Opinião|Correspondência democrática


Tudo o que é preciso para que o bom sistema prevaleça é dá-lo a conhecer ao público

Por Fernão Lara Mesquita

Vai como artigo, hoje, acrescentada de ajustes, a correspondência trocada em 16/10 com um leitor do www.vespeiro.com a respeito d’As desventuras da imprensa sem povo – 2, publicado aqui na semana passada.

“Vou lendo seu artigo e, a cada mudança de tema, é sempre da questão do senso comum que você trata. Num país normal, um homem de 35 anos que mantém relações sexuais com uma garota de 13 anos é considerado um pedófilo (…) O senso comum há muito estabeleceu que isso é um crime, assim como é crime roubar um mendigo, um homem sadio espancar um deficiente, etc. O senso comum é o que permite ao homem comum afirmar, mesmo diante da lei redigida segundo as mais modernas técnicas legislativas: ‘essa lei é injusta’. O senso comum é o que permite, enfim, ao homem que não é político, nem advogado, nem jornalista, nem especialista no assunto que está sendo discutido, opinar livremente sobre as questões públicas a ele submetidas. (...)

Validar o senso comum significa apenas que o homem comum não será alijado da discussão pública porque não pode exibir um diploma de ensino superior nem ocupa um cargo na burocracia estatal; significa (...) que as críticas formuladas pela população nessa clave frequentemente não científica (mas não necessariamente anticientífica) devem ser incluídas em todas as etapas da discussão, e não simplesmente descartadas, como se faz hoje no Brasil, em nome de uma suposta ‘ciência’ – econômica, política, jurídica, etc. (...)

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Por trás do discurso da burocracia encontra-se (supostamente) a preocupação de evitar erros irreparáveis contra os cidadãos. Assim, quanto mais ‘técnica’ for a decisão do juiz, quanto maior o número de ‘garantias’ oferecidas ao acusado, quanto mais escoimado de preconceitos for o decreto, etc., menores as chances de que provoquem danos sociais. Por força dessa precaução, as mesmas operações intelectuais que se utilizam na construção de um viaduto são estendidas a todos os temas da vida pública (o que exclui da discussão os 200 milhões que não entendem de cálculo...). Não é um truque desonesto; é só uma escolha filosófica desastrosa.

Se falharmos em recolocar o mundo real, das pessoas de carne e osso, com seus valores expressos nisso que denominamos ‘senso comum’, no centro do universo mental da burocracia e seus acólitos, mesmo a mais bem-intencionada reforma eleitoral terá poucas chances de prosperar.”

Resposta:

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É precisamente aí que está a coisa, meu caro.

Discordo, porém, de que não seja um truque desonesto. E lembro, ainda, que não saber cálculo não desqualifica o cidadão nem “para opinar”, nem muito menos para DECIDIR sobre a necessidade ou não daquele viaduto naquele lugar, naquele preço e naquele momento na ordem das prioridades da comunidade que vai pagar por ele, que é a parte que deve caber SEMPRE ao cidadão, de quem todo poder emana e, portanto, está ACIMA de todos os agentes da burocracia estatal. A que arma a mão dele para que assim seja (voto distrital puro com recall e referendo, vulgo democracia) é a reforma eleitoral que resolve isso.

A institucionalização da desclassificação do senso comum começa lá na Universidade de Bolonha por volta do ano de 1300, quando a “intelligentsia” reconhecida como tal pelo poder político e devidamente estabulada no cercadinho das universidades sustentadas pelos reis se põe oficialmente a serviço deles e os arma com o “recebimento” (termo com cheirinho de igreja, não é mesmo?) da versão falsificada do “Direito Romano”, que vem para desbancar o Direito baseado na tradição e no senso comum (common law) que foi patrimônio comum de toda a Europa. Essa “dobradinha” dos bons de espada com intelectuais de coleira é que forneceu a “base teórica” para que os reizinhos de quarteirão de até então dessem o salto para para o absolutismo monárquico.

