Opinião|O ano novo de que necessitamos


O País precisa de uma trilha que lhe permita encontrar um eixo razoável. Não será fácil

Por Marco Aurélio Nogueira

Lamento, mas não será 2017. Talvez seja 2018, se por acaso algumas precondições forem cumpridas. O País está sem fôlego para dar saltos audaciosos e a cada momento se vê diante do risco de só alcançar mais do mesmo. O mundo também não ajuda, há problemas e mal-estar por onde quer que se olhe.

É impossível ter ano novo se o quadro atual se prolongar. Se liberais e parte da esquerda continuarem a culpar o PT e se os petistas e outra parte da esquerda continuarem a detonar Temer, o PMDB e os tucanos. Que futuro poderá haver com deputados e senadores hostilizando o Supremo Tribunal Federal (STF) e com ministros do Supremo fazendo carreira-solo e pressionando o Congresso como mal maior da Nação? Com diversos brasileiros entronizando juízes, promotores e procuradores como se fossem anjos redentores, justiceiros de políticos acanalhados, purificadores da sociedade, e outros tantos brasileiros vendo-os como arbitrários e parciais, personagens de um romance noir repleto de perseguições políticas seletivas?

Impossível ter ano novo com as ruas excitadas, mas sem rumo, iludidas ou com a “caça aos corruptos” ou com a denúncia dos males do “governo usurpador”. Um ano novo não virá com a generalização do denuncismo contra os políticos, contra a grande imprensa, contra o neoliberalismo, contra o PT e contra o que quer que seja. Precisamos virar a chave, sair do negativo, superar a raiva e o ressentimento. Temos de recompor muita coisa, refrear apetites corporativos, conter cálculos eleitorais e aparar a crista dos que se veem imbuídos da missão de refundar o País, como se tudo deles dependesse, homens providenciais, à esquerda e à direita.

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O País precisa desesperadamente de uma bandeira para seguir, uma trilha que lhe permita sair da confusão e encontrar um eixo razoável.

Não será fácil. Primeiro, porque o quadro é grave e está congelado. Segundo, porque não há muitas lideranças políticas qualificadas nem organizações confiáveis (partidos, movimentos, associações, sindicatos), que juntem lé com cré e se disponham a articular Estado e sociedade, somando interesses e promovendo convergências de visões e valores a serem compartilhados por todos. Terceiro, porque faltam centros de coordenação e animação do coletivo.

Um cenário otimista apontaria para a melhoria da economia, que irradiaria melhorias para a política, esfriando ao mesmo tempo a exasperação social. Mas a própria economia é em boa medida uma instância determinada, reflexa. Há variáveis que não dependem dela e há coisas que não se alterarão repentinamente, assim como certos processos seguirão seu curso, indiferentes à retomada do crescimento. Ou alguém acredita que o mundo político vai se recuperar de repente, depois de ter chegado ao osso e ido além?

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A Lava Jato tende a prosseguir lançando seus petardos sobre políticos e partidos. Para o bem e para o mal. Também o STF é uma variável independente, ainda que menos voluntariosa. Sua lentidão, sua maior ou menor disposição de funcionar como poder moderador e guardião da Constituição, seu maior ou menor ativismo são fatores difíceis de serem controlados. As divisões internas da Corte, o protagonismo de seus integrantes, a degradação das relações entre eles fazem com que o próprio Judiciário fique com menos poder, atritam seu relacionamento com os demais poderes e alimentam a crise institucional.

Olhemos para o governo. É vacilante, frágil, parece desorientado, não dispõe de apoio popular. Tenta construir um atalho na economia e nas contas públicas, mas a política o faz sangrar em praça pública. É um governo que não se coordena, não coordena suas políticas nem coordena suas relações com a sociedade. Funciona aos trancos, no vai-da-valsa, sem motorista. Foi assim que chegou ao final do ano. E é fácil de prever que, se não se reformular de forma abrangente e rápida, irá para o caos e levará o País consigo.

