A falácia do garantidor da legitimidade implica que Temer teria de ser legitimado por Henrique Meirelles, pelo PSDB ou pelo mercado. Temer será chefe de governo presidencialista legítimo, e é quem deverá legitimar sua equipe e seu programa de governo. Já existe amplo consenso sobre os objetivos de um reajuste da política econômica, resta agora costurar um acordo sobre a operação e o timing desse ajuste, cuja arbitragem o presidente não deveria delegar.
Da suposta falta de legitimidade decorre a armadilha da renúncia do presidente, a sua prerrogativa constitucional de definir a linha política do seu próprio governo, que, na perspectiva do PSDB, deveria, ao contrário, ser submetida aos vetos e imposições dos tucanos. Governo de reconstrução nacional não é governo ‘encarregado de negócios’: a reconstrução nacional requer urgência e governo pleno. Espera-se dos partidos programáticos que negociem uma aliança programática, sem imposições, sem chantagens, com o fisiologismo reduzido ao mínimo inevitável.
A liderança tucana montou também a armadilha da renúncia à reeleição, que fere prerrogativa constitucional inequívoca. Uma coisa é ser contra a reeleição no atual sistema, outra é constranger um presidente a renunciar à prerrogativa a fim de afastá-lo, pelo crime de governar com competência. Ceder seria confissão de ilegitimidade.
Logo vem a armadilha do parlamentarismo insincero. Proibir ou condenar a reeleição e defender o parlamentarismo não se coadunam na mesma proposta. No semipresidencialismo – única forma viável de regime parlamentar, uma vez que nossa sociedade dificilmente renunciaria à eleição direta do presidente – a reeleição do chefe de Estado deveria ser a regra e, a do premiê, uma prerrogativa do Congresso.
Outra armadilha é a precipitação. Alguns ultraliberais apostam no caos se todos os problemas não forem resolvidos imediatamente. Há clara diferença entre medidas de reforma amplas, com efeitos a longo prazo, medidas emergenciais, como as que já estão avançando no Senado, e medidas imediatas que só dependem do Executivo, como extinguir ministérios.
Finalmente, há de se convir que o PMDB está montando uma armadilha a si próprio: não se pode esperar que, mantendo-se as mesmas regras para compor a coalizão que sustentará o governo, daí resulte um jogo de outra natureza. Não apenas por motivos morais, mas porque a coalizão frouxa e fragmentada, com base em troca de favores entre o Executivo e parlamentares, mostrou-se volúvel ao longo do tempo e inconfiável no final.
Não é necessário, para governar, arrebanhar maioria “constitucional” de 60% do Congresso. O essencial é negociar uma aliança programática com o pequeno número de partidos dispostos a compartilhar ônus e bônus do poder, e decidida a evitar pautas-bombas e mudanças constitucionais deletérias, e negociar o resto com coalizões de geometria variável. Negociar, negociar, negociar.* É PROFESSOR TITULAR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP