Opinião|Vidas negras e a igualdade


A discriminação pode ser declarada ou disfarçada, mas é sempre crime

Por Michel Temer

Geraldo era negro. E meu colega no ginásio estadual de Tietê. Era alegre, gentil, animado, brincalhão e com muitos amigos. Dentre eles, eu. Que era o mais próximo dele. Com quem mais ele conversava. Depois que terminamos o curso ginasial, perdi contato. Reencontrei-o muitos anos depois em São Paulo . Ele, bem-sucedido e mantendo a mesma alegria. “Sou diretor de uma empresa” disse-me. “Mas sou uma exceção” completou, revelando ciência e consciência de sua cor.

Sambi era seu apelido. Também negro e pintor de paredes. Era adulto. Eu tinha 13 anos, mas conversava muito com ele. E sempre recebia dele os melhores conselhos. Muitos deles pautaram a minha vida. Eu não sentia nem percebia a diferença de cor. Éramos iguais. Mas na minha cidade, recordo-me bem, havia uma segregação daqueles que eram negros.

Lembro alguns fatos: na praça principal, mais precisamente no jardim, os negros somente andavam na parte externa, não ingressando nos dois círculos internos, em que só circulavam os brancos. No cinema havia a parte de baixo e a parte de cima. Esta última, chamada balcão ou, depreciativamente, “poleiro”. Os negros só frequentavam a parte de cima, cujo ingresso era até mais barato.

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Também não entravam no clube dos brancos. Tinham clube próprio. Em dado momento o cinema local estofou as cadeiras de cima e o ingresso ficou mais caro. Mas continuaram a frequentar o balcão, embora pagando mais caro. Foi, a meu ver, o primeiro movimento lá verificado como rebelião pacífica contra aquela situação.

Como disse no início deste artigo, nunca cheguei a compreender a razão daquela desigualdade. Mas percebi, quando se deu o episódio do cinema, que a desigualdade era inadmissível. Não havia ódio entre brancos e negros. Havia segregação, separação entre as duas cores, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Havia uma grande comunidade na cidade e uma das igrejas mais frequentadas era a de São Benedito. Reitero que havia até benquerença entre brancos e negros. Com o tempo essa segregação desapareceu. Hoje, quando vou àquela cidade, percebo que há maior integração na comunidade. Mas ainda assim é como se fosse uma bondade dos brancos, o que vem mais uma vez, revelar o apartamento, a desigualdade.

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É, penso, o que se dá no nosso país. As estatísticas o demonstram: os negros são remunerados a menor, são os que mais sofrem ou recebem a ação policial, são os menos presentes nos Poderes Executivos e Legislativos do País e ocupam poucos cargos executivos, restando-lhes as funções mais subalternas. Portanto, a segregação é um fenômeno nacional. Disfarçada, quase escondida, não declarada, mas sempre exercitada.

Essa minha experiência na adolescência é que me fez, quando procurado pelo reitor José Vicente, da Zumbi dos Palmares, editar decreto, o de número 9.417/18, determinando à administração direta e indireta que, dos cargos de estagiários, fossem reservados 30% para os de origem negra. Foi também o que me levou, em 1993, a criar a delegacia de apuração de crimes raciais.

E aí é que entra a pergunta: existe alguma autorização constitucional ou legal que permita essa atuação prejudicial à sociedade brasileira? Nenhuma. Ao contrário. A ordem jurídico-constitucional é plena de dispositivos desautorizadores dessa conduta. É a Constituição federal que determina que não pode haver diferença em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação. É isso que, no dizer do constituinte, faz surgir uma sociedade livre, justa e solidária.

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Repete o artigo 5.º da Carta Magna que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Há mais. O mesmo artigo 5.º, no seu inciso XLII, ressalta que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei. Como também no seu inciso XLI estabelece que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais. E a discriminação, no caso, pode ser declarada ou disfarçada. A consequência é a mesma: é crime.

Não é demais enfatizar que a paz é um dos comandos da nossa Constituição, que, em seus vários dizeres, determina essa conduta social. É comando constitucional dirigido a toda a sociedade, especialmente a todos os órgãos que exercem o poder em nome do povo. Tanto é assim que até mesmo o preâmbulo da Constituição (preâmbulo vem de pre ambulare, ou seja, antes de entrar no texto) diz que a razão do novo Estado é assegurar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, com a solução pacífica das controvérsias.

Sei que a invocação do texto constitucional nos dias atuais tem pouca relevância, já que são poucos os que se dedicam ao cumprimento rigoroso do que a soberania popular determinou em 5 de outubro de 1988. Cumpríssemos a regração constitucional, não teríamos tantos conflitos sociais e, especialmente, daríamos crédito à visão humanitária que teve o constituinte de 1988 ao fixar, de maneira imperativa, a regra da igualdade de todos, começando pelos de cores diferentes, mas nascidos com as mesmas características fisiológicas.

