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Brexit: quando os lordes perdem a cabeça


Theresa May deve ser substituída por um quadro eurocético e, tudo indica, será mantida a decisão apertada do referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia

Por Roberto Dumas
Roberto Dumas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A primeira-ministra britânica Theresa May anunciou nesta sexta-feira, 24, que deixa o cargo em 7 de junho. Lágrimas à parte, por não ter conseguido equacionar a questão do Brexit, o fato é que o Reino Unido tem um longo caminho pela frente e não será fácil pacificar a questão.

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Agora provavelmente, em seu lugar, será elevado ao cargo um eurocético do porte do ex-prefeito de Londres, Boris Johnson. Ele é um os cabeças do movimento Brexit de 2016 e ex-ministro das relações exteriores e um feroz defensor do rompimento com a UE. Outro nome que vem à baila é de outro defensor Brexit e ex-secretário geral do movimento, Dominic Raab. Enquanto Jonhson parece mais propenso ao diálogo, Raab eleva às alturas a probabilidade do Reino Unido sair da União Europeia sem um acordo.

De qualquer maneira, quem quer que seja o novo primeiro ministro, não será alguém que cogitará reverter o resultado do referendo ou sugerir um novo, bem como defenderá, certamente, um acordo semelhante que a União Europeia tem com o Canadá.

As cartas na mesa

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Mas evitando um pouco as idiossincrasias do parlamento britânico, o que se tem na mesa? Excluindo obviamente um novo referendo, que talvez seja prematuro ainda desconsiderá-lo:

-Primeira Opção: a União Europeia poderia fazer parte do já estabelecido Europeian Economic Area (EEA), integrado por Liechtenstein, Noruega e Islândia -mercado único:

Neste mercado único, os membros do EEA devem atender quase todas as regulamentações da UE para garantir acesso ao mercado unificado, contribuírem com o orçamento da União Europeia, além de permitirem a livre movimentação de imigrantes (Acordo de Schengen de 1985). Embora o Reino Unido não faça parte deste acordo. Enfim, quase uma desilusão achar que essa opção terá maioria no parlamento britânico.

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-Segunda Opção: o Reino Unido poderá fazer parte de uma aduaneira com a UE "Free Trade Agreement", com uma tarifa externa comum (TEC), que garantiria o livre fluxo da maior parte das mercadorias, mas o país ficaria impedido de negociar novos acordos comerciais com terceiros países, além de ter de manter com eles o mesmo tratamento alfandegário adotado pela UE.

Isso sem mencionar o imbróglio entre as duas Irlandas: Irlanda do Norte (parte do Reino Unidos) e República da Irlanda (país independente e membro da UE). Como estabelecer uma fronteira física alfandegária ("hard border") entre as duas Irlandas, dado que o Tratado de 1998, conhecido como "good Friday agreement", pôs fim a décadas de hostilidades entre os protestantes e católicos de ambas regiões? Talvez quem tenha votado para sair da UE não deva ter atinado para esse "pequeno detalhe" que assombrou o Reino Unido por décadas.

A solução apresentada seria estabelecer um "backstop" que manteria o Reino Unido em uma união aduaneira (FTA), mas deixaria temporariamente a Irlanda do Norte em um mercado único durante o período de transição (dez/2020). Proposta duramente rechaçada pelos hard Brexiters, pois além de tratar o Reino Unidos como clamam - como um país vassalo da UE - tal opção poderia durar indefinidamente, que é justamente o que essa linha decisória não aceita em hipótese alguma. Fica óbvio, portanto, a impossibilidade em conciliar ambas agendas: se de um lado as Irlandas não aceitam nenhum tipo de fronteira, por outro os hard brexiters não aceitam nenhum tipo de relação com a UE, o que fatalmente exige algum tipo de fronteira.

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Ou seja, o que o parlamento britânico parece querer é sair do mercado único, da união alfandegária, proibir a imigração, mas manter as duas Irlandas sem barreiras e sem controle. Isso é incompatível.

