‘Eles estão nos ludibriando’: pássaros constroem ninhos com pontas de metal usadas contra aves


Estruturas com pinos de metal afiados destinam-se a manter os pássaros longe dos edifícios. Alguns pássaros estão roubando-as para construir seus ninhos

Por Emily Anthes

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Auke-Florian Hiemstra, um biólogo que estuda como os animais selvagens reaproveitam materiais humanos, achava que já tinha visto de tudo. Em sua pesquisa sobre o galeirão-comum, ave aquática frequentemente encontrada nos canais holandeses, ele descobriu ninhos contendo limpadores de para-brisa, óculos de sol, cravos de plástico, preservativos e envelopes usados para embalar cocaína.

Um ninho feito de pinos de metal e outros materiais coletados por pegas, encontrado em uma árvore em Antuérpia, na Bélgica. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

“Portanto, minha definição do que é material de nidificação já era bastante ampla”, disse Hiemstra, aluno de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda. “Quase tudo pode se tornar parte de um ninho de pássaro.”

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Ainda assim, ele não estava preparado para o que encontrou quando foi investigar um ninho estranho que havia sido visto do lado de fora de um hospital na Antuérpia, na Bélgica, em julho de 2021. Perto do topo de uma árvore de bordo, havia um ninho de pega da Eurásia que lembrava um porco-espinho cyberpunk, com finas hastes de metal saindo em todas as direções.

“Eu não podia acreditar no que estava vendo”, lembrou ele. “São pássaros fazendo ninhos com pontas de metal antipássaros.”

Fileiras desses pinos de metal afiados se tornaram uma característica comum do ambiente urbano, instalados em telhados e bordas para desencorajar pássaros de se empoleirar ou fazer ninhos em edifícios. Mas fora do hospital na Antuérpia - onde, por acaso, muitos dos pinos do telhado haviam desaparecido - as pegas conseguiram converter a arquitetura hostil em um lar.

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“Eles estão nos ludibriando”, disse Hiemstra. “Estamos tentando nos livrar dos pássaros e eles estão coletando nossas pontas de metal e fazendo mais pássaros nesses ninhos. Eu acho que é uma reação brilhante.”

Auke-Florian Hiemstra, estudante de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda, estuda o plástico que foi incorporado em ninhos de galeirão. Foto: Naturalis/The New York Times

Elas não são as únicas

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E as pegas da Antuérpia não estavam sozinhas. Nos dois anos que se seguiram, Hiemstra e seus colegas descobriram vários outros ninhos, construídos por pegas da Eurásia e corvos carniceiros, que continham essas pontas antipássaros. Eles descreveram suas descobertas em um artigo publicado na revista Deinsea.

“É absolutamente fascinante”, disse Mark Mainwaring, especialista em ninhos de pássaros da Universidade de Bangor, no País de Gales, que não participou do novo estudo. “Isso mostra o quão intuitivos esses pássaros são e mostra uma certa flexibilidade para sair e encontrar esses novos materiais e usá-los.”

Pegas e corvos são membros da família dos corvídeos, um grupo de pássaros conhecidos por sua inteligência e habilidades de resolução de problemas. As pegas geralmente constroem ninhos abobadados, juntando galhos espinhosos em telhados projetados para se protegerem contra predadores. Nos ninhos que Hiemstra e seus colegas encontraram, as pegas pareciam usar as pontas antipássaros para o mesmo propósito, transformando-as em uma cobertura de ninho pontiaguda.

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“O ninho na Antuérpia é realmente como um bunker para pássaros”, disse Hiemstra, que calculou que continha cerca de 50 metros de estruturas antipássaros e 1.500 pontas visíveis. “Deve ser muito seguro sentar no meio, sabendo que existem 1.500 pedaços de metal ou pinos defendendo você.”

Uma única faixa de pontas anti-pássaros, normalmente instaladas em telhados e bordas para desencorajar as aves de empoleirar-se ou fazer ninhos em edifícios. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Embora os pesquisadores não tenham capturado as pegas no ato de arrancar as estruturas do telhado do hospital, as pontas haviam desaparecido da área próxima ao ninho dos pássaros, e outras aves foram observadas arrancando essas pontas dos edifícios. E materiais humanos afiados, incluindo arame farpado e agulhas de tricô, já foram encontrados em cúpulas de pega, observaram os cientistas. (“Uma pega deve ficar tão feliz voltando para o ninho com esta grande agulha de tricô no bico”, refletiu Hiemstra.)

