Opinião|Para onde vamos todos nós?


Os excêntricos planos de ação do governo Bolsonaro abafam os alertas da ciência

Por Flávio Tavares

O corte do cabelo presidencial virou ato de governo, transmitido ao vivo (e de viva voz), publicado e publicitado com a transparência que a democracia exige. Só faltou aparecer no Diário Oficial da União…

Jair Bolsonaro saltou da austera e respeitável poltrona presidencial para a popular cadeira de barbeiro sem sair do palácio. Ele mesmo transmitiu o ato pelo Twitter, solto e confortável naquela capa branca usada nos “salões”. Nada que ver com a capinha preta dos juízes, desembargadores e ministros do Supremo, velho símbolo do respeito à lei e, assim, incômoda e desajeitada num país onde a lei é vista e analisada para ser lesada.

Ele tinha agendado dia e hora com o cabeleireiro e, assim, cancelou a reunião com o ministro das Relações Exteriores da França, que voltou a Paris sem falar com o presidente do Brasil.

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A fotografia do nosso presidente cortando o cabelo é a mostra histórica da inesperada comédia de um novo e tosco populismo. Não chegaram a tanto os dois populistas-modelo que São Paulo outorgou ao Brasil.

O boquirroto (e palhacesco) Ademar de Barros era até austero comparado com o que se escuta hoje, aos quatro ventos. A demagogia de Jânio Quadros foi um expediente de campanha eleitoral que o fez governador e, logo, presidente da República. Comandou o Brasil como um pêndulo, oscilando de ridículos atos internos a uma política externa independente nos difíceis anos da guerra fria. Elegante no linguajar, não distorceu a História.

Bolsonaro conquistou a Presidência numa concreta “revolução pelo voto”. Os eleitores confiaram nos novos tempos prometidos por quem iria combater a corrupção. Não importavam o linguajar rude nem o exibicionismo de que simulasse um revólver com a mão direita ou, com os dois braços, imitasse uma metralhadora. O culto à violência foi interpretado de boa-fé como coragem.

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Agora, porém, o linguajar presidencial transborda violência. E os excêntricos planos de ação, às vezes, abafam até os alertas da ciência. Despreza as advertências sobre os cuidados com o meio ambiente que ameaçam a vida no planeta.

Quase a cada dia surge algo estapafúrdio. Nos últimos 30 dias destes sete meses, expandiu-se a exacerbação incompreensível. Atacou veganos e vegetarianos, como se fosse crime a opção alimentar em defesa da saúde.

Nos ataques à jornalista e escritora Miriam Leitão, inventou situações para tachá-la de “mentirosa” por ter revelado que (aos 19 anos de idade e grávida) foi torturada na prisão nos tempos da ditadura. Com isso o presidente agrediu a própria História. Mas o que amedronta é que, assim, o presidente estimulou os violentos que ameaçaram Miriam e o sociólogo Sérgio Abranches e os impediram de participar da feira do livro de Jaraguá do Sul (SC).

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Logo, o palavreado cresceu em fúria contra o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por ter assegurado os direitos de sigilo dos advogados em defesa de seus clientes, no caso da facada que o então candidato Bolsonaro sofreu. Dessa vez, agrediu o pai, Fernando Santa Cruz (morto na prisão do DOI-Codi em 1974) para agredir o filho, então criança. Não importou sequer que documento do atual governo informasse que Fernando morreu na prisão.

“Não existem documentos se matou ou não matou. Isto é balela. Se quiserem, eu conto como ele foi morto por membros da própria organização dele, a mais brutal que havia”, disse o presidente. Antes, havia dito que morrera em bebedeira no carnaval… Santa Cruz pai participou da Ação Popular (AP), como, na época, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho das campanhas contra a fome e a aids.

Jamais se usou linguagem tão vulgar. Nem nos tempos do Estado Novo ou na ditadura imposta em 1964, quando os presidentes usufruíam poder amplo, quase total.

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A vulgaridade destituída de sentido continuou, porém. O presidente chegou a negar a morte de um cacique indígena em mãos de fazendeiros, no Amapá. Logo, não se apiedou sequer do massacre em Altamira, no Pará, com presos degolados e as cabeças usadas para jogar bola, com tudo filmado…

Mas, e o devaneio de transformar a bela Angra dos Reis (onde Bolsonaro tem casa há anos) numa “Cancún brasileira”, tão vulgar e mercantil como a matriz mexicana? É inexplicável, porém, que queira mudar as regras que punem o trabalho escravo, em especial no agro, como promete. Ele acaba de facilitar as regras que protegiam a segurança e saúde no trabalho, o que já basta para gerar medo…

Pior, porém, é o presidente contradizer a ciência. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, presta serviços fundamentais ao País e à humanidade ao alertar para o progressivo desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica. Seus dados não são inventados a esmo por um burocrata, mas – sim – conclusões de botânicos e biólogos a partir de observações dos satélites artificiais ao longo de anos e anos.