-Terceira Opção: praticamente um no-deal seria sair da UE e fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC). Proposta amplamente defendida pelos hard brexiters. Nesse caso, o cenário seria quase uma análise dos riscos de um no-deal. Listo alguns deles abaixo:

a) Serviços financeiros - aproximadamente 12% do PIB do Reino Unido vem de serviços financeiros: bancos que estão sediados em Londres perderiam seus "passaportes" que os permitem atender clientes em qualquer país membro da UE. Vários bancos já pensam em mudar suas branches para Dublin, Paris ou Frankfurt;

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b) Comércio internacional - em 2017, 44% das exportações do Reino Unido foram destinadas para países da União Europeia. E, além dos 14% que vão para outros países, os quais costuraram acordos comerciais com a UE também. Por outro lado, 53% das exportações das nações da UE são destinadas ao Reino Unidos. Com um no-deal, estima-se que o aumento médio das tarifas da UE em relação ao Reino Unido seria de 5.7% sobre tudo que é exportado, ao passo que as exportações do Reino Unido para as nações da UE sofreriam uma tarifa média de 4.3%.

c) Setor automotivo - as tarifas de sobre exportações de automóveis vindas do Reino Unido passariam para 10%. Assumindo que dos 1.67 milhão de automóveis produzidos no Reino Unidos, 1,3 milhão são exportados e 54% vão para os países membros da UE, seria de esperar que algumas montadoras como a Toyota, Nissan, Honda e BMW já passassem a apresentar alguns planos em caso de um hard Brexit. Como se não bastasse, 79% de todos os componentes que são utilizados na manufatura dos carros no Reino Unido são provenientes da União Europeia, os quais sofrerão com maior tributação.

d) Produtos alimentícios, animais e plantas - segundo o sindicato nacional dos agricultores do Reino Unido, aproximadamente 65% dos produtos agrícolas são exportados para países da UE, os quais certamente em caso de um no-deal passarão a sofrer com taxas alfandegárias e inspeções fitossanitárias. Para os não membros da UE, as inspeções fitossanitárias afetam mais de 50% dos produtos agrícolas (incluindo animais) transacionadas. Já para membros da UE apenas 2% desses produtos são sanitariamente checados.

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e) Economia - em 2018, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos do Reino Unido atingiu 4.2% do PIB, sendo largamente financiado por capitais voláteis. Ou seja, uma saída desorganizada da UE suscitaria uma fuga de capitais do Reino Unido, levando a uma expressiva depreciação da Libra Esterlina.

Um maxi-depreciação da moeda inglesa, aliado a um maior custo de produção, dada maiores tarifas e restrições a exportações, reduziriam a lucratividade das empresas. Depreciação cambial e maior custo de produção certamente aumentariam a expectativa inflacionária da Ilha e o retorno requerido dos bonds britânicos, afetando o nível de desemprego consideravelmente.

Talvez seja um pouco cedo para arriscar um palpite sobre como será o final dessa história, mas se a opinião de um economista vale alguma coisa, apostaria em um novo referendo ou um hard Brexit com no-deal, infelizmente com pesados efeitos para a quase frágil economia mundial e às instituições europeias.

*Roberto Dumas é Mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, Mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), graduado e pós-graduado em administração e economia de empresas pela FGV e Chartered Financial Analyst conferido pelo CFA Institute (USA)

Roberto Dumas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A primeira-ministra britânica Theresa May anunciou nesta sexta-feira, 24, que deixa o cargo em 7 de junho. Lágrimas à parte, por não ter conseguido equacionar a questão do Brexit, o fato é que o Reino Unido tem um longo caminho pela frente e não será fácil pacificar a questão.

Agora provavelmente, em seu lugar, será elevado ao cargo um eurocético do porte do ex-prefeito de Londres, Boris Johnson. Ele é um os cabeças do movimento Brexit de 2016 e ex-ministro das relações exteriores e um feroz defensor do rompimento com a UE. Outro nome que vem à baila é de outro defensor Brexit e ex-secretário geral do movimento, Dominic Raab. Enquanto Jonhson parece mais propenso ao diálogo, Raab eleva às alturas a probabilidade do Reino Unido sair da União Europeia sem um acordo.

