‘Uber do interior’: Aplicativos de mobilidade regionais ganham as ruas em cidades do Brasil


Em municípios com menos de 500 mil habitantes, usar um carro de aplicativo significa ir além da competição entre Uber e 99

Por Bruno Capelas

ESPECIAL PARA O ‘ESTADO’/PORTO VELHO - O viajante que chega a Porto Velho e busca se movimentar pela cidade pode ter alguma dificuldade para conseguir um carro por aplicativo se usar as opções mais comuns nas grandes capitais. “Aqui é Urbano Norte, moço”, ouvirá o turista ao pedir ajuda em um hotel, restaurante ou no aeroporto — e, com atores diferentes, a cena se repete em várias cidades do interior. Com taxas mais atrativas para motoristas e atendimento personalizado, uma multidão de apps “locais” têm ganhado espaço no País, em uma espécie de “Série B” do transporte de passageiros.

Em Porto Velho, que conta com 540 mil habitantes, é bastante comum esperar mais de 10 minutos para conseguir um Uber ou 99. Já ao pedir um carro pelo Urbano Norte, esse período não foi de mais que 3 minutos, em testes feitos pela reportagem no início de maio. Um dos motivos para isso é a alta proporção de motoristas que fazem corridas pelo aplicativo local – muitos deles, atraídos por uma condição especial do serviço: a assinatura mensal.

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No Urbano Norte, o motorista paga apenas uma mensalidade de R$ 300, não importa o quanto fature com suas viagens – a 99 cobra uma taxa fixa de cerca de 20% da maioria dos parceiros, enquanto na Uber esse percentual varia de 15% a 40%. “Eu até tenho os outros aplicativos, mas nem ligo muito. Aqui as viagens são curtas, no máximo R$ 10, então quando desconta a gasolina e a taxa, nem compensa”, diz o motorista Ozeias Vidal.

Além da taxa, quem quiser prestar serviço precisa ter carteira de habilitação com EAR (“exerce atividade remunerada”), passar por avaliação do veículo e aguardar na fila, uma vez que a companhia faz controle do número de condutores para evitar desequilíbrios no marketplace. Já para os passageiros, o pagamento pode ser feito em cartão, dinheiro ou Pix – com os valores caindo diretamente na conta do motorista, sem passar pela empresa.

A assinatura é também citada como fator que ajuda os condutores a ter jornadas menos extenuantes. “Eu só trabalho em horário de pico, no começo da manhã e no final da tarde. Rodo há quatro anos, já me ofereceram trabalho fixo, mas não compensa financeiramente”, complementa Pedro Melo de Freitas Júnior, que também dirige em Porto Velho após largar duas faculdades.

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Segundo Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte, a média de faturamento mensal de um condutor gira em torno de R$ 5 mil. “Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”, complementa o executivo, que lidera a empresa desde o final de 2019, um ano após a fundação do serviço.

Para Cahulla, outro motivo que ajuda na popularidade do app na capital de Rondônia é a identificação local – não à toa, o lema da Urbano Norte é “orgulho de estar aqui”. Mas não é só em Porto Velho que a companhia atua: atualmente, a empresa está presente em mais de 100 cidades, com um corpo de 25 mil motoristas e uma média de 2,5 milhões de viagens todos os meses.

Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”

Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte

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De Norte a Sul

Histórias semelhantes às do Urbano Norte se espalham pelo Brasil – entre elas, estão a do Ubizcar e a do Chofer46, outros dois apps bastante populares. O primeiro nasceu em Parnaíba (PI) e já está presente em mais de 10 Estados, com 44 cidades diferentes e presença forte no interior mineiro; já o segundo começou no interior do Paraná, como evidencia o número de DDD que identifica o app, mas também já está disponível em Santa Catarina.

Em comum, ambos também têm o controle do número de condutores e a expansão por franquias – empresários interessados em cuidar de uma região específica podem licenciar a marca dos dois serviços e aproveitar sua plataforma de tecnologia. Além disso, os dois nasceram da insatisfação de motoristas e usuários com a queda na qualidade de serviço das plataformas tradicionais.

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“O Uber começou com um padrão, mas foi se perdendo. Nós resgatamos isso: todos os nossos parceiros recebem um kit com camiseta personalizada, adesivos para o veículo e balinhas para os passageiros”, conta o CEO da Ubizcar, Alécio Cavalcante. Segundo ele, apesar da expansão por franquias, o crescimento da empresa é cauteloso. “Antes de expandir, vamos na cidade presencialmente e conversamos com os motoristas para entender se temos liga naquele local. É um trabalho corpo a corpo”, afirma o executivo.