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ADVOGADO, PROFESSOR DEDIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Geraldo era negro. E meu colega no ginásio estadual de Tietê. Era alegre, gentil, animado, brincalhão e com muitos amigos. Dentre eles, eu. Que era o mais próximo dele. Com quem mais ele conversava. Depois que terminamos o curso ginasial, perdi contato. Reencontrei-o muitos anos depois em São Paulo . Ele, bem-sucedido e mantendo a mesma alegria. “Sou diretor de uma empresa” disse-me. “Mas sou uma exceção” completou, revelando ciência e consciência de sua cor.

Sambi era seu apelido. Também negro e pintor de paredes. Era adulto. Eu tinha 13 anos, mas conversava muito com ele. E sempre recebia dele os melhores conselhos. Muitos deles pautaram a minha vida. Eu não sentia nem percebia a diferença de cor. Éramos iguais. Mas na minha cidade, recordo-me bem, havia uma segregação daqueles que eram negros.

Lembro alguns fatos: na praça principal, mais precisamente no jardim, os negros somente andavam na parte externa, não ingressando nos dois círculos internos, em que só circulavam os brancos. No cinema havia a parte de baixo e a parte de cima. Esta última, chamada balcão ou, depreciativamente, “poleiro”. Os negros só frequentavam a parte de cima, cujo ingresso era até mais barato.

Também não entravam no clube dos brancos. Tinham clube próprio. Em dado momento o cinema local estofou as cadeiras de cima e o ingresso ficou mais caro. Mas continuaram a frequentar o balcão, embora pagando mais caro. Foi, a meu ver, o primeiro movimento lá verificado como rebelião pacífica contra aquela situação.

Como disse no início deste artigo, nunca cheguei a compreender a razão daquela desigualdade. Mas percebi, quando se deu o episódio do cinema, que a desigualdade era inadmissível. Não havia ódio entre brancos e negros. Havia segregação, separação entre as duas cores, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Havia uma grande comunidade na cidade e uma das igrejas mais frequentadas era a de São Benedito. Reitero que havia até benquerença entre brancos e negros. Com o tempo essa segregação desapareceu. Hoje, quando vou àquela cidade, percebo que há maior integração na comunidade. Mas ainda assim é como se fosse uma bondade dos brancos, o que vem mais uma vez, revelar o apartamento, a desigualdade.

É, penso, o que se dá no nosso país. As estatísticas o demonstram: os negros são remunerados a menor, são os que mais sofrem ou recebem a ação policial, são os menos presentes nos Poderes Executivos e Legislativos do País e ocupam poucos cargos executivos, restando-lhes as funções mais subalternas. Portanto, a segregação é um fenômeno nacional. Disfarçada, quase escondida, não declarada, mas sempre exercitada.

Essa minha experiência na adolescência é que me fez, quando procurado pelo reitor José Vicente, da Zumbi dos Palmares, editar decreto, o de número 9.417/18, determinando à administração direta e indireta que, dos cargos de estagiários, fossem reservados 30% para os de origem negra. Foi também o que me levou, em 1993, a criar a delegacia de apuração de crimes raciais.

E aí é que entra a pergunta: existe alguma autorização constitucional ou legal que permita essa atuação prejudicial à sociedade brasileira? Nenhuma. Ao contrário. A ordem jurídico-constitucional é plena de dispositivos desautorizadores dessa conduta. É a Constituição federal que determina que não pode haver diferença em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação. É isso que, no dizer do constituinte, faz surgir uma sociedade livre, justa e solidária.

Repete o artigo 5.º da Carta Magna que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Há mais. O mesmo artigo 5.º, no seu inciso XLII, ressalta que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei. Como também no seu inciso XLI estabelece que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais. E a discriminação, no caso, pode ser declarada ou disfarçada. A consequência é a mesma: é crime.

Não é demais enfatizar que a paz é um dos comandos da nossa Constituição, que, em seus vários dizeres, determina essa conduta social. É comando constitucional dirigido a toda a sociedade, especialmente a todos os órgãos que exercem o poder em nome do povo. Tanto é assim que até mesmo o preâmbulo da Constituição (preâmbulo vem de pre ambulare, ou seja, antes de entrar no texto) diz que a razão do novo Estado é assegurar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, com a solução pacífica das controvérsias.

Sei que a invocação do texto constitucional nos dias atuais tem pouca relevância, já que são poucos os que se dedicam ao cumprimento rigoroso do que a soberania popular determinou em 5 de outubro de 1988. Cumpríssemos a regração constitucional, não teríamos tantos conflitos sociais e, especialmente, daríamos crédito à visão humanitária que teve o constituinte de 1988 ao fixar, de maneira imperativa, a regra da igualdade de todos, começando pelos de cores diferentes, mas nascidos com as mesmas características fisiológicas.