Olhemos para as oposições. Estão envoltas numa fase de histrionismo extremo, ressentimento e ausência de ideias, sem nenhum plano de voo a não ser “Fora Temer” e “Diretas Já”. Nem sequer se perguntam o que acontecerá se por acaso vierem eleições antecipadas, o que será oferecido à população, por quais candidatos.

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A sociedade precisa se reencontrar com a política e o Estado. Agir como comunidade política. Ter uma plataforma de convergências. Somente assim será possível interromper o ciclo nefasto em que nos encontramos e sair do circuito de crises que se remetem umas às outras. É ingenuidade achar que haverá ano novo sem desprendimento, humildade e coragem para largar ao mar certos destroços e enterrar alguns mortos queridos. O norte tem de ser o futuro, o novo, não o passado, o velho.

Todas as partes políticas deveriam se dedicar a isto: definir o que desejam e com quem podem avançar, olhar para dentro de si mesmas, extirpar os pedaços podres que carregam no ventre, reduzir a animosidade em favor da paciência e da tolerância. Parar de amplificar artificialmente o poder dos Poderes. Trocar o conflito pela cooperação, ceder os anéis para não perder os dedos, fazer cálculos mais estratégicos do que táticos. Substituir a crítica das armas pela arma da crítica. Construir pontes para o presente, não só para o futuro.

A repactuação política se mostra como caminho virtuoso. Mas não se sabe quem poderá coordená-la e promovê-la, que passos terão de ser dados para viabilizá-la, se ela passará por eleições antecipadas, por uma Constituinte exclusiva ou por uma frente política de união nacional.

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Sabe-se, porém, que aos democratas – liberais, socialistas, esquerda democrática – estará reservado o papel principal. Sem eles, sem seu ativismo e sem seu desprendimento, não surgirá alternativa viável, que trace um mapa para o País e dê referências às ruas, ao conjunto da sociedade. Esse o molde do ano novo de que necessitamos.

Difícil, mas não impossível.

Bom 2017 para todos.

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*Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

Lamento, mas não será 2017. Talvez seja 2018, se por acaso algumas precondições forem cumpridas. O País está sem fôlego para dar saltos audaciosos e a cada momento se vê diante do risco de só alcançar mais do mesmo. O mundo também não ajuda, há problemas e mal-estar por onde quer que se olhe.

É impossível ter ano novo se o quadro atual se prolongar. Se liberais e parte da esquerda continuarem a culpar o PT e se os petistas e outra parte da esquerda continuarem a detonar Temer, o PMDB e os tucanos. Que futuro poderá haver com deputados e senadores hostilizando o Supremo Tribunal Federal (STF) e com ministros do Supremo fazendo carreira-solo e pressionando o Congresso como mal maior da Nação? Com diversos brasileiros entronizando juízes, promotores e procuradores como se fossem anjos redentores, justiceiros de políticos acanalhados, purificadores da sociedade, e outros tantos brasileiros vendo-os como arbitrários e parciais, personagens de um romance noir repleto de perseguições políticas seletivas?

Impossível ter ano novo com as ruas excitadas, mas sem rumo, iludidas ou com a “caça aos corruptos” ou com a denúncia dos males do “governo usurpador”. Um ano novo não virá com a generalização do denuncismo contra os políticos, contra a grande imprensa, contra o neoliberalismo, contra o PT e contra o que quer que seja. Precisamos virar a chave, sair do negativo, superar a raiva e o ressentimento. Temos de recompor muita coisa, refrear apetites corporativos, conter cálculos eleitorais e aparar a crista dos que se veem imbuídos da missão de refundar o País, como se tudo deles dependesse, homens providenciais, à esquerda e à direita.

O País precisa desesperadamente de uma bandeira para seguir, uma trilha que lhe permita sair da confusão e encontrar um eixo razoável.

