Instituições emergentes ou decadentes?


Por Celso Fernandes Campilongo e Ronaldo Porto Macedo

O Brasil propala, com razão, a condição de "país emergente". Porém, do ponto de vista institucional, são constantes as pressões favoráveis ao retrocesso. Tome-se como exemplo o debate a respeito das agências reguladoras e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Esses órgãos estão periodicamente expostos a iniciativas hostis, que procuraram desacreditá-los ou limitar sua independência. Agências e autoridades independentes têm as suas competências regulatórias e adjudicatórias fixadas pela legislação. São instituições imunizadas contra os ataques do poder político e da pressão econômica. Sem isso não há autonomia nem mandatos capazes de cumprir suas funções. Porém recente Portaria PGF 164/2009 da Advocacia-Geral da União (AGU) - que impede os procuradores-gerais das agências reguladoras, do Cade e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de defenderem seus entes em juízo - expõe o modelo a grave risco. A AGU exerce relevantíssimo papel de coordenação jurídica da atuação do governo federal, mas isso não a autoriza a se imiscuir, direta ou indiretamente, em matérias da competência de Estados, municípios, Ministérios e tampouco das agências reguladoras ou do Cade. Em nosso "presidencialismo de coalizão", a AGU opera como esteio jurídico - inclusive quanto à representação judicial de interesses e à fiscalização da legalidade das políticas públicas - da Presidência da República. Agências e autoridades independentes, contudo, ostentam esse título justamente por não se submeterem à orientação e à coordenação do Executivo. Rompem com o antigo ferramental publicístico da condução ministerial. Devem fidelidade exclusivamente à lei. Podem ter seus atos revistos apenas pelo Judiciário. O Legislativo, por seu turno, pode ampliar ou restringir, pelas vias próprias, poderes desses órgãos. Diversamente, o Executivo não tem permissão para revogar, descumprir ou inviabilizar a execução das decisões das autoridades independentes. Por isso não faz o menor sentido institucional que a defesa das decisões do Cade em juízo, por exemplo, em vez de elaboradas e sustentadas por seu procurador-geral, sejam atribuídas à AGU. O Executivo pode não ter interesse em manter decisão do Cade que pode até mesmo atingir um monopólio estatal ou outras entidades de direto público. Beira o absurdo, nessas condições, que a AGU - e não o procurador-geral do Cade - seja responsável pela representação e defesa do Cade em juízo. A Portaria PGF 164/2009 é exemplo de falta de compreensão do desenho institucional desses órgãos, de retrocesso na regulação dos mercados e de ignorância da nova dinâmica de democratização da atividade econômica. Independentemente da aberrante intromissão formal, por portaria, em matéria reservada e regulada por lei, as razões a seguir listadas demonstram a inconveniência material da indigitada portaria. O Cade e a advocacia pública são órgãos de Estado, não de governo. Isso significa independência e autonomia funcional. Que sentido haveria em garantir um mandato, votado pelo Senado, aos membros do Cade - inclusive ao seu procurador-geral - se eles estivessem submetidos aos controles internos e disciplinares da AGU? De que serviria o mandato do procurador-geral se ele não pudesse desempenhar a função básica de representação em juízo do órgão? Anote-se que o único entendimento razoável dessa disciplina jurídica é garantir a independência do Cade, nunca do procurador-geral em relação ao próprio Cade. O procurador-geral do Cade, que participa das reuniões do órgão, integra o sistema que tem por vértice um colegiado: o plenário do Cade. Cabe ao plenário requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões e determinar à Procuradoria adoção de providências administrativas e judiciais. Além disso, é prerrogativa da Procuradoria defender o Cade em juízo. Qual a lógica, diante do que dispõe a Lei de Defesa da Concorrência, de portaria que faz tábula rasa dessa sistemática? O procurador-geral do Cade, assim como o plenário, deve cumprir a Lei Antitruste e a Constituição federal. Esta diz que a lei reprimirá o abuso do poder econômico. O Cade é o órgão judicante dos atos e condutas abusivas. Não faz sentido que, com competências diretamente derivadas da Constituição e da lei, simples portaria subtraia as atribuições da Procuradoria e subverta o sistema. Por fim, segundo a lei, as decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo. Por isso, a execução e defesa judiciais dessas decisões não podem ser atribuídas a outro órgão do Executivo que não à própria Procuradoria do Cade. Do contrário, essa revisão ilegal ocorreria e seria passível de espúrio controle pela AGU. Cabe lembrar que este