Opinião|Estratégia para o Brasil– controles fiscais


Por ROBERTO MACEDO

Este artigo integra série voltada para uma estratégia diante da atual crise política, econômica e social (artigos desta série estão disponíveis em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, o primeiro em 19/11/2015 e os demais na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês). O anterior enfocou o problema fiscal e este, a forma de imensos déficits nas contas públicas federais, que ampliam fortemente a dívida governamental. E a do povo que a sustenta, incluídas gerações futuras.

São tantas e tão variadas as medidas cabíveis num efetivo ajuste fiscal que me estendi sobre o assunto neste texto. Em retrospecto, o que faltou mesmo foi um sistema eficaz de sensores e alarmes que houvesse alertado inicial e ruidosamente quanto ao acelerado desajuste fiscal que o governo federal promovia em 2014, movido por motivos eleitoreiras. E que contivesse o rombo antes que alcançasse a imensidão a que chegou no fim do ano. E, ainda, que imediatamente levasse a medidas que corrigissem o desajuste e punitivas de seus responsáveis.

Entretanto, só em outubro deste ano (!) o Tribunal de Contas da União julgou as contas presidenciais de 2014, rejeitando vários de seus procedimentos, em particular as pedaladas e as disparadas, e nada se seguiu nos aspectos punitivos e preventivos. As pedaladas são dívidas não contabilizadas como tais, na forma de adiantamentos, pelos bancos oficiais, de recursos para cobertura de despesas e sem a adequada provisão de fundos pelo Tesouro – uma espécie de cheque especial. Isso aponta outra falha do sistema de sensores e alarmes, que deveria ocupar-se diuturnamente das contas públicas nesses bancos e imediatamente apontar irregularidades.

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Mecanismos do mesmo tipo deveriam ter revelado, impedido ou revertido outro aspecto importante do descalabro fiscal do ano passado, as disparadas. Estas, via decretos de suplementações de verbas para despesas sem a adequada cobertura de receitas e aprovação prévia pelo Congresso Nacional. Prática essa, como as pedaladas, vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E o que aconteceu? Em dezembro (!) do ano passado o Congresso examinou e incorporou essas disparadas como fatos consumados nas contas de 2014, o que não deveria ter feito.

Mas o que diz a LRF quanto às disparadas? Seu artigo 9.º assim dispõe: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes (grifo meu), limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”. A limitação de empenho conteria despesas antes que se realizassem.

E o § 3.º desse artigo diz que, se os demais entes que cita não promoverem tal limitação, o Poder Executivo é autorizado a realizá-la. Mas não o fez, até porque era ele mesmo o responsável pelo desajuste.

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Assim, em 2014 houve um agente público muito desperto e esperto, o Poder Executivo, que, além de pedalar, acelerava gastos, enquanto esses demais entes permaneciam inoperantes porque ou não eram informados do que acontecia ou, se o foram, não atuaram com a celeridade necessária. Aliás, no último dia 11 o jornal Valor publicou extensa matéria mostrando que desde julho de 2013 (!) técnicos do Tesouro Nacional já advertiam o então secretário do Tesouro, Arno Augustin, quanto às pedaladas e seus nefastos efeitos. Mas ele nada fez e disse que “a política econômica é definida por quem tem votos” e que nenhum dos técnicos havia sido eleito. Como se o mandato eleitoral fosse também para perpetrar ilegalidades.

Vejo a admissão a posteriori das disparadas pelo Congresso Nacional, alimentada por fluidos políticos, também como um procedimento ilegal, de vez que não seguiu os procedimentos do referido artigo. Conforme a transcrição aqui feita, o que ele manda é limitar os empenhos de despesas e a movimentação financeira subsequente. Ora, não houve essas limitações que restringiriam gastos. Entendo também que tal admissão a posteriori das disparadas não significa perdão quanto aos procedimentos ilegais adotados e, assim, não deveria excluir a punição pela realização deles.

Há quem argumente que se essa admissão não ocorresse o governo ficaria impedido de realizar despesas importantes. Ora, isso seria ótimo para revelar dramaticamente a enormidade do desastre fiscal e levar à adoção imediata de medidas corretivas, punitivas e também preventivas de desastres no futuro. Tudo isso mostra a imperiosa necessidade de aprimorar os sensores, alarmes e mecanismos de correção existentes, pois se revelam inadequados.

