História, afetividade e cultura alimentar. Esse trio de palavras é a cara do trio gastronômico Ana Soares, Mara Salles e Neide Rigo. As chefs do Mesa III e do Tordesilhas e a colunista do Paladar visitaram a exposição Alimentário, que ocupa a Oca do Ibirapuera até o fim de março. E ficaram impressionadas.
As três passearam por baixo da instalação Antes que eu te Engula Carrocelflower, de Ernesto Neto. Cada estame da gigantesca flor é uma bolsa cheia de tempero, exalando aromas de cozinha. Ao lado, a projeção do filme Poliedro de Frutas (Pedro Paiva e João Maria Gusmão) virou a cabeça de Ana. A mesa de frutas descascadas driblava a gravidade. “Aquilo tudo fica girando e dançando. Diz muito para mim”, exaltava a chef.
Em frente ao Abacaxi com Formiga Amazônica, foto do prato de Alex Atala, Neide dá uma lição sobre saúvas. “Se a içá sobrevive ao voo, funda um formigueiro que dura oito anos. Por isso, é melhor comer mesmo.” Mara ficou fascinada pelas instalações no chão. Abaixou para observar os vidros recobrindo vísceras (de madeira) em Ruína e Charque, de Adriana Varejão. “Pirou na paçoca” com a lombada do doce em Quebra-Mola, de Débora Bolsoni. E adorou o cheiro da piscina de dendê Bipolar 2, de Ayrson Heráclito.
Na boca. O biscoito-arte fez o trio pensar na efemeridade do trabalho de um chef. FOTOS: Fernando Sciarra/Estadão
Faltou luz na Oca no meio da tarde. Mas o pique não diminuiu e a visita continuou no escuro, com a luz do celular de Felipe Ribenboim, um dos idealizadores da mostra. Que bom que, antes, deu para ver o filme Casa de Farinha (Geraldo Sarno/Thomaz Farkas). As três se sentaram no banquinho e ficaram imóveis por 13 minutos vendo camponeses nordestinos transformarem a mandioca em pó, passo a passo. Nem um pio.
O biscoito Arte, de Regina Silveira, foi o primeiro a recepcionar as visitantes, e ficou como o momento mais marcante. Foi fotografado sobre um prato à espera de ser devorado com garfo e faca. “A gente faz coisas belas, mas tão efêmeras que me questiono se constituem arte”, diz Mara. “Em um prato, posso priorizar a estética ou o sabor. Não gostaria de sacrificar nada, mas, se precisasse, com certeza sacrificaria a estética.” Os idealizadores da exposição tentaram resolver a questão da efemeridade de duas maneiras. Uma é trocar periodicamente alguns alimentos, como as frutas cítricas que dão cheiro e vida à pintura Natureza-Morta, de Estevão Roberto da Silva. Outra forma é exibir criações de chefs pela fotografia. Imagens de Sergio Coimbra registram o trabalho de Alex Atala (D.O.M.), Helena Rizzo (Maní), Rodrigo Oliveira (Mocotó) e Thiago Castanho (Remanso do Bosque). Desde que foi inaugurada no Rio, no ano passado, a exposição tem entre seus objetivos mostrar a comida de restaurante ao lado da história alimentar brasileira. Escritos e gravuras, filmes e fotografia podem ser mostrados ao lado de temperos e dadinhos de tapioca. Ao fim, as três comeram réplicas do biscoito de Regina Silveira. “Se é de comer, eu como”, diz Neide.
Cheiros. A flor de aroma feita por Ernesto Neto tem um tempero em cada estame. FOTO: Gabriel Bilo/Estadão
SERVIÇO | AlimentárioOnde: Oca – Parque do Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº)Quando: 9h/18h (fecha 2ª). Até 29/3Quanto: Grátis