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Deixar de recolher ICMS próprio é crime contra a ordem tributária


Por Carlos Augusto Valenza Diniz
Carlos Augusto Valenza Diniz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os inadimplentes contumazes receberam um duro golpe na sessão de julgamento do HC pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no último dia 22 de agosto do corrente.

O STJ decidiu, com a brilhante atuação estratégica da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, que o não pagamento doloso do ICMS próprio, ainda que declarado, caracterizara crime contra a ordem tributária previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, segundo o qual: é crime "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos."

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O ICMS é um tributo estadual que incide sobre a produção e circulação de mercadorias e alguns serviços, sendo que o seu valor é inserido no preço pago pelo consumidor. Portanto, não é o empresário que suporta o ônus financeiro desse tributo, mas sim o consumidor final. O empresário é apenas o sujeito obrigado a recolher aos cofres públicos o valor do tributo pago anteriormente e que já pertence ao estado.

No entanto, um significativo percentual desses empresários acaba por não efetuar o recolhimento do tributo, retendo para si o respectivo valor em detrimento de toda a sociedade. Até então se entendia que a simples falta de pagamento de um tributo não poderia caracterizar crime, pois a nossa Constituição Federal não teria contemplado a prisão do devedor civil, salvo no caso do devedor de alimentos. Essa tese foi afastada pelo STF, o qual afirmou que os crimes contra a ordem tributária têm natureza penal e não se relacionam com a prisão civil por dívida (1).

Outro argumento utilizado também é que o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90 se aplicaria apenas em casos excepcionais, em que há retenção do tributo de terceiro, como no caso das contribuições previdenciárias, na retenção do imposto de renda ou mesmo no ICMS/ST, não se aplicando ao ICMS próprio. É sobre essa tese o STJ se manifestou agora, reconhecendo a existência, em tese, de crime contra a ordem tributária quando não há o pagamento doloso do ICMS declarado, mesmo no caso de ICMS próprio. Acertou, portanto, o STJ ao aplicar a norma o que já vigorava na legislação dos anos 90 e que visa a servir como mais um instrumento para obrigar o contribuinte a se manter de forma regular com o Fisco.

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A sonegação de tributos pode chegar a 7 (sete) vezes o valor da corrupção no Brasil, mas pouca atenção a esse fenômeno era conferida pela jurisprudência dos tribunais superiores. Tomara que essa decisão do STJ seja mais um passo importante na construção e sedimentação de um sistema tributário mais justo e eficaz.

No entanto, o nosso sistema ainda tem algumas falhas. A pena para esse tipo de crime ainda é muito pequena, pois a lei prevê a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da multa, enquanto que a pena prevista para o crime de corrupção pode chegar a 12 (doze) anos. Veja-se, portanto, que o legislador se preocupou muito com a probidade na administração pública, prevendo o crime de corrupção cometida por servidores públicos, mas é complacente com o empresário que se apropria de recursos públicos, ao fixar uma pena muito leve.

Além disso, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção, os crimes contra a ordem tributária permitem a extinção da punibilidade pelo simples pagamento do tributo devido. Nesse sentido, é importante que esse crime contra a ordem tributária possua uma pena equiparada ao crime de corrupção, bem como que sejam limitadas as hipóteses de extinção da punibilidade. Assim teríamos mais eficácia no combate à sonegação.

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Do ponto de vista fiscal, destacando-se apenas o ano de 2017, todos os Estados e o Distrito Federal receberam juntos cerca de 445 bilhões de reais de ICMS, conforme dados do CONFAZ (2). Não é possível precisar o valor efetivo do que se deixa de arrecadar de ICMS declarado e não pago, mas se isso representar cerca de 20%, percentual esse bem razoável e acatado por especialistas, já teríamos aí um potencial de incremento de arrecadação de cerca de quase 90 bilhões por ano nos combalidos cofres dos estados e do Distrito Federal.

