Agricultor planta 100 espécies comestíveis e abastece restaurantes


Patrick Assumpção pesquisa e planta tudo o que cai na sua mão. Em sua fazenda no Vale do Paraíba está resgatando feijões quase extintos, vagens raras e ingredientes estranhos

Por Daniel Telles Marques

Mesmo sem cozinhar, Patrick Assumpção é o responsável por pratos no Vito, Esquina Mocotó, Maní e pesquisas de Alex Atala para o D.O.M.. Sem ele, André Mifano dificilmente conseguiria servir o feijão-caupi no menu-degustação, Rodrigo Oliveira não prepararia ervilha-orelha-de-padre e você não poderia comer a mandioca-ouro e a vinagreira-vermelha que Helena Rizzo e Daniel Redondo usam em pratos do Maní.

“O Alex (Atala) me falou do Patrick e eu liguei para ele pedindo para me trazer qualquer coisa. Um dia ele chegou com um saquinho de feijão. Cozinhei, comi e liguei pedindo 10 quilos”, conta o chef do Vito, André Mifano. “Só ano que vem”, respondeu o produtor.

 Foto: Sérgio Vaz/Estadão
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Para produzir o suficiente e abastecer regularmente restaurantes, Patrick precisará de sete anos a cada nova descoberta. É o tempo que leva entre separar a cada colheita os grãos com características desejáveis, guardá-los para plantar no ano seguinte e repetir o processo ao longo de seis anos até conseguir lavouras uniformes em amadurecimento, tamanho e cor. Por isso, os chefs se referem a ele como “o cara que resgata ingredientes”.

A pecha não o deixa confortável. “Aqui no Vale, as pessoas plantam essas coisas para consumo próprio, é só chegar em feiras de trocas que você encontra um produtor com um saquinho de um tipo de feijão ou milho que não sabia que existia”, diz. Percorrendo os arredores de Pindamonhangaba, onde está a fazenda, e outras regiões do Vale do Paraíba, encontrou, em feiras de agricultores, boa parte das sementes que planta. “Feijão é uma coisa que vicia. Eu passei dessa fase”, gargalha para em seguida falar sério. “As famílias é que mantêm com elas esse gosto de criar o grão e isso está se perdendo. Tem um monte de gente morrendo e o filho não está a fim de ficar na fazenda”.

 
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A história da centenária Fazenda Coruputuba está na terra. Poucos metros separam o passado do presente e o presente do futuro. “Olha ali, é só areia”, diz Assumpção, apontando para a direita enquanto caminhava para o galpão com a pintura desgastada. “Mas aqui, ó, já nasce feijão guandu e café”, apontou para a esquerda do mesmo caminho.

Sua ligação com a terra veio da família. “Eu nasci aqui, amo isso aqui”. Formado em desenho industrial, sequer estreou nas pranchetas. Se enfurnou na propriedade comprada pelo bisavô, Cícero da Silva Prado, grande fazendeiro e industrial do Vale da Paraíba, no começo do século passado. Mudou todo o sistema de produção da fazenda e seu nome, para Nova Coruputuba, marcando um novo ciclo da propriedade. Ali, durante três séculos, a terra fora castigada com monoculturas de café, mandioca, arroz, pasto para gado e por fim – seu canto do cisne – eucalipto.

Assumiu a propriedade e, junto com pesquisadores de universidades da região, passou a estudar o sistema de produção agroflorestal. Trocou os eucaliptos por guanandis e, para melhorar o solo para as árvores, adotou outras culturas na mesma área. “Um guanandi demora em média 20 anos até ficar pronto para o corte. Neste tempo, eu poderia usar o solo para melhorá-lo e produzir algo.”

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Plantou leguminosas para fixar nitrogênio no solo, feijão-de-porco para adubação verde, banana para melhor a absorção dos nutrientes na terra. Atualmente, tem mais de 300 variedades plantadas em toda a fazenda, 100 delas comestíveis. “A gente tem que entender as funções de cada planta para o solo. O (biólogo Valdely) Kinupp diz uma coisa muito correta: ‘somos analfabetos botânicos’. Eu sou apenas um usuário e entendo um pouco de famílias, não sou um botânico que se aprofunda numa espécie, mas gosto de entender as funções de cada uma delas.”

