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Eterno areópago


Por João Linhares
João Linhares. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Tive uma sensação de morte e deparei-me com um ambiente estranho; não era o limbo, tampouco o inferno de Dante ou o paraíso. Disseram-me que seria julgado. Pensei: por que não me banhei nas águas do Ganges, quando estive em Varanasi? Quiçá meus pecados fossem remidos e assim seria poupado desse périplo. Os guardas me carregavam energicamente. Um deles era terrível...

Não sei explicar e detalhar bem aquela atmosfera, mas se cuidava de um julgamento. E, para adentrar a corte, o guarda bateu 3 vezes na porta. Após ele fornecer a senha exigida, o juiz autorizou o ingresso. Fui conduzido sob uma espada flamejante como aquela do Gênesis (3:24). Eu não enxergava nada.

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O magistrado era severo, onisciente e, como corolário, conhecia tudo da minha vida. Era implacável! E confundia-se com um acusador. Era um juiz mimético: a um só tempo era arconte e acusador.

Por mais estratégias de defesa que eu esboçasse e esgrimisse, por maior que fosse a destreza nas minhas palavras e na eloquência, ele conhecia todas e as repelia liminarmente. Sabia de antemão cada átimo, cada suspiro, cada engano e cada dolo que eu perpetrara. A prova defensiva era inócua. O devido processo legal inexistia, tal como eu o depreendera dos códigos. Eu aspirava à prescrição! Ou almejava uma nulidade...

Afinal, o juiz era inquisidor, era também o Ministério Público neste estranho e perene sinédrio. E quando juiz e acusação atuam em conluio, de forma adrede, sequer o próprio Deus conseguiria escapar. Esse conúbio era inadmissível! Todavia os meus argumentos não convenciam.

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Depois de eu tanto argumentar, pedi-lhe água. Um querubim trouxe-ma. Ao ingeri-la, o gosto extremamente amargo do líquido irritou a minha garganta; tossi bastante. Mal consegui engolir aquilo. Espantei-me! O julgador sorriu ao notar o meu semblante. Era uma espécie de transubstanciação: meus delitos transfigurados em fel.  E, pelo jeito, eram muitos.

O supremo magistrado exortara-me de que eu seria castigado severamente! Redarguí-lhe indagando o porquê da censura. E gizei a suspeição, a parcialidade dele, em vão, pois isso também fora rechaçado de chofre. Respondeu-me o julgador:

- Condeno-te pelas inúmeras vezes nas quais me renegaste.

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Condeno-te porque me vilipendiaste.

Condeno-te porquanto não seguiste os meus princípios.

E tu os conhecia sobejamente!

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Condeno-te porque foste indiferente aos meus sinais.

Enfim, condeno-te pelo que és, por aquilo em que te transformaste.

Pus-me no genuflexório por clemência.

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E perguntei:

-Que sinais eram esses?

Nunca os notei.

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E a resposta veio inopinadamente:

- Tua intuição!

Fez-se silêncio no areópago.

Solicitei o nome do juiz para rogar-lhe o derradeiro perdão.

- Sou a tua consciência!

Desisti imediatamente do pleito.

Selaram-se definitivamente os meus lábios,

findaram-se as minhas réplicas.

Sentenciado estava: eu me condeno!

*João Linhares, promotor de Justiça do Ministério Público de MS. Mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona - Espanha. Especialista em Controle de Constitucionalidade e Direitos Fundamentais pela PUC-RJ. Integrante da Academia Maçônica de Letras de MS. Professor (docente externo) no curso de pós-graduação lato sensu em Segurança Pública e Fronteiras da Universidade Estadual de MS - UEMS

João Linhares. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Tive uma sensação de morte e deparei-me com um ambiente estranho; não era o limbo, tampouco o inferno de Dante ou o paraíso. Disseram-me que seria julgado. Pensei: por que não me banhei nas águas do Ganges, quando estive em Varanasi? Quiçá meus pecados fossem remidos e assim seria poupado desse périplo. Os guardas me carregavam energicamente. Um deles era terrível...

Não sei explicar e detalhar bem aquela atmosfera, mas se cuidava de um julgamento. E, para adentrar a corte, o guarda bateu 3 vezes na porta. Após ele fornecer a senha exigida, o juiz autorizou o ingresso. Fui conduzido sob uma espada flamejante como aquela do Gênesis (3:24). Eu não enxergava nada.

O magistrado era severo, onisciente e, como corolário, conhecia tudo da minha vida. Era implacável! E confundia-se com um acusador. Era um juiz mimético: a um só tempo era arconte e acusador.