De qualquer maneira, quem quer que seja o novo primeiro ministro, não será alguém que cogitará reverter o resultado do referendo ou sugerir um novo, bem como defenderá, certamente, um acordo semelhante que a União Europeia tem com o Canadá.

As cartas na mesa

Mas evitando um pouco as idiossincrasias do parlamento britânico, o que se tem na mesa? Excluindo obviamente um novo referendo, que talvez seja prematuro ainda desconsiderá-lo:

-Primeira Opção: a União Europeia poderia fazer parte do já estabelecido Europeian Economic Area (EEA), integrado por Liechtenstein, Noruega e Islândia -mercado único:

Neste mercado único, os membros do EEA devem atender quase todas as regulamentações da UE para garantir acesso ao mercado unificado, contribuírem com o orçamento da União Europeia, além de permitirem a livre movimentação de imigrantes (Acordo de Schengen de 1985). Embora o Reino Unido não faça parte deste acordo. Enfim, quase uma desilusão achar que essa opção terá maioria no parlamento britânico.

-Segunda Opção: o Reino Unido poderá fazer parte de uma aduaneira com a UE "Free Trade Agreement", com uma tarifa externa comum (TEC), que garantiria o livre fluxo da maior parte das mercadorias, mas o país ficaria impedido de negociar novos acordos comerciais com terceiros países, além de ter de manter com eles o mesmo tratamento alfandegário adotado pela UE.

Isso sem mencionar o imbróglio entre as duas Irlandas: Irlanda do Norte (parte do Reino Unidos) e República da Irlanda (país independente e membro da UE). Como estabelecer uma fronteira física alfandegária ("hard border") entre as duas Irlandas, dado que o Tratado de 1998, conhecido como "good Friday agreement", pôs fim a décadas de hostilidades entre os protestantes e católicos de ambas regiões? Talvez quem tenha votado para sair da UE não deva ter atinado para esse "pequeno detalhe" que assombrou o Reino Unido por décadas.

A solução apresentada seria estabelecer um "backstop" que manteria o Reino Unido em uma união aduaneira (FTA), mas deixaria temporariamente a Irlanda do Norte em um mercado único durante o período de transição (dez/2020). Proposta duramente rechaçada pelos hard Brexiters, pois além de tratar o Reino Unidos como clamam - como um país vassalo da UE - tal opção poderia durar indefinidamente, que é justamente o que essa linha decisória não aceita em hipótese alguma. Fica óbvio, portanto, a impossibilidade em conciliar ambas agendas: se de um lado as Irlandas não aceitam nenhum tipo de fronteira, por outro os hard brexiters não aceitam nenhum tipo de relação com a UE, o que fatalmente exige algum tipo de fronteira.

Ou seja, o que o parlamento britânico parece querer é sair do mercado único, da união alfandegária, proibir a imigração, mas manter as duas Irlandas sem barreiras e sem controle. Isso é incompatível.

-Terceira Opção: praticamente um no-deal seria sair da UE e fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC). Proposta amplamente defendida pelos hard brexiters. Nesse caso, o cenário seria quase uma análise dos riscos de um no-deal. Listo alguns deles abaixo:

a) Serviços financeiros - aproximadamente 12% do PIB do Reino Unido vem de serviços financeiros: bancos que estão sediados em Londres perderiam seus "passaportes" que os permitem atender clientes em qualquer país membro da UE. Vários bancos já pensam em mudar suas branches para Dublin, Paris ou Frankfurt;

b) Comércio internacional - em 2017, 44% das exportações do Reino Unido foram destinadas para países da União Europeia. E, além dos 14% que vão para outros países, os quais costuraram acordos comerciais com a UE também. Por outro lado, 53% das exportações das nações da UE são destinadas ao Reino Unidos. Com um no-deal, estima-se que o aumento médio das tarifas da UE em relação ao Reino Unido seria de 5.7% sobre tudo que é exportado, ao passo que as exportações do Reino Unido para as nações da UE sofreriam uma tarifa média de 4.3%.