Autoapelidada como “Uber das cidadezinhas”, a empresa tem 600 mil passageiros e 7 mil motoristas em sua rede, que rodam serviços de transporte de passageiros, entregas e até mesmo de city tour – modalidade em testes em Poços de Caldas (MG), com condutores levando passageiros a destinos turísticos na região, em regime de pagamento por hora. A Ubizcar fatura com os condutores de dois jeitos: em cidades menores, é cobrada uma taxa de 15% dos parceiros; já em municípios de médio porte, é considerada uma taxa fixa por corrida, que varia de R$ 1,50 a R$ 2, dependendo do local. A empresa também pede exclusividade a quem dirige.

Já a Chofer46 , conta com 750 condutores e também usa o sistema da taxa fixa para atrair motoristas. “Nós éramos a turma da noite, um grupo de amigos, e estávamos cansados de dar muito dinheiro pro sistema”, comenta o ngelo Toniazzo, sócio-fundador da Chofer46, fundada em 2019 por ele e outros três colegas motoristas de Francisco Beltrão (PR), a 500 km de Curitiba. Um pequeno percentual deles está na capital do Paraná, onde o Chofer46 chegou há quatro meses, por meio de um franqueado. “Estamos na cara e na coragem: com muito trabalho e convencimento dos motoristas, podemos ter um resultado legal daqui a um ano”, diz Toniazzo.

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Plataforma

Nenhum dos executivos à frente dos aplicativos da “Série B” é exatamente um ás da tecnologia. Nem precisa: Urbano Norte, Ubizcar e Chofer46, entre muitos outros serviços, utilizam o mesmo software como base – o Machine, feito pela startup carioca Gaudium. Fundada em 2011 como fábrica de software por dois desenvolvedores, o cearense Bruno Muniz e o carioca Ricardo Góes, a empresa criou o sistema em 2013 para atender cooperativas de táxi que queriam fazer frente a 99 e EasyTaxi. Com o tempo, o Machine evoluiu para permitir corridas de aplicativo, entregas e até mesmo sofisticações – entre os módulos mais populares do sistema, estão uma versão com veículos “premium” e outra que permite apenas viagens com mulheres à frente do volante.

Bruno Muniz e Ricardo Góes são os fundadores da Gaudium  Foto: Helon Gomes/Gaudium
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“Estamos em mais de 1,4 mil cidades, com cerca de 800 aplicativos e uma rede de 110 mil motoristas ativos”, diz o executivo da Gaudium, que afirma intermediar cerca de R$ 1 bilhão em corridas por ano – já o faturamento anual da empresa gira em torno de R$ 30 milhões, em franco crescimento.

Para Muniz, um dos motivos que ajuda sua companhia e seus clientes é o Pix: afinal de contas, em um mercado que é preciso capital de giro para abastecer, ter dinheiro na mão faz a diferença. Outro fator que dá vantagem aos apps “locais”, segundo o executivo, é a proximidade das plataformas com os condutores. “O motorista gosta de ter contato, falar com o dono, e não se consegue isso com Uber e 99″, diz. Procurado pelo Estadão, o Uber preferiu não comentar a reportagem. Já a 99 não respondeu às solicitações a tempo do fechamento dessa matéria.

Regulação

Na visão de Sérgio Avelleda, coordenador do núcleo de mobilidade urbana do ArqFuturo do Insper e ex-secretário de transportes da cidade de São Paulo, a existência desses apps é uma aula de economia. “Não existe vazio no mercado: se empresas grandes precisam de escala para operar e justificar sua estrutura, há quem consiga ocupar esses espaços – ainda mais em municípios em que há buracos na oferta de transporte público”, diz o especialista em mobilidade.

Na visão de Avelleda, a expansão dos apps de mobilidade pelo país é bem-vinda, mas demanda atenção das prefeituras do interior do Brasil para regular os sistemas, da mesma forma que aconteceu nas grandes capitais há alguns anos.

“É preciso ficar atento para que os aplicativos não canibalizem a oferta de transporte público, nem aumentem a emissão de CO2 nas cidades pequenas, especialmente se rodarem vazios”, diz o pesquisador do Insper. Para ele, é importante estabelecer um modelo de cobrança progressiva pelo uso da infraestrutura urbana, como acontece hoje em São Paulo. “Na medida que o app faz dinheiro usando infraestrutura paga pelos contribuintes, é importante ter essa retribuição, se possível para financiar o transporte público local.”