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O presidente, porém, discorda e nega aquilo que os satélites viram e fotografaram sobre o progressivo aumento da mineração e das derrubadas na Amazônia.

Os organismos científicos governamentais existem para amparar os governos no cotidiano. Têm missão objetiva. Não são uma bijuteria que adorne o quadro do funcionalismo. Em vez de estruturar as ações futuras do governo a partir dessas observações concretas, o presidente simplesmente desconhece (e até nega) aquilo que poderia guiá-lo.

Esse desdém procura o quê?

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Indaga-se: a vulgaridade é ponto de partida que leve a uma estupidez generalizada, que começa negando observação e a pesquisa científica e, neste século 21 de moderna tecnologia, nos faça retroagir às trevas medievais?

*JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA EM 2000 E 2005, PRÊMIO APCA EM 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

O corte do cabelo presidencial virou ato de governo, transmitido ao vivo (e de viva voz), publicado e publicitado com a transparência que a democracia exige. Só faltou aparecer no Diário Oficial da União…

Jair Bolsonaro saltou da austera e respeitável poltrona presidencial para a popular cadeira de barbeiro sem sair do palácio. Ele mesmo transmitiu o ato pelo Twitter, solto e confortável naquela capa branca usada nos “salões”. Nada que ver com a capinha preta dos juízes, desembargadores e ministros do Supremo, velho símbolo do respeito à lei e, assim, incômoda e desajeitada num país onde a lei é vista e analisada para ser lesada.

Ele tinha agendado dia e hora com o cabeleireiro e, assim, cancelou a reunião com o ministro das Relações Exteriores da França, que voltou a Paris sem falar com o presidente do Brasil.

A fotografia do nosso presidente cortando o cabelo é a mostra histórica da inesperada comédia de um novo e tosco populismo. Não chegaram a tanto os dois populistas-modelo que São Paulo outorgou ao Brasil.

O boquirroto (e palhacesco) Ademar de Barros era até austero comparado com o que se escuta hoje, aos quatro ventos. A demagogia de Jânio Quadros foi um expediente de campanha eleitoral que o fez governador e, logo, presidente da República. Comandou o Brasil como um pêndulo, oscilando de ridículos atos internos a uma política externa independente nos difíceis anos da guerra fria. Elegante no linguajar, não distorceu a História.

Bolsonaro conquistou a Presidência numa concreta “revolução pelo voto”. Os eleitores confiaram nos novos tempos prometidos por quem iria combater a corrupção. Não importavam o linguajar rude nem o exibicionismo de que simulasse um revólver com a mão direita ou, com os dois braços, imitasse uma metralhadora. O culto à violência foi interpretado de boa-fé como coragem.

Agora, porém, o linguajar presidencial transborda violência. E os excêntricos planos de ação, às vezes, abafam até os alertas da ciência. Despreza as advertências sobre os cuidados com o meio ambiente que ameaçam a vida no planeta.

Quase a cada dia surge algo estapafúrdio. Nos últimos 30 dias destes sete meses, expandiu-se a exacerbação incompreensível. Atacou veganos e vegetarianos, como se fosse crime a opção alimentar em defesa da saúde.

Nos ataques à jornalista e escritora Miriam Leitão, inventou situações para tachá-la de “mentirosa” por ter revelado que (aos 19 anos de idade e grávida) foi torturada na prisão nos tempos da ditadura. Com isso o presidente agrediu a própria História. Mas o que amedronta é que, assim, o presidente estimulou os violentos que ameaçaram Miriam e o sociólogo Sérgio Abranches e os impediram de participar da feira do livro de Jaraguá do Sul (SC).

Logo, o palavreado cresceu em fúria contra o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por ter assegurado os direitos de sigilo dos advogados em defesa de seus clientes, no caso da facada que o então candidato Bolsonaro sofreu. Dessa vez, agrediu o pai, Fernando Santa Cruz (morto na prisão do DOI-Codi em 1974) para agredir o filho, então criança. Não importou sequer que documento do atual governo informasse que Fernando morreu na prisão.