Cercado por plantas de uma das redomas verdes com ariá, almeirão-roxo, grumixama, pés de orelha-de-padre e araruta, Patrick enxerga o palmito que começa a crescer. De lá de dentro, explica as funções agrônomas de cada uma das plantas e como cada uma ajudará o palmito – protagonista daquele quinhão – a crescer.

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Ao caminhar pela fazenda, Patrick desvia, quase intuitivamente, das mudas espalhadas pelo caminho. É eloquente ao falar de cada uma delas: versa sobre suas aplicações culinárias e medicinais, detalha as origens, parentescos das plantas e como cada uma delas se comporta nos microcosmos verdes da fazenda. “A gente tenta imitar o que a floresta faz”, diz.

 

Florestas de comer. O mimetismo florestal é comestível. São das suas pequenas florestas que sai boa parte da alimentação diária do produtor, comida diversa e fresca. A poucos metros de casa e em poucos metros quadrados, há taioba, feijão, variedades de milho, tomates silvestres, quiabo, capuchinha, e outras dezenas de espécies de alimentos, intercaladas entre pés de guanandi, que junto com arroz arbóreo e agulhinha sustenta as contas da fazenda.

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A Nova Coruputuba tem uma enorme casa sede com avarandado voltado para o jardim quase do tamanho de um campo de futebol. Sua imponência física contrasta com a conservação um tanto desgastada. As paredes ocres e desbotadas dos galpões e do prédio administrativo podem dar a impressão de uma cidade sem habitantes, e qualquer agroindustrial acostumado à geometria planejada das lavouras pensará que ali só há ilhas de mato, apesar de cada uma das áreas plantadas serem bem planejadas.

Documentos antigos citam o surgimento da propriedade em 1650 “sendo a paragem uma das mais antigas sesmarias, terras cedidas pelos reis de Portugal e donatários de capitanias para o cultivo e a consequente povoação do lugar”, escreveu o historiador Waldomiro Benedito de Abreu (1914/1999), no livro Pindamonhangaba Tempo & Face.

 
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Foi comprada por Cícero Prado em 1911, por um preço quase duas vezes maior que o preço que valia à época. Num momento em que produtores de café da região trocavam os cafezais por gado, Cícero preferiu plantar arroz e, anos depois, com a palha do grão, produziu papelão na que veio a ser a maior fábrica de papel da América Latina.

Patrick, aparentemente, herdou a vocação para a inovação. “Faço um trabalho de pesquisa e plantio de produtos que anteriormente eram cultivados em nossa região, aplico-as em sistemas agroflorestais aqui na Fazenda Coruputuba e distribuo material genético para agricultores identificados da região.”

Enquanto atendia o pedido do fotógrafo para ser retratado, apontava e explicava sobre cada uma das espécies plantadas naquele quinhão. “Essa aqui é uma goiaba que estava meio sumida”, disse. “Lá na casa de minha mãe tem”, falou o fotógrafo. “Putz, cara, você não tem umas duas mudinhas lá pra me trazer não?”, pediu Patrick para reforçar sua coleção verde.

Mesmo sem cozinhar, Patrick Assumpção é o responsável por pratos no Vito, Esquina Mocotó, Maní e pesquisas de Alex Atala para o D.O.M.. Sem ele, André Mifano dificilmente conseguiria servir o feijão-caupi no menu-degustação, Rodrigo Oliveira não prepararia ervilha-orelha-de-padre e você não poderia comer a mandioca-ouro e a vinagreira-vermelha que Helena Rizzo e Daniel Redondo usam em pratos do Maní.

“O Alex (Atala) me falou do Patrick e eu liguei para ele pedindo para me trazer qualquer coisa. Um dia ele chegou com um saquinho de feijão. Cozinhei, comi e liguei pedindo 10 quilos”, conta o chef do Vito, André Mifano. “Só ano que vem”, respondeu o produtor.