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Políticos fiscalmente irresponsáveis e reincidentes constituem praga que aqui prolifera como a dengue e outras carregadas pelo mosquito Aedes aegypti, em face das fragilidades do saneamento político nacional. E as disparadas se repetiram em 2015, pois só neste mês o Congresso examinou superficial e politicamente o assunto, de novo incorporando nas contas um fato consumado.

Numa empresa ou em outra organização que revelasse um rombo somente percebido com atraso, e cuja governança incluísse auditores internos e externos, isso usualmente levaria a providências para saneá-lo e evitar sua repetição. E, também, à demissão dos executivos responsáveis, o que poderia alcançar ainda os auditores que tardaram a apitar o desastre. O que o Congresso fez foi apenas aceitar um balancete arrombado, e sem essas providências complementares.

Meu artigo anterior previa que este trataria também de uma agenda de crescimento do PIB, paralela ao ajuste fiscal. Mas em face das percepções acima optei por deixá-la para um próximo artigo.

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* ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Este artigo integra série voltada para uma estratégia diante da atual crise política, econômica e social (artigos desta série estão disponíveis em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, o primeiro em 19/11/2015 e os demais na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês). O anterior enfocou o problema fiscal e este, a forma de imensos déficits nas contas públicas federais, que ampliam fortemente a dívida governamental. E a do povo que a sustenta, incluídas gerações futuras.

São tantas e tão variadas as medidas cabíveis num efetivo ajuste fiscal que me estendi sobre o assunto neste texto. Em retrospecto, o que faltou mesmo foi um sistema eficaz de sensores e alarmes que houvesse alertado inicial e ruidosamente quanto ao acelerado desajuste fiscal que o governo federal promovia em 2014, movido por motivos eleitoreiras. E que contivesse o rombo antes que alcançasse a imensidão a que chegou no fim do ano. E, ainda, que imediatamente levasse a medidas que corrigissem o desajuste e punitivas de seus responsáveis.

Entretanto, só em outubro deste ano (!) o Tribunal de Contas da União julgou as contas presidenciais de 2014, rejeitando vários de seus procedimentos, em particular as pedaladas e as disparadas, e nada se seguiu nos aspectos punitivos e preventivos. As pedaladas são dívidas não contabilizadas como tais, na forma de adiantamentos, pelos bancos oficiais, de recursos para cobertura de despesas e sem a adequada provisão de fundos pelo Tesouro – uma espécie de cheque especial. Isso aponta outra falha do sistema de sensores e alarmes, que deveria ocupar-se diuturnamente das contas públicas nesses bancos e imediatamente apontar irregularidades.

Mecanismos do mesmo tipo deveriam ter revelado, impedido ou revertido outro aspecto importante do descalabro fiscal do ano passado, as disparadas. Estas, via decretos de suplementações de verbas para despesas sem a adequada cobertura de receitas e aprovação prévia pelo Congresso Nacional. Prática essa, como as pedaladas, vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E o que aconteceu? Em dezembro (!) do ano passado o Congresso examinou e incorporou essas disparadas como fatos consumados nas contas de 2014, o que não deveria ter feito.

Mas o que diz a LRF quanto às disparadas? Seu artigo 9.º assim dispõe: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes (grifo meu), limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”. A limitação de empenho conteria despesas antes que se realizassem.

E o § 3.º desse artigo diz que, se os demais entes que cita não promoverem tal limitação, o Poder Executivo é autorizado a realizá-la. Mas não o fez, até porque era ele mesmo o responsável pelo desajuste.

Assim, em 2014 houve um agente público muito desperto e esperto, o Poder Executivo, que, além de pedalar, acelerava gastos, enquanto esses demais entes permaneciam inoperantes porque ou não eram informados do que acontecia ou, se o foram, não atuaram com a celeridade necessária. Aliás, no último dia 11 o jornal Valor publicou extensa matéria mostrando que desde julho de 2013 (!) técnicos do Tesouro Nacional já advertiam o então secretário do Tesouro, Arno Augustin, quanto às pedaladas e seus nefastos efeitos. Mas ele nada fez e disse que “a política econômica é definida por quem tem votos” e que nenhum dos técnicos havia sido eleito. Como se o mandato eleitoral fosse também para perpetrar ilegalidades.

