Fui munido de diferentes estilos de vinho: levei um Gewurztraminer alsaciano, um Chablis, um Borgonha tinto, um Bordeaux e um Rhône. Pedi para servirem os cinco ao mesmo tempo e os pratos foram chegando. Harmonização é antes de mais nada uma ótima brincadeira. O pior que pode acontecer é dar errado, e mesmo assim há boa comida e bons vinhos a serem bebidos.
O Gewurz, meu velho favorito Dopff, encantou os companheiros de mesa com seu intenso aroma de lichias e lírios, mas seco e sério na boca. Casou lindamente com as grenouilles à la purée d’ail, as deliciosas coxinhas de rã empanadas com forte aioli. Ponto para vinho e prato. O seguinte, a morue aux lentilles, bom pedaço de bacalhau em que o sal se destaca, derrotou meu Chablis. Descuidei-me da lição de Saul Galvão: bacalhau funciona com branco barricado, e não levei nenhum. Até aí os tintos não tiveram protagonismo, apesar de o delicado Borgonha fazer alguma presença com o bacalhau.
Veio o que considerei melhor prato do jantar, o cassoulet, bem classicão, com confit de pato e embutido. Era a vez dos tintos. O Borgonha foi bem, o Bordeaux não deu certo – os taninos ainda muito durinhos não ajudaram. Mas o Châteuneuf-du-Pape foi a perfeição.
É um pouco melancólico fazer experiências e, no final, ganhar o previsível. Vale tentar mudar, mas o que é consagrado pelos tempos tem lá suas razões de ser. Cassoulet anda bem com os vinhos mais tradicionais de sua região de origem, o centro-sul francês.
O Châteauneuf, predominantemente Grenache com algo de Mourvèdre, grande companheiro para patos, tinha que ser mesmo o melhor. No caso, foi o Domaine Giraud Tradition 2009 (R$ 268, Ravin Importadora, tel.: 5574-5789), com 60% Grenache, 35% Syrah e 5% Mourvèdre, carnudão e cheio de fruta, quase mastigável e com acidez para enfrentar a gordura. Foi o vinho em que houve um silêncio e depois um “uhnn” geral à mesa.
Em lugar de queijos, o chef propôs um dos tradicionais suflês da casa, o de gruyère, que derrotou os vinhos. Falha minha não ter pensado na hipótese. Talvez um Savagnin do Jura fosse a resposta. E terminei com o riz au lait, que dispensa vinhos, mas que aprovaria um cálice de algum Monbazillac ou Cadillac.
Curiosamente, no balanço da refeição, o Bordeaux foi o que menos se notabilizou, talvez pela ausência de caça ou assado que lhe fizesse companhia. O Borgonha foi bem e os demais muito bem. Com clássicos, bebamos clássicos.