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A única exceção foi a ilha de Inglaterra. A vitória do senso comum deu-se lá, e por muito pouco, no confronto entre Edward Coke, juiz supremo das cortes de Common Plea, e James, o 1.º dos Stuarts, e a falsificada Corte da Chancelaria com que pretendia recriar o Direito à sua imagem e semelhança para ter poder absoluto, como os colegas do Continente.

Os desdobramentos estão aí até hoje. O “governo do povo, pelo povo e para o povo” é a tradução política do sistema jurídico ancorado no senso comum (common law) e o governo do Estado, pelo Estado e para o Estado é o descendente direto da falsificação bolonhesa de que nós somos um dos exemplos mais extremadamente corrompidos.

Essa resistência de 700 anos tem sido garantida à força de tortura e execuções sumárias (físicas antes, virtuais hoje), mas o que explica a sua resiliência, mais que tudo, é a eficiência da censura da divulgação da alternativa que sobreviveu e do papel absolutamente central que um sistema judicial baseado na impessoalidade do precedente balanceado pelo senso comum, em vez da onipotência de um juiz dotado do poder de re-“narrar” infindavelmente o passado segundo as conveniências do momento, tem nos registros de liberdade e afluência econômica e científica inéditos em toda a História da humanidade alcançados pelos países que seguiram com a common law.

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Com “o rei” (hoje o STF) proibido de reinventar a realidade (isto é, posto “under God”) e arbitrar sentenças diferentes para crimes idênticos (isto é, posto também “under the law”), a justiça de common law mata antes do nascimento 90% da corrupção reinante nos países onde “o rei” está livre para dar e vender privilégios, o mais corrosivo dos quais é o da impunidade.

Como bem sabem os inimigos da democracia, tudo o que é preciso para que o bom sistema prevaleça é dá-lo a conhecer ao grande público. Não subestime nem deixe de se permitir embriagar-se, portanto, com a força subversiva de divulgá-lo, pois cada vez que o fizer você estará efetivamente limando de forma irrecuperável a sua casquinha das pernas da “privilegiatura”. Se perdurar a “sociedade da informação”, certamente essa gigantesca mentira não atravessará incólume outros 700 anos.

JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Vai como artigo, hoje, acrescentada de ajustes, a correspondência trocada em 16/10 com um leitor do www.vespeiro.com a respeito d’As desventuras da imprensa sem povo – 2, publicado aqui na semana passada.

“Vou lendo seu artigo e, a cada mudança de tema, é sempre da questão do senso comum que você trata. Num país normal, um homem de 35 anos que mantém relações sexuais com uma garota de 13 anos é considerado um pedófilo (…) O senso comum há muito estabeleceu que isso é um crime, assim como é crime roubar um mendigo, um homem sadio espancar um deficiente, etc. O senso comum é o que permite ao homem comum afirmar, mesmo diante da lei redigida segundo as mais modernas técnicas legislativas: ‘essa lei é injusta’. O senso comum é o que permite, enfim, ao homem que não é político, nem advogado, nem jornalista, nem especialista no assunto que está sendo discutido, opinar livremente sobre as questões públicas a ele submetidas. (...)

Validar o senso comum significa apenas que o homem comum não será alijado da discussão pública porque não pode exibir um diploma de ensino superior nem ocupa um cargo na burocracia estatal; significa (...) que as críticas formuladas pela população nessa clave frequentemente não científica (mas não necessariamente anticientífica) devem ser incluídas em todas as etapas da discussão, e não simplesmente descartadas, como se faz hoje no Brasil, em nome de uma suposta ‘ciência’ – econômica, política, jurídica, etc. (...)

Por trás do discurso da burocracia encontra-se (supostamente) a preocupação de evitar erros irreparáveis contra os cidadãos. Assim, quanto mais ‘técnica’ for a decisão do juiz, quanto maior o número de ‘garantias’ oferecidas ao acusado, quanto mais escoimado de preconceitos for o decreto, etc., menores as chances de que provoquem danos sociais. Por força dessa precaução, as mesmas operações intelectuais que se utilizam na construção de um viaduto são estendidas a todos os temas da vida pública (o que exclui da discussão os 200 milhões que não entendem de cálculo...). Não é um truque desonesto; é só uma escolha filosófica desastrosa.

