de 2020. Agora, o Congresso quer regular isso. Naquela época, o presidente interpretou que a confiança também pode ser negada de forma tácita e não apenas por meio de uma votação. Ou seja, se o Congresso não faz seu trabalho ou não aprova uma política, mesmo sem votação, ocorreria a negativa de confiança de forma tácita, o que é um pouco estranho na constitucionalização latino-americana, mas o Tribunal Constitucional peruano aprovou no ano passado. Se isso continuar assim, o próximo presidente poderá apresentar políticas de governo ao Parlamento, mas se o Congresso não as aprova e o presidente entende que há uma negativa de confiança, pode dissolver o Congresso. Isso pode gerar um desequilíbrio entre os poderes. Se isso for modificado, o próximo presidente passa a ter mais limitações para dissolver o Congresso. 

Como o senhor vê o efeito da Lava Jato no atual cenário político?

A Odebrecht assinou um acordo com o governo dos EUA em dezembro de 2016, no qual deixou claro que havia participado de corrupção em 11 países. O único fora do Brasil onde a investigação foi mais rigorosa é o Peru. O caso levou à acusação de três presidentes e candidatos: o senhor Garcia, que se matou em 2020 antes de ser preso, o senhor Humala, que foi presidente de 2011 a 2016, e o próprio senhor Kuczynski, que entrou na presidência em 2016 e ficou até o começo de 2018. Isso, além de empresários e candidatos, como a senhora Keiko Fujimori. O impacto foi muito forte. 

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