Opinião|Salvo-conduto para atos antidemocráticos


Anistiar os crimes do 8 de Janeiro significará esquecê-los. E o Brasil não pode esquecer quem conspirou contra seu regime democrático

Por Marcelo Veiga Beckhausen

Assistimos diariamente aos avanços da investigação sobre o movimento antidemocrático de janeiro de 2023, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 572. Constitucionais, portanto, tanto a Portaria 69/2019, do gabinete da presidência do STF, que indicou Moraes como relator do inquérito, quanto o artigo 43 do Regimento Interno do STF. Tais dispositivos serviram de suporte para o chamado inquérito das milícias digitais, destinado a investigar o incitamento ao fechamento da Suprema Corte, as ameaças de morte ou de prisão de seus membros e a apregoada desobediência a decisões judiciais.

Antes de prosseguir, cabe salientar meu entendimento de que o Regimento Interno do STF não é norma apta a estabelecer competência criminal, e é urgente que o Congresso Nacional se esforce para criar emenda constitucional neste sentido, mecanismos de enfrentamento aos ataques à Corte. Também entendo que as penas aplicadas aos baderneiros do 8 de Janeiro são extremamente pesadas, com a inadequada aplicação do concurso de crimes, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Condutas, aliás, muito graves. Obviamente, numa democracia, devemos respeito às decisões do Judiciário, que devem ser obedecidas, e essas ponderações têm um sentido exclusivamente reflexivo.

Pois bem. Nos últimos meses surge no Congresso Nacional, com alguma força, o Projeto de Lei (PL) n.º 5.064, destinado a anistiar os participantes do 8 de Janeiro, quando os prédios dos Três Poderes em Brasília foram invadidos e depredados. Tal projeto concede perdão aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos artigos 359-L e 359-M do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, em razão das manifestações que aconteceram na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

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Mas seria possível anistiar alguém por atentados ao Estado Democrático de Direito? A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em alguns julgados, que as autoanistias criminais são nulas (caso Barrios Altos vs Peru, por exemplo), e é impossível que responsáveis pelo cometimento de crimes contra a população civil possam isentar-se a si mesmos, com legislações criadas por órgãos legiferantes sem representatividade e subordinados aos repressores. Porém esse é um quadro diferente. Aqui, pretende-se anistiar um grupo de pessoas, civis e militares, envolvidas com tramoias, conspiração, fechamentos de estradas, acampamentos golpistas, ataques ao sistema eleitoral e destruição de bens públicos. Uma tentativa de ruptura institucional, complexa e com movimentos dos mais diversos. Malsucedida, ainda bem, por motivos que no futuro saberemos.

O projeto é de autoria de representantes legítimos do povo, eleitos, ironicamente, pelas urnas eletrônicas apontadas como fraudulentas pelos grupos que invadiram os prédios em Brasília naquele 8 de janeiro. É um diferencial em relação à anistia do regime militar, sancionada pelo general João Batista Figueiredo em agosto de 1979, que perdoou torturadores e violadores de direitos humanos. O PL em andamento ataca o trânsito em julgado de algumas decisões, proferidas pela última instância do Poder Judiciário, o que já é grave, posto que chancela a afronta ao artigo 2.º da Constituição, núcleo da separação dos Poderes. Mas é difícil de entender a concessão de anistia para quem, justamente, atacou as instituições e o sistema eleitoral, chamando-o de fraudulento sem provas, ocupando um espaço perigoso, extremista e antidemocrático.

Tal perdão representa um grande retrocesso, do ponto de vista do retorno à democracia desde os anos 80, num Brasil repleto de histórias de golpes e autoritarismo. E aos que não foram julgados ainda, financiadores, mandantes e altas autoridades da República, não seria necessário sequer aguardar o julgamento, autêntica anistia preventiva, estimulando os futuros golpistas de plantão, que receberiam simbolicamente um salvo-conduto inapropriado.

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Críticas ao sistema judiciário são saudáveis, bem-vindas e necessárias, mas destoam dos pedidos de intervenção militar bradados em frente aos quartéis ou das facadas num quadro de Di Cavalcanti.

Existem caminhos legítimos para criticar o sistema, e não são esses. Se a palavra anistia deriva do latim amnestia, que significa esquecimento, não pode o Brasil esquecer quem conspirou contra seu regime democrático. Já fizemos isso uma vez e, agora, quando se completam 60 anos do último golpe militar, não cabe repetir tal esquecimento. Anistiar estes crimes significará esquecê-los. Sob pena de a ameaça do regime militar, de triste e repugnante lembrança, nunca nos abandonar e de o golpe de 1964 continuar sendo comemorado. Muitas vezes, explicitamente.

*

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DOUTOR EM DIREITO, PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (RS)

Assistimos diariamente aos avanços da investigação sobre o movimento antidemocrático de janeiro de 2023, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 572. Constitucionais, portanto, tanto a Portaria 69/2019, do gabinete da presidência do STF, que indicou Moraes como relator do inquérito, quanto o artigo 43 do Regimento Interno do STF. Tais dispositivos serviram de suporte para o chamado inquérito das milícias digitais, destinado a investigar o incitamento ao fechamento da Suprema Corte, as ameaças de morte ou de prisão de seus membros e a apregoada desobediência a decisões judiciais.

Antes de prosseguir, cabe salientar meu entendimento de que o Regimento Interno do STF não é norma apta a estabelecer competência criminal, e é urgente que o Congresso Nacional se esforce para criar emenda constitucional neste sentido, mecanismos de enfrentamento aos ataques à Corte. Também entendo que as penas aplicadas aos baderneiros do 8 de Janeiro são extremamente pesadas, com a inadequada aplicação do concurso de crimes, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Condutas, aliás, muito graves. Obviamente, numa democracia, devemos respeito às decisões do Judiciário, que devem ser obedecidas, e essas ponderações têm um sentido exclusivamente reflexivo.

Pois bem. Nos últimos meses surge no Congresso Nacional, com alguma força, o Projeto de Lei (PL) n.º 5.064, destinado a anistiar os participantes do 8 de Janeiro, quando os prédios dos Três Poderes em Brasília foram invadidos e depredados. Tal projeto concede perdão aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos artigos 359-L e 359-M do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, em razão das manifestações que aconteceram na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Mas seria possível anistiar alguém por atentados ao Estado Democrático de Direito? A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em alguns julgados, que as autoanistias criminais são nulas (caso Barrios Altos vs Peru, por exemplo), e é impossível que responsáveis pelo cometimento de crimes contra a população civil possam isentar-se a si mesmos, com legislações criadas por órgãos legiferantes sem representatividade e subordinados aos repressores. Porém esse é um quadro diferente. Aqui, pretende-se anistiar um grupo de pessoas, civis e militares, envolvidas com tramoias, conspiração, fechamentos de estradas, acampamentos golpistas, ataques ao sistema eleitoral e destruição de bens públicos. Uma tentativa de ruptura institucional, complexa e com movimentos dos mais diversos. Malsucedida, ainda bem, por motivos que no futuro saberemos.

O projeto é de autoria de representantes legítimos do povo, eleitos, ironicamente, pelas urnas eletrônicas apontadas como fraudulentas pelos grupos que invadiram os prédios em Brasília naquele 8 de janeiro. É um diferencial em relação à anistia do regime militar, sancionada pelo general João Batista Figueiredo em agosto de 1979, que perdoou torturadores e violadores de direitos humanos. O PL em andamento ataca o trânsito em julgado de algumas decisões, proferidas pela última instância do Poder Judiciário, o que já é grave, posto que chancela a afronta ao artigo 2.º da Constituição, núcleo da separação dos Poderes. Mas é difícil de entender a concessão de anistia para quem, justamente, atacou as instituições e o sistema eleitoral, chamando-o de fraudulento sem provas, ocupando um espaço perigoso, extremista e antidemocrático.

Tal perdão representa um grande retrocesso, do ponto de vista do retorno à democracia desde os anos 80, num Brasil repleto de histórias de golpes e autoritarismo. E aos que não foram julgados ainda, financiadores, mandantes e altas autoridades da República, não seria necessário sequer aguardar o julgamento, autêntica anistia preventiva, estimulando os futuros golpistas de plantão, que receberiam simbolicamente um salvo-conduto inapropriado.

Críticas ao sistema judiciário são saudáveis, bem-vindas e necessárias, mas destoam dos pedidos de intervenção militar bradados em frente aos quartéis ou das facadas num quadro de Di Cavalcanti.

Existem caminhos legítimos para criticar o sistema, e não são esses. Se a palavra anistia deriva do latim amnestia, que significa esquecimento, não pode o Brasil esquecer quem conspirou contra seu regime democrático. Já fizemos isso uma vez e, agora, quando se completam 60 anos do último golpe militar, não cabe repetir tal esquecimento. Anistiar estes crimes significará esquecê-los. Sob pena de a ameaça do regime militar, de triste e repugnante lembrança, nunca nos abandonar e de o golpe de 1964 continuar sendo comemorado. Muitas vezes, explicitamente.