Portanto, o verdadeiro combate à sonegação deve ser acompanhado por mais atenção e investimento na estrutura administrativa de apoio e aparelhamento das procuradorias de estado, pois competem às Procuradorias-Gerais do Estados e do Distrito Federal o combate judicial as fraudes fiscais, que têm impactado, como no exemplo acima, na melhoria da arrecadação fiscal, sem aumento da carga tributária.

É necessário que haja um mínimo de autonomia financeira e de gestão pra que as procuradorias não sejam tolhidas eventualmente por grupos políticos a quem não interessa combater a sonegação de tributos.

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O reconhecimento da existência de crime contra a ordem tributária foi uma grande vitória dos estados e do Distrito Federal, que foi conquistada pelo silencioso, profícuo e exitoso trabalho de Procuradores de Estado e do Distrito Federal que ao defenderem o Erário, estão defendendo os recursos necessários à salvaguarda de todos os direitos fundamentais do cidadão e aos custeio das boas políticas públicas.

(1)  ARE 999425

(2) www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao

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*Carlos Augusto Valenza Diniz é procurador do Distrito Federal e presidente do Sindicato dos Procuradores do Distrito Federal

Carlos Augusto Valenza Diniz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os inadimplentes contumazes receberam um duro golpe na sessão de julgamento do HC pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no último dia 22 de agosto do corrente.

O STJ decidiu, com a brilhante atuação estratégica da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, que o não pagamento doloso do ICMS próprio, ainda que declarado, caracterizara crime contra a ordem tributária previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, segundo o qual: é crime "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos."

O ICMS é um tributo estadual que incide sobre a produção e circulação de mercadorias e alguns serviços, sendo que o seu valor é inserido no preço pago pelo consumidor. Portanto, não é o empresário que suporta o ônus financeiro desse tributo, mas sim o consumidor final. O empresário é apenas o sujeito obrigado a recolher aos cofres públicos o valor do tributo pago anteriormente e que já pertence ao estado.

No entanto, um significativo percentual desses empresários acaba por não efetuar o recolhimento do tributo, retendo para si o respectivo valor em detrimento de toda a sociedade. Até então se entendia que a simples falta de pagamento de um tributo não poderia caracterizar crime, pois a nossa Constituição Federal não teria contemplado a prisão do devedor civil, salvo no caso do devedor de alimentos. Essa tese foi afastada pelo STF, o qual afirmou que os crimes contra a ordem tributária têm natureza penal e não se relacionam com a prisão civil por dívida (1).

Outro argumento utilizado também é que o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90 se aplicaria apenas em casos excepcionais, em que há retenção do tributo de terceiro, como no caso das contribuições previdenciárias, na retenção do imposto de renda ou mesmo no ICMS/ST, não se aplicando ao ICMS próprio. É sobre essa tese o STJ se manifestou agora, reconhecendo a existência, em tese, de crime contra a ordem tributária quando não há o pagamento doloso do ICMS declarado, mesmo no caso de ICMS próprio. Acertou, portanto, o STJ ao aplicar a norma o que já vigorava na legislação dos anos 90 e que visa a servir como mais um instrumento para obrigar o contribuinte a se manter de forma regular com o Fisco.

A sonegação de tributos pode chegar a 7 (sete) vezes o valor da corrupção no Brasil, mas pouca atenção a esse fenômeno era conferida pela jurisprudência dos tribunais superiores. Tomara que essa decisão do STJ seja mais um passo importante na construção e sedimentação de um sistema tributário mais justo e eficaz.

No entanto, o nosso sistema ainda tem algumas falhas. A pena para esse tipo de crime ainda é muito pequena, pois a lei prevê a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da multa, enquanto que a pena prevista para o crime de corrupção pode chegar a 12 (doze) anos. Veja-se, portanto, que o legislador se preocupou muito com a probidade na administração pública, prevendo o crime de corrupção cometida por servidores públicos, mas é complacente com o empresário que se apropria de recursos públicos, ao fixar uma pena muito leve.

