Este livro não vai te deixar rico. Direto e com a proposta de combater o que chama de “empreendedorismo autoajuda e conhecimento superficial”, o criador anônimo do perfil de Twitter Startup da Real apresenta, logo na capa do recém-lançado livro, a mensagem que há dois anos ele leva aos seus mais de 44 mil seguidores.
Conhecido nas redes sociais como Star, o dono do perfil preza pelo anonimato em nome de uma “purificação da discussão”. Durante a entrevista ao Estadão PME, o homem por trás do Startup da Real falou sem máscara, sob a condição de que nas fotos aparecesse disfarçado. Foi desse jeito que ele se apresentou ao lado do empresário Facundo Guerra no lançamento do livro nesta semana na capital paulista.
Ao criar o perfil para rebater mensagens sobre empreendedorismo (“óbvias, com frases prontas e de motivação”) que um amigo enviava, Star escolheu como foto de perfil uma imagem do personagem Nelson Bighetti, interpretado pelo ator Josh Brener na série Silicon Valley (Vale do Silício), da HBO. “Ele é o cara que ‘caiu para cima’, não fazia nada e deu sorte (para fazer sucesso).”
Para Star, o problema é o empreendedorismo ser vendido como uma forma de alcançar a felicidade. “Se você tem um emprego ruim, vai empreender. Se quer ser feliz, vai montar um negócio. Não é assim”, diz ele. “Não é para não empreender, é para botar o pé no chão.”
Na abertura de Este Livro Não Vai te Deixar Rico está uma frase do ensaísta e estatístico líbano-americano Nassim Nicholas Taleb, autor do best-seller A Lógica do Cisne Negro: “Evite ouvir conselhos de alguém cujo ganha-pão seja dar conselhos, a menos que haja alguma penalidade para esses conselhos”. O tema acompanha toda a obra, que aborda assuntos como meritocracia, produtividade, empreendedorismo fitness e educação financeira.
No Twitter, os seguidores começaram a questionar sua identidade e, ainda que a intenção inicial não fosse escondê-la, Star decidiu manter a ideia. “Quando começaram as tentativas de ir para o lado pessoal, eu vi que o anonimato era bom. O que importa acaba sendo o argumento.”
Seis meses após criar o perfil e perceber que estava sendo encarado como uma página humorística, ele criou um perfil no Medium, onde publica textos mais longos sobre o que chama de “teatro empreendedor”. No primeiro deles, intitulado “Sucesso, dinheiro e curso superior: você precisa mesmo?”, Star critica discursos que aconselham a largar a faculdade para empreender. “O que eu escrevo não é mentira. É absurdo, é engraçado porque é verdade.”
Diante de críticas ao lado negativista do setor, o anônimo resolveu dedicar o último capítulo do livro para ajudar o futuro empreendedor a saber por onde começar. No fim, dez páginas trazem as referências bibliográficas que ele usou para construir os argumentos apresentados. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
O que as pessoas sabem sobre você?
Não sabem nada do meu nome, onde eu moro, onde eu trabalho, qual a minha profissão, mas sabem que eu sou casado, que a minha esposa é médica, que eu trabalhei com programação, que eu fui consultor de tecnologia, que eu estudei fora do País. Tem um capítulo no livro que é basicamente parte da minha vida para justificar um ponto. Eu tinha que matar alguns mitos que surgiram, como “ah, você critica meritocracia, mas o seu livro é um case de sucesso que desmente você”. Então, eu tive que mostrar o quanto eu fui privilegiado a minha vida inteira para poder chegar, sentar e escrever um livro que vendeu bastante.
Você não acha que o anonimato pode levar o público a não acreditar em você, porque não sabe o que você já fez?
Eu acho que o argumento precisa se sustentar sozinho. Se eu digo que é fácil ficar rico, esse argumento tem que ser verdadeiro sozinho. Ninguém sabe o que aconteceu comigo, eu posso ter uma vida boa e falar que foi assim que eu fiquei rico, mas ninguém sabe se eu ganhei na loteria, se minha família é rica. Tirar a realidade pessoal e deixar o argumento trabalhar sozinho acho que é o melhor caminho.
O que te deu bagagem para falar de empreendedorismo?