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DOUTOR EM DIREITO, PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (RS)

Assistimos diariamente aos avanços da investigação sobre o movimento antidemocrático de janeiro de 2023, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 572. Constitucionais, portanto, tanto a Portaria 69/2019, do gabinete da presidência do STF, que indicou Moraes como relator do inquérito, quanto o artigo 43 do Regimento Interno do STF. Tais dispositivos serviram de suporte para o chamado inquérito das milícias digitais, destinado a investigar o incitamento ao fechamento da Suprema Corte, as ameaças de morte ou de prisão de seus membros e a apregoada desobediência a decisões judiciais.

Antes de prosseguir, cabe salientar meu entendimento de que o Regimento Interno do STF não é norma apta a estabelecer competência criminal, e é urgente que o Congresso Nacional se esforce para criar emenda constitucional neste sentido, mecanismos de enfrentamento aos ataques à Corte. Também entendo que as penas aplicadas aos baderneiros do 8 de Janeiro são extremamente pesadas, com a inadequada aplicação do concurso de crimes, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Condutas, aliás, muito graves. Obviamente, numa democracia, devemos respeito às decisões do Judiciário, que devem ser obedecidas, e essas ponderações têm um sentido exclusivamente reflexivo.

Pois bem. Nos últimos meses surge no Congresso Nacional, com alguma força, o Projeto de Lei (PL) n.º 5.064, destinado a anistiar os participantes do 8 de Janeiro, quando os prédios dos Três Poderes em Brasília foram invadidos e depredados. Tal projeto concede perdão aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos artigos 359-L e 359-M do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, em razão das manifestações que aconteceram na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Mas seria possível anistiar alguém por atentados ao Estado Democrático de Direito? A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em alguns julgados, que as autoanistias criminais são nulas (caso Barrios Altos vs Peru, por exemplo), e é impossível que responsáveis pelo cometimento de crimes contra a população civil possam isentar-se a si mesmos, com legislações criadas por órgãos legiferantes sem representatividade e subordinados aos repressores. Porém esse é um quadro diferente. Aqui, pretende-se anistiar um grupo de pessoas, civis e militares, envolvidas com tramoias, conspiração, fechamentos de estradas, acampamentos golpistas, ataques ao sistema eleitoral e destruição de bens públicos. Uma tentativa de ruptura institucional, complexa e com movimentos dos mais diversos. Malsucedida, ainda bem, por motivos que no futuro saberemos.

O projeto é de autoria de representantes legítimos do povo, eleitos, ironicamente, pelas urnas eletrônicas apontadas como fraudulentas pelos grupos que invadiram os prédios em Brasília naquele 8 de janeiro. É um diferencial em relação à anistia do regime militar, sancionada pelo general João Batista Figueiredo em agosto de 1979, que perdoou torturadores e violadores de direitos humanos. O PL em andamento ataca o trânsito em julgado de algumas decisões, proferidas pela última instância do Poder Judiciário, o que já é grave, posto que chancela a afronta ao artigo 2.º da Constituição, núcleo da separação dos Poderes. Mas é difícil de entender a concessão de anistia para quem, justamente, atacou as instituições e o sistema eleitoral, chamando-o de fraudulento sem provas, ocupando um espaço perigoso, extremista e antidemocrático.

Tal perdão representa um grande retrocesso, do ponto de vista do retorno à democracia desde os anos 80, num Brasil repleto de histórias de golpes e autoritarismo. E aos que não foram julgados ainda, financiadores, mandantes e altas autoridades da República, não seria necessário sequer aguardar o julgamento, autêntica anistia preventiva, estimulando os futuros golpistas de plantão, que receberiam simbolicamente um salvo-conduto inapropriado.

Críticas ao sistema judiciário são saudáveis, bem-vindas e necessárias, mas destoam dos pedidos de intervenção militar bradados em frente aos quartéis ou das facadas num quadro de Di Cavalcanti.

Existem caminhos legítimos para criticar o sistema, e não são esses. Se a palavra anistia deriva do latim amnestia, que significa esquecimento, não pode o Brasil esquecer quem conspirou contra seu regime democrático. Já fizemos isso uma vez e, agora, quando se completam 60 anos do último golpe militar, não cabe repetir tal esquecimento. Anistiar estes crimes significará esquecê-los. Sob pena de a ameaça do regime militar, de triste e repugnante lembrança, nunca nos abandonar e de o golpe de 1964 continuar sendo comemorado. Muitas vezes, explicitamente.