ADVOGADO, PROFESSOR DEDIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Geraldo era negro. E meu colega no ginásio estadual de Tietê. Era alegre, gentil, animado, brincalhão e com muitos amigos. Dentre eles, eu. Que era o mais próximo dele. Com quem mais ele conversava. Depois que terminamos o curso ginasial, perdi contato. Reencontrei-o muitos anos depois em São Paulo . Ele, bem-sucedido e mantendo a mesma alegria. “Sou diretor de uma empresa” disse-me. “Mas sou uma exceção” completou, revelando ciência e consciência de sua cor.

Sambi era seu apelido. Também negro e pintor de paredes. Era adulto. Eu tinha 13 anos, mas conversava muito com ele. E sempre recebia dele os melhores conselhos. Muitos deles pautaram a minha vida. Eu não sentia nem percebia a diferença de cor. Éramos iguais. Mas na minha cidade, recordo-me bem, havia uma segregação daqueles que eram negros.

Lembro alguns fatos: na praça principal, mais precisamente no jardim, os negros somente andavam na parte externa, não ingressando nos dois círculos internos, em que só circulavam os brancos. No cinema havia a parte de baixo e a parte de cima. Esta última, chamada balcão ou, depreciativamente, “poleiro”. Os negros só frequentavam a parte de cima, cujo ingresso era até mais barato.

Também não entravam no clube dos brancos. Tinham clube próprio. Em dado momento o cinema local estofou as cadeiras de cima e o ingresso ficou mais caro. Mas continuaram a frequentar o balcão, embora pagando mais caro. Foi, a meu ver, o primeiro movimento lá verificado como rebelião pacífica contra aquela situação.

Como disse no início deste artigo, nunca cheguei a compreender a razão daquela desigualdade. Mas percebi, quando se deu o episódio do cinema, que a desigualdade era inadmissível. Não havia ódio entre brancos e negros. Havia segregação, separação entre as duas cores, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Havia uma grande comunidade na cidade e uma das igrejas mais frequentadas era a de São Benedito. Reitero que havia até benquerença entre brancos e negros. Com o tempo essa segregação desapareceu. Hoje, quando vou àquela cidade, percebo que há maior integração na comunidade. Mas ainda assim é como se fosse uma bondade dos brancos, o que vem mais uma vez, revelar o apartamento, a desigualdade.

É, penso, o que se dá no nosso país. As estatísticas o demonstram: os negros são remunerados a menor, são os que mais sofrem ou recebem a ação policial, são os menos presentes nos Poderes Executivos e Legislativos do País e ocupam poucos cargos executivos, restando-lhes as funções mais subalternas. Portanto, a segregação é um fenômeno nacional. Disfarçada, quase escondida, não declarada, mas sempre exercitada.

Essa minha experiência na adolescência é que me fez, quando procurado pelo reitor José Vicente, da Zumbi dos Palmares, editar decreto, o de número 9.417/18, determinando à administração direta e indireta que, dos cargos de estagiários, fossem reservados 30% para os de origem negra. Foi também o que me levou, em 1993, a criar a delegacia de apuração de crimes raciais.

E aí é que entra a pergunta: existe alguma autorização constitucional ou legal que permita essa atuação prejudicial à sociedade brasileira? Nenhuma. Ao contrário. A ordem jurídico-constitucional é plena de dispositivos desautorizadores dessa conduta. É a Constituição federal que determina que não pode haver diferença em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação. É isso que, no dizer do constituinte, faz surgir uma sociedade livre, justa e solidária.

Repete o artigo 5.º da Carta Magna que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Há mais. O mesmo artigo 5.º, no seu inciso XLII, ressalta que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei. Como também no seu inciso XLI estabelece que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais. E a discriminação, no caso, pode ser declarada ou disfarçada. A consequência é a mesma: é crime.

Não é demais enfatizar que a paz é um dos comandos da nossa Constituição, que, em seus vários dizeres, determina essa conduta social. É comando constitucional dirigido a toda a sociedade, especialmente a todos os órgãos que exercem o poder em nome do povo. Tanto é assim que até mesmo o preâmbulo da Constituição (preâmbulo vem de pre ambulare, ou seja, antes de entrar no texto) diz que a razão do novo Estado é assegurar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, com a solução pacífica das controvérsias.

Sei que a invocação do texto constitucional nos dias atuais tem pouca relevância, já que são poucos os que se dedicam ao cumprimento rigoroso do que a soberania popular determinou em 5 de outubro de 1988. Cumpríssemos a regração constitucional, não teríamos tantos conflitos sociais e, especialmente, daríamos crédito à visão humanitária que teve o constituinte de 1988 ao fixar, de maneira imperativa, a regra da igualdade de todos, começando pelos de cores diferentes, mas nascidos com as mesmas características fisiológicas.

