Fotógrafa Claudia Andujar leva exposição ‘A Luta Yanomami’ ao Shed, nos EUA


Artista fotografou os Yanomami na Amazônia durante uma vida inteira de ativismo; aos 91 anos, ela ainda está ajudando a proteger sua terra natal na floresta tropical

Por Jill Langlois

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Todas as noites, às 19h, a renomada fotógrafa Claudia Andujar senta-se à sua mesa, coloca os fones de ouvido e liga o computador.

Ela tem um encontro marcado pelo Skype com Carlo Zacquini, um missionário que conheceu há quase 50 anos, quando iniciou seu trabalho inovador com o povo Yanomami da Amazônia brasileira. Os dois, junto com o antropólogo Bruce Albert, trabalharam por décadas para ajudar o grupo indígena, cerca de 38 mil pessoas, a proteger suas terras, passando longos períodos de tempo em suas aldeias antes de voltar para o mesmo apartamento em que ela mora agora, com vista para a famosa Avenida Paulista em São Paulo.

Lá, em 1978, o trio sentou-se à mesa de luz ao lado das janelas de parede a parede na sala totalmente branca de Andujar e fez um plano. Repleto de negativos para seus próximos álbuns fotográficos, o local tornou-se a base de seu trabalho com os Yanomami que, 14 anos depois, levaria à demarcação do território indígena, na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, e sua proteção oficial sob uma lei federal.

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Agora, enquanto o sol poente lança a última luz do dia através dessas mesmas janelas, a sala não abriga mais a agitação de antes, mas resquícios desse passado caótico ainda estão presentes. Os retratos íntimos dos Yanomami feitos por Andujar - um close do rosto de uma criança, outra flutuando na água azul brilhante, a curva de um pescoço e um ombro - estão pendurados nas paredes.

A fotógrafa analisa alguns de seus negativos em 35mm do rio Catrimani em 1974. Foto: Gabriela Portilho/The New York Times

Aos 91 anos, Andujar não pode mais fazer a árdua viagem à terra Yanomami, que já fez parte da longa lista de lugares que ela chamava de lar, por isso são as conversas noturnas com Zacquini, que ainda vive e trabalha ao lado deles, que a mantêm informada sobre os obstáculos que a comunidade enfrenta hoje. Por algum tempo, ela quis encontrar uma maneira de continuar a apoiá-los em sua luta, apesar dos milhares de quilômetros que agora os separam.

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E ela conseguiu.

As fotos que ela fez décadas atrás voltaram a rodar o mundo, desta vez ao lado de obras de artistas Yanomami, em A Luta Yanomami, exposição organizada pela Fundação Cartier em Paris, Instituto Moreira Salles em São Paulo e o Shed em Manhattan, em parceria com as ONGs brasileiras Hutukara Associação Yanomami e Instituto Socioambiental. A exposição no Shed ocorre de 3 de fevereiro a 16 de abril, e Andujar espera que ela amplie as vozes Yanomami e leve outras pessoas a agir contra a tragédia que ainda se desenrola em sua terra.

Algumas das artes Yanomami e outras artes indígenas que ela recebeu ao longo dos anos - esculturas de barro e madeira; cestas tecidas; brincos e pulseiras feitos de miçangas, sementes, flores e pedras -estão envoltos em vidro. Outras estão expostas em prateleiras entre uma coleção de livros que representam uma vida inteira de trabalho em fotografia e ativismo na Amazônia. Fotos em preto e branco de Andujar e Zacquini de quando eram jovens, e uma colorida em que o cabelo de Zacquini ficou grisalho, estão entre os itens.

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“Acho que minhas fotos ajudaram naquela época”, disse Andujar, “mas não resolveram nada. Ainda precisamos lutar.”

“Susi Korihana thëri, região de Catrimani,” 1972-74, impressão de pigmento mineral (de filme infravermelho). Foto: Claudia Andujar/IMS

Nascida Claudine Haas, Andujar foi criada na Transilvânia, na fronteira da Romênia com a Hungria, até os 9 anos, quando seus pais, um judeu húngaro e uma protestante suíça, se separaram. Quando ela tinha 13 anos, ela e sua mãe fugiram do Holocausto, voltando para sua terra natal, a Suíça. O pai de Andujar e a maior parte de sua família paterna foram enviados para o Gueto de Oradea na Transilvânia antes de serem deportados para Auschwitz na Polônia e Dachau na Alemanha, onde todos foram mortos. Foi um momento que moldaria seu ponto de vista e conduziria o resto de sua vida.