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DOUTOR EM DIREITO, PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (RS)

Assistimos diariamente aos avanços da investigação sobre o movimento antidemocrático de janeiro de 2023, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 572. Constitucionais, portanto, tanto a Portaria 69/2019, do gabinete da presidência do STF, que indicou Moraes como relator do inquérito, quanto o artigo 43 do Regimento Interno do STF. Tais dispositivos serviram de suporte para o chamado inquérito das milícias digitais, destinado a investigar o incitamento ao fechamento da Suprema Corte, as ameaças de morte ou de prisão de seus membros e a apregoada desobediência a decisões judiciais.

Antes de prosseguir, cabe salientar meu entendimento de que o Regimento Interno do STF não é norma apta a estabelecer competência criminal, e é urgente que o Congresso Nacional se esforce para criar emenda constitucional neste sentido, mecanismos de enfrentamento aos ataques à Corte. Também entendo que as penas aplicadas aos baderneiros do 8 de Janeiro são extremamente pesadas, com a inadequada aplicação do concurso de crimes, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Condutas, aliás, muito graves. Obviamente, numa democracia, devemos respeito às decisões do Judiciário, que devem ser obedecidas, e essas ponderações têm um sentido exclusivamente reflexivo.

Pois bem. Nos últimos meses surge no Congresso Nacional, com alguma força, o Projeto de Lei (PL) n.º 5.064, destinado a anistiar os participantes do 8 de Janeiro, quando os prédios dos Três Poderes em Brasília foram invadidos e depredados. Tal projeto concede perdão aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos artigos 359-L e 359-M do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, em razão das manifestações que aconteceram na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Mas seria possível anistiar alguém por atentados ao Estado Democrático de Direito? A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em alguns julgados, que as autoanistias criminais são nulas (caso Barrios Altos vs Peru, por exemplo), e é impossível que responsáveis pelo cometimento de crimes contra a população civil possam isentar-se a si mesmos, com legislações criadas por órgãos legiferantes sem representatividade e subordinados aos repressores. Porém esse é um quadro diferente. Aqui, pretende-se anistiar um grupo de pessoas, civis e militares, envolvidas com tramoias, conspiração, fechamentos de estradas, acampamentos golpistas, ataques ao sistema eleitoral e destruição de bens públicos. Uma tentativa de ruptura institucional, complexa e com movimentos dos mais diversos. Malsucedida, ainda bem, por motivos que no futuro saberemos.

O projeto é de autoria de representantes legítimos do povo, eleitos, ironicamente, pelas urnas eletrônicas apontadas como fraudulentas pelos grupos que invadiram os prédios em Brasília naquele 8 de janeiro. É um diferencial em relação à anistia do regime militar, sancionada pelo general João Batista Figueiredo em agosto de 1979, que perdoou torturadores e violadores de direitos humanos. O PL em andamento ataca o trânsito em julgado de algumas decisões, proferidas pela última instância do Poder Judiciário, o que já é grave, posto que chancela a afronta ao artigo 2.º da Constituição, núcleo da separação dos Poderes. Mas é difícil de entender a concessão de anistia para quem, justamente, atacou as instituições e o sistema eleitoral, chamando-o de fraudulento sem provas, ocupando um espaço perigoso, extremista e antidemocrático.

Tal perdão representa um grande retrocesso, do ponto de vista do retorno à democracia desde os anos 80, num Brasil repleto de histórias de golpes e autoritarismo. E aos que não foram julgados ainda, financiadores, mandantes e altas autoridades da República, não seria necessário sequer aguardar o julgamento, autêntica anistia preventiva, estimulando os futuros golpistas de plantão, que receberiam simbolicamente um salvo-conduto inapropriado.

Críticas ao sistema judiciário são saudáveis, bem-vindas e necessárias, mas destoam dos pedidos de intervenção militar bradados em frente aos quartéis ou das facadas num quadro de Di Cavalcanti.

Existem caminhos legítimos para criticar o sistema, e não são esses. Se a palavra anistia deriva do latim amnestia, que significa esquecimento, não pode o Brasil esquecer quem conspirou contra seu regime democrático. Já fizemos isso uma vez e, agora, quando se completam 60 anos do último golpe militar, não cabe repetir tal esquecimento. Anistiar estes crimes significará esquecê-los. Sob pena de a ameaça do regime militar, de triste e repugnante lembrança, nunca nos abandonar e de o golpe de 1964 continuar sendo comemorado. Muitas vezes, explicitamente.

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DOUTOR EM DIREITO, PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (RS)

Opinião por Marcelo Veiga Beckhausen

Doutor em Direito, procurador regional da República do Ministério Público Federal (MPF), é professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS)

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