ADVOGADO, PROFESSOR DEDIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Geraldo era negro. E meu colega no ginásio estadual de Tietê. Era alegre, gentil, animado, brincalhão e com muitos amigos. Dentre eles, eu. Que era o mais próximo dele. Com quem mais ele conversava. Depois que terminamos o curso ginasial, perdi contato. Reencontrei-o muitos anos depois em São Paulo . Ele, bem-sucedido e mantendo a mesma alegria. “Sou diretor de uma empresa” disse-me. “Mas sou uma exceção” completou, revelando ciência e consciência de sua cor.

Sambi era seu apelido. Também negro e pintor de paredes. Era adulto. Eu tinha 13 anos, mas conversava muito com ele. E sempre recebia dele os melhores conselhos. Muitos deles pautaram a minha vida. Eu não sentia nem percebia a diferença de cor. Éramos iguais. Mas na minha cidade, recordo-me bem, havia uma segregação daqueles que eram negros.

Lembro alguns fatos: na praça principal, mais precisamente no jardim, os negros somente andavam na parte externa, não ingressando nos dois círculos internos, em que só circulavam os brancos. No cinema havia a parte de baixo e a parte de cima. Esta última, chamada balcão ou, depreciativamente, “poleiro”. Os negros só frequentavam a parte de cima, cujo ingresso era até mais barato.

Também não entravam no clube dos brancos. Tinham clube próprio. Em dado momento o cinema local estofou as cadeiras de cima e o ingresso ficou mais caro. Mas continuaram a frequentar o balcão, embora pagando mais caro. Foi, a meu ver, o primeiro movimento lá verificado como rebelião pacífica contra aquela situação.

Como disse no início deste artigo, nunca cheguei a compreender a razão daquela desigualdade. Mas percebi, quando se deu o episódio do cinema, que a desigualdade era inadmissível. Não havia ódio entre brancos e negros. Havia segregação, separação entre as duas cores, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Havia uma grande comunidade na cidade e uma das igrejas mais frequentadas era a de São Benedito. Reitero que havia até benquerença entre brancos e negros. Com o tempo essa segregação desapareceu. Hoje, quando vou àquela cidade, percebo que há maior integração na comunidade. Mas ainda assim é como se fosse uma bondade dos brancos, o que vem mais uma vez, revelar o apartamento, a desigualdade.

É, penso, o que se dá no nosso país. As estatísticas o demonstram: os negros são remunerados a menor, são os que mais sofrem ou recebem a ação policial, são os menos presentes nos Poderes Executivos e Legislativos do País e ocupam poucos cargos executivos, restando-lhes as funções mais subalternas. Portanto, a segregação é um fenômeno nacional. Disfarçada, quase escondida, não declarada, mas sempre exercitada.

Essa minha experiência na adolescência é que me fez, quando procurado pelo reitor José Vicente, da Zumbi dos Palmares, editar decreto, o de número 9.417/18, determinando à administração direta e indireta que, dos cargos de estagiários, fossem reservados 30% para os de origem negra. Foi também o que me levou, em 1993, a criar a delegacia de apuração de crimes raciais.

E aí é que entra a pergunta: existe alguma autorização constitucional ou legal que permita essa atuação prejudicial à sociedade brasileira? Nenhuma. Ao contrário. A ordem jurídico-constitucional é plena de dispositivos desautorizadores dessa conduta. É a Constituição federal que determina que não pode haver diferença em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação. É isso que, no dizer do constituinte, faz surgir uma sociedade livre, justa e solidária.

Repete o artigo 5.º da Carta Magna que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Há mais. O mesmo artigo 5.º, no seu inciso XLII, ressalta que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei. Como também no seu inciso XLI estabelece que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais. E a discriminação, no caso, pode ser declarada ou disfarçada. A consequência é a mesma: é crime.

Não é demais enfatizar que a paz é um dos comandos da nossa Constituição, que, em seus vários dizeres, determina essa conduta social. É comando constitucional dirigido a toda a sociedade, especialmente a todos os órgãos que exercem o poder em nome do povo. Tanto é assim que até mesmo o preâmbulo da Constituição (preâmbulo vem de pre ambulare, ou seja, antes de entrar no texto) diz que a razão do novo Estado é assegurar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, com a solução pacífica das controvérsias.

Sei que a invocação do texto constitucional nos dias atuais tem pouca relevância, já que são poucos os que se dedicam ao cumprimento rigoroso do que a soberania popular determinou em 5 de outubro de 1988. Cumpríssemos a regração constitucional, não teríamos tantos conflitos sociais e, especialmente, daríamos crédito à visão humanitária que teve o constituinte de 1988 ao fixar, de maneira imperativa, a regra da igualdade de todos, começando pelos de cores diferentes, mas nascidos com as mesmas características fisiológicas.

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