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Os corvos pareciam usar as pontas de forma diferente, virando os pinos afiados para o interior do ninho. Embora a ideia ainda não tenha sido comprovada, posicionar os pinos dessa maneira pode fornecer aos ninhos mais suporte estrutural, disse Hiemstra.

Não está totalmente claro se os pássaros estão simplesmente usando essas pontas porque elas estão disponíveis - na natureza urbana, elas podem ser mais fáceis de encontrar do que galhos espinhosos - ou se elas podem ser ainda mais adequadas para o trabalho do que os materiais naturais.

Cola seca no telhado do hospital de Antuérpia, onde estacas anti-pássaros foram instaladas e depois desapareceram. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times
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Prática comum

Mas o uso de materiais de nidificação artificial é comum em todo o universo aviário, de acordo com uma nova análise da literatura científica feita por Mainwaring e seus colegas, publicada na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B. Eles encontraram relatos de dezenas de milhares de ninhos - construídos por 176 espécies diferentes de aves, em todos os continentes, exceto na Antártida - que continham materiais artificiais, incluindo sacolas plásticas, tiras de pano, linha de pesca, toalhas de papel, fio dental, elásticos e bitucas de cigarro.

“Onde houver a oportunidade de incorporar materiais antropogênicos, feitos pelo homem, em seu ninho, um pássaro provavelmente fará isso”, disse Jim Reynolds, ornitólogo da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e autor da nova análise. “Alguns desses casos deixam as sobrancelhas franzidas entre nós, ornitólogos de campo, porque você pensa: ‘Sério?’ "

As descobertas refletem quanto lixo os humanos deixam para trás, disse Reynolds, e a pesquisa sugere que o uso de materiais de nidificação artificial está se tornando mais comum.

]

Um ninho de corvo coletado em Roterdã em 2021. Ao contrário das pegas, os corvos organizaram as tiras com as pontas apontando para dentro. Foto: Kees Moeliker/The New York Times

As consequências a longo prazo são desconhecidas. Materiais brilhantes ou coloridos podem ajudar um pássaro a atrair um parceiro - ou chamar a atenção de predadores. A pesquisa sugere que os produtos químicos nas bitucas de cigarro podem ajudar a proteger os ninhos de parasitas - mas também podem ser tóxicos para os pássaros. E há muitos relatos de filhotes que se enredaram em fios de plástico ou barbantes que estavam no ninho.

Quanto ao uso das pontas antipássaros, Mainwaring estava curioso para ver “se o comportamento se espalha, se outras pegas veem seus vizinhos usando essas pontas nos ninhos e pensam: ‘É assim que você constrói um ninho’”, disse ele. “E a prole criada nesses ninhos também vai crescer pensando que é perfeitamente normal e natural.”

Hiemstra suspeita que haja mais ninhos com essas pontas esperando para serem encontrados. Ele certamente espera que haja.

“Estou definitivamente torcendo pelos pássaros, aplaudindo-os e realmente gostando que eles estejam lutando um pouco”, disse ele. “Porque eles merecem um lugar na cidade como nós.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Auke-Florian Hiemstra, um biólogo que estuda como os animais selvagens reaproveitam materiais humanos, achava que já tinha visto de tudo. Em sua pesquisa sobre o galeirão-comum, ave aquática frequentemente encontrada nos canais holandeses, ele descobriu ninhos contendo limpadores de para-brisa, óculos de sol, cravos de plástico, preservativos e envelopes usados para embalar cocaína.

Um ninho feito de pinos de metal e outros materiais coletados por pegas, encontrado em uma árvore em Antuérpia, na Bélgica. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

“Portanto, minha definição do que é material de nidificação já era bastante ampla”, disse Hiemstra, aluno de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda. “Quase tudo pode se tornar parte de um ninho de pássaro.”

