O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse nesta semana que o presidente Lula da Silva não tem uma base consistente para aprovar projetos de sua agenda econômica no Congresso. Ele se referia à reforma tributária, cujo texto virá por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e requer maioria qualificada – os votos de três quintos dos deputados e senadores. Mas o governo teria um problema ainda maior em suas mãos, segundo o deputado, e não contaria com apoio suficiente para aprovar nem mesmo projetos de lei, que demandam maioria simples, ou seja, mais que a metade dos presentes no colegiado.
É bem verdade que a base de apoio do governo ainda não foi devidamente testada. Com a posse da nova legislatura no início de fevereiro, deputados e senadores estiveram envolvidos com questões internas e a eleição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Nesta semana, é esperado que o comando das comissões temáticas seja definido nas duas Casas. Enquanto isso, até agora, as sessões deliberativas privilegiaram a apreciação de requerimentos e projetos de menor relevância.
Lira não exagerou ao expor a ausência de uma maioria governista na Câmara e no Senado. Não é por acaso que o ritmo das atividades legislativas esteja tão modorrento: sem base, a agenda legislativa de projetos prioritários do governo inexiste ou se torna uma lista protocolar a ser ignorada – como foi nos anos de Jair Bolsonaro, quando não só a definição da pauta, mas a própria construção da maioria se tornaram atribuições da presidência da Câmara.
Nesse contexto, a declaração de Lira deve ser encarada com muito realismo por parte do governo. Ela explicita uma dinâmica das relações entre Executivo e Legislativo que Lula não havia enfrentado em seus mandatos anteriores e que talvez tenha subestimado. Com pouco mais de 130 deputados vinculados a partidos de esquerda, o presidente não poderá prescindir do Centrão para aprovar seus projetos no Congresso. Isso exigirá do Executivo ceder mais para um Legislativo eminentemente conservador, tanto no conteúdo das propostas legislativas quanto na entrega de cargos a aliados na estrutura do Executivo.
A permanência de Juscelino Filho (União Brasil–MA) como ministro das Comunicações, a despeito dos escândalos que protagoniza, é um bom exemplo dessa dinâmica. De um lado, Lula não pode se arriscar a perder os votos dos 59 deputados e 10 senadores do União Brasil; de outro, tampouco tem a garantia do apoio dos parlamentares do partido a seus projetos. Prova disso é que, contrariando a orientação do governo, quase metade dos integrantes da sigla assinou o requerimento pela abertura de uma CPI para investigar os atos golpistas do 8 de Janeiro.
Dono da terceira maior bancada da Câmara e da quarta maior no Senado, o União Brasil detém três Ministérios, mas ainda assim se diz independente. Não se trata de uma crise de identidade partidária. O que tem guiado a atuação das lideranças do Centrão é a consciência da importância de seu apoio para a construção de uma maioria estável no Congresso, sem a qual qualquer governo fracassa. É nesse contexto que as declarações de Lira devem ser interpretadas. Foi Lira, não o PT, o maior articulador da aprovação da PEC da Transição; suas recentes declarações somente evidenciam uma atuação conjunta entre o União Brasil e o PP.
Se quiser vencer esses obstáculos, o governo precisará ser bem mais pragmático e cumprir a promessa de campanha que garantiu sua eleição. Será preciso unir o País e atuar como uma verdadeira frente ampla, o que inclui ceder espaços de poder que o PT historicamente resiste a ceder – o que não significa compactuar com a corrupção.
Em paralelo, será necessário priorizar a aprovação de uma pauta econômica que mobilize uma maioria no Congresso e abandonar propostas anacrônicas como a revisão da reforma trabalhista. É disso que depende a aprovação da reforma tributária e da nova âncora fiscal, premissas para a redução dos juros e para a retomada do crescimento que o governo diz almejar.