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“Foi uma motivação muito forte pela sensibilidade dela e pela forma como ela se apaixonou pela luta dos Yanomami”, disse Albert. “As crianças sempre têm essa culpa inconsciente: ‘Eu poderia ter feito alguma coisa. Eu gostaria de ter feito alguma coisa.” Ajudar os Yanomami, ele disse, “foi uma segunda chance para ela proteger um povo do extermínio”.

Depois de paradas na Suíça e em Nova York, Andujar se estabeleceu no Brasil em 1955, onde pegou uma câmera pela primeira vez. Incapaz de falar português - a sua primeira língua é o francês - utilizou a fotografia para se comunicar com os que a rodeavam, e suas fotografias foram publicadas em revistas nacionais e internacionais, incluindo Life, Aperture e Realidade.

Foi somente na década de 1970 que ela fez sua primeira viagem à terra Yanomami, um território com o dobro do tamanho da Suíça. Ela decidiu em 1974 passar um ano inteiro morando na região do Catrimani. Mas seria um ano pouco ortodoxo para um fotógrafo. Durante esses 365 dias, ela não fotografou. Ela queria primeiro conhecer os Yanomami e que eles a conhecessem.

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Durante o mesmo período, o Brasil estava em meio a uma ditadura militar de 21 anos. No início dos anos 70, o país iniciou um programa que abriu a Amazônia para mineração, extração de madeira e pecuária com a construção de uma vasta rede de estradas, incluindo uma que cortava o território Yanomami. O programa trouxe não apenas destruição ambiental, mas também uma série de doenças mortais às quais os Yanomami nunca haviam sido expostos.

Andujar voltaria com Zacquini em 1977 para cuidar dos sobreviventes de uma epidemia de sarampo que assolou as comunidades do Catrimani. Suas fotos dos Yanomami se tornariam uma poderosa ferramenta contra a exploração de suas terras. Tão poderosa, na verdade, que os militares a expulsariam.

Com Albert - que conheceu dois anos antes no Catrimani - e Zacquini a reboque, ela voltou para seu apartamento em São Paulo para trabalhar na mesa de luz. Lá, eles criaram a Comissão para a Criação do Parque Yanomami (hoje conhecida como Comissão Pró-Yanomami, ou CCPY), uma organização sem fins lucrativos que lideraria a luta pela proteção da terra Yanomami. Seu trabalho como fotógrafa agora se tornou mais ativista do que estético.

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Claudia Andjujar fotografou povos Yanomami.  Foto: Claudia Andujar/IMS

Para os funcionários do governo, o nome de Andujar significava problemas. Davi Kopenawa, um respeitado líder Yanomami e xamã, quis saber o porquê. Assim, no início dos anos 1980, dirigiu-se à sede da comissão.

“Ela me contou a história da guerra em sua terra, onde sua família foi morta com tantas outras”, ele disse em entrevista. “Foi igualzinho ao que estava acontecendo aqui no Brasil, na nossa terra. Ela entendeu. Isso me fez confiar nela.”

Essa primeira conversa levou a uma amizade ao longo da vida. Os dois iniciaram juntos uma campanha mundial contra a destruição das terras Yanomami antes de um decreto presidencial declarar a demarcação do território em 1992, sete anos após o fim da ditadura militar.

Agora, 40 anos depois, eles estão em outra jornada juntos, desta vez através da “Luta Yanomami”.

A exposição itinerante reúne mais de 200 fotos de Andujar e cerca de 80 desenhos e pinturas de artistas Yanomami, incluindo Kopenawa, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, André Taniki, Orlando Naki uxima, Poraco Hiko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi, além novas obras em vídeo de cineastas Yanomami contemporâneos.

“Espero que espalhar nossos desenhos, nossas pinceladas, por todo o mundo, talvez faça as pessoas quererem nos proteger”, disse Yaira, cujo trabalho se concentra em mulheres cuidando de crianças, colhendo mandioca e lavando itens como panelas e redes . “Foi Claudia Andujar quem nos ajudou a ganhar visibilidade”, completou Yaira. “Ela é uma grande artista. É isso que torna a parceria entre nós tão boa. Se fossem só os artistas Yanomami fazendo isso, não seria a mesma coisa.”