Vejo a admissão a posteriori das disparadas pelo Congresso Nacional, alimentada por fluidos políticos, também como um procedimento ilegal, de vez que não seguiu os procedimentos do referido artigo. Conforme a transcrição aqui feita, o que ele manda é limitar os empenhos de despesas e a movimentação financeira subsequente. Ora, não houve essas limitações que restringiriam gastos. Entendo também que tal admissão a posteriori das disparadas não significa perdão quanto aos procedimentos ilegais adotados e, assim, não deveria excluir a punição pela realização deles.

Há quem argumente que se essa admissão não ocorresse o governo ficaria impedido de realizar despesas importantes. Ora, isso seria ótimo para revelar dramaticamente a enormidade do desastre fiscal e levar à adoção imediata de medidas corretivas, punitivas e também preventivas de desastres no futuro. Tudo isso mostra a imperiosa necessidade de aprimorar os sensores, alarmes e mecanismos de correção existentes, pois se revelam inadequados.

Políticos fiscalmente irresponsáveis e reincidentes constituem praga que aqui prolifera como a dengue e outras carregadas pelo mosquito Aedes aegypti, em face das fragilidades do saneamento político nacional. E as disparadas se repetiram em 2015, pois só neste mês o Congresso examinou superficial e politicamente o assunto, de novo incorporando nas contas um fato consumado.

Numa empresa ou em outra organização que revelasse um rombo somente percebido com atraso, e cuja governança incluísse auditores internos e externos, isso usualmente levaria a providências para saneá-lo e evitar sua repetição. E, também, à demissão dos executivos responsáveis, o que poderia alcançar ainda os auditores que tardaram a apitar o desastre. O que o Congresso fez foi apenas aceitar um balancete arrombado, e sem essas providências complementares.

Meu artigo anterior previa que este trataria também de uma agenda de crescimento do PIB, paralela ao ajuste fiscal. Mas em face das percepções acima optei por deixá-la para um próximo artigo.

* ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Este artigo integra série voltada para uma estratégia diante da atual crise política, econômica e social (artigos desta série estão disponíveis em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, o primeiro em 19/11/2015 e os demais na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês). O anterior enfocou o problema fiscal e este, a forma de imensos déficits nas contas públicas federais, que ampliam fortemente a dívida governamental. E a do povo que a sustenta, incluídas gerações futuras.

São tantas e tão variadas as medidas cabíveis num efetivo ajuste fiscal que me estendi sobre o assunto neste texto. Em retrospecto, o que faltou mesmo foi um sistema eficaz de sensores e alarmes que houvesse alertado inicial e ruidosamente quanto ao acelerado desajuste fiscal que o governo federal promovia em 2014, movido por motivos eleitoreiras. E que contivesse o rombo antes que alcançasse a imensidão a que chegou no fim do ano. E, ainda, que imediatamente levasse a medidas que corrigissem o desajuste e punitivas de seus responsáveis.

Entretanto, só em outubro deste ano (!) o Tribunal de Contas da União julgou as contas presidenciais de 2014, rejeitando vários de seus procedimentos, em particular as pedaladas e as disparadas, e nada se seguiu nos aspectos punitivos e preventivos. As pedaladas são dívidas não contabilizadas como tais, na forma de adiantamentos, pelos bancos oficiais, de recursos para cobertura de despesas e sem a adequada provisão de fundos pelo Tesouro – uma espécie de cheque especial. Isso aponta outra falha do sistema de sensores e alarmes, que deveria ocupar-se diuturnamente das contas públicas nesses bancos e imediatamente apontar irregularidades.

Mecanismos do mesmo tipo deveriam ter revelado, impedido ou revertido outro aspecto importante do descalabro fiscal do ano passado, as disparadas. Estas, via decretos de suplementações de verbas para despesas sem a adequada cobertura de receitas e aprovação prévia pelo Congresso Nacional. Prática essa, como as pedaladas, vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E o que aconteceu? Em dezembro (!) do ano passado o Congresso examinou e incorporou essas disparadas como fatos consumados nas contas de 2014, o que não deveria ter feito.

