Opinião|A imprensa que temos


Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Por Eugênio Bucci

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

continua após a publicidade

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

continua após a publicidade

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

continua após a publicidade

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

continua após a publicidade

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

continua após a publicidade

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

continua após a publicidade

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem em irrealidades invisíveis

Embora seja temerária qualquer previsão para o ano que vem, de uma coisa a gente pode ter certeza desde já: o chavão de que as empresas jornalísticas manipulam e jogam sujo vai atropelar os olhos e os ouvidos dos pobres eleitores. Repórteres levarão a culpa pelos reveses dos partidos. Demagogos que não leem coisa alguma, nem mesmo os títulos de alto de página, insultarão as redações como se fossem luminares do “media criticism”.

É claro que em 2018 o noticiário cometerá erros. Nada de novo sob o Sol. Os bombardeios que políticos movem contra a imprensa, porém, não são provocados pelos erros, e sim pelos acertos. Quanto mais acerta, mais a imprensa apanha dos poderosos. Os ataques vêm porque os órgãos jornalísticos cumprem seu papel e não traem seu público. Apesar dos desvios técnicos e éticos, que não são poucos nem irrelevantes, o trabalho dos jornalistas profissionais brasileiros tem sido uma das pouquíssimas reservas de verdade factual com que podemos contar.

Enfim, é por terem um mínimo de credibilidade que os jornais seguirão sob açoite num tempo em que os irracionalismos militantes se exasperam, um tempo marcado pela falta de senso e de coerência lógica, um tempo propício para os populismos de muitos matizes. Vejamos como são as coisas. Todos são unânimes em defender, em tese, que os corruptos sejam punidos; ao mesmo tempo, quase todos são contra qualquer julgamento quando o réu é alguém de seu partido, de sua estima ou de sua idolatria. Segundo a mentalidade da nossa era, corrupção ruim é a “corrupção dos outros”. De outra parte, a Justiça que apura a “nossa corrupção” não é Justiça – é a “Justiça dos outros”.

Logo, qualquer esforço para elucidar os fatos, de modo impessoal e apartidário, tende a ser recebido como um complô imundo para desmoralizar os políticos sacrossantos, pois a imprensa, de acordo com essa alucinação febril, não é nada além de instrumento de algum complô. O fanático menciona o nome de um ou outro jornal e proclama, com ares de profeta: “Você pode até não ver que conluio se esconde atrás das notícias, mas que algum complô existe, ah, pode apostar que existe”.

Chegamos, então, ao paradoxo interessantíssimo que nos aprisiona: no geral, todos concordam que os corruptos devem ser afastados da política e, no particular, todos acusam a Justiça de perseguir com selvageria o líder de sua predileção. Quando Jair Bolsonaro é acusado de fazer apologia da tortura ou do estupro, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. Quando Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de fazer vista grossa para desvios oceânicos de dinheiro público, seus partidários protestam dizendo que tudo não passa de uma conspiração da Justiça e da imprensa. De forma quase idêntica, os furibundos de um lado e de outro atribuem à imprensa a causa do que dá errado com seus pretensos mitos salvadores.

A psicologia das massas perde conexão com os fatos. Animadas por líderes irresponsáveis, as multidões creem piamente em irrealidades fantasmagóricas invisíveis. Nossa imprensa se reduz mesmo a isso que dizem seus inimigos? Será que ela não passa de um amontoado de estratagemas mal costurados para derrubar esses e aqueles? As evidências, todas elas, respondem que não.

Um caso bem didático é o do alcaide de São Paulo. Muitos ainda acreditam que ele tenha sido eleito no bojo de uma articulação secreta e dolosa urdida pela “mídia” paulistana. Será? A relação de João Doria com a imprensa está longe de ser uma lua de mel. Ao contrário, a cobertura objetiva das mazelas da metrópole atrapalhou de vez a rotina e as ambições do prefeito. O tratamento que ele recebe no noticiário, visto no conjunto, não é melhor ou pior do que o que foi dispensado ao seu antecessor. Mal ou bem, o jornalismo fiscaliza o exercício do poder municipal. Não houve e não há complô “midiático” para eleger ou para sustentar João Doria.

Outro ponto crucial para avaliarmos a qualidade da imprensa é verificar se ela é um bloco organizado, que se comporta como um partido centralizado, ou se ela abre espaços para a pluralidade. Outra vez, não serão necessários grandes mergulhos teóricos para verificar que há diversidade de pontos de vista nas páginas dos jornais – e também entre os jornais. O pluralismo pode ser acanhado, débil, mas ele está aí.

Uma prova clara disso apareceu quando, em maio passado, o empresário Joesley Batista, numa conversa traiçoeira e esquisita, gravou os “ãs” e “arrãs” de Michel Temer para usá-los num acordo de delação premiada. Os três maiores jornais do País adotaram posições discrepantes, distintas. O Globo pediu em editorial a saída do presidente: “A renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Se desejar, não o que é melhor para si, mas para o país, esta acabará sendo a decisão que Michel Temer tomará” (A renúncia do presidente, 20 de maio de 2017.) Os editoriais de O Estado de S. Paulo ficaram do lado oposto: “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência” (A hora da responsabilidade, 19 maio de 2017) A Folha de S.Paulo, que tinha sido a única a defender, em 2016, a convocação de eleições gerais, preferiu uma postura de cautela.

Qual dos três tinha razão? Pouco importa. O que importa é que há debate na esfera pública. Há um mínimo de pluralismo. O jornalismo não é o causador da tragédia nacional. A imprensa deve e precisa melhorar, é claro, mas para isso a primeira atitude que os cidadãos e os políticos precisam tomar é parar de mentir sobre ela.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.