Se falharmos em recolocar o mundo real, das pessoas de carne e osso, com seus valores expressos nisso que denominamos ‘senso comum’, no centro do universo mental da burocracia e seus acólitos, mesmo a mais bem-intencionada reforma eleitoral terá poucas chances de prosperar.”

Resposta:

É precisamente aí que está a coisa, meu caro.

Discordo, porém, de que não seja um truque desonesto. E lembro, ainda, que não saber cálculo não desqualifica o cidadão nem “para opinar”, nem muito menos para DECIDIR sobre a necessidade ou não daquele viaduto naquele lugar, naquele preço e naquele momento na ordem das prioridades da comunidade que vai pagar por ele, que é a parte que deve caber SEMPRE ao cidadão, de quem todo poder emana e, portanto, está ACIMA de todos os agentes da burocracia estatal. A que arma a mão dele para que assim seja (voto distrital puro com recall e referendo, vulgo democracia) é a reforma eleitoral que resolve isso.

A institucionalização da desclassificação do senso comum começa lá na Universidade de Bolonha por volta do ano de 1300, quando a “intelligentsia” reconhecida como tal pelo poder político e devidamente estabulada no cercadinho das universidades sustentadas pelos reis se põe oficialmente a serviço deles e os arma com o “recebimento” (termo com cheirinho de igreja, não é mesmo?) da versão falsificada do “Direito Romano”, que vem para desbancar o Direito baseado na tradição e no senso comum (common law) que foi patrimônio comum de toda a Europa. Essa “dobradinha” dos bons de espada com intelectuais de coleira é que forneceu a “base teórica” para que os reizinhos de quarteirão de até então dessem o salto para para o absolutismo monárquico.

A única exceção foi a ilha de Inglaterra. A vitória do senso comum deu-se lá, e por muito pouco, no confronto entre Edward Coke, juiz supremo das cortes de Common Plea, e James, o 1.º dos Stuarts, e a falsificada Corte da Chancelaria com que pretendia recriar o Direito à sua imagem e semelhança para ter poder absoluto, como os colegas do Continente.

Os desdobramentos estão aí até hoje. O “governo do povo, pelo povo e para o povo” é a tradução política do sistema jurídico ancorado no senso comum (common law) e o governo do Estado, pelo Estado e para o Estado é o descendente direto da falsificação bolonhesa de que nós somos um dos exemplos mais extremadamente corrompidos.

Essa resistência de 700 anos tem sido garantida à força de tortura e execuções sumárias (físicas antes, virtuais hoje), mas o que explica a sua resiliência, mais que tudo, é a eficiência da censura da divulgação da alternativa que sobreviveu e do papel absolutamente central que um sistema judicial baseado na impessoalidade do precedente balanceado pelo senso comum, em vez da onipotência de um juiz dotado do poder de re-“narrar” infindavelmente o passado segundo as conveniências do momento, tem nos registros de liberdade e afluência econômica e científica inéditos em toda a História da humanidade alcançados pelos países que seguiram com a common law.

Com “o rei” (hoje o STF) proibido de reinventar a realidade (isto é, posto “under God”) e arbitrar sentenças diferentes para crimes idênticos (isto é, posto também “under the law”), a justiça de common law mata antes do nascimento 90% da corrupção reinante nos países onde “o rei” está livre para dar e vender privilégios, o mais corrosivo dos quais é o da impunidade.

Como bem sabem os inimigos da democracia, tudo o que é preciso para que o bom sistema prevaleça é dá-lo a conhecer ao grande público. Não subestime nem deixe de se permitir embriagar-se, portanto, com a força subversiva de divulgá-lo, pois cada vez que o fizer você estará efetivamente limando de forma irrecuperável a sua casquinha das pernas da “privilegiatura”. Se perdurar a “sociedade da informação”, certamente essa gigantesca mentira não atravessará incólume outros 700 anos.

JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Vai como artigo, hoje, acrescentada de ajustes, a correspondência trocada em 16/10 com um leitor do www.vespeiro.com a respeito d’As desventuras da imprensa sem povo – 2, publicado aqui na semana passada.

“Vou lendo seu artigo e, a cada mudança de tema, é sempre da questão do senso comum que você trata. Num país normal, um homem de 35 anos que mantém relações sexuais com uma garota de 13 anos é considerado um pedófilo (…) O senso comum há muito estabeleceu que isso é um crime, assim como é crime roubar um mendigo, um homem sadio espancar um deficiente, etc. O senso comum é o que permite ao homem comum afirmar, mesmo diante da lei redigida segundo as mais modernas técnicas legislativas: ‘essa lei é injusta’. O senso comum é o que permite, enfim, ao homem que não é político, nem advogado, nem jornalista, nem especialista no assunto que está sendo discutido, opinar livremente sobre as questões públicas a ele submetidas. (...)

Validar o senso comum significa apenas que o homem comum não será alijado da discussão pública porque não pode exibir um diploma de ensino superior nem ocupa um cargo na burocracia estatal; significa (...) que as críticas formuladas pela população nessa clave frequentemente não científica (mas não necessariamente anticientífica) devem ser incluídas em todas as etapas da discussão, e não simplesmente descartadas, como se faz hoje no Brasil, em nome de uma suposta ‘ciência’ – econômica, política, jurídica, etc. (...)

Por trás do discurso da burocracia encontra-se (supostamente) a preocupação de evitar erros irreparáveis contra os cidadãos. Assim, quanto mais ‘técnica’ for a decisão do juiz, quanto maior o número de ‘garantias’ oferecidas ao acusado, quanto mais escoimado de preconceitos for o decreto, etc., menores as chances de que provoquem danos sociais. Por força dessa precaução, as mesmas operações intelectuais que se utilizam na construção de um viaduto são estendidas a todos os temas da vida pública (o que exclui da discussão os 200 milhões que não entendem de cálculo...). Não é um truque desonesto; é só uma escolha filosófica desastrosa.

Se falharmos em recolocar o mundo real, das pessoas de carne e osso, com seus valores expressos nisso que denominamos ‘senso comum’, no centro do universo mental da burocracia e seus acólitos, mesmo a mais bem-intencionada reforma eleitoral terá poucas chances de prosperar.”

Resposta:

É precisamente aí que está a coisa, meu caro.

Discordo, porém, de que não seja um truque desonesto. E lembro, ainda, que não saber cálculo não desqualifica o cidadão nem “para opinar”, nem muito menos para DECIDIR sobre a necessidade ou não daquele viaduto naquele lugar, naquele preço e naquele momento na ordem das prioridades da comunidade que vai pagar por ele, que é a parte que deve caber SEMPRE ao cidadão, de quem todo poder emana e, portanto, está ACIMA de todos os agentes da burocracia estatal. A que arma a mão dele para que assim seja (voto distrital puro com recall e referendo, vulgo democracia) é a reforma eleitoral que resolve isso.

A institucionalização da desclassificação do senso comum começa lá na Universidade de Bolonha por volta do ano de 1300, quando a “intelligentsia” reconhecida como tal pelo poder político e devidamente estabulada no cercadinho das universidades sustentadas pelos reis se põe oficialmente a serviço deles e os arma com o “recebimento” (termo com cheirinho de igreja, não é mesmo?) da versão falsificada do “Direito Romano”, que vem para desbancar o Direito baseado na tradição e no senso comum (common law) que foi patrimônio comum de toda a Europa. Essa “dobradinha” dos bons de espada com intelectuais de coleira é que forneceu a “base teórica” para que os reizinhos de quarteirão de até então dessem o salto para para o absolutismo monárquico.