 Foto: Sérgio Vaz/Estadão

Para produzir o suficiente e abastecer regularmente restaurantes, Patrick precisará de sete anos a cada nova descoberta. É o tempo que leva entre separar a cada colheita os grãos com características desejáveis, guardá-los para plantar no ano seguinte e repetir o processo ao longo de seis anos até conseguir lavouras uniformes em amadurecimento, tamanho e cor. Por isso, os chefs se referem a ele como “o cara que resgata ingredientes”.

A pecha não o deixa confortável. “Aqui no Vale, as pessoas plantam essas coisas para consumo próprio, é só chegar em feiras de trocas que você encontra um produtor com um saquinho de um tipo de feijão ou milho que não sabia que existia”, diz. Percorrendo os arredores de Pindamonhangaba, onde está a fazenda, e outras regiões do Vale do Paraíba, encontrou, em feiras de agricultores, boa parte das sementes que planta. “Feijão é uma coisa que vicia. Eu passei dessa fase”, gargalha para em seguida falar sério. “As famílias é que mantêm com elas esse gosto de criar o grão e isso está se perdendo. Tem um monte de gente morrendo e o filho não está a fim de ficar na fazenda”.

 

A história da centenária Fazenda Coruputuba está na terra. Poucos metros separam o passado do presente e o presente do futuro. “Olha ali, é só areia”, diz Assumpção, apontando para a direita enquanto caminhava para o galpão com a pintura desgastada. “Mas aqui, ó, já nasce feijão guandu e café”, apontou para a esquerda do mesmo caminho.

Sua ligação com a terra veio da família. “Eu nasci aqui, amo isso aqui”. Formado em desenho industrial, sequer estreou nas pranchetas. Se enfurnou na propriedade comprada pelo bisavô, Cícero da Silva Prado, grande fazendeiro e industrial do Vale da Paraíba, no começo do século passado. Mudou todo o sistema de produção da fazenda e seu nome, para Nova Coruputuba, marcando um novo ciclo da propriedade. Ali, durante três séculos, a terra fora castigada com monoculturas de café, mandioca, arroz, pasto para gado e por fim – seu canto do cisne – eucalipto.

Assumiu a propriedade e, junto com pesquisadores de universidades da região, passou a estudar o sistema de produção agroflorestal. Trocou os eucaliptos por guanandis e, para melhorar o solo para as árvores, adotou outras culturas na mesma área. “Um guanandi demora em média 20 anos até ficar pronto para o corte. Neste tempo, eu poderia usar o solo para melhorá-lo e produzir algo.”

 

Plantou leguminosas para fixar nitrogênio no solo, feijão-de-porco para adubação verde, banana para melhor a absorção dos nutrientes na terra. Atualmente, tem mais de 300 variedades plantadas em toda a fazenda, 100 delas comestíveis. “A gente tem que entender as funções de cada planta para o solo. O (biólogo Valdely) Kinupp diz uma coisa muito correta: ‘somos analfabetos botânicos’. Eu sou apenas um usuário e entendo um pouco de famílias, não sou um botânico que se aprofunda numa espécie, mas gosto de entender as funções de cada uma delas.”

Cercado por plantas de uma das redomas verdes com ariá, almeirão-roxo, grumixama, pés de orelha-de-padre e araruta, Patrick enxerga o palmito que começa a crescer. De lá de dentro, explica as funções agrônomas de cada uma das plantas e como cada uma ajudará o palmito – protagonista daquele quinhão – a crescer.

Ao caminhar pela fazenda, Patrick desvia, quase intuitivamente, das mudas espalhadas pelo caminho. É eloquente ao falar de cada uma delas: versa sobre suas aplicações culinárias e medicinais, detalha as origens, parentescos das plantas e como cada uma delas se comporta nos microcosmos verdes da fazenda. “A gente tenta imitar o que a floresta faz”, diz.