c) Setor automotivo - as tarifas de sobre exportações de automóveis vindas do Reino Unido passariam para 10%. Assumindo que dos 1.67 milhão de automóveis produzidos no Reino Unidos, 1,3 milhão são exportados e 54% vão para os países membros da UE, seria de esperar que algumas montadoras como a Toyota, Nissan, Honda e BMW já passassem a apresentar alguns planos em caso de um hard Brexit. Como se não bastasse, 79% de todos os componentes que são utilizados na manufatura dos carros no Reino Unido são provenientes da União Europeia, os quais sofrerão com maior tributação.

d) Produtos alimentícios, animais e plantas - segundo o sindicato nacional dos agricultores do Reino Unido, aproximadamente 65% dos produtos agrícolas são exportados para países da UE, os quais certamente em caso de um no-deal passarão a sofrer com taxas alfandegárias e inspeções fitossanitárias. Para os não membros da UE, as inspeções fitossanitárias afetam mais de 50% dos produtos agrícolas (incluindo animais) transacionadas. Já para membros da UE apenas 2% desses produtos são sanitariamente checados.

e) Economia - em 2018, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos do Reino Unido atingiu 4.2% do PIB, sendo largamente financiado por capitais voláteis. Ou seja, uma saída desorganizada da UE suscitaria uma fuga de capitais do Reino Unido, levando a uma expressiva depreciação da Libra Esterlina.

Um maxi-depreciação da moeda inglesa, aliado a um maior custo de produção, dada maiores tarifas e restrições a exportações, reduziriam a lucratividade das empresas. Depreciação cambial e maior custo de produção certamente aumentariam a expectativa inflacionária da Ilha e o retorno requerido dos bonds britânicos, afetando o nível de desemprego consideravelmente.

Talvez seja um pouco cedo para arriscar um palpite sobre como será o final dessa história, mas se a opinião de um economista vale alguma coisa, apostaria em um novo referendo ou um hard Brexit com no-deal, infelizmente com pesados efeitos para a quase frágil economia mundial e às instituições europeias.

*Roberto Dumas é Mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, Mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), graduado e pós-graduado em administração e economia de empresas pela FGV e Chartered Financial Analyst conferido pelo CFA Institute (USA)

Roberto Dumas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A primeira-ministra britânica Theresa May anunciou nesta sexta-feira, 24, que deixa o cargo em 7 de junho. Lágrimas à parte, por não ter conseguido equacionar a questão do Brexit, o fato é que o Reino Unido tem um longo caminho pela frente e não será fácil pacificar a questão.

Agora provavelmente, em seu lugar, será elevado ao cargo um eurocético do porte do ex-prefeito de Londres, Boris Johnson. Ele é um os cabeças do movimento Brexit de 2016 e ex-ministro das relações exteriores e um feroz defensor do rompimento com a UE. Outro nome que vem à baila é de outro defensor Brexit e ex-secretário geral do movimento, Dominic Raab. Enquanto Jonhson parece mais propenso ao diálogo, Raab eleva às alturas a probabilidade do Reino Unido sair da União Europeia sem um acordo.

De qualquer maneira, quem quer que seja o novo primeiro ministro, não será alguém que cogitará reverter o resultado do referendo ou sugerir um novo, bem como defenderá, certamente, um acordo semelhante que a União Europeia tem com o Canadá.

As cartas na mesa

Mas evitando um pouco as idiossincrasias do parlamento britânico, o que se tem na mesa? Excluindo obviamente um novo referendo, que talvez seja prematuro ainda desconsiderá-lo:

-Primeira Opção: a União Europeia poderia fazer parte do já estabelecido Europeian Economic Area (EEA), integrado por Liechtenstein, Noruega e Islândia -mercado único:

Neste mercado único, os membros do EEA devem atender quase todas as regulamentações da UE para garantir acesso ao mercado unificado, contribuírem com o orçamento da União Europeia, além de permitirem a livre movimentação de imigrantes (Acordo de Schengen de 1985). Embora o Reino Unido não faça parte deste acordo. Enfim, quase uma desilusão achar que essa opção terá maioria no parlamento britânico.