Não será fácil. Primeiro, porque o quadro é grave e está congelado. Segundo, porque não há muitas lideranças políticas qualificadas nem organizações confiáveis (partidos, movimentos, associações, sindicatos), que juntem lé com cré e se disponham a articular Estado e sociedade, somando interesses e promovendo convergências de visões e valores a serem compartilhados por todos. Terceiro, porque faltam centros de coordenação e animação do coletivo.

Um cenário otimista apontaria para a melhoria da economia, que irradiaria melhorias para a política, esfriando ao mesmo tempo a exasperação social. Mas a própria economia é em boa medida uma instância determinada, reflexa. Há variáveis que não dependem dela e há coisas que não se alterarão repentinamente, assim como certos processos seguirão seu curso, indiferentes à retomada do crescimento. Ou alguém acredita que o mundo político vai se recuperar de repente, depois de ter chegado ao osso e ido além?

A Lava Jato tende a prosseguir lançando seus petardos sobre políticos e partidos. Para o bem e para o mal. Também o STF é uma variável independente, ainda que menos voluntariosa. Sua lentidão, sua maior ou menor disposição de funcionar como poder moderador e guardião da Constituição, seu maior ou menor ativismo são fatores difíceis de serem controlados. As divisões internas da Corte, o protagonismo de seus integrantes, a degradação das relações entre eles fazem com que o próprio Judiciário fique com menos poder, atritam seu relacionamento com os demais poderes e alimentam a crise institucional.

Olhemos para o governo. É vacilante, frágil, parece desorientado, não dispõe de apoio popular. Tenta construir um atalho na economia e nas contas públicas, mas a política o faz sangrar em praça pública. É um governo que não se coordena, não coordena suas políticas nem coordena suas relações com a sociedade. Funciona aos trancos, no vai-da-valsa, sem motorista. Foi assim que chegou ao final do ano. E é fácil de prever que, se não se reformular de forma abrangente e rápida, irá para o caos e levará o País consigo.

Olhemos para as oposições. Estão envoltas numa fase de histrionismo extremo, ressentimento e ausência de ideias, sem nenhum plano de voo a não ser “Fora Temer” e “Diretas Já”. Nem sequer se perguntam o que acontecerá se por acaso vierem eleições antecipadas, o que será oferecido à população, por quais candidatos.

A sociedade precisa se reencontrar com a política e o Estado. Agir como comunidade política. Ter uma plataforma de convergências. Somente assim será possível interromper o ciclo nefasto em que nos encontramos e sair do circuito de crises que se remetem umas às outras. É ingenuidade achar que haverá ano novo sem desprendimento, humildade e coragem para largar ao mar certos destroços e enterrar alguns mortos queridos. O norte tem de ser o futuro, o novo, não o passado, o velho.

Todas as partes políticas deveriam se dedicar a isto: definir o que desejam e com quem podem avançar, olhar para dentro de si mesmas, extirpar os pedaços podres que carregam no ventre, reduzir a animosidade em favor da paciência e da tolerância. Parar de amplificar artificialmente o poder dos Poderes. Trocar o conflito pela cooperação, ceder os anéis para não perder os dedos, fazer cálculos mais estratégicos do que táticos. Substituir a crítica das armas pela arma da crítica. Construir pontes para o presente, não só para o futuro.

A repactuação política se mostra como caminho virtuoso. Mas não se sabe quem poderá coordená-la e promovê-la, que passos terão de ser dados para viabilizá-la, se ela passará por eleições antecipadas, por uma Constituinte exclusiva ou por uma frente política de união nacional.

Sabe-se, porém, que aos democratas – liberais, socialistas, esquerda democrática – estará reservado o papel principal. Sem eles, sem seu ativismo e sem seu desprendimento, não surgirá alternativa viável, que trace um mapa para o País e dê referências às ruas, ao conjunto da sociedade. Esse o molde do ano novo de que necessitamos.