Por mais estratégias de defesa que eu esboçasse e esgrimisse, por maior que fosse a destreza nas minhas palavras e na eloquência, ele conhecia todas e as repelia liminarmente. Sabia de antemão cada átimo, cada suspiro, cada engano e cada dolo que eu perpetrara. A prova defensiva era inócua. O devido processo legal inexistia, tal como eu o depreendera dos códigos. Eu aspirava à prescrição! Ou almejava uma nulidade...

Afinal, o juiz era inquisidor, era também o Ministério Público neste estranho e perene sinédrio. E quando juiz e acusação atuam em conluio, de forma adrede, sequer o próprio Deus conseguiria escapar. Esse conúbio era inadmissível! Todavia os meus argumentos não convenciam.

Depois de eu tanto argumentar, pedi-lhe água. Um querubim trouxe-ma. Ao ingeri-la, o gosto extremamente amargo do líquido irritou a minha garganta; tossi bastante. Mal consegui engolir aquilo. Espantei-me! O julgador sorriu ao notar o meu semblante. Era uma espécie de transubstanciação: meus delitos transfigurados em fel.  E, pelo jeito, eram muitos.

O supremo magistrado exortara-me de que eu seria castigado severamente! Redarguí-lhe indagando o porquê da censura. E gizei a suspeição, a parcialidade dele, em vão, pois isso também fora rechaçado de chofre. Respondeu-me o julgador:

- Condeno-te pelas inúmeras vezes nas quais me renegaste.

Condeno-te porque me vilipendiaste.

Condeno-te porquanto não seguiste os meus princípios.

E tu os conhecia sobejamente!

Condeno-te porque foste indiferente aos meus sinais.

Enfim, condeno-te pelo que és, por aquilo em que te transformaste.

Pus-me no genuflexório por clemência.

E perguntei:

-Que sinais eram esses?

Nunca os notei.

E a resposta veio inopinadamente:

- Tua intuição!

Fez-se silêncio no areópago.

Solicitei o nome do juiz para rogar-lhe o derradeiro perdão.

- Sou a tua consciência!

Desisti imediatamente do pleito.

Selaram-se definitivamente os meus lábios,

findaram-se as minhas réplicas.

Sentenciado estava: eu me condeno!

*João Linhares, promotor de Justiça do Ministério Público de MS. Mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona - Espanha. Especialista em Controle de Constitucionalidade e Direitos Fundamentais pela PUC-RJ. Integrante da Academia Maçônica de Letras de MS. Professor (docente externo) no curso de pós-graduação lato sensu em Segurança Pública e Fronteiras da Universidade Estadual de MS - UEMS

João Linhares. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Tive uma sensação de morte e deparei-me com um ambiente estranho; não era o limbo, tampouco o inferno de Dante ou o paraíso. Disseram-me que seria julgado. Pensei: por que não me banhei nas águas do Ganges, quando estive em Varanasi? Quiçá meus pecados fossem remidos e assim seria poupado desse périplo. Os guardas me carregavam energicamente. Um deles era terrível...

Não sei explicar e detalhar bem aquela atmosfera, mas se cuidava de um julgamento. E, para adentrar a corte, o guarda bateu 3 vezes na porta. Após ele fornecer a senha exigida, o juiz autorizou o ingresso. Fui conduzido sob uma espada flamejante como aquela do Gênesis (3:24). Eu não enxergava nada.

O magistrado era severo, onisciente e, como corolário, conhecia tudo da minha vida. Era implacável! E confundia-se com um acusador. Era um juiz mimético: a um só tempo era arconte e acusador.

Por mais estratégias de defesa que eu esboçasse e esgrimisse, por maior que fosse a destreza nas minhas palavras e na eloquência, ele conhecia todas e as repelia liminarmente. Sabia de antemão cada átimo, cada suspiro, cada engano e cada dolo que eu perpetrara. A prova defensiva era inócua. O devido processo legal inexistia, tal como eu o depreendera dos códigos. Eu aspirava à prescrição! Ou almejava uma nulidade...

Afinal, o juiz era inquisidor, era também o Ministério Público neste estranho e perene sinédrio. E quando juiz e acusação atuam em conluio, de forma adrede, sequer o próprio Deus conseguiria escapar. Esse conúbio era inadmissível! Todavia os meus argumentos não convenciam.

Depois de eu tanto argumentar, pedi-lhe água. Um querubim trouxe-ma. Ao ingeri-la, o gosto extremamente amargo do líquido irritou a minha garganta; tossi bastante. Mal consegui engolir aquilo. Espantei-me! O julgador sorriu ao notar o meu semblante. Era uma espécie de transubstanciação: meus delitos transfigurados em fel.  E, pelo jeito, eram muitos.

O supremo magistrado exortara-me de que eu seria castigado severamente! Redarguí-lhe indagando o porquê da censura. E gizei a suspeição, a parcialidade dele, em vão, pois isso também fora rechaçado de chofre. Respondeu-me o julgador:

- Condeno-te pelas inúmeras vezes nas quais me renegaste.