tema não desperta interesse meramente teórico. Recentemente o Cade, ao reconhecer que a Lei de Defesa da Concorrência lhe conferia competência para analisar atos e fusões no setor financeiro - entendimento posteriormente ratificado pelo Judiciário, mas ainda pendente de julgamento final -, desafiou parecer normativo da AGU que acolhia entendimento diverso. Naquela situação ficou patente a importância da independência jurídica como instrumento da autonomia do próprio Cade. Afinal, é a este órgão, e não à AGU, que a lei conferiu poderes para aplicar e interpretar a Lei Antitruste. O antitruste brasileiro - e o mesmo se diga das agências reguladoras e da CVM - atravessa importantíssimo momento de consolidação. Dentre os países emergentes, o direito da concorrência brasileiro ocupa posição internacionalmente reconhecida como de vanguarda. Faria muito melhor o governo se, em vez de tentar comprometer a autonomia do Cade, acelerasse a tramitação do projeto de lei que moderniza o órgão. Um país emergente carece de instituições emergentes, não de esforços para afundá-las. Celso Fernandes Campilongo e Ronaldo Porto Macedo Júnior,professores das Faculdades de Direito da USP e, respectivamente, PUC-SP e Direito-GV, foram conselheiros do Cade

O Brasil propala, com razão, a condição de "país emergente". Porém, do ponto de vista institucional, são constantes as pressões favoráveis ao retrocesso. Tome-se como exemplo o debate a respeito das agências reguladoras e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Esses órgãos estão periodicamente expostos a iniciativas hostis, que procuraram desacreditá-los ou limitar sua independência. Agências e autoridades independentes têm as suas competências regulatórias e adjudicatórias fixadas pela legislação. São instituições imunizadas contra os ataques do poder político e da pressão econômica. Sem isso não há autonomia nem mandatos capazes de cumprir suas funções. Porém recente Portaria PGF 164/2009 da Advocacia-Geral da União (AGU) - que impede os procuradores-gerais das agências reguladoras, do Cade e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de defenderem seus entes em juízo - expõe o modelo a grave risco. A AGU exerce relevantíssimo papel de coordenação jurídica da atuação do governo federal, mas isso não a autoriza a se imiscuir, direta ou indiretamente, em matérias da competência de Estados, municípios, Ministérios e tampouco das agências reguladoras ou do Cade. Em nosso "presidencialismo de coalizão", a AGU opera como esteio jurídico - inclusive quanto à representação judicial de interesses e à fiscalização da legalidade das políticas públicas - da Presidência da República. Agências e autoridades independentes, contudo, ostentam esse título justamente por não se submeterem à orientação e à coordenação do Executivo. Rompem com o antigo ferramental publicístico da condução ministerial. Devem fidelidade exclusivamente à lei. Podem ter seus atos revistos apenas pelo Judiciário. O Legislativo, por seu turno, pode ampliar ou restringir, pelas vias próprias, poderes desses órgãos. Diversamente, o Executivo não tem permissão para revogar, descumprir ou inviabilizar a execução das decisões das autoridades independentes. Por isso não faz o menor sentido institucional que a defesa das decisões do Cade em juízo, por exemplo, em vez de elaboradas e sustentadas por seu procurador-geral, sejam atribuídas à AGU. O Executivo pode não ter interesse em manter decisão do Cade que pode até mesmo atingir um monopólio estatal ou outras entidades de direto público. Beira o absurdo, nessas condições, que a AGU - e não o procurador-geral do Cade - seja responsável pela representação e defesa do Cade em juízo. A Portaria PGF 164/2009 é exemplo de falta de compreensão do desenho institucional desses órgãos, de retrocesso na regulação dos mercados e de ignorância da nova dinâmica de democratização da atividade econômica. Independentemente da aberrante intromissão formal, por portaria, em matéria reservada e regulada por lei, as razões a seguir listadas demonstram a inconveniência material da indigitada portaria. O Cade e a advocacia pública são órgãos de Estado, não de governo. Isso significa independência e autonomia funcional. Que sentido haveria em garantir um mandato, votado pelo Senado, aos membros do Cade - inclusive ao seu procurador-geral - se eles estivessem submetidos aos controles internos e disciplinares da AGU? De que serviria o mandato do procurador-geral se ele não pudesse desempenhar a função básica de representação em juízo do órgão? Anote-se que o único entendimento razoável dessa disciplina jurídica é garantir a independência do Cade, nunca do procurador-geral em relação ao próprio Cade. O procurador-geral do Cade, que participa das reuniões do