Além disso, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção, os crimes contra a ordem tributária permitem a extinção da punibilidade pelo simples pagamento do tributo devido. Nesse sentido, é importante que esse crime contra a ordem tributária possua uma pena equiparada ao crime de corrupção, bem como que sejam limitadas as hipóteses de extinção da punibilidade. Assim teríamos mais eficácia no combate à sonegação.

Do ponto de vista fiscal, destacando-se apenas o ano de 2017, todos os Estados e o Distrito Federal receberam juntos cerca de 445 bilhões de reais de ICMS, conforme dados do CONFAZ (2). Não é possível precisar o valor efetivo do que se deixa de arrecadar de ICMS declarado e não pago, mas se isso representar cerca de 20%, percentual esse bem razoável e acatado por especialistas, já teríamos aí um potencial de incremento de arrecadação de cerca de quase 90 bilhões por ano nos combalidos cofres dos estados e do Distrito Federal.

Portanto, o verdadeiro combate à sonegação deve ser acompanhado por mais atenção e investimento na estrutura administrativa de apoio e aparelhamento das procuradorias de estado, pois competem às Procuradorias-Gerais do Estados e do Distrito Federal o combate judicial as fraudes fiscais, que têm impactado, como no exemplo acima, na melhoria da arrecadação fiscal, sem aumento da carga tributária.

É necessário que haja um mínimo de autonomia financeira e de gestão pra que as procuradorias não sejam tolhidas eventualmente por grupos políticos a quem não interessa combater a sonegação de tributos.

O reconhecimento da existência de crime contra a ordem tributária foi uma grande vitória dos estados e do Distrito Federal, que foi conquistada pelo silencioso, profícuo e exitoso trabalho de Procuradores de Estado e do Distrito Federal que ao defenderem o Erário, estão defendendo os recursos necessários à salvaguarda de todos os direitos fundamentais do cidadão e aos custeio das boas políticas públicas.

(1)  ARE 999425

(2) www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao

*Carlos Augusto Valenza Diniz é procurador do Distrito Federal e presidente do Sindicato dos Procuradores do Distrito Federal

Carlos Augusto Valenza Diniz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os inadimplentes contumazes receberam um duro golpe na sessão de julgamento do HC pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no último dia 22 de agosto do corrente.

O STJ decidiu, com a brilhante atuação estratégica da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, que o não pagamento doloso do ICMS próprio, ainda que declarado, caracterizara crime contra a ordem tributária previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, segundo o qual: é crime "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos."

O ICMS é um tributo estadual que incide sobre a produção e circulação de mercadorias e alguns serviços, sendo que o seu valor é inserido no preço pago pelo consumidor. Portanto, não é o empresário que suporta o ônus financeiro desse tributo, mas sim o consumidor final. O empresário é apenas o sujeito obrigado a recolher aos cofres públicos o valor do tributo pago anteriormente e que já pertence ao estado.

No entanto, um significativo percentual desses empresários acaba por não efetuar o recolhimento do tributo, retendo para si o respectivo valor em detrimento de toda a sociedade. Até então se entendia que a simples falta de pagamento de um tributo não poderia caracterizar crime, pois a nossa Constituição Federal não teria contemplado a prisão do devedor civil, salvo no caso do devedor de alimentos. Essa tese foi afastada pelo STF, o qual afirmou que os crimes contra a ordem tributária têm natureza penal e não se relacionam com a prisão civil por dívida (1).

Outro argumento utilizado também é que o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90 se aplicaria apenas em casos excepcionais, em que há retenção do tributo de terceiro, como no caso das contribuições previdenciárias, na retenção do imposto de renda ou mesmo no ICMS/ST, não se aplicando ao ICMS próprio. É sobre essa tese o STJ se manifestou agora, reconhecendo a existência, em tese, de crime contra a ordem tributária quando não há o pagamento doloso do ICMS declarado, mesmo no caso de ICMS próprio. Acertou, portanto, o STJ ao aplicar a norma o que já vigorava na legislação dos anos 90 e que visa a servir como mais um instrumento para obrigar o contribuinte a se manter de forma regular com o Fisco.