Mas Andujar disse que osYanomami precisam ser ouvidos, não ela. E com um novo governo começando a fazer mudanças positivas para os povos indígenas, ela está cautelosamente otimista. Se tudo correr bem, talvez um dia as pessoas parem de recorrer a ela e comecem a ouvir os Yanomami. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Todas as noites, às 19h, a renomada fotógrafa Claudia Andujar senta-se à sua mesa, coloca os fones de ouvido e liga o computador.

Ela tem um encontro marcado pelo Skype com Carlo Zacquini, um missionário que conheceu há quase 50 anos, quando iniciou seu trabalho inovador com o povo Yanomami da Amazônia brasileira. Os dois, junto com o antropólogo Bruce Albert, trabalharam por décadas para ajudar o grupo indígena, cerca de 38 mil pessoas, a proteger suas terras, passando longos períodos de tempo em suas aldeias antes de voltar para o mesmo apartamento em que ela mora agora, com vista para a famosa Avenida Paulista em São Paulo.

Lá, em 1978, o trio sentou-se à mesa de luz ao lado das janelas de parede a parede na sala totalmente branca de Andujar e fez um plano. Repleto de negativos para seus próximos álbuns fotográficos, o local tornou-se a base de seu trabalho com os Yanomami que, 14 anos depois, levaria à demarcação do território indígena, na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, e sua proteção oficial sob uma lei federal.

Agora, enquanto o sol poente lança a última luz do dia através dessas mesmas janelas, a sala não abriga mais a agitação de antes, mas resquícios desse passado caótico ainda estão presentes. Os retratos íntimos dos Yanomami feitos por Andujar - um close do rosto de uma criança, outra flutuando na água azul brilhante, a curva de um pescoço e um ombro - estão pendurados nas paredes.

A fotógrafa analisa alguns de seus negativos em 35mm do rio Catrimani em 1974. Foto: Gabriela Portilho/The New York Times

Aos 91 anos, Andujar não pode mais fazer a árdua viagem à terra Yanomami, que já fez parte da longa lista de lugares que ela chamava de lar, por isso são as conversas noturnas com Zacquini, que ainda vive e trabalha ao lado deles, que a mantêm informada sobre os obstáculos que a comunidade enfrenta hoje. Por algum tempo, ela quis encontrar uma maneira de continuar a apoiá-los em sua luta, apesar dos milhares de quilômetros que agora os separam.

E ela conseguiu.

As fotos que ela fez décadas atrás voltaram a rodar o mundo, desta vez ao lado de obras de artistas Yanomami, em A Luta Yanomami, exposição organizada pela Fundação Cartier em Paris, Instituto Moreira Salles em São Paulo e o Shed em Manhattan, em parceria com as ONGs brasileiras Hutukara Associação Yanomami e Instituto Socioambiental. A exposição no Shed ocorre de 3 de fevereiro a 16 de abril, e Andujar espera que ela amplie as vozes Yanomami e leve outras pessoas a agir contra a tragédia que ainda se desenrola em sua terra.

Algumas das artes Yanomami e outras artes indígenas que ela recebeu ao longo dos anos - esculturas de barro e madeira; cestas tecidas; brincos e pulseiras feitos de miçangas, sementes, flores e pedras -estão envoltos em vidro. Outras estão expostas em prateleiras entre uma coleção de livros que representam uma vida inteira de trabalho em fotografia e ativismo na Amazônia. Fotos em preto e branco de Andujar e Zacquini de quando eram jovens, e uma colorida em que o cabelo de Zacquini ficou grisalho, estão entre os itens.

“Acho que minhas fotos ajudaram naquela época”, disse Andujar, “mas não resolveram nada. Ainda precisamos lutar.”

“Susi Korihana thëri, região de Catrimani,” 1972-74, impressão de pigmento mineral (de filme infravermelho). Foto: Claudia Andujar/IMS

Nascida Claudine Haas, Andujar foi criada na Transilvânia, na fronteira da Romênia com a Hungria, até os 9 anos, quando seus pais, um judeu húngaro e uma protestante suíça, se separaram. Quando ela tinha 13 anos, ela e sua mãe fugiram do Holocausto, voltando para sua terra natal, a Suíça. O pai de Andujar e a maior parte de sua família paterna foram enviados para o Gueto de Oradea na Transilvânia antes de serem deportados para Auschwitz na Polônia e Dachau na Alemanha, onde todos foram mortos. Foi um momento que moldaria seu ponto de vista e conduziria o resto de sua vida.