Condeno-te porque me vilipendiaste.

Condeno-te porquanto não seguiste os meus princípios.

E tu os conhecia sobejamente!

Condeno-te porque foste indiferente aos meus sinais.

Enfim, condeno-te pelo que és, por aquilo em que te transformaste.

Pus-me no genuflexório por clemência.

E perguntei:

-Que sinais eram esses?

Nunca os notei.

E a resposta veio inopinadamente:

- Tua intuição!

Fez-se silêncio no areópago.

Solicitei o nome do juiz para rogar-lhe o derradeiro perdão.

- Sou a tua consciência!

Desisti imediatamente do pleito.

Selaram-se definitivamente os meus lábios,

findaram-se as minhas réplicas.

Sentenciado estava: eu me condeno!

*João Linhares, promotor de Justiça do Ministério Público de MS. Mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona - Espanha. Especialista em Controle de Constitucionalidade e Direitos Fundamentais pela PUC-RJ. Integrante da Academia Maçônica de Letras de MS. Professor (docente externo) no curso de pós-graduação lato sensu em Segurança Pública e Fronteiras da Universidade Estadual de MS - UEMS

João Linhares. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Tive uma sensação de morte e deparei-me com um ambiente estranho; não era o limbo, tampouco o inferno de Dante ou o paraíso. Disseram-me que seria julgado. Pensei: por que não me banhei nas águas do Ganges, quando estive em Varanasi? Quiçá meus pecados fossem remidos e assim seria poupado desse périplo. Os guardas me carregavam energicamente. Um deles era terrível...

Não sei explicar e detalhar bem aquela atmosfera, mas se cuidava de um julgamento. E, para adentrar a corte, o guarda bateu 3 vezes na porta. Após ele fornecer a senha exigida, o juiz autorizou o ingresso. Fui conduzido sob uma espada flamejante como aquela do Gênesis (3:24). Eu não enxergava nada.

O magistrado era severo, onisciente e, como corolário, conhecia tudo da minha vida. Era implacável! E confundia-se com um acusador. Era um juiz mimético: a um só tempo era arconte e acusador.

Por mais estratégias de defesa que eu esboçasse e esgrimisse, por maior que fosse a destreza nas minhas palavras e na eloquência, ele conhecia todas e as repelia liminarmente. Sabia de antemão cada átimo, cada suspiro, cada engano e cada dolo que eu perpetrara. A prova defensiva era inócua. O devido processo legal inexistia, tal como eu o depreendera dos códigos. Eu aspirava à prescrição! Ou almejava uma nulidade...

Afinal, o juiz era inquisidor, era também o Ministério Público neste estranho e perene sinédrio. E quando juiz e acusação atuam em conluio, de forma adrede, sequer o próprio Deus conseguiria escapar. Esse conúbio era inadmissível! Todavia os meus argumentos não convenciam.

Depois de eu tanto argumentar, pedi-lhe água. Um querubim trouxe-ma. Ao ingeri-la, o gosto extremamente amargo do líquido irritou a minha garganta; tossi bastante. Mal consegui engolir aquilo. Espantei-me! O julgador sorriu ao notar o meu semblante. Era uma espécie de transubstanciação: meus delitos transfigurados em fel.  E, pelo jeito, eram muitos.

O supremo magistrado exortara-me de que eu seria castigado severamente! Redarguí-lhe indagando o porquê da censura. E gizei a suspeição, a parcialidade dele, em vão, pois isso também fora rechaçado de chofre. Respondeu-me o julgador:

- Condeno-te pelas inúmeras vezes nas quais me renegaste.

Condeno-te porque me vilipendiaste.

Condeno-te porquanto não seguiste os meus princípios.

E tu os conhecia sobejamente!

Condeno-te porque foste indiferente aos meus sinais.

Enfim, condeno-te pelo que és, por aquilo em que te transformaste.

Pus-me no genuflexório por clemência.

E perguntei:

-Que sinais eram esses?

Nunca os notei.

E a resposta veio inopinadamente:

- Tua intuição!

Fez-se silêncio no areópago.

Solicitei o nome do juiz para rogar-lhe o derradeiro perdão.

- Sou a tua consciência!

Desisti imediatamente do pleito.

Selaram-se definitivamente os meus lábios,

findaram-se as minhas réplicas.

Sentenciado estava: eu me condeno!

*João Linhares, promotor de Justiça do Ministério Público de MS. Mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona - Espanha. Especialista em Controle de Constitucionalidade e Direitos Fundamentais pela PUC-RJ. Integrante da Academia Maçônica de Letras de MS. Professor (docente externo) no curso de pós-graduação lato sensu em Segurança Pública e Fronteiras da Universidade Estadual de MS - UEMS

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