A única exceção foi a ilha de Inglaterra. A vitória do senso comum deu-se lá, e por muito pouco, no confronto entre Edward Coke, juiz supremo das cortes de Common Plea, e James, o 1.º dos Stuarts, e a falsificada Corte da Chancelaria com que pretendia recriar o Direito à sua imagem e semelhança para ter poder absoluto, como os colegas do Continente.

Os desdobramentos estão aí até hoje. O “governo do povo, pelo povo e para o povo” é a tradução política do sistema jurídico ancorado no senso comum (common law) e o governo do Estado, pelo Estado e para o Estado é o descendente direto da falsificação bolonhesa de que nós somos um dos exemplos mais extremadamente corrompidos.

Essa resistência de 700 anos tem sido garantida à força de tortura e execuções sumárias (físicas antes, virtuais hoje), mas o que explica a sua resiliência, mais que tudo, é a eficiência da censura da divulgação da alternativa que sobreviveu e do papel absolutamente central que um sistema judicial baseado na impessoalidade do precedente balanceado pelo senso comum, em vez da onipotência de um juiz dotado do poder de re-“narrar” infindavelmente o passado segundo as conveniências do momento, tem nos registros de liberdade e afluência econômica e científica inéditos em toda a História da humanidade alcançados pelos países que seguiram com a common law.

Com “o rei” (hoje o STF) proibido de reinventar a realidade (isto é, posto “under God”) e arbitrar sentenças diferentes para crimes idênticos (isto é, posto também “under the law”), a justiça de common law mata antes do nascimento 90% da corrupção reinante nos países onde “o rei” está livre para dar e vender privilégios, o mais corrosivo dos quais é o da impunidade.

Como bem sabem os inimigos da democracia, tudo o que é preciso para que o bom sistema prevaleça é dá-lo a conhecer ao grande público. Não subestime nem deixe de se permitir embriagar-se, portanto, com a força subversiva de divulgá-lo, pois cada vez que o fizer você estará efetivamente limando de forma irrecuperável a sua casquinha das pernas da “privilegiatura”. Se perdurar a “sociedade da informação”, certamente essa gigantesca mentira não atravessará incólume outros 700 anos.

JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Vai como artigo, hoje, acrescentada de ajustes, a correspondência trocada em 16/10 com um leitor do www.vespeiro.com a respeito d’As desventuras da imprensa sem povo – 2, publicado aqui na semana passada.

“Vou lendo seu artigo e, a cada mudança de tema, é sempre da questão do senso comum que você trata. Num país normal, um homem de 35 anos que mantém relações sexuais com uma garota de 13 anos é considerado um pedófilo (…) O senso comum há muito estabeleceu que isso é um crime, assim como é crime roubar um mendigo, um homem sadio espancar um deficiente, etc. O senso comum é o que permite ao homem comum afirmar, mesmo diante da lei redigida segundo as mais modernas técnicas legislativas: ‘essa lei é injusta’. O senso comum é o que permite, enfim, ao homem que não é político, nem advogado, nem jornalista, nem especialista no assunto que está sendo discutido, opinar livremente sobre as questões públicas a ele submetidas. (...)

Validar o senso comum significa apenas que o homem comum não será alijado da discussão pública porque não pode exibir um diploma de ensino superior nem ocupa um cargo na burocracia estatal; significa (...) que as críticas formuladas pela população nessa clave frequentemente não científica (mas não necessariamente anticientífica) devem ser incluídas em todas as etapas da discussão, e não simplesmente descartadas, como se faz hoje no Brasil, em nome de uma suposta ‘ciência’ – econômica, política, jurídica, etc. (...)

Por trás do discurso da burocracia encontra-se (supostamente) a preocupação de evitar erros irreparáveis contra os cidadãos. Assim, quanto mais ‘técnica’ for a decisão do juiz, quanto maior o número de ‘garantias’ oferecidas ao acusado, quanto mais escoimado de preconceitos for o decreto, etc., menores as chances de que provoquem danos sociais. Por força dessa precaução, as mesmas operações intelectuais que se utilizam na construção de um viaduto são estendidas a todos os temas da vida pública (o que exclui da discussão os 200 milhões que não entendem de cálculo...). Não é um truque desonesto; é só uma escolha filosófica desastrosa.