Mas o que diz a LRF quanto às disparadas? Seu artigo 9.º assim dispõe: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes (grifo meu), limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”. A limitação de empenho conteria despesas antes que se realizassem.

E o § 3.º desse artigo diz que, se os demais entes que cita não promoverem tal limitação, o Poder Executivo é autorizado a realizá-la. Mas não o fez, até porque era ele mesmo o responsável pelo desajuste.

Assim, em 2014 houve um agente público muito desperto e esperto, o Poder Executivo, que, além de pedalar, acelerava gastos, enquanto esses demais entes permaneciam inoperantes porque ou não eram informados do que acontecia ou, se o foram, não atuaram com a celeridade necessária. Aliás, no último dia 11 o jornal Valor publicou extensa matéria mostrando que desde julho de 2013 (!) técnicos do Tesouro Nacional já advertiam o então secretário do Tesouro, Arno Augustin, quanto às pedaladas e seus nefastos efeitos. Mas ele nada fez e disse que “a política econômica é definida por quem tem votos” e que nenhum dos técnicos havia sido eleito. Como se o mandato eleitoral fosse também para perpetrar ilegalidades.

Vejo a admissão a posteriori das disparadas pelo Congresso Nacional, alimentada por fluidos políticos, também como um procedimento ilegal, de vez que não seguiu os procedimentos do referido artigo. Conforme a transcrição aqui feita, o que ele manda é limitar os empenhos de despesas e a movimentação financeira subsequente. Ora, não houve essas limitações que restringiriam gastos. Entendo também que tal admissão a posteriori das disparadas não significa perdão quanto aos procedimentos ilegais adotados e, assim, não deveria excluir a punição pela realização deles.

Há quem argumente que se essa admissão não ocorresse o governo ficaria impedido de realizar despesas importantes. Ora, isso seria ótimo para revelar dramaticamente a enormidade do desastre fiscal e levar à adoção imediata de medidas corretivas, punitivas e também preventivas de desastres no futuro. Tudo isso mostra a imperiosa necessidade de aprimorar os sensores, alarmes e mecanismos de correção existentes, pois se revelam inadequados.

Políticos fiscalmente irresponsáveis e reincidentes constituem praga que aqui prolifera como a dengue e outras carregadas pelo mosquito Aedes aegypti, em face das fragilidades do saneamento político nacional. E as disparadas se repetiram em 2015, pois só neste mês o Congresso examinou superficial e politicamente o assunto, de novo incorporando nas contas um fato consumado.

Numa empresa ou em outra organização que revelasse um rombo somente percebido com atraso, e cuja governança incluísse auditores internos e externos, isso usualmente levaria a providências para saneá-lo e evitar sua repetição. E, também, à demissão dos executivos responsáveis, o que poderia alcançar ainda os auditores que tardaram a apitar o desastre. O que o Congresso fez foi apenas aceitar um balancete arrombado, e sem essas providências complementares.

Meu artigo anterior previa que este trataria também de uma agenda de crescimento do PIB, paralela ao ajuste fiscal. Mas em face das percepções acima optei por deixá-la para um próximo artigo.

* ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Este artigo integra série voltada para uma estratégia diante da atual crise política, econômica e social (artigos desta série estão disponíveis em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, o primeiro em 19/11/2015 e os demais na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês). O anterior enfocou o problema fiscal e este, a forma de imensos déficits nas contas públicas federais, que ampliam fortemente a dívida governamental. E a do povo que a sustenta, incluídas gerações futuras.

São tantas e tão variadas as medidas cabíveis num efetivo ajuste fiscal que me estendi sobre o assunto neste texto. Em retrospecto, o que faltou mesmo foi um sistema eficaz de sensores e alarmes que houvesse alertado inicial e ruidosamente quanto ao acelerado desajuste fiscal que o governo federal promovia em 2014, movido por motivos eleitoreiras. E que contivesse o rombo antes que alcançasse a imensidão a que chegou no fim do ano. E, ainda, que imediatamente levasse a medidas que corrigissem o desajuste e punitivas de seus responsáveis.