órgão, integra o sistema que tem por vértice um colegiado: o plenário do Cade. Cabe ao plenário requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões e determinar à Procuradoria adoção de providências administrativas e judiciais. Além disso, é prerrogativa da Procuradoria defender o Cade em juízo. Qual a lógica, diante do que dispõe a Lei de Defesa da Concorrência, de portaria que faz tábula rasa dessa sistemática? O procurador-geral do Cade, assim como o plenário, deve cumprir a Lei Antitruste e a Constituição federal. Esta diz que a lei reprimirá o abuso do poder econômico. O Cade é o órgão judicante dos atos e condutas abusivas. Não faz sentido que, com competências diretamente derivadas da Constituição e da lei, simples portaria subtraia as atribuições da Procuradoria e subverta o sistema. Por fim, segundo a lei, as decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo. Por isso, a execução e defesa judiciais dessas decisões não podem ser atribuídas a outro órgão do Executivo que não à própria Procuradoria do Cade. Do contrário, essa revisão ilegal ocorreria e seria passível de espúrio controle pela AGU. Cabe lembrar que este tema não desperta interesse meramente teórico. Recentemente o Cade, ao reconhecer que a Lei de Defesa da Concorrência lhe conferia competência para analisar atos e fusões no setor financeiro - entendimento posteriormente ratificado pelo Judiciário, mas ainda pendente de julgamento final -, desafiou parecer normativo da AGU que acolhia entendimento diverso. Naquela situação ficou patente a importância da independência jurídica como instrumento da autonomia do próprio Cade. Afinal, é a este órgão, e não à AGU, que a lei conferiu poderes para aplicar e interpretar a Lei Antitruste. O antitruste brasileiro - e o mesmo se diga das agências reguladoras e da CVM - atravessa importantíssimo momento de consolidação. Dentre os países emergentes, o direito da concorrência brasileiro ocupa posição internacionalmente reconhecida como de vanguarda. Faria muito melhor o governo se, em vez de tentar comprometer a autonomia do Cade, acelerasse a tramitação do projeto de lei que moderniza o órgão. Um país emergente carece de instituições emergentes, não de esforços para afundá-las. Celso Fernandes Campilongo e Ronaldo Porto Macedo Júnior,professores das Faculdades de Direito da USP e, respectivamente, PUC-SP e Direito-GV, foram conselheiros do Cade

O Brasil propala, com razão, a condição de "país emergente". Porém, do ponto de vista institucional, são constantes as pressões favoráveis ao retrocesso. Tome-se como exemplo o debate a respeito das agências reguladoras e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Esses órgãos estão periodicamente expostos a iniciativas hostis, que procuraram desacreditá-los ou limitar sua independência. Agências e autoridades independentes têm as suas competências regulatórias e adjudicatórias fixadas pela legislação. São instituições imunizadas contra os ataques do poder político e da pressão econômica. Sem isso não há autonomia nem mandatos capazes de cumprir suas funções. Porém recente Portaria PGF 164/2009 da Advocacia-Geral da União (AGU) - que impede os procuradores-gerais das agências reguladoras, do Cade e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de defenderem seus entes em juízo - expõe o modelo a grave risco. A AGU exerce relevantíssimo papel de coordenação jurídica da atuação do governo federal, mas isso não a autoriza a se imiscuir, direta ou indiretamente, em matérias da competência de Estados, municípios, Ministérios e tampouco das agências reguladoras ou do Cade. Em nosso "presidencialismo de coalizão", a AGU opera como esteio jurídico - inclusive quanto à representação judicial de interesses e à fiscalização da legalidade das políticas públicas - da Presidência da República. Agências e autoridades independentes, contudo, ostentam esse título justamente por não se submeterem à orientação e à coordenação do Executivo. Rompem com o antigo ferramental publicístico da condução ministerial. Devem fidelidade exclusivamente à lei. Podem ter seus atos revistos apenas pelo Judiciário. O Legislativo, por seu turno, pode ampliar ou restringir, pelas vias próprias, poderes desses órgãos. Diversamente, o Executivo não tem permissão para revogar, descumprir ou inviabilizar a execução das decisões das autoridades independentes. Por isso não faz o menor sentido institucional que a defesa das decisões do Cade em juízo, por exemplo, em vez de elaboradas e sustentadas por seu procurador-geral, sejam atribuídas à AGU. O Executivo pode não ter interesse em manter decisão do Cade que pode até mesmo atingir um monopólio estatal ou outras entidades de direto público. Beira o absurdo, nessas condições, que a AGU - e não o