“Foi uma motivação muito forte pela sensibilidade dela e pela forma como ela se apaixonou pela luta dos Yanomami”, disse Albert. “As crianças sempre têm essa culpa inconsciente: ‘Eu poderia ter feito alguma coisa. Eu gostaria de ter feito alguma coisa.” Ajudar os Yanomami, ele disse, “foi uma segunda chance para ela proteger um povo do extermínio”.

Depois de paradas na Suíça e em Nova York, Andujar se estabeleceu no Brasil em 1955, onde pegou uma câmera pela primeira vez. Incapaz de falar português - a sua primeira língua é o francês - utilizou a fotografia para se comunicar com os que a rodeavam, e suas fotografias foram publicadas em revistas nacionais e internacionais, incluindo Life, Aperture e Realidade.

Foi somente na década de 1970 que ela fez sua primeira viagem à terra Yanomami, um território com o dobro do tamanho da Suíça. Ela decidiu em 1974 passar um ano inteiro morando na região do Catrimani. Mas seria um ano pouco ortodoxo para um fotógrafo. Durante esses 365 dias, ela não fotografou. Ela queria primeiro conhecer os Yanomami e que eles a conhecessem.

Durante o mesmo período, o Brasil estava em meio a uma ditadura militar de 21 anos. No início dos anos 70, o país iniciou um programa que abriu a Amazônia para mineração, extração de madeira e pecuária com a construção de uma vasta rede de estradas, incluindo uma que cortava o território Yanomami. O programa trouxe não apenas destruição ambiental, mas também uma série de doenças mortais às quais os Yanomami nunca haviam sido expostos.

Andujar voltaria com Zacquini em 1977 para cuidar dos sobreviventes de uma epidemia de sarampo que assolou as comunidades do Catrimani. Suas fotos dos Yanomami se tornariam uma poderosa ferramenta contra a exploração de suas terras. Tão poderosa, na verdade, que os militares a expulsariam.

Com Albert - que conheceu dois anos antes no Catrimani - e Zacquini a reboque, ela voltou para seu apartamento em São Paulo para trabalhar na mesa de luz. Lá, eles criaram a Comissão para a Criação do Parque Yanomami (hoje conhecida como Comissão Pró-Yanomami, ou CCPY), uma organização sem fins lucrativos que lideraria a luta pela proteção da terra Yanomami. Seu trabalho como fotógrafa agora se tornou mais ativista do que estético.

Claudia Andjujar fotografou povos Yanomami.  Foto: Claudia Andujar/IMS

Para os funcionários do governo, o nome de Andujar significava problemas. Davi Kopenawa, um respeitado líder Yanomami e xamã, quis saber o porquê. Assim, no início dos anos 1980, dirigiu-se à sede da comissão.

“Ela me contou a história da guerra em sua terra, onde sua família foi morta com tantas outras”, ele disse em entrevista. “Foi igualzinho ao que estava acontecendo aqui no Brasil, na nossa terra. Ela entendeu. Isso me fez confiar nela.”

Essa primeira conversa levou a uma amizade ao longo da vida. Os dois iniciaram juntos uma campanha mundial contra a destruição das terras Yanomami antes de um decreto presidencial declarar a demarcação do território em 1992, sete anos após o fim da ditadura militar.

Agora, 40 anos depois, eles estão em outra jornada juntos, desta vez através da “Luta Yanomami”.

A exposição itinerante reúne mais de 200 fotos de Andujar e cerca de 80 desenhos e pinturas de artistas Yanomami, incluindo Kopenawa, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, André Taniki, Orlando Naki uxima, Poraco Hiko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi, além novas obras em vídeo de cineastas Yanomami contemporâneos.

“Espero que espalhar nossos desenhos, nossas pinceladas, por todo o mundo, talvez faça as pessoas quererem nos proteger”, disse Yaira, cujo trabalho se concentra em mulheres cuidando de crianças, colhendo mandioca e lavando itens como panelas e redes . “Foi Claudia Andujar quem nos ajudou a ganhar visibilidade”, completou Yaira. “Ela é uma grande artista. É isso que torna a parceria entre nós tão boa. Se fossem só os artistas Yanomami fazendo isso, não seria a mesma coisa.”