ESPECIAL PARA O ‘ESTADO’/PORTO VELHO - O viajante que chega a Porto Velho e busca se movimentar pela cidade pode ter alguma dificuldade para conseguir um carro por aplicativo se usar as opções mais comuns nas grandes capitais. “Aqui é Urbano Norte, moço”, ouvirá o turista ao pedir ajuda em um hotel, restaurante ou no aeroporto — e, com atores diferentes, a cena se repete em várias cidades do interior. Com taxas mais atrativas para motoristas e atendimento personalizado, uma multidão de apps “locais” têm ganhado espaço no País, em uma espécie de “Série B” do transporte de passageiros.

Em Porto Velho, que conta com 540 mil habitantes, é bastante comum esperar mais de 10 minutos para conseguir um Uber ou 99. Já ao pedir um carro pelo Urbano Norte, esse período não foi de mais que 3 minutos, em testes feitos pela reportagem no início de maio. Um dos motivos para isso é a alta proporção de motoristas que fazem corridas pelo aplicativo local – muitos deles, atraídos por uma condição especial do serviço: a assinatura mensal.

No Urbano Norte, o motorista paga apenas uma mensalidade de R$ 300, não importa o quanto fature com suas viagens – a 99 cobra uma taxa fixa de cerca de 20% da maioria dos parceiros, enquanto na Uber esse percentual varia de 15% a 40%. “Eu até tenho os outros aplicativos, mas nem ligo muito. Aqui as viagens são curtas, no máximo R$ 10, então quando desconta a gasolina e a taxa, nem compensa”, diz o motorista Ozeias Vidal.

Além da taxa, quem quiser prestar serviço precisa ter carteira de habilitação com EAR (“exerce atividade remunerada”), passar por avaliação do veículo e aguardar na fila, uma vez que a companhia faz controle do número de condutores para evitar desequilíbrios no marketplace. Já para os passageiros, o pagamento pode ser feito em cartão, dinheiro ou Pix – com os valores caindo diretamente na conta do motorista, sem passar pela empresa.

A assinatura é também citada como fator que ajuda os condutores a ter jornadas menos extenuantes. “Eu só trabalho em horário de pico, no começo da manhã e no final da tarde. Rodo há quatro anos, já me ofereceram trabalho fixo, mas não compensa financeiramente”, complementa Pedro Melo de Freitas Júnior, que também dirige em Porto Velho após largar duas faculdades.

Segundo Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte, a média de faturamento mensal de um condutor gira em torno de R$ 5 mil. “Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”, complementa o executivo, que lidera a empresa desde o final de 2019, um ano após a fundação do serviço.

Para Cahulla, outro motivo que ajuda na popularidade do app na capital de Rondônia é a identificação local – não à toa, o lema da Urbano Norte é “orgulho de estar aqui”. Mas não é só em Porto Velho que a companhia atua: atualmente, a empresa está presente em mais de 100 cidades, com um corpo de 25 mil motoristas e uma média de 2,5 milhões de viagens todos os meses.

Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”

Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte

De Norte a Sul

Histórias semelhantes às do Urbano Norte se espalham pelo Brasil – entre elas, estão a do Ubizcar e a do Chofer46, outros dois apps bastante populares. O primeiro nasceu em Parnaíba (PI) e já está presente em mais de 10 Estados, com 44 cidades diferentes e presença forte no interior mineiro; já o segundo começou no interior do Paraná, como evidencia o número de DDD que identifica o app, mas também já está disponível em Santa Catarina.

Em comum, ambos também têm o controle do número de condutores e a expansão por franquias – empresários interessados em cuidar de uma região específica podem licenciar a marca dos dois serviços e aproveitar sua plataforma de tecnologia. Além disso, os dois nasceram da insatisfação de motoristas e usuários com a queda na qualidade de serviço das plataformas tradicionais.

“O Uber começou com um padrão, mas foi se perdendo. Nós resgatamos isso: todos os nossos parceiros recebem um kit com camiseta personalizada, adesivos para o veículo e balinhas para os passageiros”, conta o CEO da Ubizcar, Alécio Cavalcante. Segundo ele, apesar da expansão por franquias, o crescimento da empresa é cauteloso. “Antes de expandir, vamos na cidade presencialmente e conversamos com os motoristas para entender se temos liga naquele local. É um trabalho corpo a corpo”, afirma o executivo.