 

Florestas de comer. O mimetismo florestal é comestível. São das suas pequenas florestas que sai boa parte da alimentação diária do produtor, comida diversa e fresca. A poucos metros de casa e em poucos metros quadrados, há taioba, feijão, variedades de milho, tomates silvestres, quiabo, capuchinha, e outras dezenas de espécies de alimentos, intercaladas entre pés de guanandi, que junto com arroz arbóreo e agulhinha sustenta as contas da fazenda.

A Nova Coruputuba tem uma enorme casa sede com avarandado voltado para o jardim quase do tamanho de um campo de futebol. Sua imponência física contrasta com a conservação um tanto desgastada. As paredes ocres e desbotadas dos galpões e do prédio administrativo podem dar a impressão de uma cidade sem habitantes, e qualquer agroindustrial acostumado à geometria planejada das lavouras pensará que ali só há ilhas de mato, apesar de cada uma das áreas plantadas serem bem planejadas.

Documentos antigos citam o surgimento da propriedade em 1650 “sendo a paragem uma das mais antigas sesmarias, terras cedidas pelos reis de Portugal e donatários de capitanias para o cultivo e a consequente povoação do lugar”, escreveu o historiador Waldomiro Benedito de Abreu (1914/1999), no livro Pindamonhangaba Tempo & Face.

 

Foi comprada por Cícero Prado em 1911, por um preço quase duas vezes maior que o preço que valia à época. Num momento em que produtores de café da região trocavam os cafezais por gado, Cícero preferiu plantar arroz e, anos depois, com a palha do grão, produziu papelão na que veio a ser a maior fábrica de papel da América Latina.

Patrick, aparentemente, herdou a vocação para a inovação. “Faço um trabalho de pesquisa e plantio de produtos que anteriormente eram cultivados em nossa região, aplico-as em sistemas agroflorestais aqui na Fazenda Coruputuba e distribuo material genético para agricultores identificados da região.”

Enquanto atendia o pedido do fotógrafo para ser retratado, apontava e explicava sobre cada uma das espécies plantadas naquele quinhão. “Essa aqui é uma goiaba que estava meio sumida”, disse. “Lá na casa de minha mãe tem”, falou o fotógrafo. “Putz, cara, você não tem umas duas mudinhas lá pra me trazer não?”, pediu Patrick para reforçar sua coleção verde.

Mesmo sem cozinhar, Patrick Assumpção é o responsável por pratos no Vito, Esquina Mocotó, Maní e pesquisas de Alex Atala para o D.O.M.. Sem ele, André Mifano dificilmente conseguiria servir o feijão-caupi no menu-degustação, Rodrigo Oliveira não prepararia ervilha-orelha-de-padre e você não poderia comer a mandioca-ouro e a vinagreira-vermelha que Helena Rizzo e Daniel Redondo usam em pratos do Maní.

“O Alex (Atala) me falou do Patrick e eu liguei para ele pedindo para me trazer qualquer coisa. Um dia ele chegou com um saquinho de feijão. Cozinhei, comi e liguei pedindo 10 quilos”, conta o chef do Vito, André Mifano. “Só ano que vem”, respondeu o produtor.

 Foto: Sérgio Vaz/Estadão

Para produzir o suficiente e abastecer regularmente restaurantes, Patrick precisará de sete anos a cada nova descoberta. É o tempo que leva entre separar a cada colheita os grãos com características desejáveis, guardá-los para plantar no ano seguinte e repetir o processo ao longo de seis anos até conseguir lavouras uniformes em amadurecimento, tamanho e cor. Por isso, os chefs se referem a ele como “o cara que resgata ingredientes”.

A pecha não o deixa confortável. “Aqui no Vale, as pessoas plantam essas coisas para consumo próprio, é só chegar em feiras de trocas que você encontra um produtor com um saquinho de um tipo de feijão ou milho que não sabia que existia”, diz. Percorrendo os arredores de Pindamonhangaba, onde está a fazenda, e outras regiões do Vale do Paraíba, encontrou, em feiras de agricultores, boa parte das sementes que planta. “Feijão é uma coisa que vicia. Eu passei dessa fase”, gargalha para em seguida falar sério. “As famílias é que mantêm com elas esse gosto de criar o grão e isso está se perdendo. Tem um monte de gente morrendo e o filho não está a fim de ficar na fazenda”.