-Segunda Opção: o Reino Unido poderá fazer parte de uma aduaneira com a UE "Free Trade Agreement", com uma tarifa externa comum (TEC), que garantiria o livre fluxo da maior parte das mercadorias, mas o país ficaria impedido de negociar novos acordos comerciais com terceiros países, além de ter de manter com eles o mesmo tratamento alfandegário adotado pela UE.

Isso sem mencionar o imbróglio entre as duas Irlandas: Irlanda do Norte (parte do Reino Unidos) e República da Irlanda (país independente e membro da UE). Como estabelecer uma fronteira física alfandegária ("hard border") entre as duas Irlandas, dado que o Tratado de 1998, conhecido como "good Friday agreement", pôs fim a décadas de hostilidades entre os protestantes e católicos de ambas regiões? Talvez quem tenha votado para sair da UE não deva ter atinado para esse "pequeno detalhe" que assombrou o Reino Unido por décadas.

A solução apresentada seria estabelecer um "backstop" que manteria o Reino Unido em uma união aduaneira (FTA), mas deixaria temporariamente a Irlanda do Norte em um mercado único durante o período de transição (dez/2020). Proposta duramente rechaçada pelos hard Brexiters, pois além de tratar o Reino Unidos como clamam - como um país vassalo da UE - tal opção poderia durar indefinidamente, que é justamente o que essa linha decisória não aceita em hipótese alguma. Fica óbvio, portanto, a impossibilidade em conciliar ambas agendas: se de um lado as Irlandas não aceitam nenhum tipo de fronteira, por outro os hard brexiters não aceitam nenhum tipo de relação com a UE, o que fatalmente exige algum tipo de fronteira.

Ou seja, o que o parlamento britânico parece querer é sair do mercado único, da união alfandegária, proibir a imigração, mas manter as duas Irlandas sem barreiras e sem controle. Isso é incompatível.

-Terceira Opção: praticamente um no-deal seria sair da UE e fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC). Proposta amplamente defendida pelos hard brexiters. Nesse caso, o cenário seria quase uma análise dos riscos de um no-deal. Listo alguns deles abaixo:

a) Serviços financeiros - aproximadamente 12% do PIB do Reino Unido vem de serviços financeiros: bancos que estão sediados em Londres perderiam seus "passaportes" que os permitem atender clientes em qualquer país membro da UE. Vários bancos já pensam em mudar suas branches para Dublin, Paris ou Frankfurt;

b) Comércio internacional - em 2017, 44% das exportações do Reino Unido foram destinadas para países da União Europeia. E, além dos 14% que vão para outros países, os quais costuraram acordos comerciais com a UE também. Por outro lado, 53% das exportações das nações da UE são destinadas ao Reino Unidos. Com um no-deal, estima-se que o aumento médio das tarifas da UE em relação ao Reino Unido seria de 5.7% sobre tudo que é exportado, ao passo que as exportações do Reino Unido para as nações da UE sofreriam uma tarifa média de 4.3%.

c) Setor automotivo - as tarifas de sobre exportações de automóveis vindas do Reino Unido passariam para 10%. Assumindo que dos 1.67 milhão de automóveis produzidos no Reino Unidos, 1,3 milhão são exportados e 54% vão para os países membros da UE, seria de esperar que algumas montadoras como a Toyota, Nissan, Honda e BMW já passassem a apresentar alguns planos em caso de um hard Brexit. Como se não bastasse, 79% de todos os componentes que são utilizados na manufatura dos carros no Reino Unido são provenientes da União Europeia, os quais sofrerão com maior tributação.

d) Produtos alimentícios, animais e plantas - segundo o sindicato nacional dos agricultores do Reino Unido, aproximadamente 65% dos produtos agrícolas são exportados para países da UE, os quais certamente em caso de um no-deal passarão a sofrer com taxas alfandegárias e inspeções fitossanitárias. Para os não membros da UE, as inspeções fitossanitárias afetam mais de 50% dos produtos agrícolas (incluindo animais) transacionadas. Já para membros da UE apenas 2% desses produtos são sanitariamente checados.

e) Economia - em 2018, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos do Reino Unido atingiu 4.2% do PIB, sendo largamente financiado por capitais voláteis. Ou seja, uma saída desorganizada da UE suscitaria uma fuga de capitais do Reino Unido, levando a uma expressiva depreciação da Libra Esterlina.