Autoapelidada como “Uber das cidadezinhas”, a empresa tem 600 mil passageiros e 7 mil motoristas em sua rede, que rodam serviços de transporte de passageiros, entregas e até mesmo de city tour – modalidade em testes em Poços de Caldas (MG), com condutores levando passageiros a destinos turísticos na região, em regime de pagamento por hora. A Ubizcar fatura com os condutores de dois jeitos: em cidades menores, é cobrada uma taxa de 15% dos parceiros; já em municípios de médio porte, é considerada uma taxa fixa por corrida, que varia de R$ 1,50 a R$ 2, dependendo do local. A empresa também pede exclusividade a quem dirige.

Já a Chofer46 , conta com 750 condutores e também usa o sistema da taxa fixa para atrair motoristas. “Nós éramos a turma da noite, um grupo de amigos, e estávamos cansados de dar muito dinheiro pro sistema”, comenta o ngelo Toniazzo, sócio-fundador da Chofer46, fundada em 2019 por ele e outros três colegas motoristas de Francisco Beltrão (PR), a 500 km de Curitiba. Um pequeno percentual deles está na capital do Paraná, onde o Chofer46 chegou há quatro meses, por meio de um franqueado. “Estamos na cara e na coragem: com muito trabalho e convencimento dos motoristas, podemos ter um resultado legal daqui a um ano”, diz Toniazzo.

Plataforma

Nenhum dos executivos à frente dos aplicativos da “Série B” é exatamente um ás da tecnologia. Nem precisa: Urbano Norte, Ubizcar e Chofer46, entre muitos outros serviços, utilizam o mesmo software como base – o Machine, feito pela startup carioca Gaudium. Fundada em 2011 como fábrica de software por dois desenvolvedores, o cearense Bruno Muniz e o carioca Ricardo Góes, a empresa criou o sistema em 2013 para atender cooperativas de táxi que queriam fazer frente a 99 e EasyTaxi. Com o tempo, o Machine evoluiu para permitir corridas de aplicativo, entregas e até mesmo sofisticações – entre os módulos mais populares do sistema, estão uma versão com veículos “premium” e outra que permite apenas viagens com mulheres à frente do volante.

Bruno Muniz e Ricardo Góes são os fundadores da Gaudium  Foto: Helon Gomes/Gaudium

“Estamos em mais de 1,4 mil cidades, com cerca de 800 aplicativos e uma rede de 110 mil motoristas ativos”, diz o executivo da Gaudium, que afirma intermediar cerca de R$ 1 bilhão em corridas por ano – já o faturamento anual da empresa gira em torno de R$ 30 milhões, em franco crescimento.

Para Muniz, um dos motivos que ajuda sua companhia e seus clientes é o Pix: afinal de contas, em um mercado que é preciso capital de giro para abastecer, ter dinheiro na mão faz a diferença. Outro fator que dá vantagem aos apps “locais”, segundo o executivo, é a proximidade das plataformas com os condutores. “O motorista gosta de ter contato, falar com o dono, e não se consegue isso com Uber e 99″, diz. Procurado pelo Estadão, o Uber preferiu não comentar a reportagem. Já a 99 não respondeu às solicitações a tempo do fechamento dessa matéria.

Regulação

Na visão de Sérgio Avelleda, coordenador do núcleo de mobilidade urbana do ArqFuturo do Insper e ex-secretário de transportes da cidade de São Paulo, a existência desses apps é uma aula de economia. “Não existe vazio no mercado: se empresas grandes precisam de escala para operar e justificar sua estrutura, há quem consiga ocupar esses espaços – ainda mais em municípios em que há buracos na oferta de transporte público”, diz o especialista em mobilidade.

Na visão de Avelleda, a expansão dos apps de mobilidade pelo país é bem-vinda, mas demanda atenção das prefeituras do interior do Brasil para regular os sistemas, da mesma forma que aconteceu nas grandes capitais há alguns anos.

“É preciso ficar atento para que os aplicativos não canibalizem a oferta de transporte público, nem aumentem a emissão de CO2 nas cidades pequenas, especialmente se rodarem vazios”, diz o pesquisador do Insper. Para ele, é importante estabelecer um modelo de cobrança progressiva pelo uso da infraestrutura urbana, como acontece hoje em São Paulo. “Na medida que o app faz dinheiro usando infraestrutura paga pelos contribuintes, é importante ter essa retribuição, se possível para financiar o transporte público local.”