Difícil, mas não impossível.

Bom 2017 para todos.

*Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

Lamento, mas não será 2017. Talvez seja 2018, se por acaso algumas precondições forem cumpridas. O País está sem fôlego para dar saltos audaciosos e a cada momento se vê diante do risco de só alcançar mais do mesmo. O mundo também não ajuda, há problemas e mal-estar por onde quer que se olhe.

É impossível ter ano novo se o quadro atual se prolongar. Se liberais e parte da esquerda continuarem a culpar o PT e se os petistas e outra parte da esquerda continuarem a detonar Temer, o PMDB e os tucanos. Que futuro poderá haver com deputados e senadores hostilizando o Supremo Tribunal Federal (STF) e com ministros do Supremo fazendo carreira-solo e pressionando o Congresso como mal maior da Nação? Com diversos brasileiros entronizando juízes, promotores e procuradores como se fossem anjos redentores, justiceiros de políticos acanalhados, purificadores da sociedade, e outros tantos brasileiros vendo-os como arbitrários e parciais, personagens de um romance noir repleto de perseguições políticas seletivas?

Impossível ter ano novo com as ruas excitadas, mas sem rumo, iludidas ou com a “caça aos corruptos” ou com a denúncia dos males do “governo usurpador”. Um ano novo não virá com a generalização do denuncismo contra os políticos, contra a grande imprensa, contra o neoliberalismo, contra o PT e contra o que quer que seja. Precisamos virar a chave, sair do negativo, superar a raiva e o ressentimento. Temos de recompor muita coisa, refrear apetites corporativos, conter cálculos eleitorais e aparar a crista dos que se veem imbuídos da missão de refundar o País, como se tudo deles dependesse, homens providenciais, à esquerda e à direita.

O País precisa desesperadamente de uma bandeira para seguir, uma trilha que lhe permita sair da confusão e encontrar um eixo razoável.

Não será fácil. Primeiro, porque o quadro é grave e está congelado. Segundo, porque não há muitas lideranças políticas qualificadas nem organizações confiáveis (partidos, movimentos, associações, sindicatos), que juntem lé com cré e se disponham a articular Estado e sociedade, somando interesses e promovendo convergências de visões e valores a serem compartilhados por todos. Terceiro, porque faltam centros de coordenação e animação do coletivo.

Um cenário otimista apontaria para a melhoria da economia, que irradiaria melhorias para a política, esfriando ao mesmo tempo a exasperação social. Mas a própria economia é em boa medida uma instância determinada, reflexa. Há variáveis que não dependem dela e há coisas que não se alterarão repentinamente, assim como certos processos seguirão seu curso, indiferentes à retomada do crescimento. Ou alguém acredita que o mundo político vai se recuperar de repente, depois de ter chegado ao osso e ido além?

A Lava Jato tende a prosseguir lançando seus petardos sobre políticos e partidos. Para o bem e para o mal. Também o STF é uma variável independente, ainda que menos voluntariosa. Sua lentidão, sua maior ou menor disposição de funcionar como poder moderador e guardião da Constituição, seu maior ou menor ativismo são fatores difíceis de serem controlados. As divisões internas da Corte, o protagonismo de seus integrantes, a degradação das relações entre eles fazem com que o próprio Judiciário fique com menos poder, atritam seu relacionamento com os demais poderes e alimentam a crise institucional.

Olhemos para o governo. É vacilante, frágil, parece desorientado, não dispõe de apoio popular. Tenta construir um atalho na economia e nas contas públicas, mas a política o faz sangrar em praça pública. É um governo que não se coordena, não coordena suas políticas nem coordena suas relações com a sociedade. Funciona aos trancos, no vai-da-valsa, sem motorista. Foi assim que chegou ao final do ano. E é fácil de prever que, se não se reformular de forma abrangente e rápida, irá para o caos e levará o País consigo.