A sonegação de tributos pode chegar a 7 (sete) vezes o valor da corrupção no Brasil, mas pouca atenção a esse fenômeno era conferida pela jurisprudência dos tribunais superiores. Tomara que essa decisão do STJ seja mais um passo importante na construção e sedimentação de um sistema tributário mais justo e eficaz.

No entanto, o nosso sistema ainda tem algumas falhas. A pena para esse tipo de crime ainda é muito pequena, pois a lei prevê a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da multa, enquanto que a pena prevista para o crime de corrupção pode chegar a 12 (doze) anos. Veja-se, portanto, que o legislador se preocupou muito com a probidade na administração pública, prevendo o crime de corrupção cometida por servidores públicos, mas é complacente com o empresário que se apropria de recursos públicos, ao fixar uma pena muito leve.

Além disso, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção, os crimes contra a ordem tributária permitem a extinção da punibilidade pelo simples pagamento do tributo devido. Nesse sentido, é importante que esse crime contra a ordem tributária possua uma pena equiparada ao crime de corrupção, bem como que sejam limitadas as hipóteses de extinção da punibilidade. Assim teríamos mais eficácia no combate à sonegação.

Do ponto de vista fiscal, destacando-se apenas o ano de 2017, todos os Estados e o Distrito Federal receberam juntos cerca de 445 bilhões de reais de ICMS, conforme dados do CONFAZ (2). Não é possível precisar o valor efetivo do que se deixa de arrecadar de ICMS declarado e não pago, mas se isso representar cerca de 20%, percentual esse bem razoável e acatado por especialistas, já teríamos aí um potencial de incremento de arrecadação de cerca de quase 90 bilhões por ano nos combalidos cofres dos estados e do Distrito Federal.

Portanto, o verdadeiro combate à sonegação deve ser acompanhado por mais atenção e investimento na estrutura administrativa de apoio e aparelhamento das procuradorias de estado, pois competem às Procuradorias-Gerais do Estados e do Distrito Federal o combate judicial as fraudes fiscais, que têm impactado, como no exemplo acima, na melhoria da arrecadação fiscal, sem aumento da carga tributária.

É necessário que haja um mínimo de autonomia financeira e de gestão pra que as procuradorias não sejam tolhidas eventualmente por grupos políticos a quem não interessa combater a sonegação de tributos.

O reconhecimento da existência de crime contra a ordem tributária foi uma grande vitória dos estados e do Distrito Federal, que foi conquistada pelo silencioso, profícuo e exitoso trabalho de Procuradores de Estado e do Distrito Federal que ao defenderem o Erário, estão defendendo os recursos necessários à salvaguarda de todos os direitos fundamentais do cidadão e aos custeio das boas políticas públicas.

(1)  ARE 999425

(2) www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao

*Carlos Augusto Valenza Diniz é procurador do Distrito Federal e presidente do Sindicato dos Procuradores do Distrito Federal

Carlos Augusto Valenza Diniz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os inadimplentes contumazes receberam um duro golpe na sessão de julgamento do HC pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no último dia 22 de agosto do corrente.

O STJ decidiu, com a brilhante atuação estratégica da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, que o não pagamento doloso do ICMS próprio, ainda que declarado, caracterizara crime contra a ordem tributária previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, segundo o qual: é crime "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos."

O ICMS é um tributo estadual que incide sobre a produção e circulação de mercadorias e alguns serviços, sendo que o seu valor é inserido no preço pago pelo consumidor. Portanto, não é o empresário que suporta o ônus financeiro desse tributo, mas sim o consumidor final. O empresário é apenas o sujeito obrigado a recolher aos cofres públicos o valor do tributo pago anteriormente e que já pertence ao estado.