procurador-geral do Cade - seja responsável pela representação e defesa do Cade em juízo. A Portaria PGF 164/2009 é exemplo de falta de compreensão do desenho institucional desses órgãos, de retrocesso na regulação dos mercados e de ignorância da nova dinâmica de democratização da atividade econômica. Independentemente da aberrante intromissão formal, por portaria, em matéria reservada e regulada por lei, as razões a seguir listadas demonstram a inconveniência material da indigitada portaria. O Cade e a advocacia pública são órgãos de Estado, não de governo. Isso significa independência e autonomia funcional. Que sentido haveria em garantir um mandato, votado pelo Senado, aos membros do Cade - inclusive ao seu procurador-geral - se eles estivessem submetidos aos controles internos e disciplinares da AGU? De que serviria o mandato do procurador-geral se ele não pudesse desempenhar a função básica de representação em juízo do órgão? Anote-se que o único entendimento razoável dessa disciplina jurídica é garantir a independência do Cade, nunca do procurador-geral em relação ao próprio Cade. O procurador-geral do Cade, que participa das reuniões do órgão, integra o sistema que tem por vértice um colegiado: o plenário do Cade. Cabe ao plenário requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões e determinar à Procuradoria adoção de providências administrativas e judiciais. Além disso, é prerrogativa da Procuradoria defender o Cade em juízo. Qual a lógica, diante do que dispõe a Lei de Defesa da Concorrência, de portaria que faz tábula rasa dessa sistemática? O procurador-geral do Cade, assim como o plenário, deve cumprir a Lei Antitruste e a Constituição federal. Esta diz que a lei reprimirá o abuso do poder econômico. O Cade é o órgão judicante dos atos e condutas abusivas. Não faz sentido que, com competências diretamente derivadas da Constituição e da lei, simples portaria subtraia as atribuições da Procuradoria e subverta o sistema. Por fim, segundo a lei, as decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo. Por isso, a execução e defesa judiciais dessas decisões não podem ser atribuídas a outro órgão do Executivo que não à própria Procuradoria do Cade. Do contrário, essa revisão ilegal ocorreria e seria passível de espúrio controle pela AGU. Cabe lembrar que este tema não desperta interesse meramente teórico. Recentemente o Cade, ao reconhecer que a Lei de Defesa da Concorrência lhe conferia competência para analisar atos e fusões no setor financeiro - entendimento posteriormente ratificado pelo Judiciário, mas ainda pendente de julgamento final -, desafiou parecer normativo da AGU que acolhia entendimento diverso. Naquela situação ficou patente a importância da independência jurídica como instrumento da autonomia do próprio Cade. Afinal, é a este órgão, e não à AGU, que a lei conferiu poderes para aplicar e interpretar a Lei Antitruste. O antitruste brasileiro - e o mesmo se diga das agências reguladoras e da CVM - atravessa importantíssimo momento de consolidação. Dentre os países emergentes, o direito da concorrência brasileiro ocupa posição internacionalmente reconhecida como de vanguarda. Faria muito melhor o governo se, em vez de tentar comprometer a autonomia do Cade, acelerasse a tramitação do projeto de lei que moderniza o órgão. Um país emergente carece de instituições emergentes, não de esforços para afundá-las. Celso Fernandes Campilongo e Ronaldo Porto Macedo Júnior,professores das Faculdades de Direito da USP e, respectivamente, PUC-SP e Direito-GV, foram conselheiros do Cade

O Brasil propala, com razão, a condição de "país emergente". Porém, do ponto de vista institucional, são constantes as pressões favoráveis ao retrocesso. Tome-se como exemplo o debate a respeito das agências reguladoras e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Esses órgãos estão periodicamente expostos a iniciativas hostis, que procuraram desacreditá-los ou limitar sua independência. Agências e autoridades independentes têm as suas competências regulatórias e adjudicatórias fixadas pela legislação. São instituições imunizadas contra os ataques do poder político e da pressão econômica. Sem isso não há autonomia nem mandatos capazes de cumprir suas funções. Porém recente Portaria PGF 164/2009 da Advocacia-Geral da União (AGU) - que impede os procuradores-gerais das agências reguladoras, do Cade e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de defenderem seus entes em juízo - expõe o modelo a grave risco. A AGU exerce relevantíssimo papel de coordenação jurídica da atuação do governo federal, mas isso não a autoriza a se imiscuir, direta ou indiretamente, em matérias da competência de Estados, municípios, Ministérios e tampouco das agências reguladoras ou do Cade. Em nosso "presidencialismo de coalizão", a AGU opera como esteio jurídico - inclusive quanto à representação judicial de interesses e à fiscalização da legalidade das políticas públicas - da Presidência da República. Agências e autoridades independentes, contudo, ostentam esse título justamente por não se submeterem à orientação e à coordenação do Executivo. Rompem com o antigo ferramental publicístico da condução ministerial. Devem fidelidade exclusivamente à lei. Podem ter seus atos revistos apenas pelo Judiciário. O Legislativo, por seu turno, pode ampliar ou restringir, pelas vias próprias, poderes desses órgãos. Diversamente, o Executivo não tem permissão para revogar, descumprir ou inviabilizar a execução das decisões das autoridades independentes. Por isso não faz o menor sentido institucional que a defesa das decisões do Cade em juízo, por exemplo, em vez de elaboradas e sustentadas por seu procurador-geral, sejam atribuídas à AGU. O Executivo pode não ter interesse em manter decisão do Cade que pode até mesmo atingir um monopólio estatal ou outras entidades de direto público. Beira o absurdo, nessas condições, que a AGU - e não o procurador-geral do Cade - seja responsável pela representação e defesa do Cade em juízo. A Portaria PGF 164/2009 é exemplo de falta de compreensão do desenho institucional desses órgãos, de retrocesso na regulação dos mercados e de ignorância da nova dinâmica de democratização da atividade econômica. Independentemente da aberrante intromissão formal, por portaria, em matéria reservada e regulada por lei, as razões a seguir listadas demonstram a inconveniência material da indigitada portaria. O Cade e a advocacia pública são órgãos de Estado, não de governo. Isso significa independência e autonomia funcional. Que sentido haveria em garantir um mandato, votado pelo Senado, aos membros do Cade - inclusive ao seu procurador-geral - se eles estivessem submetidos aos controles internos e disciplinares da AGU? De que serviria o mandato do procurador-geral se ele não pudesse desempenhar a função básica de representação em juízo do órgão? Anote-se que o único entendimento razoável dessa disciplina jurídica é garantir a independência do Cade, nunca do procurador-geral em relação ao próprio Cade. O procurador-geral do Cade, que participa das reuniões do órgão, integra o sistema que tem por vértice um colegiado: o plenário do Cade. Cabe ao plenário requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões e determinar à Procuradoria adoção de providências administrativas e judiciais. Além disso, é prerrogativa da Procuradoria defender o Cade em juízo. Qual a lógica, diante do que dispõe a Lei de Defesa da Concorrência, de portaria que faz tábula rasa dessa sistemática? O procurador-geral do Cade, assim como o plenário, deve cumprir a Lei Antitruste e a Constituição federal. Esta diz que a lei reprimirá o abuso do poder econômico. O Cade é o órgão judicante dos atos e condutas abusivas. Não faz sentido que, com competências diretamente derivadas da Constituição e da lei, simples portaria subtraia as atribuições da Procuradoria e subverta o sistema. Por fim, segundo a lei, as decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo. Por isso, a execução e defesa judiciais dessas decisões não podem ser atribuídas a outro órgão do Executivo que não à própria Procuradoria do Cade. Do contrário, essa revisão ilegal ocorreria e seria passível de espúrio controle pela AGU. Cabe lembrar que este tema não desperta interesse meramente teórico. Recentemente o Cade, ao reconhecer que a Lei de Defesa da Concorrência lhe conferia competência para analisar atos e fusões no setor financeiro - entendimento posteriormente ratificado pelo Judiciário, mas ainda pendente de julgamento final -, desafiou parecer normativo da AGU que acolhia entendimento diverso. Naquela situação ficou patente a importância da independência jurídica como instrumento da autonomia do próprio Cade. Afinal, é a este órgão, e não à AGU, que a lei conferiu poderes para aplicar e interpretar a Lei Antitruste. O antitruste brasileiro - e o mesmo se diga das agências reguladoras e da CVM - atravessa importantíssimo momento de consolidação. Dentre os países emergentes, o direito da concorrência brasileiro ocupa posição internacionalmente reconhecida como de vanguarda. Faria muito melhor o governo se, em vez de tentar comprometer a autonomia do Cade, acelerasse a tramitação do projeto de lei que moderniza o órgão. Um país emergente carece de instituições emergentes, não de esforços para afundá-las. Celso Fernandes Campilongo e Ronaldo Porto Macedo Júnior,professores das Faculdades de Direito da USP e, respectivamente, PUC-SP e Direito-GV, foram conselheiros do Cade

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