Olhemos para as oposições. Estão envoltas numa fase de histrionismo extremo, ressentimento e ausência de ideias, sem nenhum plano de voo a não ser “Fora Temer” e “Diretas Já”. Nem sequer se perguntam o que acontecerá se por acaso vierem eleições antecipadas, o que será oferecido à população, por quais candidatos.

A sociedade precisa se reencontrar com a política e o Estado. Agir como comunidade política. Ter uma plataforma de convergências. Somente assim será possível interromper o ciclo nefasto em que nos encontramos e sair do circuito de crises que se remetem umas às outras. É ingenuidade achar que haverá ano novo sem desprendimento, humildade e coragem para largar ao mar certos destroços e enterrar alguns mortos queridos. O norte tem de ser o futuro, o novo, não o passado, o velho.

Todas as partes políticas deveriam se dedicar a isto: definir o que desejam e com quem podem avançar, olhar para dentro de si mesmas, extirpar os pedaços podres que carregam no ventre, reduzir a animosidade em favor da paciência e da tolerância. Parar de amplificar artificialmente o poder dos Poderes. Trocar o conflito pela cooperação, ceder os anéis para não perder os dedos, fazer cálculos mais estratégicos do que táticos. Substituir a crítica das armas pela arma da crítica. Construir pontes para o presente, não só para o futuro.

A repactuação política se mostra como caminho virtuoso. Mas não se sabe quem poderá coordená-la e promovê-la, que passos terão de ser dados para viabilizá-la, se ela passará por eleições antecipadas, por uma Constituinte exclusiva ou por uma frente política de união nacional.

Sabe-se, porém, que aos democratas – liberais, socialistas, esquerda democrática – estará reservado o papel principal. Sem eles, sem seu ativismo e sem seu desprendimento, não surgirá alternativa viável, que trace um mapa para o País e dê referências às ruas, ao conjunto da sociedade. Esse o molde do ano novo de que necessitamos.

Difícil, mas não impossível.

Bom 2017 para todos.

*Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

Lamento, mas não será 2017. Talvez seja 2018, se por acaso algumas precondições forem cumpridas. O País está sem fôlego para dar saltos audaciosos e a cada momento se vê diante do risco de só alcançar mais do mesmo. O mundo também não ajuda, há problemas e mal-estar por onde quer que se olhe.

É impossível ter ano novo se o quadro atual se prolongar. Se liberais e parte da esquerda continuarem a culpar o PT e se os petistas e outra parte da esquerda continuarem a detonar Temer, o PMDB e os tucanos. Que futuro poderá haver com deputados e senadores hostilizando o Supremo Tribunal Federal (STF) e com ministros do Supremo fazendo carreira-solo e pressionando o Congresso como mal maior da Nação? Com diversos brasileiros entronizando juízes, promotores e procuradores como se fossem anjos redentores, justiceiros de políticos acanalhados, purificadores da sociedade, e outros tantos brasileiros vendo-os como arbitrários e parciais, personagens de um romance noir repleto de perseguições políticas seletivas?

Impossível ter ano novo com as ruas excitadas, mas sem rumo, iludidas ou com a “caça aos corruptos” ou com a denúncia dos males do “governo usurpador”. Um ano novo não virá com a generalização do denuncismo contra os políticos, contra a grande imprensa, contra o neoliberalismo, contra o PT e contra o que quer que seja. Precisamos virar a chave, sair do negativo, superar a raiva e o ressentimento. Temos de recompor muita coisa, refrear apetites corporativos, conter cálculos eleitorais e aparar a crista dos que se veem imbuídos da missão de refundar o País, como se tudo deles dependesse, homens providenciais, à esquerda e à direita.

O País precisa desesperadamente de uma bandeira para seguir, uma trilha que lhe permita sair da confusão e encontrar um eixo razoável.