Ainda assim, ele não estava preparado para o que encontrou quando foi investigar um ninho estranho que havia sido visto do lado de fora de um hospital na Antuérpia, na Bélgica, em julho de 2021. Perto do topo de uma árvore de bordo, havia um ninho de pega da Eurásia que lembrava um porco-espinho cyberpunk, com finas hastes de metal saindo em todas as direções.

“Eu não podia acreditar no que estava vendo”, lembrou ele. “São pássaros fazendo ninhos com pontas de metal antipássaros.”

Fileiras desses pinos de metal afiados se tornaram uma característica comum do ambiente urbano, instalados em telhados e bordas para desencorajar pássaros de se empoleirar ou fazer ninhos em edifícios. Mas fora do hospital na Antuérpia - onde, por acaso, muitos dos pinos do telhado haviam desaparecido - as pegas conseguiram converter a arquitetura hostil em um lar.

“Eles estão nos ludibriando”, disse Hiemstra. “Estamos tentando nos livrar dos pássaros e eles estão coletando nossas pontas de metal e fazendo mais pássaros nesses ninhos. Eu acho que é uma reação brilhante.”

Auke-Florian Hiemstra, estudante de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda, estuda o plástico que foi incorporado em ninhos de galeirão. Foto: Naturalis/The New York Times

Elas não são as únicas

E as pegas da Antuérpia não estavam sozinhas. Nos dois anos que se seguiram, Hiemstra e seus colegas descobriram vários outros ninhos, construídos por pegas da Eurásia e corvos carniceiros, que continham essas pontas antipássaros. Eles descreveram suas descobertas em um artigo publicado na revista Deinsea.

“É absolutamente fascinante”, disse Mark Mainwaring, especialista em ninhos de pássaros da Universidade de Bangor, no País de Gales, que não participou do novo estudo. “Isso mostra o quão intuitivos esses pássaros são e mostra uma certa flexibilidade para sair e encontrar esses novos materiais e usá-los.”

Pegas e corvos são membros da família dos corvídeos, um grupo de pássaros conhecidos por sua inteligência e habilidades de resolução de problemas. As pegas geralmente constroem ninhos abobadados, juntando galhos espinhosos em telhados projetados para se protegerem contra predadores. Nos ninhos que Hiemstra e seus colegas encontraram, as pegas pareciam usar as pontas antipássaros para o mesmo propósito, transformando-as em uma cobertura de ninho pontiaguda.

“O ninho na Antuérpia é realmente como um bunker para pássaros”, disse Hiemstra, que calculou que continha cerca de 50 metros de estruturas antipássaros e 1.500 pontas visíveis. “Deve ser muito seguro sentar no meio, sabendo que existem 1.500 pedaços de metal ou pinos defendendo você.”

Uma única faixa de pontas anti-pássaros, normalmente instaladas em telhados e bordas para desencorajar as aves de empoleirar-se ou fazer ninhos em edifícios. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Embora os pesquisadores não tenham capturado as pegas no ato de arrancar as estruturas do telhado do hospital, as pontas haviam desaparecido da área próxima ao ninho dos pássaros, e outras aves foram observadas arrancando essas pontas dos edifícios. E materiais humanos afiados, incluindo arame farpado e agulhas de tricô, já foram encontrados em cúpulas de pega, observaram os cientistas. (“Uma pega deve ficar tão feliz voltando para o ninho com esta grande agulha de tricô no bico”, refletiu Hiemstra.)

Os corvos pareciam usar as pontas de forma diferente, virando os pinos afiados para o interior do ninho. Embora a ideia ainda não tenha sido comprovada, posicionar os pinos dessa maneira pode fornecer aos ninhos mais suporte estrutural, disse Hiemstra.

Não está totalmente claro se os pássaros estão simplesmente usando essas pontas porque elas estão disponíveis - na natureza urbana, elas podem ser mais fáceis de encontrar do que galhos espinhosos - ou se elas podem ser ainda mais adequadas para o trabalho do que os materiais naturais.