Eu tive uma empresa de tecnologia, depois eu montei uma marca de roupas e foram coisas bem simples que tiveram retorno. Mas fui para fora e fiz um curso de empreendedorismo. Eu vi os argumentos caindo por terra. Tudo o que eu falo no livro e na internet eu via todos os dias. Não sou um visionário. Eu só fui a pessoa que parou e perdeu tempo para falar disso.
O seu objetivo é que as pessoas não empreendam?
Não! Principalmente porque as pessoas precisam fazer a vida acontecer e uma das formas de fazer isso é empreendendo. O meu problema é o empreendedorismo como uma forma de alcançar a felicidade, como é vendido. Se você tem um emprego ruim, vai empreender. Se você está insatisfeito, se quer ser feliz, vai montar um negócio. Não é assim. Tem estatística dentro do livro mostrando que esse papo de que empreendedores ganham mais não é verdade. Dentro da média do País, o que eles tiram é bem abaixo. Normalmente, a gente tem essa impressão errada porque eles já têm uma boa estrutura familiar, com dinheiro e fazem negócios porque, se forem à falência, não vão ficar sem comer no fim do mês. Não é para não empreender, é para botar o pé no chão.
No livro você critica o “empreendedorismo de palco”. Por quê?
Todo mundo acha que vai ser o próximo Steve Jobs. É muito fácil vender livro (para empreender), vender curso, vender videoaula. O foco do meu livro é falar que as pessoas estão assumindo riscos que elas desconhecem. Esse discurso de que “você precisa empreender” pode ferrar um cara que pediu demissão, pegou o FGTS, gastou tudo em um negócio e foi à falência.
Qual seria o caminho para quem quer empreender?
Eu acho que o que é vendido vem carregado de otimismo exagerado e uma linha de pensamento que faz você assumir riscos sem te contar quais são eles. A pessoa que quer empreender tem que olhar para o lado técnico. Estudar administração, olhar para o marketing, ver como se estuda mercado e as técnicas, como mede o ganho de investimento em cima de uma campanha. Tudo o que o cara precisa para ser um empreendedor de verdade é técnico. Ele não precisa de alguém dizendo “vai lá, vai dar certo, olha só o Steve Jobs”.
Você diz que sua história não é exemplo de meritocracia, embora muita gente diga que sim. Por quê?
Eu construo dois cenários. O primeiro é o ideal, o exemplo de como os empreendedores contam o próprio case de sucesso. Anulam todo o histórico negativo, qualquer coisa que não colabore com a história. Eu abri minha primeira startup com um amigo em 2007, a gente se deu mal. Eu saí, tinha meu trabalho, tinha o meu salário, pedi demissão, fui estudar fora. Eu tinha um FGTS gigantesco que me sustentou por cinco anos. Estudei filosofia, fiz faculdade de física, tinha uma esposa que era professora concursada, então ela poderia segurar a onda se a gente falisse. Montei uma marca de roupa, estudei, meu avô era programador, eu aprendi a programar quando criança. Eu tive um passado privilegiado, mesmo que depois minha família tenha quebrado e a gente tenha ido morar em um bairro pobre. Mas a minha base já estava muito bem construída e isso tudo fez muita diferença. Todo o livro é só um retrato do meu privilégio.
Você considera o Startup da Real um empreendimento?
Ele virou, né. Eu posso dizer que ele é um negócio, eu ganho com ele o tanto que ganho de salário. Ele me dá dinheiro porque me consome tempo, eu viro madrugadas produzindo conteúdo, eu tenho conteúdo semanal exclusivo para assinantes. Então ele é um negócio. Mas começou sem a menor pretensão e amanhã as pessoas podem não gostar mais do que eu falo e parar de pagar. E ele vai sumir como qualquer outro negócio.
Não acredita que para empreender precisa se dedicar apenas a isso?
Eu acho que é totalmente o oposto. Você está no seu trabalho e quer empreender? Usa uma hora do seu dia, tira o domingo para isso. Está dando certo? Vai investindo tempo, vai testando. Porque, se você chegar e matar o seu trabalho por um negócio que você não sabe se vai dar certo e que, se não der certo, você vai passar fome, não funciona.
Este Livro Não Vai te Deixar Rico
Preço: R$ 39,90 (Ed. Planeta Estratégia; 233 págs.)