Mas Andujar disse que osYanomami precisam ser ouvidos, não ela. E com um novo governo começando a fazer mudanças positivas para os povos indígenas, ela está cautelosamente otimista. Se tudo correr bem, talvez um dia as pessoas parem de recorrer a ela e comecem a ouvir os Yanomami. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Todas as noites, às 19h, a renomada fotógrafa Claudia Andujar senta-se à sua mesa, coloca os fones de ouvido e liga o computador.

Ela tem um encontro marcado pelo Skype com Carlo Zacquini, um missionário que conheceu há quase 50 anos, quando iniciou seu trabalho inovador com o povo Yanomami da Amazônia brasileira. Os dois, junto com o antropólogo Bruce Albert, trabalharam por décadas para ajudar o grupo indígena, cerca de 38 mil pessoas, a proteger suas terras, passando longos períodos de tempo em suas aldeias antes de voltar para o mesmo apartamento em que ela mora agora, com vista para a famosa Avenida Paulista em São Paulo.

Lá, em 1978, o trio sentou-se à mesa de luz ao lado das janelas de parede a parede na sala totalmente branca de Andujar e fez um plano. Repleto de negativos para seus próximos álbuns fotográficos, o local tornou-se a base de seu trabalho com os Yanomami que, 14 anos depois, levaria à demarcação do território indígena, na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, e sua proteção oficial sob uma lei federal.

Agora, enquanto o sol poente lança a última luz do dia através dessas mesmas janelas, a sala não abriga mais a agitação de antes, mas resquícios desse passado caótico ainda estão presentes. Os retratos íntimos dos Yanomami feitos por Andujar - um close do rosto de uma criança, outra flutuando na água azul brilhante, a curva de um pescoço e um ombro - estão pendurados nas paredes.

A fotógrafa analisa alguns de seus negativos em 35mm do rio Catrimani em 1974. Foto: Gabriela Portilho/The New York Times

Aos 91 anos, Andujar não pode mais fazer a árdua viagem à terra Yanomami, que já fez parte da longa lista de lugares que ela chamava de lar, por isso são as conversas noturnas com Zacquini, que ainda vive e trabalha ao lado deles, que a mantêm informada sobre os obstáculos que a comunidade enfrenta hoje. Por algum tempo, ela quis encontrar uma maneira de continuar a apoiá-los em sua luta, apesar dos milhares de quilômetros que agora os separam.

E ela conseguiu.

As fotos que ela fez décadas atrás voltaram a rodar o mundo, desta vez ao lado de obras de artistas Yanomami, em A Luta Yanomami, exposição organizada pela Fundação Cartier em Paris, Instituto Moreira Salles em São Paulo e o Shed em Manhattan, em parceria com as ONGs brasileiras Hutukara Associação Yanomami e Instituto Socioambiental. A exposição no Shed ocorre de 3 de fevereiro a 16 de abril, e Andujar espera que ela amplie as vozes Yanomami e leve outras pessoas a agir contra a tragédia que ainda se desenrola em sua terra.

Algumas das artes Yanomami e outras artes indígenas que ela recebeu ao longo dos anos - esculturas de barro e madeira; cestas tecidas; brincos e pulseiras feitos de miçangas, sementes, flores e pedras -estão envoltos em vidro. Outras estão expostas em prateleiras entre uma coleção de livros que representam uma vida inteira de trabalho em fotografia e ativismo na Amazônia. Fotos em preto e branco de Andujar e Zacquini de quando eram jovens, e uma colorida em que o cabelo de Zacquini ficou grisalho, estão entre os itens.

“Acho que minhas fotos ajudaram naquela época”, disse Andujar, “mas não resolveram nada. Ainda precisamos lutar.”

“Susi Korihana thëri, região de Catrimani,” 1972-74, impressão de pigmento mineral (de filme infravermelho). Foto: Claudia Andujar/IMS

Nascida Claudine Haas, Andujar foi criada na Transilvânia, na fronteira da Romênia com a Hungria, até os 9 anos, quando seus pais, um judeu húngaro e uma protestante suíça, se separaram. Quando ela tinha 13 anos, ela e sua mãe fugiram do Holocausto, voltando para sua terra natal, a Suíça. O pai de Andujar e a maior parte de sua família paterna foram enviados para o Gueto de Oradea na Transilvânia antes de serem deportados para Auschwitz na Polônia e Dachau na Alemanha, onde todos foram mortos. Foi um momento que moldaria seu ponto de vista e conduziria o resto de sua vida.