 

A história da centenária Fazenda Coruputuba está na terra. Poucos metros separam o passado do presente e o presente do futuro. “Olha ali, é só areia”, diz Assumpção, apontando para a direita enquanto caminhava para o galpão com a pintura desgastada. “Mas aqui, ó, já nasce feijão guandu e café”, apontou para a esquerda do mesmo caminho.

Sua ligação com a terra veio da família. “Eu nasci aqui, amo isso aqui”. Formado em desenho industrial, sequer estreou nas pranchetas. Se enfurnou na propriedade comprada pelo bisavô, Cícero da Silva Prado, grande fazendeiro e industrial do Vale da Paraíba, no começo do século passado. Mudou todo o sistema de produção da fazenda e seu nome, para Nova Coruputuba, marcando um novo ciclo da propriedade. Ali, durante três séculos, a terra fora castigada com monoculturas de café, mandioca, arroz, pasto para gado e por fim – seu canto do cisne – eucalipto.

Assumiu a propriedade e, junto com pesquisadores de universidades da região, passou a estudar o sistema de produção agroflorestal. Trocou os eucaliptos por guanandis e, para melhorar o solo para as árvores, adotou outras culturas na mesma área. “Um guanandi demora em média 20 anos até ficar pronto para o corte. Neste tempo, eu poderia usar o solo para melhorá-lo e produzir algo.”

 

Plantou leguminosas para fixar nitrogênio no solo, feijão-de-porco para adubação verde, banana para melhor a absorção dos nutrientes na terra. Atualmente, tem mais de 300 variedades plantadas em toda a fazenda, 100 delas comestíveis. “A gente tem que entender as funções de cada planta para o solo. O (biólogo Valdely) Kinupp diz uma coisa muito correta: ‘somos analfabetos botânicos’. Eu sou apenas um usuário e entendo um pouco de famílias, não sou um botânico que se aprofunda numa espécie, mas gosto de entender as funções de cada uma delas.”

Cercado por plantas de uma das redomas verdes com ariá, almeirão-roxo, grumixama, pés de orelha-de-padre e araruta, Patrick enxerga o palmito que começa a crescer. De lá de dentro, explica as funções agrônomas de cada uma das plantas e como cada uma ajudará o palmito – protagonista daquele quinhão – a crescer.

Ao caminhar pela fazenda, Patrick desvia, quase intuitivamente, das mudas espalhadas pelo caminho. É eloquente ao falar de cada uma delas: versa sobre suas aplicações culinárias e medicinais, detalha as origens, parentescos das plantas e como cada uma delas se comporta nos microcosmos verdes da fazenda. “A gente tenta imitar o que a floresta faz”, diz.

 

Florestas de comer. O mimetismo florestal é comestível. São das suas pequenas florestas que sai boa parte da alimentação diária do produtor, comida diversa e fresca. A poucos metros de casa e em poucos metros quadrados, há taioba, feijão, variedades de milho, tomates silvestres, quiabo, capuchinha, e outras dezenas de espécies de alimentos, intercaladas entre pés de guanandi, que junto com arroz arbóreo e agulhinha sustenta as contas da fazenda.

A Nova Coruputuba tem uma enorme casa sede com avarandado voltado para o jardim quase do tamanho de um campo de futebol. Sua imponência física contrasta com a conservação um tanto desgastada. As paredes ocres e desbotadas dos galpões e do prédio administrativo podem dar a impressão de uma cidade sem habitantes, e qualquer agroindustrial acostumado à geometria planejada das lavouras pensará que ali só há ilhas de mato, apesar de cada uma das áreas plantadas serem bem planejadas.

Documentos antigos citam o surgimento da propriedade em 1650 “sendo a paragem uma das mais antigas sesmarias, terras cedidas pelos reis de Portugal e donatários de capitanias para o cultivo e a consequente povoação do lugar”, escreveu o historiador Waldomiro Benedito de Abreu (1914/1999), no livro Pindamonhangaba Tempo & Face.