Um maxi-depreciação da moeda inglesa, aliado a um maior custo de produção, dada maiores tarifas e restrições a exportações, reduziriam a lucratividade das empresas. Depreciação cambial e maior custo de produção certamente aumentariam a expectativa inflacionária da Ilha e o retorno requerido dos bonds britânicos, afetando o nível de desemprego consideravelmente.

Talvez seja um pouco cedo para arriscar um palpite sobre como será o final dessa história, mas se a opinião de um economista vale alguma coisa, apostaria em um novo referendo ou um hard Brexit com no-deal, infelizmente com pesados efeitos para a quase frágil economia mundial e às instituições europeias.

*Roberto Dumas é Mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, Mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), graduado e pós-graduado em administração e economia de empresas pela FGV e Chartered Financial Analyst conferido pelo CFA Institute (USA)

Roberto Dumas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A primeira-ministra britânica Theresa May anunciou nesta sexta-feira, 24, que deixa o cargo em 7 de junho. Lágrimas à parte, por não ter conseguido equacionar a questão do Brexit, o fato é que o Reino Unido tem um longo caminho pela frente e não será fácil pacificar a questão.

Agora provavelmente, em seu lugar, será elevado ao cargo um eurocético do porte do ex-prefeito de Londres, Boris Johnson. Ele é um os cabeças do movimento Brexit de 2016 e ex-ministro das relações exteriores e um feroz defensor do rompimento com a UE. Outro nome que vem à baila é de outro defensor Brexit e ex-secretário geral do movimento, Dominic Raab. Enquanto Jonhson parece mais propenso ao diálogo, Raab eleva às alturas a probabilidade do Reino Unido sair da União Europeia sem um acordo.

De qualquer maneira, quem quer que seja o novo primeiro ministro, não será alguém que cogitará reverter o resultado do referendo ou sugerir um novo, bem como defenderá, certamente, um acordo semelhante que a União Europeia tem com o Canadá.

As cartas na mesa

Mas evitando um pouco as idiossincrasias do parlamento britânico, o que se tem na mesa? Excluindo obviamente um novo referendo, que talvez seja prematuro ainda desconsiderá-lo:

-Primeira Opção: a União Europeia poderia fazer parte do já estabelecido Europeian Economic Area (EEA), integrado por Liechtenstein, Noruega e Islândia -mercado único:

Neste mercado único, os membros do EEA devem atender quase todas as regulamentações da UE para garantir acesso ao mercado unificado, contribuírem com o orçamento da União Europeia, além de permitirem a livre movimentação de imigrantes (Acordo de Schengen de 1985). Embora o Reino Unido não faça parte deste acordo. Enfim, quase uma desilusão achar que essa opção terá maioria no parlamento britânico.

-Segunda Opção: o Reino Unido poderá fazer parte de uma aduaneira com a UE "Free Trade Agreement", com uma tarifa externa comum (TEC), que garantiria o livre fluxo da maior parte das mercadorias, mas o país ficaria impedido de negociar novos acordos comerciais com terceiros países, além de ter de manter com eles o mesmo tratamento alfandegário adotado pela UE.

Isso sem mencionar o imbróglio entre as duas Irlandas: Irlanda do Norte (parte do Reino Unidos) e República da Irlanda (país independente e membro da UE). Como estabelecer uma fronteira física alfandegária ("hard border") entre as duas Irlandas, dado que o Tratado de 1998, conhecido como "good Friday agreement", pôs fim a décadas de hostilidades entre os protestantes e católicos de ambas regiões? Talvez quem tenha votado para sair da UE não deva ter atinado para esse "pequeno detalhe" que assombrou o Reino Unido por décadas.

