Considerando as urgências relacionadas a uso da internet e democracia, muito se tem falado sobre moderação de conteúdo e desinformação na rede. No entanto, o tema moderação é bem amplo e atinge outros setores da sociedade, principalmente quando se trata de propriedade intelectual.
Não é de hoje que se discute a interação entre propriedade intelectual e tecnologia, principalmente quando se fala em internet. Como esta viabiliza o compartilhamento de dados de forma facilitada, este também se tornou um terreno fértil para o compartilhamento não autorizado de obras protegidas por direitos autorais, como músicas, livros e filmes, além de transmissões paralelas de canais fechados e jogos de futebol.
Para além dos direitos do autor, percebe-se ainda o desenvolvimento constante do comércio online, que também se mostrou um ambiente propício para a venda de produtos falsos. Neste caso, chama-se a atenção para o fato de que consumidores ficam em posição de maior vulnerabilidade, já que não terão acesso ao produto físico no momento da escolha, o que acaba com a possibilidade de análise.
Neste cenário em que é evidente a existência de violações na rede, a moderação de conteúdo torna-se um assunto relevante como possibilidade de reduzir as infrações e proteger os direitos dos titulares.
Quando se fala em desinformação, o papel dos provedores de aplicações, como as redes sociais, é rapidamente questionado no que se refere aos parâmetros e limites de sua atuação. Quando se trata de propriedade intelectual, a situação é similar, uma vez que muitas violações também acontecem por meio de intermediários, a exemplo dos marketplaces.
Nos termos do Marco Civil da Internet, os provedores de aplicações não podem ser responsabilizados por conteúdos desenvolvidos por terceiros, salvo descumprimento de ordem judicial ou em casos específicos ao manter o conteúdo após ter tomado conhecimento da infração, como no caso de pornografia de revanche.
Não raro, as partes afetadas defendem uma responsabilização mais ampla dos provedores e a necessidade da elaboração de medidas mais ativas de repressão, mesmo que em dissonância com as regras estabelecidas pelo Marco Civil.
Do lado dos provedores de aplicações, ressalta-se o elevado volume de conteúdos postados todos os dias, o que praticamente inviabiliza um monitoramento ativo perfeito, em razão das várias nuances entre os conteúdos postados. Logicamente, conteúdos claramente ilegais são mais facilmente identificados. Porém, em muitos outros casos, a situação é mais complexa, como é o próprio caso da venda de produtos contrafeitos, uma vez que é desproporcional esperar que todos os marketplaces sejam capazes de compreender os parâmetros de identificação de produtos falsos em relação a todos os produtos disponíveis.
A exigência de um monitoramento sofisticado também pode gerar impactos concorrenciais, uma vez que players menores no mercado podem não ter a possibilidade de dispor de custos para o desenvolvimento de tecnologias eficientes de moderação da mesma forma como operam as big techs.
No entanto, isso não significa que não haja alternativas ou que os provedores de aplicações devam ignorar o tema.
Sabe-se que a proteção da propriedade intelectual é relevante para o desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural e que as violações na rede geram prejuízos na ordem de bilhões de reais todos os anos. Portanto, é importante a existência de medidas que tornem o ambiente online mais seguro, tanto para quem investe quanto para quem compra.
Nesse sentido, como já é prática entre diversos provedores de aplicações, é interessante o desenvolvimento de canais para denúncias relacionadas a propriedade intelectual, bem como de ferramentas que identifiquem as violações de forma facilitada para uma posterior análise pelos titulares. Dessa forma, dá-se aos titulares a possibilidade de solicitar a remoção dos conteúdos indevidos sem a necessidade do ajuizamento constante de ações que, além de mais custosas, ainda sobrecarregam o Poder Judiciário.
Também é importante que os titulares dos direitos de propriedade intelectual busquem assessoria especializada para lidar com o tema e atuar de forma proativa na proteção de seus direitos online, para que esta seja realizada da forma mais eficiente possível. Sobre esse ponto, observa-se que é possível observar um campo no qual titulares e provedores podem atuar em conjunto para a manutenção de um mercado mais sadio.
Regularmente se discutem possibilidades legislativas sobre o tema e o próprio Projeto de Lei (PL) 2.630/20, conhecido como PL das Fake News, traz pontos sobre direitos do autor (mas nada sobre propriedade industrial e falsificação). No entanto, este é um assunto complexo, com diversos pontos a serem considerados e sobre o qual será necessário um amplo debate até que seja desenvolvida uma solução adequada.
Finalmente, e não menos importante, destaca-se o papel do cidadão sobre o que se consome na internet. Além da necessidade de buscar boas fontes de informação, vale o mesmo para o que se assiste e para o que se compra. A melhor alternativa é sempre buscar por canais oficiais e autorizados, garantindo a licitude da origem do que será consumido e afastando os riscos e prejuízos decorrentes das violações dos direitos de propriedade intelectual.
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ADVOGADA, MESTRE EM PROPRIEDADE INTELECTUAL E INOVAÇÃO E ESPECIALISTA EM DIREITO DIGITAL