Não será fácil. Primeiro, porque o quadro é grave e está congelado. Segundo, porque não há muitas lideranças políticas qualificadas nem organizações confiáveis (partidos, movimentos, associações, sindicatos), que juntem lé com cré e se disponham a articular Estado e sociedade, somando interesses e promovendo convergências de visões e valores a serem compartilhados por todos. Terceiro, porque faltam centros de coordenação e animação do coletivo.

Um cenário otimista apontaria para a melhoria da economia, que irradiaria melhorias para a política, esfriando ao mesmo tempo a exasperação social. Mas a própria economia é em boa medida uma instância determinada, reflexa. Há variáveis que não dependem dela e há coisas que não se alterarão repentinamente, assim como certos processos seguirão seu curso, indiferentes à retomada do crescimento. Ou alguém acredita que o mundo político vai se recuperar de repente, depois de ter chegado ao osso e ido além?

A Lava Jato tende a prosseguir lançando seus petardos sobre políticos e partidos. Para o bem e para o mal. Também o STF é uma variável independente, ainda que menos voluntariosa. Sua lentidão, sua maior ou menor disposição de funcionar como poder moderador e guardião da Constituição, seu maior ou menor ativismo são fatores difíceis de serem controlados. As divisões internas da Corte, o protagonismo de seus integrantes, a degradação das relações entre eles fazem com que o próprio Judiciário fique com menos poder, atritam seu relacionamento com os demais poderes e alimentam a crise institucional.

Olhemos para o governo. É vacilante, frágil, parece desorientado, não dispõe de apoio popular. Tenta construir um atalho na economia e nas contas públicas, mas a política o faz sangrar em praça pública. É um governo que não se coordena, não coordena suas políticas nem coordena suas relações com a sociedade. Funciona aos trancos, no vai-da-valsa, sem motorista. Foi assim que chegou ao final do ano. E é fácil de prever que, se não se reformular de forma abrangente e rápida, irá para o caos e levará o País consigo.

Olhemos para as oposições. Estão envoltas numa fase de histrionismo extremo, ressentimento e ausência de ideias, sem nenhum plano de voo a não ser “Fora Temer” e “Diretas Já”. Nem sequer se perguntam o que acontecerá se por acaso vierem eleições antecipadas, o que será oferecido à população, por quais candidatos.

A sociedade precisa se reencontrar com a política e o Estado. Agir como comunidade política. Ter uma plataforma de convergências. Somente assim será possível interromper o ciclo nefasto em que nos encontramos e sair do circuito de crises que se remetem umas às outras. É ingenuidade achar que haverá ano novo sem desprendimento, humildade e coragem para largar ao mar certos destroços e enterrar alguns mortos queridos. O norte tem de ser o futuro, o novo, não o passado, o velho.

Todas as partes políticas deveriam se dedicar a isto: definir o que desejam e com quem podem avançar, olhar para dentro de si mesmas, extirpar os pedaços podres que carregam no ventre, reduzir a animosidade em favor da paciência e da tolerância. Parar de amplificar artificialmente o poder dos Poderes. Trocar o conflito pela cooperação, ceder os anéis para não perder os dedos, fazer cálculos mais estratégicos do que táticos. Substituir a crítica das armas pela arma da crítica. Construir pontes para o presente, não só para o futuro.

A repactuação política se mostra como caminho virtuoso. Mas não se sabe quem poderá coordená-la e promovê-la, que passos terão de ser dados para viabilizá-la, se ela passará por eleições antecipadas, por uma Constituinte exclusiva ou por uma frente política de união nacional.

Sabe-se, porém, que aos democratas – liberais, socialistas, esquerda democrática – estará reservado o papel principal. Sem eles, sem seu ativismo e sem seu desprendimento, não surgirá alternativa viável, que trace um mapa para o País e dê referências às ruas, ao conjunto da sociedade. Esse o molde do ano novo de que necessitamos.

Difícil, mas não impossível.

Bom 2017 para todos.

*Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

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