“Foi uma motivação muito forte pela sensibilidade dela e pela forma como ela se apaixonou pela luta dos Yanomami”, disse Albert. “As crianças sempre têm essa culpa inconsciente: ‘Eu poderia ter feito alguma coisa. Eu gostaria de ter feito alguma coisa.” Ajudar os Yanomami, ele disse, “foi uma segunda chance para ela proteger um povo do extermínio”.

Depois de paradas na Suíça e em Nova York, Andujar se estabeleceu no Brasil em 1955, onde pegou uma câmera pela primeira vez. Incapaz de falar português - a sua primeira língua é o francês - utilizou a fotografia para se comunicar com os que a rodeavam, e suas fotografias foram publicadas em revistas nacionais e internacionais, incluindo Life, Aperture e Realidade.

Foi somente na década de 1970 que ela fez sua primeira viagem à terra Yanomami, um território com o dobro do tamanho da Suíça. Ela decidiu em 1974 passar um ano inteiro morando na região do Catrimani. Mas seria um ano pouco ortodoxo para um fotógrafo. Durante esses 365 dias, ela não fotografou. Ela queria primeiro conhecer os Yanomami e que eles a conhecessem.

Durante o mesmo período, o Brasil estava em meio a uma ditadura militar de 21 anos. No início dos anos 70, o país iniciou um programa que abriu a Amazônia para mineração, extração de madeira e pecuária com a construção de uma vasta rede de estradas, incluindo uma que cortava o território Yanomami. O programa trouxe não apenas destruição ambiental, mas também uma série de doenças mortais às quais os Yanomami nunca haviam sido expostos.

Andujar voltaria com Zacquini em 1977 para cuidar dos sobreviventes de uma epidemia de sarampo que assolou as comunidades do Catrimani. Suas fotos dos Yanomami se tornariam uma poderosa ferramenta contra a exploração de suas terras. Tão poderosa, na verdade, que os militares a expulsariam.

Com Albert - que conheceu dois anos antes no Catrimani - e Zacquini a reboque, ela voltou para seu apartamento em São Paulo para trabalhar na mesa de luz. Lá, eles criaram a Comissão para a Criação do Parque Yanomami (hoje conhecida como Comissão Pró-Yanomami, ou CCPY), uma organização sem fins lucrativos que lideraria a luta pela proteção da terra Yanomami. Seu trabalho como fotógrafa agora se tornou mais ativista do que estético.

Claudia Andjujar fotografou povos Yanomami.  Foto: Claudia Andujar/IMS

Para os funcionários do governo, o nome de Andujar significava problemas. Davi Kopenawa, um respeitado líder Yanomami e xamã, quis saber o porquê. Assim, no início dos anos 1980, dirigiu-se à sede da comissão.

“Ela me contou a história da guerra em sua terra, onde sua família foi morta com tantas outras”, ele disse em entrevista. “Foi igualzinho ao que estava acontecendo aqui no Brasil, na nossa terra. Ela entendeu. Isso me fez confiar nela.”

Essa primeira conversa levou a uma amizade ao longo da vida. Os dois iniciaram juntos uma campanha mundial contra a destruição das terras Yanomami antes de um decreto presidencial declarar a demarcação do território em 1992, sete anos após o fim da ditadura militar.

Agora, 40 anos depois, eles estão em outra jornada juntos, desta vez através da “Luta Yanomami”.

A exposição itinerante reúne mais de 200 fotos de Andujar e cerca de 80 desenhos e pinturas de artistas Yanomami, incluindo Kopenawa, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, André Taniki, Orlando Naki uxima, Poraco Hiko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi, além novas obras em vídeo de cineastas Yanomami contemporâneos.

“Espero que espalhar nossos desenhos, nossas pinceladas, por todo o mundo, talvez faça as pessoas quererem nos proteger”, disse Yaira, cujo trabalho se concentra em mulheres cuidando de crianças, colhendo mandioca e lavando itens como panelas e redes . “Foi Claudia Andujar quem nos ajudou a ganhar visibilidade”, completou Yaira. “Ela é uma grande artista. É isso que torna a parceria entre nós tão boa. Se fossem só os artistas Yanomami fazendo isso, não seria a mesma coisa.”

Mas Andujar disse que osYanomami precisam ser ouvidos, não ela. E com um novo governo começando a fazer mudanças positivas para os povos indígenas, ela está cautelosamente otimista. Se tudo correr bem, talvez um dia as pessoas parem de recorrer a ela e comecem a ouvir os Yanomami. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Todas as noites, às 19h, a renomada fotógrafa Claudia Andujar senta-se à sua mesa, coloca os fones de ouvido e liga o computador.