No entanto, um significativo percentual desses empresários acaba por não efetuar o recolhimento do tributo, retendo para si o respectivo valor em detrimento de toda a sociedade. Até então se entendia que a simples falta de pagamento de um tributo não poderia caracterizar crime, pois a nossa Constituição Federal não teria contemplado a prisão do devedor civil, salvo no caso do devedor de alimentos. Essa tese foi afastada pelo STF, o qual afirmou que os crimes contra a ordem tributária têm natureza penal e não se relacionam com a prisão civil por dívida (1).

Outro argumento utilizado também é que o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90 se aplicaria apenas em casos excepcionais, em que há retenção do tributo de terceiro, como no caso das contribuições previdenciárias, na retenção do imposto de renda ou mesmo no ICMS/ST, não se aplicando ao ICMS próprio. É sobre essa tese o STJ se manifestou agora, reconhecendo a existência, em tese, de crime contra a ordem tributária quando não há o pagamento doloso do ICMS declarado, mesmo no caso de ICMS próprio. Acertou, portanto, o STJ ao aplicar a norma o que já vigorava na legislação dos anos 90 e que visa a servir como mais um instrumento para obrigar o contribuinte a se manter de forma regular com o Fisco.

A sonegação de tributos pode chegar a 7 (sete) vezes o valor da corrupção no Brasil, mas pouca atenção a esse fenômeno era conferida pela jurisprudência dos tribunais superiores. Tomara que essa decisão do STJ seja mais um passo importante na construção e sedimentação de um sistema tributário mais justo e eficaz.

No entanto, o nosso sistema ainda tem algumas falhas. A pena para esse tipo de crime ainda é muito pequena, pois a lei prevê a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da multa, enquanto que a pena prevista para o crime de corrupção pode chegar a 12 (doze) anos. Veja-se, portanto, que o legislador se preocupou muito com a probidade na administração pública, prevendo o crime de corrupção cometida por servidores públicos, mas é complacente com o empresário que se apropria de recursos públicos, ao fixar uma pena muito leve.

Além disso, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção, os crimes contra a ordem tributária permitem a extinção da punibilidade pelo simples pagamento do tributo devido. Nesse sentido, é importante que esse crime contra a ordem tributária possua uma pena equiparada ao crime de corrupção, bem como que sejam limitadas as hipóteses de extinção da punibilidade. Assim teríamos mais eficácia no combate à sonegação.

Do ponto de vista fiscal, destacando-se apenas o ano de 2017, todos os Estados e o Distrito Federal receberam juntos cerca de 445 bilhões de reais de ICMS, conforme dados do CONFAZ (2). Não é possível precisar o valor efetivo do que se deixa de arrecadar de ICMS declarado e não pago, mas se isso representar cerca de 20%, percentual esse bem razoável e acatado por especialistas, já teríamos aí um potencial de incremento de arrecadação de cerca de quase 90 bilhões por ano nos combalidos cofres dos estados e do Distrito Federal.

Portanto, o verdadeiro combate à sonegação deve ser acompanhado por mais atenção e investimento na estrutura administrativa de apoio e aparelhamento das procuradorias de estado, pois competem às Procuradorias-Gerais do Estados e do Distrito Federal o combate judicial as fraudes fiscais, que têm impactado, como no exemplo acima, na melhoria da arrecadação fiscal, sem aumento da carga tributária.

É necessário que haja um mínimo de autonomia financeira e de gestão pra que as procuradorias não sejam tolhidas eventualmente por grupos políticos a quem não interessa combater a sonegação de tributos.

O reconhecimento da existência de crime contra a ordem tributária foi uma grande vitória dos estados e do Distrito Federal, que foi conquistada pelo silencioso, profícuo e exitoso trabalho de Procuradores de Estado e do Distrito Federal que ao defenderem o Erário, estão defendendo os recursos necessários à salvaguarda de todos os direitos fundamentais do cidadão e aos custeio das boas políticas públicas.

(1)  ARE 999425

(2) www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao

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