A solução apresentada seria estabelecer um "backstop" que manteria o Reino Unido em uma união aduaneira (FTA), mas deixaria temporariamente a Irlanda do Norte em um mercado único durante o período de transição (dez/2020). Proposta duramente rechaçada pelos hard Brexiters, pois além de tratar o Reino Unidos como clamam - como um país vassalo da UE - tal opção poderia durar indefinidamente, que é justamente o que essa linha decisória não aceita em hipótese alguma. Fica óbvio, portanto, a impossibilidade em conciliar ambas agendas: se de um lado as Irlandas não aceitam nenhum tipo de fronteira, por outro os hard brexiters não aceitam nenhum tipo de relação com a UE, o que fatalmente exige algum tipo de fronteira.

Ou seja, o que o parlamento britânico parece querer é sair do mercado único, da união alfandegária, proibir a imigração, mas manter as duas Irlandas sem barreiras e sem controle. Isso é incompatível.

-Terceira Opção: praticamente um no-deal seria sair da UE e fazer parte da Organização Mundial do Comércio (OMC). Proposta amplamente defendida pelos hard brexiters. Nesse caso, o cenário seria quase uma análise dos riscos de um no-deal. Listo alguns deles abaixo:

a) Serviços financeiros - aproximadamente 12% do PIB do Reino Unido vem de serviços financeiros: bancos que estão sediados em Londres perderiam seus "passaportes" que os permitem atender clientes em qualquer país membro da UE. Vários bancos já pensam em mudar suas branches para Dublin, Paris ou Frankfurt;

b) Comércio internacional - em 2017, 44% das exportações do Reino Unido foram destinadas para países da União Europeia. E, além dos 14% que vão para outros países, os quais costuraram acordos comerciais com a UE também. Por outro lado, 53% das exportações das nações da UE são destinadas ao Reino Unidos. Com um no-deal, estima-se que o aumento médio das tarifas da UE em relação ao Reino Unido seria de 5.7% sobre tudo que é exportado, ao passo que as exportações do Reino Unido para as nações da UE sofreriam uma tarifa média de 4.3%.

c) Setor automotivo - as tarifas de sobre exportações de automóveis vindas do Reino Unido passariam para 10%. Assumindo que dos 1.67 milhão de automóveis produzidos no Reino Unidos, 1,3 milhão são exportados e 54% vão para os países membros da UE, seria de esperar que algumas montadoras como a Toyota, Nissan, Honda e BMW já passassem a apresentar alguns planos em caso de um hard Brexit. Como se não bastasse, 79% de todos os componentes que são utilizados na manufatura dos carros no Reino Unido são provenientes da União Europeia, os quais sofrerão com maior tributação.

d) Produtos alimentícios, animais e plantas - segundo o sindicato nacional dos agricultores do Reino Unido, aproximadamente 65% dos produtos agrícolas são exportados para países da UE, os quais certamente em caso de um no-deal passarão a sofrer com taxas alfandegárias e inspeções fitossanitárias. Para os não membros da UE, as inspeções fitossanitárias afetam mais de 50% dos produtos agrícolas (incluindo animais) transacionadas. Já para membros da UE apenas 2% desses produtos são sanitariamente checados.

e) Economia - em 2018, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos do Reino Unido atingiu 4.2% do PIB, sendo largamente financiado por capitais voláteis. Ou seja, uma saída desorganizada da UE suscitaria uma fuga de capitais do Reino Unido, levando a uma expressiva depreciação da Libra Esterlina.

Um maxi-depreciação da moeda inglesa, aliado a um maior custo de produção, dada maiores tarifas e restrições a exportações, reduziriam a lucratividade das empresas. Depreciação cambial e maior custo de produção certamente aumentariam a expectativa inflacionária da Ilha e o retorno requerido dos bonds britânicos, afetando o nível de desemprego consideravelmente.

Talvez seja um pouco cedo para arriscar um palpite sobre como será o final dessa história, mas se a opinião de um economista vale alguma coisa, apostaria em um novo referendo ou um hard Brexit com no-deal, infelizmente com pesados efeitos para a quase frágil economia mundial e às instituições europeias.

*Roberto Dumas é Mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, Mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), graduado e pós-graduado em administração e economia de empresas pela FGV e Chartered Financial Analyst conferido pelo CFA Institute (USA)

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