Ela tem um encontro marcado pelo Skype com Carlo Zacquini, um missionário que conheceu há quase 50 anos, quando iniciou seu trabalho inovador com o povo Yanomami da Amazônia brasileira. Os dois, junto com o antropólogo Bruce Albert, trabalharam por décadas para ajudar o grupo indígena, cerca de 38 mil pessoas, a proteger suas terras, passando longos períodos de tempo em suas aldeias antes de voltar para o mesmo apartamento em que ela mora agora, com vista para a famosa Avenida Paulista em São Paulo.

Lá, em 1978, o trio sentou-se à mesa de luz ao lado das janelas de parede a parede na sala totalmente branca de Andujar e fez um plano. Repleto de negativos para seus próximos álbuns fotográficos, o local tornou-se a base de seu trabalho com os Yanomami que, 14 anos depois, levaria à demarcação do território indígena, na fronteira entre a Venezuela e o Brasil, e sua proteção oficial sob uma lei federal.

Agora, enquanto o sol poente lança a última luz do dia através dessas mesmas janelas, a sala não abriga mais a agitação de antes, mas resquícios desse passado caótico ainda estão presentes. Os retratos íntimos dos Yanomami feitos por Andujar - um close do rosto de uma criança, outra flutuando na água azul brilhante, a curva de um pescoço e um ombro - estão pendurados nas paredes.

A fotógrafa analisa alguns de seus negativos em 35mm do rio Catrimani em 1974. Foto: Gabriela Portilho/The New York Times

Aos 91 anos, Andujar não pode mais fazer a árdua viagem à terra Yanomami, que já fez parte da longa lista de lugares que ela chamava de lar, por isso são as conversas noturnas com Zacquini, que ainda vive e trabalha ao lado deles, que a mantêm informada sobre os obstáculos que a comunidade enfrenta hoje. Por algum tempo, ela quis encontrar uma maneira de continuar a apoiá-los em sua luta, apesar dos milhares de quilômetros que agora os separam.

E ela conseguiu.

As fotos que ela fez décadas atrás voltaram a rodar o mundo, desta vez ao lado de obras de artistas Yanomami, em A Luta Yanomami, exposição organizada pela Fundação Cartier em Paris, Instituto Moreira Salles em São Paulo e o Shed em Manhattan, em parceria com as ONGs brasileiras Hutukara Associação Yanomami e Instituto Socioambiental. A exposição no Shed ocorre de 3 de fevereiro a 16 de abril, e Andujar espera que ela amplie as vozes Yanomami e leve outras pessoas a agir contra a tragédia que ainda se desenrola em sua terra.

Algumas das artes Yanomami e outras artes indígenas que ela recebeu ao longo dos anos - esculturas de barro e madeira; cestas tecidas; brincos e pulseiras feitos de miçangas, sementes, flores e pedras -estão envoltos em vidro. Outras estão expostas em prateleiras entre uma coleção de livros que representam uma vida inteira de trabalho em fotografia e ativismo na Amazônia. Fotos em preto e branco de Andujar e Zacquini de quando eram jovens, e uma colorida em que o cabelo de Zacquini ficou grisalho, estão entre os itens.

“Acho que minhas fotos ajudaram naquela época”, disse Andujar, “mas não resolveram nada. Ainda precisamos lutar.”

“Susi Korihana thëri, região de Catrimani,” 1972-74, impressão de pigmento mineral (de filme infravermelho). Foto: Claudia Andujar/IMS

Nascida Claudine Haas, Andujar foi criada na Transilvânia, na fronteira da Romênia com a Hungria, até os 9 anos, quando seus pais, um judeu húngaro e uma protestante suíça, se separaram. Quando ela tinha 13 anos, ela e sua mãe fugiram do Holocausto, voltando para sua terra natal, a Suíça. O pai de Andujar e a maior parte de sua família paterna foram enviados para o Gueto de Oradea na Transilvânia antes de serem deportados para Auschwitz na Polônia e Dachau na Alemanha, onde todos foram mortos. Foi um momento que moldaria seu ponto de vista e conduziria o resto de sua vida.