Cola seca no telhado do hospital de Antuérpia, onde estacas anti-pássaros foram instaladas e depois desapareceram. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Prática comum

Mas o uso de materiais de nidificação artificial é comum em todo o universo aviário, de acordo com uma nova análise da literatura científica feita por Mainwaring e seus colegas, publicada na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B. Eles encontraram relatos de dezenas de milhares de ninhos - construídos por 176 espécies diferentes de aves, em todos os continentes, exceto na Antártida - que continham materiais artificiais, incluindo sacolas plásticas, tiras de pano, linha de pesca, toalhas de papel, fio dental, elásticos e bitucas de cigarro.

“Onde houver a oportunidade de incorporar materiais antropogênicos, feitos pelo homem, em seu ninho, um pássaro provavelmente fará isso”, disse Jim Reynolds, ornitólogo da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e autor da nova análise. “Alguns desses casos deixam as sobrancelhas franzidas entre nós, ornitólogos de campo, porque você pensa: ‘Sério?’ "

As descobertas refletem quanto lixo os humanos deixam para trás, disse Reynolds, e a pesquisa sugere que o uso de materiais de nidificação artificial está se tornando mais comum.

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Um ninho de corvo coletado em Roterdã em 2021. Ao contrário das pegas, os corvos organizaram as tiras com as pontas apontando para dentro. Foto: Kees Moeliker/The New York Times

As consequências a longo prazo são desconhecidas. Materiais brilhantes ou coloridos podem ajudar um pássaro a atrair um parceiro - ou chamar a atenção de predadores. A pesquisa sugere que os produtos químicos nas bitucas de cigarro podem ajudar a proteger os ninhos de parasitas - mas também podem ser tóxicos para os pássaros. E há muitos relatos de filhotes que se enredaram em fios de plástico ou barbantes que estavam no ninho.

Quanto ao uso das pontas antipássaros, Mainwaring estava curioso para ver “se o comportamento se espalha, se outras pegas veem seus vizinhos usando essas pontas nos ninhos e pensam: ‘É assim que você constrói um ninho’”, disse ele. “E a prole criada nesses ninhos também vai crescer pensando que é perfeitamente normal e natural.”

Hiemstra suspeita que haja mais ninhos com essas pontas esperando para serem encontrados. Ele certamente espera que haja.

“Estou definitivamente torcendo pelos pássaros, aplaudindo-os e realmente gostando que eles estejam lutando um pouco”, disse ele. “Porque eles merecem um lugar na cidade como nós.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Auke-Florian Hiemstra, um biólogo que estuda como os animais selvagens reaproveitam materiais humanos, achava que já tinha visto de tudo. Em sua pesquisa sobre o galeirão-comum, ave aquática frequentemente encontrada nos canais holandeses, ele descobriu ninhos contendo limpadores de para-brisa, óculos de sol, cravos de plástico, preservativos e envelopes usados para embalar cocaína.

Um ninho feito de pinos de metal e outros materiais coletados por pegas, encontrado em uma árvore em Antuérpia, na Bélgica. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

“Portanto, minha definição do que é material de nidificação já era bastante ampla”, disse Hiemstra, aluno de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda. “Quase tudo pode se tornar parte de um ninho de pássaro.”

Ainda assim, ele não estava preparado para o que encontrou quando foi investigar um ninho estranho que havia sido visto do lado de fora de um hospital na Antuérpia, na Bélgica, em julho de 2021. Perto do topo de uma árvore de bordo, havia um ninho de pega da Eurásia que lembrava um porco-espinho cyberpunk, com finas hastes de metal saindo em todas as direções.

“Eu não podia acreditar no que estava vendo”, lembrou ele. “São pássaros fazendo ninhos com pontas de metal antipássaros.”

Fileiras desses pinos de metal afiados se tornaram uma característica comum do ambiente urbano, instalados em telhados e bordas para desencorajar pássaros de se empoleirar ou fazer ninhos em edifícios. Mas fora do hospital na Antuérpia - onde, por acaso, muitos dos pinos do telhado haviam desaparecido - as pegas conseguiram converter a arquitetura hostil em um lar.

“Eles estão nos ludibriando”, disse Hiemstra. “Estamos tentando nos livrar dos pássaros e eles estão coletando nossas pontas de metal e fazendo mais pássaros nesses ninhos. Eu acho que é uma reação brilhante.”