ESPECIAL PARA O ‘ESTADO’/PORTO VELHO - O viajante que chega a Porto Velho e busca se movimentar pela cidade pode ter alguma dificuldade para conseguir um carro por aplicativo se usar as opções mais comuns nas grandes capitais. “Aqui é Urbano Norte, moço”, ouvirá o turista ao pedir ajuda em um hotel, restaurante ou no aeroporto — e, com atores diferentes, a cena se repete em várias cidades do interior. Com taxas mais atrativas para motoristas e atendimento personalizado, uma multidão de apps “locais” têm ganhado espaço no País, em uma espécie de “Série B” do transporte de passageiros.

Em Porto Velho, que conta com 540 mil habitantes, é bastante comum esperar mais de 10 minutos para conseguir um Uber ou 99. Já ao pedir um carro pelo Urbano Norte, esse período não foi de mais que 3 minutos, em testes feitos pela reportagem no início de maio. Um dos motivos para isso é a alta proporção de motoristas que fazem corridas pelo aplicativo local – muitos deles, atraídos por uma condição especial do serviço: a assinatura mensal.

No Urbano Norte, o motorista paga apenas uma mensalidade de R$ 300, não importa o quanto fature com suas viagens – a 99 cobra uma taxa fixa de cerca de 20% da maioria dos parceiros, enquanto na Uber esse percentual varia de 15% a 40%. “Eu até tenho os outros aplicativos, mas nem ligo muito. Aqui as viagens são curtas, no máximo R$ 10, então quando desconta a gasolina e a taxa, nem compensa”, diz o motorista Ozeias Vidal.

Além da taxa, quem quiser prestar serviço precisa ter carteira de habilitação com EAR (“exerce atividade remunerada”), passar por avaliação do veículo e aguardar na fila, uma vez que a companhia faz controle do número de condutores para evitar desequilíbrios no marketplace. Já para os passageiros, o pagamento pode ser feito em cartão, dinheiro ou Pix – com os valores caindo diretamente na conta do motorista, sem passar pela empresa.

A assinatura é também citada como fator que ajuda os condutores a ter jornadas menos extenuantes. “Eu só trabalho em horário de pico, no começo da manhã e no final da tarde. Rodo há quatro anos, já me ofereceram trabalho fixo, mas não compensa financeiramente”, complementa Pedro Melo de Freitas Júnior, que também dirige em Porto Velho após largar duas faculdades.

Segundo Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte, a média de faturamento mensal de um condutor gira em torno de R$ 5 mil. “Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”, complementa o executivo, que lidera a empresa desde o final de 2019, um ano após a fundação do serviço.

Para Cahulla, outro motivo que ajuda na popularidade do app na capital de Rondônia é a identificação local – não à toa, o lema da Urbano Norte é “orgulho de estar aqui”. Mas não é só em Porto Velho que a companhia atua: atualmente, a empresa está presente em mais de 100 cidades, com um corpo de 25 mil motoristas e uma média de 2,5 milhões de viagens todos os meses.

Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”

Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte

De Norte a Sul

Histórias semelhantes às do Urbano Norte se espalham pelo Brasil – entre elas, estão a do Ubizcar e a do Chofer46, outros dois apps bastante populares. O primeiro nasceu em Parnaíba (PI) e já está presente em mais de 10 Estados, com 44 cidades diferentes e presença forte no interior mineiro; já o segundo começou no interior do Paraná, como evidencia o número de DDD que identifica o app, mas também já está disponível em Santa Catarina.

Em comum, ambos também têm o controle do número de condutores e a expansão por franquias – empresários interessados em cuidar de uma região específica podem licenciar a marca dos dois serviços e aproveitar sua plataforma de tecnologia. Além disso, os dois nasceram da insatisfação de motoristas e usuários com a queda na qualidade de serviço das plataformas tradicionais.

“O Uber começou com um padrão, mas foi se perdendo. Nós resgatamos isso: todos os nossos parceiros recebem um kit com camiseta personalizada, adesivos para o veículo e balinhas para os passageiros”, conta o CEO da Ubizcar, Alécio Cavalcante. Segundo ele, apesar da expansão por franquias, o crescimento da empresa é cauteloso. “Antes de expandir, vamos na cidade presencialmente e conversamos com os motoristas para entender se temos liga naquele local. É um trabalho corpo a corpo”, afirma o executivo.