 

Foi comprada por Cícero Prado em 1911, por um preço quase duas vezes maior que o preço que valia à época. Num momento em que produtores de café da região trocavam os cafezais por gado, Cícero preferiu plantar arroz e, anos depois, com a palha do grão, produziu papelão na que veio a ser a maior fábrica de papel da América Latina.

Patrick, aparentemente, herdou a vocação para a inovação. “Faço um trabalho de pesquisa e plantio de produtos que anteriormente eram cultivados em nossa região, aplico-as em sistemas agroflorestais aqui na Fazenda Coruputuba e distribuo material genético para agricultores identificados da região.”

Enquanto atendia o pedido do fotógrafo para ser retratado, apontava e explicava sobre cada uma das espécies plantadas naquele quinhão. “Essa aqui é uma goiaba que estava meio sumida”, disse. “Lá na casa de minha mãe tem”, falou o fotógrafo. “Putz, cara, você não tem umas duas mudinhas lá pra me trazer não?”, pediu Patrick para reforçar sua coleção verde.

Mesmo sem cozinhar, Patrick Assumpção é o responsável por pratos no Vito, Esquina Mocotó, Maní e pesquisas de Alex Atala para o D.O.M.. Sem ele, André Mifano dificilmente conseguiria servir o feijão-caupi no menu-degustação, Rodrigo Oliveira não prepararia ervilha-orelha-de-padre e você não poderia comer a mandioca-ouro e a vinagreira-vermelha que Helena Rizzo e Daniel Redondo usam em pratos do Maní.

“O Alex (Atala) me falou do Patrick e eu liguei para ele pedindo para me trazer qualquer coisa. Um dia ele chegou com um saquinho de feijão. Cozinhei, comi e liguei pedindo 10 quilos”, conta o chef do Vito, André Mifano. “Só ano que vem”, respondeu o produtor.

 Foto: Sérgio Vaz/Estadão

Para produzir o suficiente e abastecer regularmente restaurantes, Patrick precisará de sete anos a cada nova descoberta. É o tempo que leva entre separar a cada colheita os grãos com características desejáveis, guardá-los para plantar no ano seguinte e repetir o processo ao longo de seis anos até conseguir lavouras uniformes em amadurecimento, tamanho e cor. Por isso, os chefs se referem a ele como “o cara que resgata ingredientes”.

A pecha não o deixa confortável. “Aqui no Vale, as pessoas plantam essas coisas para consumo próprio, é só chegar em feiras de trocas que você encontra um produtor com um saquinho de um tipo de feijão ou milho que não sabia que existia”, diz. Percorrendo os arredores de Pindamonhangaba, onde está a fazenda, e outras regiões do Vale do Paraíba, encontrou, em feiras de agricultores, boa parte das sementes que planta. “Feijão é uma coisa que vicia. Eu passei dessa fase”, gargalha para em seguida falar sério. “As famílias é que mantêm com elas esse gosto de criar o grão e isso está se perdendo. Tem um monte de gente morrendo e o filho não está a fim de ficar na fazenda”.

 

A história da centenária Fazenda Coruputuba está na terra. Poucos metros separam o passado do presente e o presente do futuro. “Olha ali, é só areia”, diz Assumpção, apontando para a direita enquanto caminhava para o galpão com a pintura desgastada. “Mas aqui, ó, já nasce feijão guandu e café”, apontou para a esquerda do mesmo caminho.

Sua ligação com a terra veio da família. “Eu nasci aqui, amo isso aqui”. Formado em desenho industrial, sequer estreou nas pranchetas. Se enfurnou na propriedade comprada pelo bisavô, Cícero da Silva Prado, grande fazendeiro e industrial do Vale da Paraíba, no começo do século passado. Mudou todo o sistema de produção da fazenda e seu nome, para Nova Coruputuba, marcando um novo ciclo da propriedade. Ali, durante três séculos, a terra fora castigada com monoculturas de café, mandioca, arroz, pasto para gado e por fim – seu canto do cisne – eucalipto.