“Foi uma motivação muito forte pela sensibilidade dela e pela forma como ela se apaixonou pela luta dos Yanomami”, disse Albert. “As crianças sempre têm essa culpa inconsciente: ‘Eu poderia ter feito alguma coisa. Eu gostaria de ter feito alguma coisa.” Ajudar os Yanomami, ele disse, “foi uma segunda chance para ela proteger um povo do extermínio”.

Depois de paradas na Suíça e em Nova York, Andujar se estabeleceu no Brasil em 1955, onde pegou uma câmera pela primeira vez. Incapaz de falar português - a sua primeira língua é o francês - utilizou a fotografia para se comunicar com os que a rodeavam, e suas fotografias foram publicadas em revistas nacionais e internacionais, incluindo Life, Aperture e Realidade.

Foi somente na década de 1970 que ela fez sua primeira viagem à terra Yanomami, um território com o dobro do tamanho da Suíça. Ela decidiu em 1974 passar um ano inteiro morando na região do Catrimani. Mas seria um ano pouco ortodoxo para um fotógrafo. Durante esses 365 dias, ela não fotografou. Ela queria primeiro conhecer os Yanomami e que eles a conhecessem.

Durante o mesmo período, o Brasil estava em meio a uma ditadura militar de 21 anos. No início dos anos 70, o país iniciou um programa que abriu a Amazônia para mineração, extração de madeira e pecuária com a construção de uma vasta rede de estradas, incluindo uma que cortava o território Yanomami. O programa trouxe não apenas destruição ambiental, mas também uma série de doenças mortais às quais os Yanomami nunca haviam sido expostos.

Andujar voltaria com Zacquini em 1977 para cuidar dos sobreviventes de uma epidemia de sarampo que assolou as comunidades do Catrimani. Suas fotos dos Yanomami se tornariam uma poderosa ferramenta contra a exploração de suas terras. Tão poderosa, na verdade, que os militares a expulsariam.

Com Albert - que conheceu dois anos antes no Catrimani - e Zacquini a reboque, ela voltou para seu apartamento em São Paulo para trabalhar na mesa de luz. Lá, eles criaram a Comissão para a Criação do Parque Yanomami (hoje conhecida como Comissão Pró-Yanomami, ou CCPY), uma organização sem fins lucrativos que lideraria a luta pela proteção da terra Yanomami. Seu trabalho como fotógrafa agora se tornou mais ativista do que estético.

Claudia Andjujar fotografou povos Yanomami.  Foto: Claudia Andujar/IMS

Para os funcionários do governo, o nome de Andujar significava problemas. Davi Kopenawa, um respeitado líder Yanomami e xamã, quis saber o porquê. Assim, no início dos anos 1980, dirigiu-se à sede da comissão.

“Ela me contou a história da guerra em sua terra, onde sua família foi morta com tantas outras”, ele disse em entrevista. “Foi igualzinho ao que estava acontecendo aqui no Brasil, na nossa terra. Ela entendeu. Isso me fez confiar nela.”

Essa primeira conversa levou a uma amizade ao longo da vida. Os dois iniciaram juntos uma campanha mundial contra a destruição das terras Yanomami antes de um decreto presidencial declarar a demarcação do território em 1992, sete anos após o fim da ditadura militar.

Agora, 40 anos depois, eles estão em outra jornada juntos, desta vez através da “Luta Yanomami”.

A exposição itinerante reúne mais de 200 fotos de Andujar e cerca de 80 desenhos e pinturas de artistas Yanomami, incluindo Kopenawa, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, André Taniki, Orlando Naki uxima, Poraco Hiko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi, além novas obras em vídeo de cineastas Yanomami contemporâneos.

“Espero que espalhar nossos desenhos, nossas pinceladas, por todo o mundo, talvez faça as pessoas quererem nos proteger”, disse Yaira, cujo trabalho se concentra em mulheres cuidando de crianças, colhendo mandioca e lavando itens como panelas e redes . “Foi Claudia Andujar quem nos ajudou a ganhar visibilidade”, completou Yaira. “Ela é uma grande artista. É isso que torna a parceria entre nós tão boa. Se fossem só os artistas Yanomami fazendo isso, não seria a mesma coisa.”

Mas Andujar disse que osYanomami precisam ser ouvidos, não ela. E com um novo governo começando a fazer mudanças positivas para os povos indígenas, ela está cautelosamente otimista. Se tudo correr bem, talvez um dia as pessoas parem de recorrer a ela e comecem a ouvir os Yanomami. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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