Se falharmos em recolocar o mundo real, das pessoas de carne e osso, com seus valores expressos nisso que denominamos ‘senso comum’, no centro do universo mental da burocracia e seus acólitos, mesmo a mais bem-intencionada reforma eleitoral terá poucas chances de prosperar.”

Resposta:

É precisamente aí que está a coisa, meu caro.

Discordo, porém, de que não seja um truque desonesto. E lembro, ainda, que não saber cálculo não desqualifica o cidadão nem “para opinar”, nem muito menos para DECIDIR sobre a necessidade ou não daquele viaduto naquele lugar, naquele preço e naquele momento na ordem das prioridades da comunidade que vai pagar por ele, que é a parte que deve caber SEMPRE ao cidadão, de quem todo poder emana e, portanto, está ACIMA de todos os agentes da burocracia estatal. A que arma a mão dele para que assim seja (voto distrital puro com recall e referendo, vulgo democracia) é a reforma eleitoral que resolve isso.

A institucionalização da desclassificação do senso comum começa lá na Universidade de Bolonha por volta do ano de 1300, quando a “intelligentsia” reconhecida como tal pelo poder político e devidamente estabulada no cercadinho das universidades sustentadas pelos reis se põe oficialmente a serviço deles e os arma com o “recebimento” (termo com cheirinho de igreja, não é mesmo?) da versão falsificada do “Direito Romano”, que vem para desbancar o Direito baseado na tradição e no senso comum (common law) que foi patrimônio comum de toda a Europa. Essa “dobradinha” dos bons de espada com intelectuais de coleira é que forneceu a “base teórica” para que os reizinhos de quarteirão de até então dessem o salto para para o absolutismo monárquico.

A única exceção foi a ilha de Inglaterra. A vitória do senso comum deu-se lá, e por muito pouco, no confronto entre Edward Coke, juiz supremo das cortes de Common Plea, e James, o 1.º dos Stuarts, e a falsificada Corte da Chancelaria com que pretendia recriar o Direito à sua imagem e semelhança para ter poder absoluto, como os colegas do Continente.

Os desdobramentos estão aí até hoje. O “governo do povo, pelo povo e para o povo” é a tradução política do sistema jurídico ancorado no senso comum (common law) e o governo do Estado, pelo Estado e para o Estado é o descendente direto da falsificação bolonhesa de que nós somos um dos exemplos mais extremadamente corrompidos.

Essa resistência de 700 anos tem sido garantida à força de tortura e execuções sumárias (físicas antes, virtuais hoje), mas o que explica a sua resiliência, mais que tudo, é a eficiência da censura da divulgação da alternativa que sobreviveu e do papel absolutamente central que um sistema judicial baseado na impessoalidade do precedente balanceado pelo senso comum, em vez da onipotência de um juiz dotado do poder de re-“narrar” infindavelmente o passado segundo as conveniências do momento, tem nos registros de liberdade e afluência econômica e científica inéditos em toda a História da humanidade alcançados pelos países que seguiram com a common law.

Com “o rei” (hoje o STF) proibido de reinventar a realidade (isto é, posto “under God”) e arbitrar sentenças diferentes para crimes idênticos (isto é, posto também “under the law”), a justiça de common law mata antes do nascimento 90% da corrupção reinante nos países onde “o rei” está livre para dar e vender privilégios, o mais corrosivo dos quais é o da impunidade.

Como bem sabem os inimigos da democracia, tudo o que é preciso para que o bom sistema prevaleça é dá-lo a conhecer ao grande público. Não subestime nem deixe de se permitir embriagar-se, portanto, com a força subversiva de divulgá-lo, pois cada vez que o fizer você estará efetivamente limando de forma irrecuperável a sua casquinha das pernas da “privilegiatura”. Se perdurar a “sociedade da informação”, certamente essa gigantesca mentira não atravessará incólume outros 700 anos.

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Opinião por Fernão Lara Mesquita

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