“Não existem documentos se matou ou não matou. Isto é balela. Se quiserem, eu conto como ele foi morto por membros da própria organização dele, a mais brutal que havia”, disse o presidente. Antes, havia dito que morrera em bebedeira no carnaval… Santa Cruz pai participou da Ação Popular (AP), como, na época, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho das campanhas contra a fome e a aids.

Jamais se usou linguagem tão vulgar. Nem nos tempos do Estado Novo ou na ditadura imposta em 1964, quando os presidentes usufruíam poder amplo, quase total.

A vulgaridade destituída de sentido continuou, porém. O presidente chegou a negar a morte de um cacique indígena em mãos de fazendeiros, no Amapá. Logo, não se apiedou sequer do massacre em Altamira, no Pará, com presos degolados e as cabeças usadas para jogar bola, com tudo filmado…

Mas, e o devaneio de transformar a bela Angra dos Reis (onde Bolsonaro tem casa há anos) numa “Cancún brasileira”, tão vulgar e mercantil como a matriz mexicana? É inexplicável, porém, que queira mudar as regras que punem o trabalho escravo, em especial no agro, como promete. Ele acaba de facilitar as regras que protegiam a segurança e saúde no trabalho, o que já basta para gerar medo…

Pior, porém, é o presidente contradizer a ciência. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, presta serviços fundamentais ao País e à humanidade ao alertar para o progressivo desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica. Seus dados não são inventados a esmo por um burocrata, mas – sim – conclusões de botânicos e biólogos a partir de observações dos satélites artificiais ao longo de anos e anos.

O presidente, porém, discorda e nega aquilo que os satélites viram e fotografaram sobre o progressivo aumento da mineração e das derrubadas na Amazônia.

Os organismos científicos governamentais existem para amparar os governos no cotidiano. Têm missão objetiva. Não são uma bijuteria que adorne o quadro do funcionalismo. Em vez de estruturar as ações futuras do governo a partir dessas observações concretas, o presidente simplesmente desconhece (e até nega) aquilo que poderia guiá-lo.

Esse desdém procura o quê?

Indaga-se: a vulgaridade é ponto de partida que leve a uma estupidez generalizada, que começa negando observação e a pesquisa científica e, neste século 21 de moderna tecnologia, nos faça retroagir às trevas medievais?

*JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA EM 2000 E 2005, PRÊMIO APCA EM 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

O corte do cabelo presidencial virou ato de governo, transmitido ao vivo (e de viva voz), publicado e publicitado com a transparência que a democracia exige. Só faltou aparecer no Diário Oficial da União…

Jair Bolsonaro saltou da austera e respeitável poltrona presidencial para a popular cadeira de barbeiro sem sair do palácio. Ele mesmo transmitiu o ato pelo Twitter, solto e confortável naquela capa branca usada nos “salões”. Nada que ver com a capinha preta dos juízes, desembargadores e ministros do Supremo, velho símbolo do respeito à lei e, assim, incômoda e desajeitada num país onde a lei é vista e analisada para ser lesada.

Ele tinha agendado dia e hora com o cabeleireiro e, assim, cancelou a reunião com o ministro das Relações Exteriores da França, que voltou a Paris sem falar com o presidente do Brasil.

A fotografia do nosso presidente cortando o cabelo é a mostra histórica da inesperada comédia de um novo e tosco populismo. Não chegaram a tanto os dois populistas-modelo que São Paulo outorgou ao Brasil.

O boquirroto (e palhacesco) Ademar de Barros era até austero comparado com o que se escuta hoje, aos quatro ventos. A demagogia de Jânio Quadros foi um expediente de campanha eleitoral que o fez governador e, logo, presidente da República. Comandou o Brasil como um pêndulo, oscilando de ridículos atos internos a uma política externa independente nos difíceis anos da guerra fria. Elegante no linguajar, não distorceu a História.

Bolsonaro conquistou a Presidência numa concreta “revolução pelo voto”. Os eleitores confiaram nos novos tempos prometidos por quem iria combater a corrupção. Não importavam o linguajar rude nem o exibicionismo de que simulasse um revólver com a mão direita ou, com os dois braços, imitasse uma metralhadora. O culto à violência foi interpretado de boa-fé como coragem.

Agora, porém, o linguajar presidencial transborda violência. E os excêntricos planos de ação, às vezes, abafam até os alertas da ciência. Despreza as advertências sobre os cuidados com o meio ambiente que ameaçam a vida no planeta.