Auke-Florian Hiemstra, estudante de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda, estuda o plástico que foi incorporado em ninhos de galeirão. Foto: Naturalis/The New York Times

Elas não são as únicas

E as pegas da Antuérpia não estavam sozinhas. Nos dois anos que se seguiram, Hiemstra e seus colegas descobriram vários outros ninhos, construídos por pegas da Eurásia e corvos carniceiros, que continham essas pontas antipássaros. Eles descreveram suas descobertas em um artigo publicado na revista Deinsea.

“É absolutamente fascinante”, disse Mark Mainwaring, especialista em ninhos de pássaros da Universidade de Bangor, no País de Gales, que não participou do novo estudo. “Isso mostra o quão intuitivos esses pássaros são e mostra uma certa flexibilidade para sair e encontrar esses novos materiais e usá-los.”

Pegas e corvos são membros da família dos corvídeos, um grupo de pássaros conhecidos por sua inteligência e habilidades de resolução de problemas. As pegas geralmente constroem ninhos abobadados, juntando galhos espinhosos em telhados projetados para se protegerem contra predadores. Nos ninhos que Hiemstra e seus colegas encontraram, as pegas pareciam usar as pontas antipássaros para o mesmo propósito, transformando-as em uma cobertura de ninho pontiaguda.

“O ninho na Antuérpia é realmente como um bunker para pássaros”, disse Hiemstra, que calculou que continha cerca de 50 metros de estruturas antipássaros e 1.500 pontas visíveis. “Deve ser muito seguro sentar no meio, sabendo que existem 1.500 pedaços de metal ou pinos defendendo você.”

Uma única faixa de pontas anti-pássaros, normalmente instaladas em telhados e bordas para desencorajar as aves de empoleirar-se ou fazer ninhos em edifícios. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Embora os pesquisadores não tenham capturado as pegas no ato de arrancar as estruturas do telhado do hospital, as pontas haviam desaparecido da área próxima ao ninho dos pássaros, e outras aves foram observadas arrancando essas pontas dos edifícios. E materiais humanos afiados, incluindo arame farpado e agulhas de tricô, já foram encontrados em cúpulas de pega, observaram os cientistas. (“Uma pega deve ficar tão feliz voltando para o ninho com esta grande agulha de tricô no bico”, refletiu Hiemstra.)

Os corvos pareciam usar as pontas de forma diferente, virando os pinos afiados para o interior do ninho. Embora a ideia ainda não tenha sido comprovada, posicionar os pinos dessa maneira pode fornecer aos ninhos mais suporte estrutural, disse Hiemstra.

Não está totalmente claro se os pássaros estão simplesmente usando essas pontas porque elas estão disponíveis - na natureza urbana, elas podem ser mais fáceis de encontrar do que galhos espinhosos - ou se elas podem ser ainda mais adequadas para o trabalho do que os materiais naturais.

Cola seca no telhado do hospital de Antuérpia, onde estacas anti-pássaros foram instaladas e depois desapareceram. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Prática comum

Mas o uso de materiais de nidificação artificial é comum em todo o universo aviário, de acordo com uma nova análise da literatura científica feita por Mainwaring e seus colegas, publicada na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B. Eles encontraram relatos de dezenas de milhares de ninhos - construídos por 176 espécies diferentes de aves, em todos os continentes, exceto na Antártida - que continham materiais artificiais, incluindo sacolas plásticas, tiras de pano, linha de pesca, toalhas de papel, fio dental, elásticos e bitucas de cigarro.

“Onde houver a oportunidade de incorporar materiais antropogênicos, feitos pelo homem, em seu ninho, um pássaro provavelmente fará isso”, disse Jim Reynolds, ornitólogo da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e autor da nova análise. “Alguns desses casos deixam as sobrancelhas franzidas entre nós, ornitólogos de campo, porque você pensa: ‘Sério?’ "

As descobertas refletem quanto lixo os humanos deixam para trás, disse Reynolds, e a pesquisa sugere que o uso de materiais de nidificação artificial está se tornando mais comum.