Entretanto, só em outubro deste ano (!) o Tribunal de Contas da União julgou as contas presidenciais de 2014, rejeitando vários de seus procedimentos, em particular as pedaladas e as disparadas, e nada se seguiu nos aspectos punitivos e preventivos. As pedaladas são dívidas não contabilizadas como tais, na forma de adiantamentos, pelos bancos oficiais, de recursos para cobertura de despesas e sem a adequada provisão de fundos pelo Tesouro – uma espécie de cheque especial. Isso aponta outra falha do sistema de sensores e alarmes, que deveria ocupar-se diuturnamente das contas públicas nesses bancos e imediatamente apontar irregularidades.

Mecanismos do mesmo tipo deveriam ter revelado, impedido ou revertido outro aspecto importante do descalabro fiscal do ano passado, as disparadas. Estas, via decretos de suplementações de verbas para despesas sem a adequada cobertura de receitas e aprovação prévia pelo Congresso Nacional. Prática essa, como as pedaladas, vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E o que aconteceu? Em dezembro (!) do ano passado o Congresso examinou e incorporou essas disparadas como fatos consumados nas contas de 2014, o que não deveria ter feito.

Mas o que diz a LRF quanto às disparadas? Seu artigo 9.º assim dispõe: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes (grifo meu), limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”. A limitação de empenho conteria despesas antes que se realizassem.

E o § 3.º desse artigo diz que, se os demais entes que cita não promoverem tal limitação, o Poder Executivo é autorizado a realizá-la. Mas não o fez, até porque era ele mesmo o responsável pelo desajuste.

Assim, em 2014 houve um agente público muito desperto e esperto, o Poder Executivo, que, além de pedalar, acelerava gastos, enquanto esses demais entes permaneciam inoperantes porque ou não eram informados do que acontecia ou, se o foram, não atuaram com a celeridade necessária. Aliás, no último dia 11 o jornal Valor publicou extensa matéria mostrando que desde julho de 2013 (!) técnicos do Tesouro Nacional já advertiam o então secretário do Tesouro, Arno Augustin, quanto às pedaladas e seus nefastos efeitos. Mas ele nada fez e disse que “a política econômica é definida por quem tem votos” e que nenhum dos técnicos havia sido eleito. Como se o mandato eleitoral fosse também para perpetrar ilegalidades.

Vejo a admissão a posteriori das disparadas pelo Congresso Nacional, alimentada por fluidos políticos, também como um procedimento ilegal, de vez que não seguiu os procedimentos do referido artigo. Conforme a transcrição aqui feita, o que ele manda é limitar os empenhos de despesas e a movimentação financeira subsequente. Ora, não houve essas limitações que restringiriam gastos. Entendo também que tal admissão a posteriori das disparadas não significa perdão quanto aos procedimentos ilegais adotados e, assim, não deveria excluir a punição pela realização deles.

Há quem argumente que se essa admissão não ocorresse o governo ficaria impedido de realizar despesas importantes. Ora, isso seria ótimo para revelar dramaticamente a enormidade do desastre fiscal e levar à adoção imediata de medidas corretivas, punitivas e também preventivas de desastres no futuro. Tudo isso mostra a imperiosa necessidade de aprimorar os sensores, alarmes e mecanismos de correção existentes, pois se revelam inadequados.

Políticos fiscalmente irresponsáveis e reincidentes constituem praga que aqui prolifera como a dengue e outras carregadas pelo mosquito Aedes aegypti, em face das fragilidades do saneamento político nacional. E as disparadas se repetiram em 2015, pois só neste mês o Congresso examinou superficial e politicamente o assunto, de novo incorporando nas contas um fato consumado.

Numa empresa ou em outra organização que revelasse um rombo somente percebido com atraso, e cuja governança incluísse auditores internos e externos, isso usualmente levaria a providências para saneá-lo e evitar sua repetição. E, também, à demissão dos executivos responsáveis, o que poderia alcançar ainda os auditores que tardaram a apitar o desastre. O que o Congresso fez foi apenas aceitar um balancete arrombado, e sem essas providências complementares.

Meu artigo anterior previa que este trataria também de uma agenda de crescimento do PIB, paralela ao ajuste fiscal. Mas em face das percepções acima optei por deixá-la para um próximo artigo.

* ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

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