Autoapelidada como “Uber das cidadezinhas”, a empresa tem 600 mil passageiros e 7 mil motoristas em sua rede, que rodam serviços de transporte de passageiros, entregas e até mesmo de city tour – modalidade em testes em Poços de Caldas (MG), com condutores levando passageiros a destinos turísticos na região, em regime de pagamento por hora. A Ubizcar fatura com os condutores de dois jeitos: em cidades menores, é cobrada uma taxa de 15% dos parceiros; já em municípios de médio porte, é considerada uma taxa fixa por corrida, que varia de R$ 1,50 a R$ 2, dependendo do local. A empresa também pede exclusividade a quem dirige.

Já a Chofer46 , conta com 750 condutores e também usa o sistema da taxa fixa para atrair motoristas. “Nós éramos a turma da noite, um grupo de amigos, e estávamos cansados de dar muito dinheiro pro sistema”, comenta o ngelo Toniazzo, sócio-fundador da Chofer46, fundada em 2019 por ele e outros três colegas motoristas de Francisco Beltrão (PR), a 500 km de Curitiba. Um pequeno percentual deles está na capital do Paraná, onde o Chofer46 chegou há quatro meses, por meio de um franqueado. “Estamos na cara e na coragem: com muito trabalho e convencimento dos motoristas, podemos ter um resultado legal daqui a um ano”, diz Toniazzo.

Plataforma

Nenhum dos executivos à frente dos aplicativos da “Série B” é exatamente um ás da tecnologia. Nem precisa: Urbano Norte, Ubizcar e Chofer46, entre muitos outros serviços, utilizam o mesmo software como base – o Machine, feito pela startup carioca Gaudium. Fundada em 2011 como fábrica de software por dois desenvolvedores, o cearense Bruno Muniz e o carioca Ricardo Góes, a empresa criou o sistema em 2013 para atender cooperativas de táxi que queriam fazer frente a 99 e EasyTaxi. Com o tempo, o Machine evoluiu para permitir corridas de aplicativo, entregas e até mesmo sofisticações – entre os módulos mais populares do sistema, estão uma versão com veículos “premium” e outra que permite apenas viagens com mulheres à frente do volante.

Bruno Muniz e Ricardo Góes são os fundadores da Gaudium  Foto: Helon Gomes/Gaudium

“Estamos em mais de 1,4 mil cidades, com cerca de 800 aplicativos e uma rede de 110 mil motoristas ativos”, diz o executivo da Gaudium, que afirma intermediar cerca de R$ 1 bilhão em corridas por ano – já o faturamento anual da empresa gira em torno de R$ 30 milhões, em franco crescimento.

Para Muniz, um dos motivos que ajuda sua companhia e seus clientes é o Pix: afinal de contas, em um mercado que é preciso capital de giro para abastecer, ter dinheiro na mão faz a diferença. Outro fator que dá vantagem aos apps “locais”, segundo o executivo, é a proximidade das plataformas com os condutores. “O motorista gosta de ter contato, falar com o dono, e não se consegue isso com Uber e 99″, diz. Procurado pelo Estadão, o Uber preferiu não comentar a reportagem. Já a 99 não respondeu às solicitações a tempo do fechamento dessa matéria.

Regulação

Na visão de Sérgio Avelleda, coordenador do núcleo de mobilidade urbana do ArqFuturo do Insper e ex-secretário de transportes da cidade de São Paulo, a existência desses apps é uma aula de economia. “Não existe vazio no mercado: se empresas grandes precisam de escala para operar e justificar sua estrutura, há quem consiga ocupar esses espaços – ainda mais em municípios em que há buracos na oferta de transporte público”, diz o especialista em mobilidade.

Na visão de Avelleda, a expansão dos apps de mobilidade pelo país é bem-vinda, mas demanda atenção das prefeituras do interior do Brasil para regular os sistemas, da mesma forma que aconteceu nas grandes capitais há alguns anos.

“É preciso ficar atento para que os aplicativos não canibalizem a oferta de transporte público, nem aumentem a emissão de CO2 nas cidades pequenas, especialmente se rodarem vazios”, diz o pesquisador do Insper. Para ele, é importante estabelecer um modelo de cobrança progressiva pelo uso da infraestrutura urbana, como acontece hoje em São Paulo. “Na medida que o app faz dinheiro usando infraestrutura paga pelos contribuintes, é importante ter essa retribuição, se possível para financiar o transporte público local.”