Quase a cada dia surge algo estapafúrdio. Nos últimos 30 dias destes sete meses, expandiu-se a exacerbação incompreensível. Atacou veganos e vegetarianos, como se fosse crime a opção alimentar em defesa da saúde.

Nos ataques à jornalista e escritora Miriam Leitão, inventou situações para tachá-la de “mentirosa” por ter revelado que (aos 19 anos de idade e grávida) foi torturada na prisão nos tempos da ditadura. Com isso o presidente agrediu a própria História. Mas o que amedronta é que, assim, o presidente estimulou os violentos que ameaçaram Miriam e o sociólogo Sérgio Abranches e os impediram de participar da feira do livro de Jaraguá do Sul (SC).

Logo, o palavreado cresceu em fúria contra o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por ter assegurado os direitos de sigilo dos advogados em defesa de seus clientes, no caso da facada que o então candidato Bolsonaro sofreu. Dessa vez, agrediu o pai, Fernando Santa Cruz (morto na prisão do DOI-Codi em 1974) para agredir o filho, então criança. Não importou sequer que documento do atual governo informasse que Fernando morreu na prisão.

“Não existem documentos se matou ou não matou. Isto é balela. Se quiserem, eu conto como ele foi morto por membros da própria organização dele, a mais brutal que havia”, disse o presidente. Antes, havia dito que morrera em bebedeira no carnaval… Santa Cruz pai participou da Ação Popular (AP), como, na época, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho das campanhas contra a fome e a aids.

Jamais se usou linguagem tão vulgar. Nem nos tempos do Estado Novo ou na ditadura imposta em 1964, quando os presidentes usufruíam poder amplo, quase total.

A vulgaridade destituída de sentido continuou, porém. O presidente chegou a negar a morte de um cacique indígena em mãos de fazendeiros, no Amapá. Logo, não se apiedou sequer do massacre em Altamira, no Pará, com presos degolados e as cabeças usadas para jogar bola, com tudo filmado…

Mas, e o devaneio de transformar a bela Angra dos Reis (onde Bolsonaro tem casa há anos) numa “Cancún brasileira”, tão vulgar e mercantil como a matriz mexicana? É inexplicável, porém, que queira mudar as regras que punem o trabalho escravo, em especial no agro, como promete. Ele acaba de facilitar as regras que protegiam a segurança e saúde no trabalho, o que já basta para gerar medo…

Pior, porém, é o presidente contradizer a ciência. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, presta serviços fundamentais ao País e à humanidade ao alertar para o progressivo desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica. Seus dados não são inventados a esmo por um burocrata, mas – sim – conclusões de botânicos e biólogos a partir de observações dos satélites artificiais ao longo de anos e anos.

O presidente, porém, discorda e nega aquilo que os satélites viram e fotografaram sobre o progressivo aumento da mineração e das derrubadas na Amazônia.

Os organismos científicos governamentais existem para amparar os governos no cotidiano. Têm missão objetiva. Não são uma bijuteria que adorne o quadro do funcionalismo. Em vez de estruturar as ações futuras do governo a partir dessas observações concretas, o presidente simplesmente desconhece (e até nega) aquilo que poderia guiá-lo.

Esse desdém procura o quê?

Indaga-se: a vulgaridade é ponto de partida que leve a uma estupidez generalizada, que começa negando observação e a pesquisa científica e, neste século 21 de moderna tecnologia, nos faça retroagir às trevas medievais?

*JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA EM 2000 E 2005, PRÊMIO APCA EM 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

O corte do cabelo presidencial virou ato de governo, transmitido ao vivo (e de viva voz), publicado e publicitado com a transparência que a democracia exige. Só faltou aparecer no Diário Oficial da União…

Jair Bolsonaro saltou da austera e respeitável poltrona presidencial para a popular cadeira de barbeiro sem sair do palácio. Ele mesmo transmitiu o ato pelo Twitter, solto e confortável naquela capa branca usada nos “salões”. Nada que ver com a capinha preta dos juízes, desembargadores e ministros do Supremo, velho símbolo do respeito à lei e, assim, incômoda e desajeitada num país onde a lei é vista e analisada para ser lesada.

Ele tinha agendado dia e hora com o cabeleireiro e, assim, cancelou a reunião com o ministro das Relações Exteriores da França, que voltou a Paris sem falar com o presidente do Brasil.

A fotografia do nosso presidente cortando o cabelo é a mostra histórica da inesperada comédia de um novo e tosco populismo. Não chegaram a tanto os dois populistas-modelo que São Paulo outorgou ao Brasil.

