Se um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), seja quem for, proferir uma decisão monocrática em caráter liminar para conter um avanço do presidente da República sobre os estritos limites que a Constituição lhe impõe, é muito provável que possa contar com o apoio de seus dez colegas quando a matéria for à deliberação do plenário. Desde que a Corte Suprema passou a se posicionar no centro das grandes discussões nacionais a partir do julgamento do mensalão, em agosto de 2012, não se viu tamanha coesão entre os ministros como ora se vê. Nestes quase oito anos de protagonismo - e popularidade - da mais alta instância do Poder Judiciário, houve de tudo naquele setor da Praça dos Três Poderes. Em vez das “onze ilhas incomunicáveis”, como certa vez definiu o ex-ministro Sepúlveda Pertence, em variados julgamentos o STF deu a entender que, na verdade, formava um conjunto de “onze césares”, transmutando a colegialidade que é da essência da Corte em um mero resultado de arranjos circunstanciais, quando não uma quimera.
Decerto a recente união entre os ministros é velada. Seus termos e raio de ação são desconhecidos, se é que podem ser aferidos. No entanto, é lícito inferir que uma espécie de aliança institucional informal entre os membros da Corte começou a ser delineada no final de outubro de 2018. Naquela ocasião, convém lembrar, veio a público um vídeo no qual o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) bravateava para uma plateia de estudantes que bastavam “um cabo e um soldado” para fechar o STF. “O que é o STF?”, perguntou Eduardo, filho do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. “Tire o poder da caneta de um ministro do STF e o que ele é na rua? Se você prender um ministro do STF, acha que haverá manifestação popular a favor de ministro do STF? Haverá milhões de pessoas nas ruas (por ele)?”, questionava o deputado valentão.
Hoje parece bastante claro que a Corte Suprema anotou essas perguntas e resolveu respondê-las, uma a uma, erigindo uma muralha de contenção aos arroubos autoritários do presidente Jair Bolsonaro. Não foram poucos os casos em que o STF formou um escudo diante das ameaças ao Estado Democrático de Direito contidas em decisões do Poder Executivo, ensinando a Jair Bolsonaro que ele pode muito no regime presidencialista, mas não pode tudo. Na mais recente “aula de democracia” proferida por um membro da Corte, o ministro Alexandre de Moraes foi didático ao enfatizar que o presidente não pode se servir do aparato do Estado para satisfazer seus interesses particulares, familiares ou eleitorais. Por sua vez, o decano Celso de Mello tem sido a voz mais eloquente a reafirmar os valores indesviáveis que orientam esta República, não raro verbalizando o que pensam seus pares.
É importante ressaltar que a aliança entre os ministros do STF, pelo que se pode observar, nem de longe se destina a interditar o governo de Jair Bolsonaro. Não se trata de uma insurgência de um Poder contra outro. Neste quase ano e meio de mandato, Bolsonaro sempre pôde contar com o julgamento favorável da Corte quando os projetos do Palácio do Planalto vieram ao encontro dos interesses nacionais. Não é justo, portanto, o presidente afirmar que não será “um pato manco, refém de decisões monocráticas de um ministro do Supremo”. Ele será contido, sim, sempre que tentar se desviar das leis e da Constituição, como tentou fazer ao nomear um amigo para a diretoria-geral da Polícia Federal.
Sempre houve divergências entre os onze ministros da Corte Suprema. São próprias de qualquer órgão colegiado, e não será com a atual composição que elas deixarão de existir. Ademais, sabe-se que a união entre os membros do STF pode ser desfeita a qualquer tempo, a depender da matéria sob julgamento ou de insondáveis interpretações jurídicas. Ao fim e ao cabo, o que interessa à Nação é saber que pode contar com a mais alta instância do Poder Judiciário sempre que tentarem fazer letra morta dos preceitos da Lei Maior. Tão ou mais grave do que um ataque à Constituição é a tibieza dos que são investidos do poder de defendê-la.