ESPECIAL PARA O ‘ESTADO’/PORTO VELHO - O viajante que chega a Porto Velho e busca se movimentar pela cidade pode ter alguma dificuldade para conseguir um carro por aplicativo se usar as opções mais comuns nas grandes capitais. “Aqui é Urbano Norte, moço”, ouvirá o turista ao pedir ajuda em um hotel, restaurante ou no aeroporto — e, com atores diferentes, a cena se repete em várias cidades do interior. Com taxas mais atrativas para motoristas e atendimento personalizado, uma multidão de apps “locais” têm ganhado espaço no País, em uma espécie de “Série B” do transporte de passageiros.

Em Porto Velho, que conta com 540 mil habitantes, é bastante comum esperar mais de 10 minutos para conseguir um Uber ou 99. Já ao pedir um carro pelo Urbano Norte, esse período não foi de mais que 3 minutos, em testes feitos pela reportagem no início de maio. Um dos motivos para isso é a alta proporção de motoristas que fazem corridas pelo aplicativo local – muitos deles, atraídos por uma condição especial do serviço: a assinatura mensal.

No Urbano Norte, o motorista paga apenas uma mensalidade de R$ 300, não importa o quanto fature com suas viagens – a 99 cobra uma taxa fixa de cerca de 20% da maioria dos parceiros, enquanto na Uber esse percentual varia de 15% a 40%. “Eu até tenho os outros aplicativos, mas nem ligo muito. Aqui as viagens são curtas, no máximo R$ 10, então quando desconta a gasolina e a taxa, nem compensa”, diz o motorista Ozeias Vidal.

Além da taxa, quem quiser prestar serviço precisa ter carteira de habilitação com EAR (“exerce atividade remunerada”), passar por avaliação do veículo e aguardar na fila, uma vez que a companhia faz controle do número de condutores para evitar desequilíbrios no marketplace. Já para os passageiros, o pagamento pode ser feito em cartão, dinheiro ou Pix – com os valores caindo diretamente na conta do motorista, sem passar pela empresa.

A assinatura é também citada como fator que ajuda os condutores a ter jornadas menos extenuantes. “Eu só trabalho em horário de pico, no começo da manhã e no final da tarde. Rodo há quatro anos, já me ofereceram trabalho fixo, mas não compensa financeiramente”, complementa Pedro Melo de Freitas Júnior, que também dirige em Porto Velho após largar duas faculdades.

Segundo Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte, a média de faturamento mensal de um condutor gira em torno de R$ 5 mil. “Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”, complementa o executivo, que lidera a empresa desde o final de 2019, um ano após a fundação do serviço.

Para Cahulla, outro motivo que ajuda na popularidade do app na capital de Rondônia é a identificação local – não à toa, o lema da Urbano Norte é “orgulho de estar aqui”. Mas não é só em Porto Velho que a companhia atua: atualmente, a empresa está presente em mais de 100 cidades, com um corpo de 25 mil motoristas e uma média de 2,5 milhões de viagens todos os meses.

Ninguém tem o sonho de virar motorista de aplicativo, muitas vezes são pessoas que começam a dirigir com a vida desregulada, então é muito bom ajudar as pessoas com nosso trabalho”

Pascoal Cahulla, CEO da Urbano Norte

De Norte a Sul

Histórias semelhantes às do Urbano Norte se espalham pelo Brasil – entre elas, estão a do Ubizcar e a do Chofer46, outros dois apps bastante populares. O primeiro nasceu em Parnaíba (PI) e já está presente em mais de 10 Estados, com 44 cidades diferentes e presença forte no interior mineiro; já o segundo começou no interior do Paraná, como evidencia o número de DDD que identifica o app, mas também já está disponível em Santa Catarina.

Em comum, ambos também têm o controle do número de condutores e a expansão por franquias – empresários interessados em cuidar de uma região específica podem licenciar a marca dos dois serviços e aproveitar sua plataforma de tecnologia. Além disso, os dois nasceram da insatisfação de motoristas e usuários com a queda na qualidade de serviço das plataformas tradicionais.

“O Uber começou com um padrão, mas foi se perdendo. Nós resgatamos isso: todos os nossos parceiros recebem um kit com camiseta personalizada, adesivos para o veículo e balinhas para os passageiros”, conta o CEO da Ubizcar, Alécio Cavalcante. Segundo ele, apesar da expansão por franquias, o crescimento da empresa é cauteloso. “Antes de expandir, vamos na cidade presencialmente e conversamos com os motoristas para entender se temos liga naquele local. É um trabalho corpo a corpo”, afirma o executivo.