O boquirroto (e palhacesco) Ademar de Barros era até austero comparado com o que se escuta hoje, aos quatro ventos. A demagogia de Jânio Quadros foi um expediente de campanha eleitoral que o fez governador e, logo, presidente da República. Comandou o Brasil como um pêndulo, oscilando de ridículos atos internos a uma política externa independente nos difíceis anos da guerra fria. Elegante no linguajar, não distorceu a História.

Bolsonaro conquistou a Presidência numa concreta “revolução pelo voto”. Os eleitores confiaram nos novos tempos prometidos por quem iria combater a corrupção. Não importavam o linguajar rude nem o exibicionismo de que simulasse um revólver com a mão direita ou, com os dois braços, imitasse uma metralhadora. O culto à violência foi interpretado de boa-fé como coragem.

Agora, porém, o linguajar presidencial transborda violência. E os excêntricos planos de ação, às vezes, abafam até os alertas da ciência. Despreza as advertências sobre os cuidados com o meio ambiente que ameaçam a vida no planeta.

Quase a cada dia surge algo estapafúrdio. Nos últimos 30 dias destes sete meses, expandiu-se a exacerbação incompreensível. Atacou veganos e vegetarianos, como se fosse crime a opção alimentar em defesa da saúde.

Nos ataques à jornalista e escritora Miriam Leitão, inventou situações para tachá-la de “mentirosa” por ter revelado que (aos 19 anos de idade e grávida) foi torturada na prisão nos tempos da ditadura. Com isso o presidente agrediu a própria História. Mas o que amedronta é que, assim, o presidente estimulou os violentos que ameaçaram Miriam e o sociólogo Sérgio Abranches e os impediram de participar da feira do livro de Jaraguá do Sul (SC).

Logo, o palavreado cresceu em fúria contra o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por ter assegurado os direitos de sigilo dos advogados em defesa de seus clientes, no caso da facada que o então candidato Bolsonaro sofreu. Dessa vez, agrediu o pai, Fernando Santa Cruz (morto na prisão do DOI-Codi em 1974) para agredir o filho, então criança. Não importou sequer que documento do atual governo informasse que Fernando morreu na prisão.

“Não existem documentos se matou ou não matou. Isto é balela. Se quiserem, eu conto como ele foi morto por membros da própria organização dele, a mais brutal que havia”, disse o presidente. Antes, havia dito que morrera em bebedeira no carnaval… Santa Cruz pai participou da Ação Popular (AP), como, na época, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho das campanhas contra a fome e a aids.

Jamais se usou linguagem tão vulgar. Nem nos tempos do Estado Novo ou na ditadura imposta em 1964, quando os presidentes usufruíam poder amplo, quase total.

A vulgaridade destituída de sentido continuou, porém. O presidente chegou a negar a morte de um cacique indígena em mãos de fazendeiros, no Amapá. Logo, não se apiedou sequer do massacre em Altamira, no Pará, com presos degolados e as cabeças usadas para jogar bola, com tudo filmado…

Mas, e o devaneio de transformar a bela Angra dos Reis (onde Bolsonaro tem casa há anos) numa “Cancún brasileira”, tão vulgar e mercantil como a matriz mexicana? É inexplicável, porém, que queira mudar as regras que punem o trabalho escravo, em especial no agro, como promete. Ele acaba de facilitar as regras que protegiam a segurança e saúde no trabalho, o que já basta para gerar medo…

Pior, porém, é o presidente contradizer a ciência. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, presta serviços fundamentais ao País e à humanidade ao alertar para o progressivo desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica. Seus dados não são inventados a esmo por um burocrata, mas – sim – conclusões de botânicos e biólogos a partir de observações dos satélites artificiais ao longo de anos e anos.

O presidente, porém, discorda e nega aquilo que os satélites viram e fotografaram sobre o progressivo aumento da mineração e das derrubadas na Amazônia.

Os organismos científicos governamentais existem para amparar os governos no cotidiano. Têm missão objetiva. Não são uma bijuteria que adorne o quadro do funcionalismo. Em vez de estruturar as ações futuras do governo a partir dessas observações concretas, o presidente simplesmente desconhece (e até nega) aquilo que poderia guiá-lo.

Esse desdém procura o quê?

Indaga-se: a vulgaridade é ponto de partida que leve a uma estupidez generalizada, que começa negando observação e a pesquisa científica e, neste século 21 de moderna tecnologia, nos faça retroagir às trevas medievais?

*JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA EM 2000 E 2005, PRÊMIO APCA EM 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

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