Assumiu a propriedade e, junto com pesquisadores de universidades da região, passou a estudar o sistema de produção agroflorestal. Trocou os eucaliptos por guanandis e, para melhorar o solo para as árvores, adotou outras culturas na mesma área. “Um guanandi demora em média 20 anos até ficar pronto para o corte. Neste tempo, eu poderia usar o solo para melhorá-lo e produzir algo.”

 

Plantou leguminosas para fixar nitrogênio no solo, feijão-de-porco para adubação verde, banana para melhor a absorção dos nutrientes na terra. Atualmente, tem mais de 300 variedades plantadas em toda a fazenda, 100 delas comestíveis. “A gente tem que entender as funções de cada planta para o solo. O (biólogo Valdely) Kinupp diz uma coisa muito correta: ‘somos analfabetos botânicos’. Eu sou apenas um usuário e entendo um pouco de famílias, não sou um botânico que se aprofunda numa espécie, mas gosto de entender as funções de cada uma delas.”

Cercado por plantas de uma das redomas verdes com ariá, almeirão-roxo, grumixama, pés de orelha-de-padre e araruta, Patrick enxerga o palmito que começa a crescer. De lá de dentro, explica as funções agrônomas de cada uma das plantas e como cada uma ajudará o palmito – protagonista daquele quinhão – a crescer.

Ao caminhar pela fazenda, Patrick desvia, quase intuitivamente, das mudas espalhadas pelo caminho. É eloquente ao falar de cada uma delas: versa sobre suas aplicações culinárias e medicinais, detalha as origens, parentescos das plantas e como cada uma delas se comporta nos microcosmos verdes da fazenda. “A gente tenta imitar o que a floresta faz”, diz.

 

Florestas de comer. O mimetismo florestal é comestível. São das suas pequenas florestas que sai boa parte da alimentação diária do produtor, comida diversa e fresca. A poucos metros de casa e em poucos metros quadrados, há taioba, feijão, variedades de milho, tomates silvestres, quiabo, capuchinha, e outras dezenas de espécies de alimentos, intercaladas entre pés de guanandi, que junto com arroz arbóreo e agulhinha sustenta as contas da fazenda.

A Nova Coruputuba tem uma enorme casa sede com avarandado voltado para o jardim quase do tamanho de um campo de futebol. Sua imponência física contrasta com a conservação um tanto desgastada. As paredes ocres e desbotadas dos galpões e do prédio administrativo podem dar a impressão de uma cidade sem habitantes, e qualquer agroindustrial acostumado à geometria planejada das lavouras pensará que ali só há ilhas de mato, apesar de cada uma das áreas plantadas serem bem planejadas.

Documentos antigos citam o surgimento da propriedade em 1650 “sendo a paragem uma das mais antigas sesmarias, terras cedidas pelos reis de Portugal e donatários de capitanias para o cultivo e a consequente povoação do lugar”, escreveu o historiador Waldomiro Benedito de Abreu (1914/1999), no livro Pindamonhangaba Tempo & Face.

 

Foi comprada por Cícero Prado em 1911, por um preço quase duas vezes maior que o preço que valia à época. Num momento em que produtores de café da região trocavam os cafezais por gado, Cícero preferiu plantar arroz e, anos depois, com a palha do grão, produziu papelão na que veio a ser a maior fábrica de papel da América Latina.

Patrick, aparentemente, herdou a vocação para a inovação. “Faço um trabalho de pesquisa e plantio de produtos que anteriormente eram cultivados em nossa região, aplico-as em sistemas agroflorestais aqui na Fazenda Coruputuba e distribuo material genético para agricultores identificados da região.”

Enquanto atendia o pedido do fotógrafo para ser retratado, apontava e explicava sobre cada uma das espécies plantadas naquele quinhão. “Essa aqui é uma goiaba que estava meio sumida”, disse. “Lá na casa de minha mãe tem”, falou o fotógrafo. “Putz, cara, você não tem umas duas mudinhas lá pra me trazer não?”, pediu Patrick para reforçar sua coleção verde.

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