Autoapelidada como “Uber das cidadezinhas”, a empresa tem 600 mil passageiros e 7 mil motoristas em sua rede, que rodam serviços de transporte de passageiros, entregas e até mesmo de city tour – modalidade em testes em Poços de Caldas (MG), com condutores levando passageiros a destinos turísticos na região, em regime de pagamento por hora. A Ubizcar fatura com os condutores de dois jeitos: em cidades menores, é cobrada uma taxa de 15% dos parceiros; já em municípios de médio porte, é considerada uma taxa fixa por corrida, que varia de R$ 1,50 a R$ 2, dependendo do local. A empresa também pede exclusividade a quem dirige.

Já a Chofer46 , conta com 750 condutores e também usa o sistema da taxa fixa para atrair motoristas. “Nós éramos a turma da noite, um grupo de amigos, e estávamos cansados de dar muito dinheiro pro sistema”, comenta o ngelo Toniazzo, sócio-fundador da Chofer46, fundada em 2019 por ele e outros três colegas motoristas de Francisco Beltrão (PR), a 500 km de Curitiba. Um pequeno percentual deles está na capital do Paraná, onde o Chofer46 chegou há quatro meses, por meio de um franqueado. “Estamos na cara e na coragem: com muito trabalho e convencimento dos motoristas, podemos ter um resultado legal daqui a um ano”, diz Toniazzo.

Plataforma

Nenhum dos executivos à frente dos aplicativos da “Série B” é exatamente um ás da tecnologia. Nem precisa: Urbano Norte, Ubizcar e Chofer46, entre muitos outros serviços, utilizam o mesmo software como base – o Machine, feito pela startup carioca Gaudium. Fundada em 2011 como fábrica de software por dois desenvolvedores, o cearense Bruno Muniz e o carioca Ricardo Góes, a empresa criou o sistema em 2013 para atender cooperativas de táxi que queriam fazer frente a 99 e EasyTaxi. Com o tempo, o Machine evoluiu para permitir corridas de aplicativo, entregas e até mesmo sofisticações – entre os módulos mais populares do sistema, estão uma versão com veículos “premium” e outra que permite apenas viagens com mulheres à frente do volante.

Bruno Muniz e Ricardo Góes são os fundadores da Gaudium  Foto: Helon Gomes/Gaudium

“Estamos em mais de 1,4 mil cidades, com cerca de 800 aplicativos e uma rede de 110 mil motoristas ativos”, diz o executivo da Gaudium, que afirma intermediar cerca de R$ 1 bilhão em corridas por ano – já o faturamento anual da empresa gira em torno de R$ 30 milhões, em franco crescimento.

Para Muniz, um dos motivos que ajuda sua companhia e seus clientes é o Pix: afinal de contas, em um mercado que é preciso capital de giro para abastecer, ter dinheiro na mão faz a diferença. Outro fator que dá vantagem aos apps “locais”, segundo o executivo, é a proximidade das plataformas com os condutores. “O motorista gosta de ter contato, falar com o dono, e não se consegue isso com Uber e 99″, diz. Procurado pelo Estadão, o Uber preferiu não comentar a reportagem. Já a 99 não respondeu às solicitações a tempo do fechamento dessa matéria.

Regulação

Na visão de Sérgio Avelleda, coordenador do núcleo de mobilidade urbana do ArqFuturo do Insper e ex-secretário de transportes da cidade de São Paulo, a existência desses apps é uma aula de economia. “Não existe vazio no mercado: se empresas grandes precisam de escala para operar e justificar sua estrutura, há quem consiga ocupar esses espaços – ainda mais em municípios em que há buracos na oferta de transporte público”, diz o especialista em mobilidade.

Na visão de Avelleda, a expansão dos apps de mobilidade pelo país é bem-vinda, mas demanda atenção das prefeituras do interior do Brasil para regular os sistemas, da mesma forma que aconteceu nas grandes capitais há alguns anos.

“É preciso ficar atento para que os aplicativos não canibalizem a oferta de transporte público, nem aumentem a emissão de CO2 nas cidades pequenas, especialmente se rodarem vazios”, diz o pesquisador do Insper. Para ele, é importante estabelecer um modelo de cobrança progressiva pelo uso da infraestrutura urbana, como acontece hoje em São Paulo. “Na medida que o app faz dinheiro usando infraestrutura paga pelos contribuintes, é importante ter essa retribuição, se possível para financiar o transporte público local.”

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