A Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios, com o objetivo de continuar a modernização e desburocratização dos negócios no Brasil, passou a permitir que pessoas físicas não residentes no país possam ser eleitas como diretoras de sociedades anônimas. Isso, porém, trouxe muitos debates e questionamentos sobre a possibilidade de sociedades limitadas terem o mesmo direito. Para dirimir qualquer dúvida sobre o tema, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) proferiu despachos e estabeleceu essa possibilidade na Instrução Normativa (IN) 112/2022.
Tais processos de modernização e desburocratização têm evoluído ao longo dos anos: em 2001, a Lei das Sociedades Anônimas foi alterada para permitir que membros do conselho de administração pudessem ser pessoas físicas que não residem no país e, em 2021, para permitir que a diretoria fosse composta por apenas um diretor, em vez de pelo menos dois, conforme determinava anteriormente. O próprio DREI também determinou, na IN 81/2020, que as sociedades limitadas podem ter conselho de administração com membros não residentes no Brasil.
O diretor não residente pode tomar posse somente após obter um CPF e constituir um representante residente no Brasil com poderes para, no mínimo, três anos após o término do prazo de gestão do administrador, receber citações em ações contra ele propostas com base na legislação societária, além de citações e intimações em processos administrativos instaurados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), caso exerça o cargo de administrador em companhia aberta.
Atualmente, o sistema da Receita Federal está em fase de atualização para permitir a indicação do diretor não residente no país no formulário denominado documento básico de entrada, o DBE, que, após aprovado, inclui as informações do diretor no CNPJ da sociedade. Processo similar está acontecendo para possibilitar que as sociedades anônimas tenham somente um diretor no CNPJ.
Em diversos estados, incluindo São Paulo, é necessário apresentar o DBE para registrar o ato societário que elege o diretor não residente nas juntas comerciais. Tendo em vista o processo de atualização do sistema da Receita Federal do Brasil, algumas juntas comerciais têm registrado os atos societários de eleição do diretor não residente sem a apresentação do DBE. Posterior ao registro, algumas juntas comerciais apresentam um ofício à Receita Federal do Brasil solicitando a inclusão do diretor não residente no CNPJ da sociedade.
Com a possibilidade de as sociedades poderem ter administradores não residentes no Brasil, as sociedades estrangeiras e multinacionais têm a opção de centralizar a administração da sociedade brasileira em administradores localizados em outras jurisdições, que já conhecem as políticas e estratégias da sociedade. Tais vantagens podem ser relevantes especialmente em holdings e em sociedades em fase de constituição.
O administrador não residente tem os mesmos deveres de fidúcia dos que residem no Brasil, incluindo lealdade, diligência, vigiar as atividades da empresa, investigar eventuais problemas da sociedade, conforme estabelecido na Leis das Sociedades Anônimas e nos atos societários das empresas. Embora alguns desses deveres sejam mais difíceis para administradores que residem fora do Brasil, cabe lembrar que eles podem responder civilmente por qualquer prejuízo que causar quando estiver dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo, e se violar alguma lei ou o estatuto. O administrador também pode ser responsabilizado pelos atos dos seus subordinados e mandatários.
Nas sociedades operacionais, um diretor residente no Brasil pode ser essencial para administração diária da sociedade, considerando o conhecimento do mercado brasileiro, a representação perante terceiros no dia a dia, a tomada rápida de decisão, assinatura de documentos, entre outras atividades. Por isso, dependendo do negócio operado pela sociedade, adotar um modelo híbrido com administradores residentes e não residentes no Brasil pode ser uma boa estratégia.
Além das alterações citadas, foi sancionada em 21 de setembro o Projeto de Lei 1.212/22 (Lei 14.451/2022) que altera alguns quóruns de aprovação dos sócios nas sociedades limitadas. Agora, a eleição de administradores não sócios enquanto o capital social da sociedade não estiver integralizado dependerá de aprovação de, no mínimo, dois terços dos sócios, em vez de uma decisão unânime.
Já a eleição de administradores não sócios após o capital social da sociedade estar integralizado dependerá de aprovação de mais da metade do capital social, em vez de no mínimo dois terços dos sócios. Ainda, o quórum de aprovação dos sócios para a destituição de administradores, modificação do contrato social, incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou cessação do estado de liquidação passa ser de mais da metade do capital social. Tais mudanças entram em vigor em 22 de outubro, e os documentos societários poderão ser alterados para refletir tais alterações.
A modernização e desburocratização do ambiente de negócio brasileiro com a alteração da legislação, vinculada a uma governança coorporativa sofisticada nos documentos societários, continuarão a contribuir para a atração de investimentos estrangeiros.
*Silvia Bernardino e Jane Yang são, respectivamente, sócia e associada de Trench Rossi Watanabe