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Um ninho de corvo coletado em Roterdã em 2021. Ao contrário das pegas, os corvos organizaram as tiras com as pontas apontando para dentro. Foto: Kees Moeliker/The New York Times

As consequências a longo prazo são desconhecidas. Materiais brilhantes ou coloridos podem ajudar um pássaro a atrair um parceiro - ou chamar a atenção de predadores. A pesquisa sugere que os produtos químicos nas bitucas de cigarro podem ajudar a proteger os ninhos de parasitas - mas também podem ser tóxicos para os pássaros. E há muitos relatos de filhotes que se enredaram em fios de plástico ou barbantes que estavam no ninho.

Quanto ao uso das pontas antipássaros, Mainwaring estava curioso para ver “se o comportamento se espalha, se outras pegas veem seus vizinhos usando essas pontas nos ninhos e pensam: ‘É assim que você constrói um ninho’”, disse ele. “E a prole criada nesses ninhos também vai crescer pensando que é perfeitamente normal e natural.”

Hiemstra suspeita que haja mais ninhos com essas pontas esperando para serem encontrados. Ele certamente espera que haja.

“Estou definitivamente torcendo pelos pássaros, aplaudindo-os e realmente gostando que eles estejam lutando um pouco”, disse ele. “Porque eles merecem um lugar na cidade como nós.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Auke-Florian Hiemstra, um biólogo que estuda como os animais selvagens reaproveitam materiais humanos, achava que já tinha visto de tudo. Em sua pesquisa sobre o galeirão-comum, ave aquática frequentemente encontrada nos canais holandeses, ele descobriu ninhos contendo limpadores de para-brisa, óculos de sol, cravos de plástico, preservativos e envelopes usados para embalar cocaína.

Um ninho feito de pinos de metal e outros materiais coletados por pegas, encontrado em uma árvore em Antuérpia, na Bélgica. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

“Portanto, minha definição do que é material de nidificação já era bastante ampla”, disse Hiemstra, aluno de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda. “Quase tudo pode se tornar parte de um ninho de pássaro.”

Ainda assim, ele não estava preparado para o que encontrou quando foi investigar um ninho estranho que havia sido visto do lado de fora de um hospital na Antuérpia, na Bélgica, em julho de 2021. Perto do topo de uma árvore de bordo, havia um ninho de pega da Eurásia que lembrava um porco-espinho cyberpunk, com finas hastes de metal saindo em todas as direções.

“Eu não podia acreditar no que estava vendo”, lembrou ele. “São pássaros fazendo ninhos com pontas de metal antipássaros.”

Fileiras desses pinos de metal afiados se tornaram uma característica comum do ambiente urbano, instalados em telhados e bordas para desencorajar pássaros de se empoleirar ou fazer ninhos em edifícios. Mas fora do hospital na Antuérpia - onde, por acaso, muitos dos pinos do telhado haviam desaparecido - as pegas conseguiram converter a arquitetura hostil em um lar.

“Eles estão nos ludibriando”, disse Hiemstra. “Estamos tentando nos livrar dos pássaros e eles estão coletando nossas pontas de metal e fazendo mais pássaros nesses ninhos. Eu acho que é uma reação brilhante.”

Auke-Florian Hiemstra, estudante de doutorado no Centro de Biodiversidade Naturalis, na Holanda, estuda o plástico que foi incorporado em ninhos de galeirão. Foto: Naturalis/The New York Times

Elas não são as únicas

E as pegas da Antuérpia não estavam sozinhas. Nos dois anos que se seguiram, Hiemstra e seus colegas descobriram vários outros ninhos, construídos por pegas da Eurásia e corvos carniceiros, que continham essas pontas antipássaros. Eles descreveram suas descobertas em um artigo publicado na revista Deinsea.

“É absolutamente fascinante”, disse Mark Mainwaring, especialista em ninhos de pássaros da Universidade de Bangor, no País de Gales, que não participou do novo estudo. “Isso mostra o quão intuitivos esses pássaros são e mostra uma certa flexibilidade para sair e encontrar esses novos materiais e usá-los.”

Pegas e corvos são membros da família dos corvídeos, um grupo de pássaros conhecidos por sua inteligência e habilidades de resolução de problemas. As pegas geralmente constroem ninhos abobadados, juntando galhos espinhosos em telhados projetados para se protegerem contra predadores. Nos ninhos que Hiemstra e seus colegas encontraram, as pegas pareciam usar as pontas antipássaros para o mesmo propósito, transformando-as em uma cobertura de ninho pontiaguda.

“O ninho na Antuérpia é realmente como um bunker para pássaros”, disse Hiemstra, que calculou que continha cerca de 50 metros de estruturas antipássaros e 1.500 pontas visíveis. “Deve ser muito seguro sentar no meio, sabendo que existem 1.500 pedaços de metal ou pinos defendendo você.”

Uma única faixa de pontas anti-pássaros, normalmente instaladas em telhados e bordas para desencorajar as aves de empoleirar-se ou fazer ninhos em edifícios. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Embora os pesquisadores não tenham capturado as pegas no ato de arrancar as estruturas do telhado do hospital, as pontas haviam desaparecido da área próxima ao ninho dos pássaros, e outras aves foram observadas arrancando essas pontas dos edifícios. E materiais humanos afiados, incluindo arame farpado e agulhas de tricô, já foram encontrados em cúpulas de pega, observaram os cientistas. (“Uma pega deve ficar tão feliz voltando para o ninho com esta grande agulha de tricô no bico”, refletiu Hiemstra.)

Os corvos pareciam usar as pontas de forma diferente, virando os pinos afiados para o interior do ninho. Embora a ideia ainda não tenha sido comprovada, posicionar os pinos dessa maneira pode fornecer aos ninhos mais suporte estrutural, disse Hiemstra.

Não está totalmente claro se os pássaros estão simplesmente usando essas pontas porque elas estão disponíveis - na natureza urbana, elas podem ser mais fáceis de encontrar do que galhos espinhosos - ou se elas podem ser ainda mais adequadas para o trabalho do que os materiais naturais.

Cola seca no telhado do hospital de Antuérpia, onde estacas anti-pássaros foram instaladas e depois desapareceram. Foto: Auke-Florian Hiemstra/The New York Times

Prática comum

Mas o uso de materiais de nidificação artificial é comum em todo o universo aviário, de acordo com uma nova análise da literatura científica feita por Mainwaring e seus colegas, publicada na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B. Eles encontraram relatos de dezenas de milhares de ninhos - construídos por 176 espécies diferentes de aves, em todos os continentes, exceto na Antártida - que continham materiais artificiais, incluindo sacolas plásticas, tiras de pano, linha de pesca, toalhas de papel, fio dental, elásticos e bitucas de cigarro.

“Onde houver a oportunidade de incorporar materiais antropogênicos, feitos pelo homem, em seu ninho, um pássaro provavelmente fará isso”, disse Jim Reynolds, ornitólogo da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e autor da nova análise. “Alguns desses casos deixam as sobrancelhas franzidas entre nós, ornitólogos de campo, porque você pensa: ‘Sério?’ "

As descobertas refletem quanto lixo os humanos deixam para trás, disse Reynolds, e a pesquisa sugere que o uso de materiais de nidificação artificial está se tornando mais comum.

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Um ninho de corvo coletado em Roterdã em 2021. Ao contrário das pegas, os corvos organizaram as tiras com as pontas apontando para dentro. Foto: Kees Moeliker/The New York Times

As consequências a longo prazo são desconhecidas. Materiais brilhantes ou coloridos podem ajudar um pássaro a atrair um parceiro - ou chamar a atenção de predadores. A pesquisa sugere que os produtos químicos nas bitucas de cigarro podem ajudar a proteger os ninhos de parasitas - mas também podem ser tóxicos para os pássaros. E há muitos relatos de filhotes que se enredaram em fios de plástico ou barbantes que estavam no ninho.

Quanto ao uso das pontas antipássaros, Mainwaring estava curioso para ver “se o comportamento se espalha, se outras pegas veem seus vizinhos usando essas pontas nos ninhos e pensam: ‘É assim que você constrói um ninho’”, disse ele. “E a prole criada nesses ninhos também vai crescer pensando que é perfeitamente normal e natural.”

Hiemstra suspeita que haja mais ninhos com essas pontas esperando para serem encontrados. Ele certamente espera que haja.

“Estou definitivamente torcendo pelos pássaros, aplaudindo-os e realmente gostando que eles estejam lutando um pouco”, disse ele. “Porque eles merecem um lugar na cidade como nós.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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